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A normalista - Colégio Pio XI Bessa

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João da Mata tinha bebido sofrivelmente na bodega do Zé Gato onde<br />

costumava aquecer os pulmões ao voltar da Repartição. Nesse dia excedeuse,<br />

tomando em demasia, porque já lá estava o Perneta, um dos correios,<br />

que usava a muleta, que também gostava da pinga e escrevia versos para o<br />

Judeu Errante.<br />

Num momento deram cabo duma garrafa em cujo rótulo lia-se Reclame<br />

atraente como visgo: Cumbe legítima!<br />

E que loquacidade! Falaram por três deputados brasileiros sobre poesia e<br />

política.<br />

O Perneta, sujeito pretensioso e pernóstico, metido a literato, falando<br />

sempre com certo ar dogmático, ventilou uma questão de literatura cearense<br />

— Que não tínhamos poetas, disse; o que havia era uma troça de malandros<br />

e de pedantes muito bestas, que escrevinhavam para a Província coisas tão<br />

ruins que até faziam vergonha aos manes do glorioso José de Alencar; uma<br />

súcia de imitadores que se limitavam a copiar os jornais da Corte.<br />

Na sua opinião o Ceará só possuía um poeta verdadeiramente inspirado —<br />

era Barbosa de Freitas. Esse sim, cantava o que sentia em versos magistrais,<br />

dignos de Victor Hugo. Conhecera-o pessoalmente. Um boêmio! Fazia gosto<br />

ouvi-lo. Que eloqüência, que verve, que talento! Sabia de cor muitas poesias<br />

dele, mas nenhuma se comparava ao Êxtase, “esse poema de amor” que<br />

valia por todas as poesias de Juvenal Galeno. O João queria que recitasse?<br />

— Recita lá! fez o amanuense emborcando o cálice.<br />

E o Perneta, com voz cavernosa, os cotovelos sobre a mesinha de ferro<br />

pintada de amarelo, recitou de um fôlego o Êxtase:<br />

Quando, às horas silentes da noite,<br />

Doce flauta descanta no ar,<br />

Quando as vagas soluçam baixinho<br />

Sobre a praia que alveja o luar.<br />

.......................................................................................<br />

Terminou cansado, com um acesso de tosse, cuspinhando para o lado.<br />

— Sim, senhor! fez João da Mata com um murro na mesa. Isto é que é<br />

ser poeta!<br />

— “Queriam alguma coisa?” veio perguntar o caixeiro, um rapazinho<br />

magro, doente, com olheiras.<br />

— Não, menino, disse o amanuense; está acesa a lanterna, por ora. Foi<br />

entusiasmo.<br />

Estavam no fundo da bodega, numa saleta escura, sem saída por trás,<br />

com as paredes encardidas, úmidas, cheirando a cachaça, onde os fregueses<br />

tomavam bebidas: “Somente os fregueses de certa ordem”, prevenia o Zé<br />

Gato.<br />

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