19.04.2013 Views

O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira

O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira

O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O <strong>profeta</strong> <strong>do</strong> <strong>castigo</strong> <strong>divino</strong><br />

marinheiros, o padre Malagrida começou a ser aponta<strong>do</strong> como<br />

suspeito daquele iminente suicídio colectivo. A confirmação surgiu<br />

a to<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong>, decidi<strong>do</strong>s a apurar culpas, a marinhagem foi<br />

deitar sortes: os da<strong>do</strong>s apontaram, repetidamente, para o jesuíta<br />

como o causa<strong>do</strong>r da desgraça. Mas, no precedente momento em<br />

que aquela chusma ululante já se aprestava para descer à cata <strong>do</strong><br />

jesuíta, de mo<strong>do</strong> a lançá -lo ao mar, surgiu -lhes a própria vítima<br />

no convés para anunciar uma missa de acção de graças. Como<br />

consta que Jonas, antes de ser arremessa<strong>do</strong> borda fora, não<br />

esteve a organizar orações ao Senhor, os marinheiros recuaram<br />

nas suas intenções. E a missa fez -se.<br />

Infelizmente, os meus poderes não conseguem, por espaço<br />

muito alarga<strong>do</strong>, manter alterações artificiosas nos centros de<br />

altas pressões de onde derivam os ventos. Por isso, para minha<br />

lamentável amofinação, não aguentei sustentar a tempestade por<br />

mais tempo, abalan<strong>do</strong> esta depois <strong>do</strong> jesuíta lançar os braços ao<br />

alto e, com um bastão na mão e voz altiva, ameaçar o vento e intimidar<br />

as águas. Logo que Malagrida terminou a troada, o navio<br />

deu de querena, sem percalços, aumentan<strong>do</strong> -lhe a santimónia<br />

fama de serenar tempestades.<br />

No entanto, e nisto já nada influí, as vociferantes preces <strong>do</strong><br />

jesuíta devem também ter ti<strong>do</strong> o condão de amedrontar tanto o<br />

vento que este, assustadiço, careceu de coragem para rodear a<br />

embarcação durante longos dias – coisa que, naqueles tempos,<br />

significava falta de combustível. Sem vento não há nuvens, sem<br />

nuvens não há chuva, sem chuva não há água, sem água não há<br />

pipas cheias que resistam à sede. Foi decreta<strong>do</strong>, por isso, racionamento.<br />

E tanto assim que, passan<strong>do</strong> os dias, a míngua fez regressar<br />

a angústia a bor<strong>do</strong>. Desta vez, a marinhagem nem precisou<br />

lançar de novo sortes; de suspeito no caso da tempestade, Malagrida<br />

passou a culpa<strong>do</strong> de serenar em excesso o ar à conta de tantas<br />

rezas. Como é curto o caminho da graça até à desgraça. No<br />

entanto, infelizmente, eram já poucas as forças e coragem <strong>do</strong>s<br />

marinheiros para o lançarem ao mar.<br />

O padre Malagrida, homem habitua<strong>do</strong> a maiores agruras,<br />

manteve -se sereno, mas não alheio aos tormentos daqueles<br />

homens. Mas somente reagiu após uma desesperante súplica <strong>do</strong><br />

25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!