O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira
O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira
O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
verdadeiros <strong>do</strong>gmas e <strong>do</strong>utrinas que nos propõem e ensina a<br />
Santa Madre Igreja de Roma; e que foi e é herege de nossa Santa<br />
Fé Católica, e como tal incorreu em sentença de excomunhão<br />
maior e nas mais penas em Direito contra semelhantes estabelecidas.<br />
E como herege e inventor de novos erros heréticos, convicto,<br />
ficto, falso, confitente, revogante, pertinaz e profitente <strong>do</strong>s<br />
mesmos erros: manda este Tribunal que seja deposto e degrada<strong>do</strong><br />
das suas ordens, segun<strong>do</strong> a disposição e forma <strong>do</strong>s Sagra<strong>do</strong>s<br />
Cânones. E assim será entregue à Justiça Secular para que, com<br />
baraço e pregão, seja leva<strong>do</strong> pelas ruas públicas desta cidade até<br />
à praça <strong>do</strong> Rossio, e que nela morra de morte natural de garrote;<br />
e que, depois de morto, seja seu corpo queima<strong>do</strong> e reduzi<strong>do</strong> a pó<br />
e cinza, para que dele e de sua sepultura não haja memória<br />
alguma.<br />
Padre Gabriel Malagrida?!, quantas acusações!!! Como o<br />
mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s humanos é caprichoso e cruel. Eu até já assisti a muitos<br />
homens e mulheres serem considera<strong>do</strong>s heréticos em vida, mas que,<br />
depois de mortos, acabaram santos. Mas eis que contigo sucederá o<br />
oposto: passarás de santo vivo a herético morto. Triste desfecho o teu!<br />
Ficarás na História como o derradeiro condena<strong>do</strong> à fogueira da<br />
Inquisição e a última vítima <strong>do</strong> terramoto de Lisboa <strong>do</strong> ano da graça<br />
de 1755. O mesmo terramoto que anunciaste como Castigo Divino,<br />
que querias evitar, tornan<strong>do</strong> o Reino mais pio. E afinal, falhaste a<br />
tua «missão» e, em troca, recebeste, por via de um homem, o mais<br />
cruel Castigo Humano: o suplício na morte.<br />
Mesmo ten<strong>do</strong> eu si<strong>do</strong> eleito pela tua Santa Igreja como o pior<br />
inimigo <strong>do</strong>s homem – e tu próprio me acusaste disso por inúmeras<br />
vezes –, vou contar a tua história e a de to<strong>do</strong>s os acontecimentos que<br />
te levaram ao patíbulo. Desconfio que não o aproves, mas nada pode‑<br />
rás fazer para me deteres.<br />
Receio, porém, ser o narra<strong>do</strong>r menos ajusta<strong>do</strong>. E se admito esta<br />
incerteza não é por duvidar <strong>do</strong> meu talento, mas sim por temer que os<br />
leitores possam desacreditar da minha isenção. Arriscaria, aliás, esse<br />
agravo, de imediato, se eles me reconhecessem desde já. O meu pas‑<br />
sa<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> assoalha a tua Santa Igreja, está inunda<strong>do</strong> de mácula.<br />
Sou eu acusa<strong>do</strong> há séculos, embora sem provas, de me apresentar sob<br />
várias formas e disfarces, transmutan<strong>do</strong> mesmo de nome; de incitar<br />
PCD_02<br />
17<br />
O <strong>profeta</strong> <strong>do</strong> <strong>castigo</strong> <strong>divino</strong>