19.04.2013 Views

A normalista - Colégio Pio XI Bessa

A normalista - Colégio Pio XI Bessa

A normalista - Colégio Pio XI Bessa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Não acabou a palavra, porque o amanuense, ferido no seu amor-próprio,<br />

na sua autoridade de chefe da casa, cego, tresvairado, encheu-lhe a boca<br />

com uma formidável bofetada que fê-la rodar.<br />

Maria ficou perplexa, cosida à janela, muito trêmula, sem saber o que<br />

fizesse, muda, como petrificada. Nos seus magníficos olhos cor de azeitona<br />

perpassou a sombra duma desgraça. O padrinho tinha enlouquecido, pensou.<br />

E um pavor infantil tomou-a toda.<br />

Mal acordada dos efeitos da agressão, titubeante, manquejando com a<br />

mão no queixo, D. Terezinha foi estender-se lá dentro da alcova, soluçando<br />

tão alto que se ouvia fora, na rua.<br />

Defronte, em casa da viúva Campelo, estava formada a panelinha do<br />

costume — o Loureiro, a viúva e a afilhada.<br />

Eram quase nove horas da noite.<br />

A Lídia com um pulo veio saber, muito curiosa, o que sucedera, tinha<br />

ouvido choro... Se precisassem alguma coisa...<br />

Mas o amanuense tranqüilizou-a: que não era nada; coisas de mulher,<br />

coisas de mulher...<br />

A Campelinho compreendeu que se tratava de assuntos íntimos e rodou<br />

nos calcanhares. — Não era nada, era o doido do amanuense que andava<br />

aos pontapés.<br />

— Gente canalha! fez o guarda-livros inalterável. Que educação, que fina<br />

educação, recebia-se naquela casa!<br />

Logo no dia seguinte à chegada do Zuza — uma segunda-feira luminosa<br />

de outubro, muito azul no alto, com irradiações no granito das calçadas e<br />

uma aragem insensível quase a arrepiar a fronde espessa dos arvoredos da<br />

praça do Patrocínio — Maria do Carmo foi recebida na Escola Normal com um<br />

chuveiro imprevisto de — parabéns — que as <strong>normalista</strong>s lhe davam à guisa<br />

de presentes de ano. — Parabéns! Parabéns! repetiam arrastando os pés<br />

para trás, abrindo alas, como se cortejassem uma princesa. — Tinham<br />

combinado saudá-la pela chegada do Zuza com esse espírito irrequieto de<br />

colegial despeitado que se apraz em chacotear outro, e talvez com uma<br />

ponta de inveja a mordiscá-las por dentro.<br />

A praça permanecia numa quietação abençoada, com os seus renques de<br />

mungubeiras muito sombrias, verde-escuras e eternamente frescas, a<br />

desafiar, frente a frente, a pujança outonal dos cajueiros em flor que os<br />

liceístas castigavam a pedradas.<br />

Meninos apregoavam numa voz clara e vibrante:<br />

— Loteria do Pará, 30 contos!<br />

O edifício da Escola Normal, a um canto do quadrilátero, pintadinho de<br />

fresco, cinzento, com as janelas abertas à claridade forte do dia, tinha o<br />

aspecto alegre duma casa de noivos acabada de caiar-se.<br />

Maria estava radiante! Que extraordinária alegria infiltrava-se-lhe na<br />

alma, que excelente disposição moral! Acordara mais cedo que nos outros<br />

44<br />

44

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!