Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Elizabeth Travassos / Manoel Aranha Correa do Lago<br />
numa arquitetura rigorosa que percorre toda a gama <strong>de</strong> tonalida<strong>de</strong>s. O “O Boi<br />
no telhado”, tango <strong>de</strong> José Monteiro publicado sob o pseudônimo “Zé Boiadêro”,<br />
sucesso do Carnaval <strong>de</strong> 1918, é apenas uma <strong>de</strong>ntre mais <strong>de</strong> vinte peças,<br />
<strong>de</strong> doze compositores diferentes, utilizadas na obra. O processo composicional<br />
consiste no entrelaçamento <strong>de</strong> temas extraídos <strong>de</strong> peças previamente existentes,<br />
como se fosse uma colagem <strong>de</strong> ready-ma<strong>de</strong>s 10 combinados segundo processos<br />
que evocam as técnicas cinematográficas contemporâneas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cupagem<br />
e montagem. 11<br />
O leitor encontra, ao final <strong>de</strong>ste texto, uma lista <strong>de</strong> peças brasileiras citadas<br />
por Milhaud em obras como L’Homme et son désir (1918), Le Bœuf sur le toit<br />
(1919), Sala<strong>de</strong>/Carnaval d’Aix (1924), Scaramouche (1932) e Danses <strong>de</strong> Jacaremirim<br />
(1945). Trata-se <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> 30 peças editadas no Brasil antes <strong>de</strong><br />
1919, <strong>de</strong> uma quinzena <strong>de</strong> compositores, das quais a maior parte (24) se encontra<br />
no Bœuf sur le toit, representando diversos “gêneros” (“tango”, ”tanguinho”,<br />
“polca”, “embolada”, “cateretê”, “maxixe”, “samba”, “canção do norte”).<br />
A pequena antologia traduz a visão pessoal <strong>de</strong> um músico estrangeiro cativado<br />
pela música popular que se manifestava na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro durante<br />
a Primeira Guerra Mundial. A seleção é particularmente consistente com<br />
as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Milhaud quanto à gênese do Bœuf sur le toit:<br />
“...perseguido por minhas lembranças do Brasil, divertiu-me reunir um<br />
certo número <strong>de</strong> melodias populares, tangos, maxixes, sambas e até mesmo<br />
um fado português, e transcrevê-los juntamente com um tema recorrente à<br />
maneira <strong>de</strong> um rondó.” (Milhaud, 1949, p. 115.)<br />
Com efeito, as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Milhaud alçando Nazareth e Tupinambá ao<br />
firmamento da música brasileira antece<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> fato, o esforço <strong>de</strong> legitimação<br />
dos dois compositores por Luciano Gallet, Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e outros músi-<br />
10 A analogia com os ready-ma<strong>de</strong>s foi sugerida originalmente por J. Jota <strong>de</strong> Moraes (1977).<br />
11 Ver Corrêa do Lago (2001, 2002).<br />
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