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A normalista - Colégio Pio XI Bessa

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A voz de D. Terezinha chamou a Maria do outro lado da rua. Era hora do<br />

almoço. O amanuense estava apressado porque tinha de ir à praia, ao<br />

embarque do conselheiro Castro e Silva que seguia para o Rio de Janeiro.<br />

João da Mata almoçou às carreiras, como quem vai tomar o trem, e<br />

abalou, enfiando-se no inseparável e já velho chapéu-chile.<br />

Seriam onze horas pouco mais ou menos. Um mormação de fornalha<br />

abafava os transeuntes que desciam e subiam a rua de Baixo a pé, esbaforidos.<br />

No porto havia grande lufa-lufa de gente que embarcava e desembarcava<br />

simultaneamente, bracejando, falando alto. A maré de enchente, crispada<br />

pela ventania de sudoeste, num contínuo vaivém, alagava o areal seco e<br />

faiscante. Gente muita ao embarque do conselheiro. Curiosos de todas as<br />

classes, trabalhadores aduaneiros de jaqueta azul, guardas de Alfândega e<br />

oficiais de descarga com ar autoritário, de fardeta e boné, marinheiros da<br />

Capitania, confundiam-se numa promiscuidade interessante. Jangadeiros,<br />

arregaçados até aos joelhos, chapéu de palha de carnaúba, mostrando o<br />

peito robusto e cabeludo, iam armando a vela às jangadas. A cada fluxo do<br />

mar havia gritos e assobios. Um alvoroço! Jangadas iam e vinham em<br />

direção do Nacional, que tombava como um ébrio, aproado ao vento. Apenas<br />

quatro navios mercantes fundeados e uma canhoneira argentina. Reluzia em<br />

caracteres garrafais, pintadinhos de fresco na popa duma barca italiana —<br />

“Civita Vecchia”.<br />

O vapor apitou pedindo mala. Era uma maçada ir a bordo com a maré<br />

cheia e um vento como aquele. Demais o sol estava de rachar. Um carro<br />

parou à porta da Escola de Aprendizes marinheiros: era o conselheiro,<br />

metido numa sobrecasaca muito comprida, cheia de atenções. Já o<br />

esperavam os amigos receosos de que o vapor não suspendesse sem “o<br />

homem”.<br />

A música da Polícia, formada à porta do quartel, gaguejou o Hino Nacional<br />

e o conselheiro, cheio de si, cortejando à direita e à esquerda, muito ancho,<br />

seguiu a tomar o escaler da Alfândega.<br />

— Pílulas! fez João da Mata limpando a testa. Não vale a pena a gente se<br />

sacrificar com um calor deste!<br />

Lá adiante encontrou o Loureiro, que vinha de despachar uma fatura no<br />

Trapiche, muito apressado com a sua calça branca lustrosa de gomas sem<br />

uma dobra.<br />

— “Por ali?” — “É verdade, tinha ido a negócio.”<br />

— Que há de novo? tornou o Loureiro.<br />

— Nada. Vou aqui ao embarque do conselheiro.<br />

— Hás de ganhar muito com isto...<br />

— Que queres, filho? A política, a política...<br />

— Qual política, homem! Com um solão deste não havia quem me fizesse<br />

ir a embarque de filho da mãe nenhum.<br />

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