O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira
O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira
O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Pedro</strong> <strong>Almeida</strong> <strong>Vieira</strong><br />
capitão, feita com muita fé – que o desespero ajuda a aumentá -la<br />
– para que fizesse chuva. Eu teria motivos, como vos relatarei<br />
mais tarde, para recear que a sorte em questões de meteorologia<br />
o ajudassem de novo. Contu<strong>do</strong>, desta vez, fiquei alivia<strong>do</strong>. Em<br />
re<strong>do</strong>r de milhares de milhas não se vislumbrava qualquer resquício<br />
de nuvens e, perscrutan<strong>do</strong> a localização <strong>do</strong>s centros de altas<br />
pressões, confirmei a ausência de qualquer instabilidade promotora<br />
de precipitação nos dias mais próximos. Apesar disso, o<br />
padre Malagrida não se fez roga<strong>do</strong> ao pedi<strong>do</strong> e assomou ao convés,<br />
com naturalidade, anuncian<strong>do</strong>:<br />
– Se alguém tem sede, venha a mim!<br />
Estas palavras tiveram, por sequiosas razões, o condão de<br />
provocar um célere ajuntamento, tanto mais que aquelas gentes,<br />
padecen<strong>do</strong> já de alucinações sitibundas, julgaram que <strong>do</strong> coração<br />
<strong>do</strong> jesuíta haveriam de brotar rios de água pura. Mas, em vez<br />
disso, ouviram uma estranha solicitação:<br />
– Trazei -me <strong>do</strong>ze pedras, uns pedaços de madeira, uma porção<br />
de um boi esquarteja<strong>do</strong> e quatro canadas de água <strong>do</strong>ce.<br />
Pasmo geral, alguns marinheiros desfaleceram ao ouvir as<br />
duas últimas palavras.<br />
– Pedras não temos, santo padre. E tanta água também não!<br />
– respondeu o atónito capitão.<br />
Malagrida que<strong>do</strong>u -se pensativo, coçou então a barba e olhou<br />
para o céu por breves momentos, como quem pede autorização<br />
superior para trocar lebre por gato.<br />
– Pedras seriam mais adequadas para os meus intentos. Mas<br />
então… cortai um mastaréu e trazei -o em igual número de pedaços.<br />
E se não há quatro canadas, que me tragam quatro quartilhos.<br />
– Um mastaréu?! – admirou -se o capitão, cada vez menos<br />
crédulo. – E como continuaremos viagem? E que ireis fazer com<br />
a água?<br />
– Ah, homem de pouca fé! Faz o que te digo. Não recuses o<br />
que te deman<strong>do</strong> para que aos olhos de Deus não sejas merece<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> <strong>castigo</strong> devi<strong>do</strong> aos peca<strong>do</strong>s deste navio.<br />
Malagrida sempre soube usar sábias palavras para convencer<br />
um pertinaz. E estas até foram das mais brandas, que o<br />
Inferno como destino era, de ordinário, menciona<strong>do</strong> se algo lhe<br />
26