O profeta do castigo divino - Pedro Almeida Vieira
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O <strong>profeta</strong> <strong>do</strong> <strong>castigo</strong> <strong>divino</strong><br />
tornar ubíqua, multiplican<strong>do</strong> -a em dezenas de formas, feitios e<br />
denominações. Por isso, poucas foram as terreolas <strong>do</strong> Reino de<br />
Portugal sem direito a reivindicarem a aparição da sua Nossa<br />
Senhora, embora, desconhecem -se as razões, as mais famosas<br />
fossem então as da Oliveira, da Lapa, da Nazaré, <strong>do</strong> Cabo, da<br />
Conceição e de Faro. E como neste pedaço de Mun<strong>do</strong> se achou<br />
ser insuficiente, uns <strong>do</strong>is séculos depois, fizeram -na aparecer em<br />
cima de uma azinheira de Ourém, para glória de toda a cristandade.<br />
Em to<strong>do</strong> o caso, desde a Restauração, em 1640, decidira -se<br />
entretanto confederar todas estas Nossas Senhoras e proclamar a<br />
Nossa Senhora da Imaculada Conceição como padroeira e protectora<br />
privilegiada <strong>do</strong> Reino.<br />
No entanto, para D. João V, que sempre a<strong>do</strong>rou mulheres,<br />
nunca era demasia mais uma Virgem, ainda mais uma trazida das<br />
Américas que, pensou por certo, teria outros <strong>do</strong>tes que as da<br />
Europa não possuíam. Assim, na manhã seguinte, lá partiu bem<br />
ce<strong>do</strong> a Nossa Senhora das Missões em procissão <strong>do</strong> colégio de<br />
Santo Antão, com o préstito inicia<strong>do</strong> por duas filas de meninos<br />
de coro, cada um com a sua bandeira, depois os seus mestres de<br />
sobrepeliz, e, mais atrás, quatro jesuítas que transportavam a<br />
imagem miraculosa. E com nova vestimenta, pois o padre Carbone<br />
levara, para a a<strong>do</strong>rnar, o vesti<strong>do</strong> <strong>do</strong> casamento da rainha<br />
D. Maria Ana de Áustria, que até então cobria a estátua de Nossa<br />
Senhora das Necessidades. Aliás, se uma e outra não fossem a<br />
mesma pessoa, certamente haveria lugar para invejas e amuos<br />
por parte da preterida. A longa fila deste beatério terminava com<br />
o padre Malagrida, descalço e de crucifixo na mão, corda ao pescoço,<br />
segui<strong>do</strong> pelos afortuna<strong>do</strong>s marinheiros – que gratos sempre<br />
ficaram – e de uma imensa multidão que, incessantemente,<br />
lhe lançava louvores de homem santo.<br />
Mal chega<strong>do</strong> ao quarto régio <strong>do</strong> Paço da Ribeira, uma hora<br />
depois – porquanto muitas foram as paragens, para gáudio da<br />
populaça –, o balbuciante e quebranta<strong>do</strong> D. João V pediu aos seus<br />
camareiros que o ajudassem a ajoelhar aos pés <strong>do</strong> jesuíta, suplican<strong>do</strong><br />
-lhe uma bênção. Pela primeira vez, Malagrida mostrou -se<br />
constrangi<strong>do</strong> e retraiu mesmo a mão quan<strong>do</strong> o Rei, choroso, a<br />
agarrou e levou ao rosto.<br />
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