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A MORTE DE DANTON - Teatro Nacional D.Maria II

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presença da guilhotina, a sensação da lâmina a cair, o medo de sofrer e a imagem<br />

da putrefação apoderam-se dos espíritos.<br />

“Gritaste bem alto, Danton. Se te tivesses preocupado mais cedo com a tua vida<br />

seria agora diferente. Quando a morte se aproxima, assim, insolente, e se sente o<br />

fedor que lhe sai da boca, cada vez com mais insistência, é horrível, não é?”. As<br />

cenas da prisão giram em torno deste mesmo tema, apresentando múltiplas<br />

variações.<br />

Büchner abandona aqui o terreno político, mesmo que por vezes regresse a ele<br />

para se interessar pela criatura que sofre, para tentar compreender o que pode<br />

passar-se no mais profundo do ser nos últimos instantes. A imagem é desprovida<br />

de complacência, é progressivamente eliminado tudo o que possa desviar da<br />

realidade concreta da execução iminente, quer se trate do sentimento de morrer<br />

por uma causa justa, da crença num Além, do desprezo pela morte por uma<br />

questão de bravata, ou da convicção de estar a agir no sentido da História. Assim,<br />

quando os prisioneiros querem ver-se como vítimas da sua tentativa de salvar<br />

inocentes, não conseguem convencer-se disso, e o argumento cai por si. Quando<br />

Phillipeau evoca a possibilidade de encontrar a paz em Deus, os outros<br />

permanecem surdos aos seus argumentos, pois só concebem a divindade como<br />

insensível ao sofrimento terrestre. Quando Danton quer ironizar, Camille logo lhe<br />

responde que nem por isso conseguirá “por mais que deites a língua de fora, não<br />

consegues lamber o suor da morte do teu rosto”. Finalmente, quando Danton tenta<br />

colocar o curso da História do seu lado “Quando, um dia, a história abrir as<br />

catacumbas, o despotismo sufocará com o fedor dos nossos cadáveres”. Hérault<br />

responde-lhe que ele está a construir “frases para a posteridade”, frases que<br />

pouco interessam àqueles que vão morrer.<br />

No momento em que a carroça vem buscar os condenados para os conduzir à<br />

guilhotina, estes evocam de forma coral um mundo abandonado pelo divino. A<br />

noite que cai adquire o valor de crepúsculo dos deuses: “As nuvens cobrem o<br />

crepúsculo, é como um Olimpo que se extingue e onde aparecem, uma a uma, as<br />

figuras dos deuses pálidos, atónitos”. Só o amor entre Lucile e Camille, entre<br />

Danton e Julie, ou a amizade entre Camille e Danton – o calor humano, a<br />

compreensão da dor do outro nas cenas de prisão – parecem poder dar ainda um<br />

sentido à existência. “Poderás tu impedir que as nossas cabeças se beijem no<br />

fundo do cesto?” diz Danton ao carrasco. Resta também, última escapatória, a<br />

loucura de Lucile no final: último refúgio, paradoxal, contra um mundo insensato.<br />

Esta conceção de um universo de onde os valores desertaram, e sentido como um<br />

caos medonho, levou a crítica a ver em A Morte de Danton uma peça que advoga<br />

o niilismo. Todavia, convém notar que o mundo aqui posto em causa não tem um<br />

caráter absoluto. Não é o mundo em si que desaba, mas uma certa conceção que<br />

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