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A MORTE DE DANTON - Teatro Nacional D.Maria II

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Apesar da importância da “conversa dos filósofos”, em vão procuramos em A<br />

Morte de Danton ou na obra de Büchner uma ilustração das teses de Espinosa ou<br />

de Epicuro. Contudo, o tema da criatura sofredora num mundo abandonado pelos<br />

deuses é retomado na peça sob inúmeras variações.<br />

Robespierre, que fica só após a discussão com Danton, mergulha na incerteza “não<br />

sei qual dos dois dentro de mim mente”, constata ele, como as palavras de Danton<br />

na noite que precede a sua prisão. Até aqui, o Incorruptível identificara-se com a<br />

Revolução: no seu discurso no Clube dos Jacobinos, utilizava a primeira pessoa do<br />

plural para falar da sua ação. Agora, é como se tirasse a máscara. Pensamentos e<br />

desejos “insuspeitáveis” que o homem público refreia “ganham forma e relevo e<br />

deslizam na silenciosa morada do sonho”. Como observa Gérard Raulet: “O<br />

republicano clássico, estoico, torna-se um ‘romântico’, para o qual a vida é um<br />

sonho e o homem uma marioneta”. Este aspeto da personagem não está nas<br />

fontes, é uma criação de Büchner.<br />

Esta passagem cria um jogo de espelhos entre Danton e Robespierre. Os<br />

adversários políticos revelam-se semelhantes na sua identidade profunda. Ambos<br />

têm a sensação de que algo lhes escapa, que não dominam os seus atos, ou que se<br />

criou um fosso entre o pensamento e o ato: “não seremos nós sonâmbulos, não<br />

serão as nossa ações como as do sonho, só que mais nítidas, mais exatas, mais<br />

completas?”. A diferença entre Danton e Robespierre é que este último prossegue<br />

o combate. A chegada de Saint-Just vem arrancá-lo aos seus pensamentos<br />

sombrios, relançando-o no coração da ação política. Mas aquele que até aqui<br />

parecia decidido a ir até ao fim do terror surge irresoluto, como Danton. “Queres<br />

hesitar ainda mais tempo?”, censura-o Saint-Just, “agiremos sem ti, já decidimos”.<br />

A resposta de Robespierre “Que tencionais fazer?”, na qual o “vocês” se opõe ao<br />

“nós” do discurso aos jacobinos, é a prova da sua hesitação em se identificar com<br />

uma República terrorista, e sem dúvida revela também o seu medo de lhe ser<br />

sacrificado, por seu turno. Essa hesitação transparece ainda quando Saint-Just<br />

cita o nome de Camille entre as futuras vítimas. Apenas a leitura do Vieux<br />

Cordelier (o jornal de Camille Desmoulins) põe fim aos escrúpulos de Robespierre,<br />

não pelos argumentos políticos expostos, mas porque se sente pessoalmente<br />

atacado quando é tratado por “Messias sanguinário, Robespierre, entre os dois<br />

ladrões Couthon e Collot no seu Gólgota onde sacrifica e não é sacrificado”, isto é,<br />

quando tocam no seu ponto fraco.<br />

Todavia, a decisão de Robespierre de condenar à guilhotina os partidários de<br />

Danton não o acalma. A frase de Camille ficou-lhe na memória, e leva-o a<br />

comparar-se a Cristo: imagina-se a resgatar a humanidade e a assumir os<br />

pecados do mundo. Mas a comparação é insustentável, pois Cristo “tinha a volúpia<br />

da dor”. Esta declaração é como que um eco das palavras de Danton, que pouco<br />

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