A normalista - Colégio Pio XI Bessa
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Fazia sombra na calçada. Pela janela aberta entrava uma poeira sutil que<br />
punha uma camada muito tênue e pardacenta no verniz gasto dos móveis.<br />
Vinha lá de dentro, de envolta com o fumaceiro da cozinha, um cheiro<br />
gorduroso e excitante de guisados.<br />
Deram três horas.<br />
— Jesus! fez D. Amélia erguendo-se admirada. Três horas! Vou-me<br />
chegando, meninas.<br />
— Agora fique para jantar, solicitou D. Terezinha. Nada de cerimônia, o<br />
Janjão não tarda, é comida de pobre, mas sempre se passa...<br />
— Ora fique, Jesus!<br />
— Não Tetezinha, de minha alma, não posso, o Mendes me espera, aquilo<br />
é um estouvado. Vim somente para pedir um favorzinho, mas é segredo...<br />
— Oh! filha...<br />
Entraram as duas para a sala de jantar. A Mendes pediu água, e, dando<br />
estalinhos com a língua, acariciando a mão de D. Terezinha, disse muito<br />
baixo, quase ao ouvido, engrossando a voz, que precisava de dez mil-réis<br />
para pagar a costureira e vinha pedir-lhos até o fim do mês. A Teté não<br />
imaginava: tinha em casa o essencial para a feira do dia seguinte! O Mendes<br />
pouco se importava que houvesse ou não dinheiro... Tivesse paciência, sim?<br />
Pagava, sem falta, no fim do mês.<br />
Disse que os meninos andavam descalços, que as despesas eram muito<br />
grandes, alegou o preço da carne... Um horror! Não se podia num tempo<br />
daquele comer com pouco dinheiro. Não sobrava nem para um vestido!<br />
Também estava muito “quebrada”, disse D. Terezinha compungida. O<br />
Janjão tinha feito um ror de despesas naquele mês; dava graças a Deus<br />
quando lhe vinha um dinheirinho do Pará, de rendas... Só ao velho Teixeira,<br />
um que emprestava dinheiro a juros, deviam duzentos mil-réis. Em todo<br />
caso sempre ia ver se arranjava pra cinco mil-réis. Era um instantinho.<br />
Foi depressa à alcova, abriu com estrondo a gaveta da cômoda e daí a<br />
pouco voltou com uma nota de 5$000, muito velha e ruça, quase em<br />
frangalhos, que entregou à outra. Era só o que tinha para servi-la.<br />
— Muito obrigada, minha santa, não sabe quanto lhe agradeço... No fim<br />
do mês, sem falta.<br />
E guardando o dinheiro na velha bolsinha de couro da Rússia:<br />
— Agora deixe-me ir.<br />
— Por que não fica para jantar, insistiu D. Terezinha. O Janjão está<br />
chegando, mande um recadinho ao Dr. Mendes.<br />
— Qual, filha, não posso. O Mendes é muito enjoado; fica para outra vez,<br />
sim?<br />
Beijaram-se depressa e a mulher do juiz municipal retirou-se com seu<br />
passo miudinho, arrepanhando o vestido.<br />
— Apareçam, hein? disse da rua. Amor com amor se paga...<br />
E desapareceu, como um foguete, na esquina.<br />
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