Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Elizabeth Travassos / Manoel Aranha Correa do Lago<br />
<strong>de</strong>saparecia em Paris, juntamente com o da outra <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> autores citados<br />
no Bœuf sur le toit, e com a procedência geográfica das melodias. A partitura orquestral<br />
ganhou o subtítulo <strong>de</strong> Cinéma-symphonie sur <strong>de</strong>s airs sud-américains. Do<br />
mesmo modo como a recontextualização alterou o significado do nome, que<br />
foi aproximado <strong>de</strong> locuções nonsense envolvendo animais, ela teve efeito sobre a<br />
música, da qual será retida apenas a origem longínqua.<br />
Ao <strong>de</strong>stacar a ausência <strong>de</strong> referência aos autores, não estamos reeditando<br />
as acusações <strong>de</strong> plágio que marcaram uma parte das reações brasileiras nos<br />
anos 1920, e que voltaram à baila nos anos 1960 e 1970, geralmente nos<br />
aniversários da chegada <strong>de</strong> Milhaud ao Brasil. Baptista Siqueira, num livro<br />
sobre Ernesto Nazareth, falou em “usurpação” e “apropriação indébita”. O<br />
uso dos excertos numa espécie <strong>de</strong> colagem torna as coisas mais complicadas,<br />
pois o artesanato da composição do Bœuf (num sentido próximo ao do latim<br />
compositio, por oposição a inventio) é inegável. Ao retomar o assunto, queremos<br />
chamar a atenção para dois fenômenos. Em primeiro lugar, a operação classificatória<br />
que assimilou ao folclore um grupo <strong>de</strong> peças <strong>de</strong> autores conhecidos<br />
e circulação comercial em partituras impressas e discos. 18 Em segundo, a assimetria<br />
entre o direito ao universalismo que o compositor francês conferia a<br />
si mesmo, ao mesmo tempo em que cobrava dos brasileiros uma expressão<br />
particularizada e “nacional”.<br />
O universo <strong>de</strong> compositores brasileiros citados é variado quanto à formação<br />
musical e à origem social, revelando a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perfis dos que então<br />
escreviam para o mercado. Ali estão o engenheiro politécnico “Marcelo Tupinambá”<br />
(pseudônimo <strong>de</strong> Fernando Lobo), o virtuose <strong>de</strong> carreira internacional<br />
João <strong>de</strong> Souza Lima e Soriano Robert, maestro responsável por algumas primeiras<br />
audições <strong>de</strong> Villa-Lobos, no início <strong>de</strong> sua carreira 19 ; “pianeiros” como<br />
18<br />
Aloysio <strong>de</strong> Alencar Pinto (2001, p. 83) informa que o tango O boi no telhado, <strong>de</strong> Zé Boiadêro, foi<br />
gravado pela Casa Edison em 1917, executado pela Banda do Batalhão Naval. Uma letra apareceu em<br />
folha solta “para ser cantada com a música (Boi no telhado / samba) <strong>de</strong> José Monteiro, edição da<br />
Casa Viúva Guerreiro & Cia.”.<br />
19<br />
Destacando-se a primeira audição em 1916 do poema sinfônico Tédio da Alvorada, primeira versão<br />
do balé Uirapuru (Lago, 2002).<br />
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