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Anne Caroline Nava Lopes - Outros Tempos

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A medicalização da morte vem acompanhada de uma profissionalização e<br />

industrialização da prática fúnebre, em que empresas funerárias,<br />

juntamente com os hospitais, transformam a morte em negócio lucrativo. A<br />

indústria da morte cobra caro para fazer um trabalho perfeito,<br />

encarregando-se de tudo, desde o fim da agonia até a inumação no<br />

cemitério. Os ritos funerários se tornam discretos e reservados, e os<br />

cemitérios modernos, concebidos como parques, onde o repouso dos<br />

mortos se confunde com o retorno à natureza, representam a versão<br />

contemporânea da imposição do silêncio à morte.<br />

A vida é mais longa, e a morte é cada vez mais adiada. Os perigos<br />

atualmente são mais controláveis, devido o progresso da ciência na luta contra a<br />

doença, especialmente o controle sobre os surtos epidemiológicos tão temíveis e<br />

avassaladores em outras épocas.<br />

Uma outra característica bem especifica decorrente de toda essa<br />

transformação na mentalidade é que a experiência contemporânea da morte ganhou<br />

outro sentido em virtude dos progressos da medicina. Aqui, existe toda uma<br />

tecnologia da ciência médica e farmacológica, todo um aparato institucional<br />

hospitalar assegurado por profissionais da saúde, tudo isso em sua totalidade<br />

objetivando evitar a morte ou adiá-la quando possível. Em seguida, a assistência<br />

médica tornou-se uma atividade lucrativa e desenvolveu-se ainda mais<br />

intensamente. Segundo Pessini e Barchifontaine (apud GURGEL, 2008, p. 209):<br />

A exploração de uma medicina lucrativa atraiu para a área de assistência<br />

vultuosos recursos do capital industrial e financeiro. O estilo ocidental da<br />

pretensa medicina curativa foi exportado para o Terceiro Mundo,<br />

perenizando o relacionamento colonial, tornando as ex-colônias<br />

dependentes das tecnologias e provisões do ocidente. A indústria<br />

farmacêutica cresceu com o desenvolvimento do capitalismo e a<br />

industrialização do setor químico e petroquímico.<br />

Desse modo, antes de tornar-se moribundo, os indivíduos são eternos<br />

“pacientes” dependentes dos medicamentos, das terapias e análises, o que<br />

corresponde a um progressivo controle estatal sobre os corpos.<br />

Em lugar das palavras e rituais que celebravam a morte em outros<br />

tempos, a própria palavra “morte” é interditada na linguagem atual, assim como o<br />

doente é isolado dos parentes e amigos, não apenas pela dissimulação de seu<br />

estado, como também para a transferência para o hospital. Os avanços da medicina,<br />

associados ao desenvolvimento da higiene e das idéias de tratamento das doenças,<br />

fazem do hospital um espaço privilegiado da morte.<br />

O hospital, além de oferecer os recursos técnicos de tratamento das<br />

doenças graves, oferece proteção para a família contra a doença e a morte. Essa<br />

passa a ser um fenômeno técnico, e o doente, mais um “caso”. A família e o

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