Prosa - Academia Brasileira de Letras
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cartão-postal <strong>de</strong> Paris. Bem que ele me <strong>de</strong>ve isso, e eu ficaria contente pois<br />
tenho a intenção <strong>de</strong> escrever agora “A vaca na Torre Eiffel” para prestar<br />
uma homenagem a essa Paris que não conheço [...]’.” (Citado por Eulálio,<br />
1969, p. 25.)<br />
Maxixe dadá<br />
Darius Milhaud...<br />
Antes <strong>de</strong> 1917, Milhaud havia escrito obras inspiradas em músicas populares<br />
do sul da França, tais como o Poème sur un cantique <strong>de</strong> Camargue, <strong>de</strong> 1913, e<br />
os Poèmes juifs, <strong>de</strong> 1916. Esse interesse inscrevia-se nas correntes então prevalentes<br />
na música francesa, tanto as mais conservadoras, <strong>de</strong>rivadas da Schola<br />
Cantorum <strong>de</strong> Vincent d’Indy, quanto as mais avançadas, i<strong>de</strong>ntificadas com<br />
Debussy, Ravel, Koechlin e Roussel. Num caso, valorizavam-se as tradições<br />
regionais francesas, o vínculo com a história “profunda” da França; no outro,<br />
buscava-se arejamento e renovação na música não européia. A utilização<br />
<strong>de</strong> cantos populares por Milhaud encaixava-se bem no tipo <strong>de</strong> “melodismo”<br />
que caracteriza sua composição (lembremos os elogios à criativida<strong>de</strong> melódica<br />
dos brasileiros). Além disso, sua i<strong>de</strong>ntificação com o Sul e com o “espírito<br />
latino” o predispunha favoravelmente à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong>s com o<br />
mundo mediterrâneo ampliado, que ele <strong>de</strong>screveu certa vez como “uma pátria<br />
que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jerusalém ao Rio <strong>de</strong> Janeiro, tendo Aix-en-Provence<br />
como centro” (Collaer, 1947).<br />
O ambiente em que Milhaud se formou era favorável aos empréstimos nos<br />
idiomas folclóricos e extra-europeus. Instituída pelos pensadores do Romantismo<br />
alemão, a dicotomia entre “poesia artística” e “poesia da natureza” (i.e.,<br />
dos “primitivos” e do “povo”) fora instrumental na rebelião da geração do<br />
Sturm und Drang contra o classicismo francês do século XVIII. A complementarida<strong>de</strong><br />
utópica entre espontaneida<strong>de</strong> e artifício propagou-se ao longo do século<br />
XIX e alimentou os nacionalismos musicais na Europa e nas Américas.<br />
Formou-se um amplo consenso em torno do princípio estético <strong>de</strong> nacionalização<br />
da música por meio da incorporação <strong>de</strong> traços populares. O mesmo prin-<br />
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