Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Elizabeth Travassos / Manoel Aranha Correa do Lago<br />
“Do grupo dos Seis, todos não se tornaram igualmente conhecidos apesar<br />
<strong>de</strong> todos talentosos. Darius Milhaud foi quem mais se salientou. A moda da<br />
música negra o impôs. Nosso país com suas modinhas que servem <strong>de</strong> fundo<br />
melódico em várias obras <strong>de</strong>sse compositor também contribuiu para o sucesso.<br />
Um crítico musical antigo chegou a escrever: ‘o que salva o sr. Milhaud<br />
é a linha melódica’. Justamente o que não é <strong>de</strong>le.” (Milliet, 1972[1923], p.<br />
316.)<br />
“Milhaud, embora os louvasse publicamente [Nazareth e Tupinambá],<br />
<strong>de</strong>les se aproveitou com a maior sem-cerimônia. L’Homme et son désir éumhabilíssimo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do O boi morreu eoLe Bœuf sur le toit um potpourri<br />
dos nossos sambas e maxixes.” (Milliet, 1972 [1924], p. 319.)<br />
A ninguém escapará que Sérgio Milliet tratou os sambas e maxixes como<br />
“nossos”, omitindo novamente o nome <strong>de</strong> seus autores, à exceção <strong>de</strong> Nazareth<br />
e Tupinambá. A prática entre intelectuais brasileiros não era diferente da <strong>de</strong><br />
Milhaud: quando se tratava <strong>de</strong> reivindicar para a nação os sambas e maxixes,<br />
empurrava-se para o anonimato os que figuravam como autores nas partituras<br />
e discos. Estes, por sua vez, também lançavam mão <strong>de</strong> melodias e textos que<br />
circulavam oralmente, como ilustra o “Pelo telefone”, 22 que Milhaud ouviu à<br />
exaustão, e “O meu boi morreu”, que ele cita e <strong>de</strong>senvolve em L’Homme et son désir.<br />
Apesar <strong>de</strong> não se conhecer a reação <strong>de</strong> compositores citados no Bœuf, após a<br />
obra ter se celebrizado, ficou no ar um malaise ligado a uma noção <strong>de</strong> “empréstimos<br />
não reconhecidos”. É sintomático o relato <strong>de</strong> Blaise Cendrars <strong>de</strong> uma<br />
conversa com Donga (que, ironicamente, não é citado em nenhuma obra <strong>de</strong><br />
Milhaud):<br />
“Por ocasião do nosso primeiro encontro, tendo sabido que eu conhecia<br />
Darius Milhaud, [Donga] teve essa palavra bem-humorada: ‘já que ele se<br />
serviu da minha música, diga ao Sr. Milhaud, seu amigo, que me envie um<br />
22 V. a análise <strong>de</strong> Flavio Silva (1975) da melodia popular “A Rolinha”.<br />
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