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A normalista - Colégio Pio XI Bessa

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ouvindo, D. Sofia? Está ouvindo D. Maria do Carmo? São dois os pólos da<br />

Terra!<br />

— Estou satisfeito, disse o presidente erguendo-se.<br />

Arrastar de cadeiras e pés, zunzum de vozes, e S. Exa. grave, correto e<br />

calmo, retirou-se com o seu estado-maior.<br />

O Zuza ferrou em Maria do Carmo um olhar tão demorado e comovido<br />

que chegava a meter pena. Os seus óculos de ouro, muito límpidos e<br />

translúcidos, tinham um brilho de cristal puro. Trazia na botoeira do<br />

redingote claro (o Zuza gostava de roupas claras) uma flor microscópica.<br />

Alguém murmurou ao vê-lo passar:<br />

— Sempre correto!<br />

Maria deixou-se ficar sucumbida, de cabeça baixa, mordiscando a ponta<br />

do lenço, com uma lágrima retardada a tremeluzir-lhe na asa do nariz,<br />

desesperada, revoltada contra si mesma que não soubera responder uma<br />

coisa tão simples... Que vergonha, que humilhação! pensava.<br />

Não saber quantos pólos tem a Terra! E quem havia de responder? A<br />

Lídia, logo a Lídia! O Zuza agora ficaria fazendo um juízo muito triste a seu<br />

respeito e não a procuraria mais... Ah! era muito tola, decididamente! E<br />

jurava consigo “não ter mais vergonha de homem algum”.<br />

Pediu licença ao professor e retirou-se antes de findar-se a aula para<br />

evitar os gracejos das colegas, voltando à casa sem a Lídia, sozinha,<br />

acaçapada, inconsolável.<br />

Uma vez no seu discreto quartinho, bateu a porta com força, despiu-se às<br />

carreiras, desabotoando os colchetes com espalhafato, aos empuxões,<br />

impaciente, até ficar em camisa, e atirou-se à rede soltando um grande<br />

suspiro. Esteve muito tempo a pensar no acadêmico, na “figura triste” que<br />

fizera na aula, em mil outras coisas por associação de idéias, com o olhar,<br />

sem ver, numa velha oleografia do “Cristo abrindo e mostrando o coração à<br />

humanidade”, que estava na parede.<br />

Era uma desgraçada, suspirava tomada de desânimo. Todas tinham seus<br />

namorados, viviam felizes, com o futuro mais ou menos garantido, amando,<br />

gozando; todas tinham seu dia de felicidade, e ela?<br />

Era como uma gata borralheira, sem pai nem mãe, obrigada a suportar os<br />

desaforos de um padrinho muito grosseiro que até a proibia de casar. Nem<br />

amigas tinha. A Lídia, essa parecia-lhe uma desleal, fingida, hipócrita; não<br />

viram como ela tinha dado o quinau na aula? Uma ingrata... Sim, está visto<br />

que havia de ter um fim muito triste...<br />

O verdadeiro era fugir com o primeiro sujeito que lhe aparecesse, fugir<br />

para fora do Ceará, ir-se de uma vez... Estava cansada de viver naquela<br />

casa...<br />

E revoltava-se contra os padrinhos, contra a sociedade, contra Deus,<br />

contra tudo, num desespero febril, ansiando por uma vida feliz,<br />

independente, livre de cuidados ao lado de um homem que a soubesse<br />

compreender, que lhe fizesse todas as vontades.<br />

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