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Anne Caroline Nava Lopes - Outros Tempos

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Assim, o hábito tradicional de enterrar os mortos nas igrejas passou a ser<br />

considerado uma prática nociva à saúde da população. O caráter infeccioso dos<br />

enterramentos no interior das igrejas foram duramente combatidos pelas autoridades<br />

públicas e novas práticas e novos espaços geográficos para tal finalidade foram<br />

surgindo.<br />

Tantas transformações nos costumes mortuários e na mentalidade<br />

fúnebre fizeram com que o ocultamento da morte e dos mortos se tornasse cada vez<br />

maior. O interesse agora era na vida e nos vivos, e estes suplantaram as tradicionais<br />

regras instituídas pelas igrejas.<br />

Dessa maneira, é o médico e não mais o padre que é convocado quando<br />

se está diante da iminência da morte. O objetivo agora é o de a qualquer custo evitar<br />

a morte, isto é, o de prolongar a vida terrena e não o de ultrapassa-la. A morte<br />

médica prolonga o “tempo da morte”, retardando o momento fatal, mas, como diz<br />

Bataille (1987, p. 42):<br />

O pensamento de um mundo onde a organização artificial asseguraria o<br />

prolongamento da vida humana evoca a possibilidade de um pesadelo, sem<br />

deixar entrever nada além de uma pequena demora. No fim, a morte estará<br />

lá, convocada pela multiplicação, pelo excesso da vida.<br />

A medicalização da relação com a morte coloca o fenômeno da morte na<br />

ordem de entendimento e explicação científicos dos fins naturais e não mais na<br />

ordem religiosa da passagem ao mundo sobrenatural.<br />

Assim, as necessidades sociais dos viventes são produtos do movimento<br />

historicamente determinado pelas condições que permitiram o desenvolvimento da<br />

medicina e também o desenvolvimento urbano implicando num maior controle social.<br />

Vai se tornando cada vez mais influente a ideologia da medicina, onde era<br />

preciso prevenir doenças, higienizar o ambiente e organizar a morte em sua<br />

dimensão geográfica – transferência dos enterros – e também em sua perspectiva<br />

organizacional como um todo, vez que um novo conceito de urbanização também<br />

surgia juntamente com a necessidade de reordenar a civilização dos costumes.<br />

Incluem-se principalmente nesse rol os costumes fúnebres.<br />

A progressiva estatização da morte tornou-se novo paradigma da<br />

assistência profana aos mortos. Isso se deve, porque houve uma disputa<br />

organizacional entre o corpo eclesiástico e o estatal, especialmente após o<br />

fortalecimento da vida urbana modelada pelo mecanicismo e iluminismo. Surge, de<br />

forma simbólica o ideal de morte mecânica. Entretanto, longe dessa disputa esta

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