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A normalista - Colégio Pio XI Bessa

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Maria costumava dormir com a vela acesa, numa palmatória de flandres.<br />

Noutro quarto, defronte, ressonava a cozinheira, uma tirando para velha,<br />

chamada Mariana, e, no corredor, o Sultão abanava as orelhas sacudindo as<br />

pulgas. De quando em quando havia um barulho de asas na sala de jantar:<br />

era a sabiá debatendo-se na gaiola, assombrada.<br />

Agora, sim, Maria estava só, completamente só, podia ler à vontade,<br />

uma, duas, três... quantas vezes quisesse, a carta do Zuza. Nada como a<br />

noite para os namorados! Era só quando ela gozava a sua liberdade, à noite,<br />

no seu quarto, em camisa, fazendo o que bem entendesse...<br />

“Minha senhora”, dizia o futuro bacharel, muito respeitoso. “Tomo a<br />

liberdade de me dirigir a V. Exa. confiado na sua infinita bondade, nessa<br />

bondade que se revela em seus esplêndidos olhos de madona e na brandura<br />

meiga de sua voz cujo timbre faz-me lembrar toda a melodia duma harpa<br />

eólia tangida por mãos de serafins... Tomo esta liberdade para dizer-lhe<br />

simplesmente que a amo! e que este amor só podia ser inspirado pela<br />

incomparável luz de seu olhar e pela música sentimental de sua voz... Amo-a<br />

deveras... Só me resta esperar que V. Exa. aceite este amor como tributo<br />

sincero de um coração avassalado por sua beleza encantadora, e então serei<br />

o mais feliz dos homens.<br />

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D. V. Exa. adm. e escravo<br />

José de Souza Nunes”<br />

Isto numa letrinha microscópica, indecifrável quase.<br />

Maria esteve meditando muito tempo sobre a resposta que devia dar ao<br />

estudante, com os olhos na parede onde esbatia a sombra da rede ao<br />

comprido. Para não responder ficava-lhe mal, era uma falta de consideração.<br />

Devia responder fosse o que fosse. E, nessa dúvida, lia e relia a carta numa<br />

inquietação que lhe tirava o sono. Realmente! começava cedo a sua carreira<br />

amorosa e começava por um aspirante a bacharel! Seria verdade aquilo ou o<br />

rapaz queria divertir-se à sua custa? O Zuza parecia-lhe um bom moço,<br />

muito bem-educado, incapaz de seduzir uma rapariga honesta, de costumes<br />

irrepreensíveis, refratário a pagodeiras... Às vezes, porém, tinha cara de<br />

pedante com os seus óculos de ouro, com a sua flor na botoeira, dizendo que<br />

dê, dê-me você isto, faça você aquilo, ora sebo!<br />

Maria implicava com certos modos do rapaz.<br />

É verdade que tinha fortuna, era filho dum homem de bem, dum<br />

coronel... Mas...<br />

E lá vinha o mas, e a dúvida não se desfazia.<br />

Imaginava-se ao lado do Zuza, numa casinha muito bem mobiliada, com<br />

cortinas de cretone na sala de jantar e um viveiro de pássaros — ele, de<br />

chambre e gorro sentado na escrivaninha a fazer versos, feliz,<br />

despreocupado; ela com um robe-de-chambre todo branco, fitinhas na frente<br />

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