A MORTE DE DANTON - Teatro Nacional D.Maria II
A MORTE DE DANTON - Teatro Nacional D.Maria II
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A este respeito ele é inesperadamente antiquado: considerando que Lenz e as três<br />
peças são magnificamente modernistas na sua articulação, a fé e a visão<br />
subjacentes a elas são largamente fundamentadas num Zeitgeist que estava já<br />
desatualizado quando Büchner o abarcou. À semelhança de tantos outros<br />
escritores prévios pertencentes ao período febril que começa no Sturm und<br />
Drang, passando pelo classicismo de Weimar e culminando no romantismo<br />
alemão, ele foi abençoado e amaldiçoado com uma visão idealista da totalidade e<br />
harmonia essenciais – mas num tempo em que a realidade prevalecente era, por<br />
contraste, ainda mais ruidosamente discordante. Encontramos precisamente este<br />
contraste numa das mais pungentes cartas de Büchner à sua amada noiva, Minna<br />
Jaeglé, escrita em março de 1834 quando este recuperava de um período de<br />
severa doença – e severa crise pessoal. Ele tinha “acabado de voltar do exterior”,<br />
conta a Minna, onde “Um único tom ressonante vindo de uma centena de cotovias<br />
estoura através do melancólico ar de verão, um pesado pedaço de nuvem vagueia<br />
pela terra, o vento em expansão ressoa à semelhança do seu melodioso passo”. É<br />
assim o vibrante e bonito presente de Büchner. Mas, ele continua, até ao momento<br />
em que o ar primaveril o libertou e lhe deu vida outra vez, ele tinha sido há muito<br />
trespassado por um género de rigor, por uma impressão de estar já morto,<br />
enquanto tudo à sua volta se assemelhava a cadáveres com olhos de vidro e<br />
bochechas de cera. Os “cadáveres” falavam e moviam-se, e com esta descrição<br />
Büchner lança-se num dos seus característicos e emocionantes compassos de<br />
desespero:<br />
Então, quando toda a maquinaria começou a trabalhar com membros que se<br />
sacudiam e vozes dissonantes a chiar, e eu ouvi a mesma velha melodia no órgão<br />
a tralala e vi os pequenos dentes e os cilindros a zumbir na caixa do órgão – eu<br />
amaldiçoei o concerto, a caixa, a melodia – oh, que pobres músicos gritantes<br />
somos nós – será possível que os nossos gritos de agonia na estante apenas<br />
existam para ressoar através de brechas entre as nuvens e, ecoando em contínuo,<br />
morram como um suspiro melódico em ouvidos celestiais?<br />
- Uma antífona enervante: na natureza, o vento e as cotovias e a sua<br />
melodia libertadora; entre os homens, uma raspagem mecânica e mortífera, gritos<br />
tortuosos extraídos talvez por qualquer divindade distante para sua excitação<br />
privada. E é esta mesma trágica antífona que Büchner usa nove meses depois para<br />
iniciar o grande clímax de ópera em A Morte de Danton:<br />
PHILLIPPEAU: Meus amigos, não temos de nos erguer muito acima da terra<br />
para perder de vista todo este vacilar, todas estas incertezas e encher os olhos de<br />
uns grandes contornos divinos. Há um ouvido interior que ouve o clamor e a<br />
discórdia, em que nos aturdimos, e os transforma numa torrente de harmonia.<br />
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