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Anne Caroline Nava Lopes - Outros Tempos

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Uma outra conseqüência desse novo processo da morte, como bem<br />

lembra Áries (2003), é a supressão do luto. Enquanto nas práticas fúnebres<br />

passadas, o luto ritualizado expressava a angustia da sociedade diante da morte de<br />

uma pessoa, a partir do século XIX e na contemporaneidade a “expulsão” do luto<br />

está ligada à tentativa de eliminar a dor e o sofrimento, fazendo com que as atitudes<br />

dos enlutados seja caracterizada pela discrição e autocontrole.<br />

Desse modo, as tradicionais atitudes, as expressões das emoções dos<br />

indivíduos enlutados e dos outros que os acompanhavam caíram em desuso, pois<br />

atualmente vigora uma extrema privacidade das emoções e das expressões de luto.<br />

No passado mais familiarizado com a morte, acreditava-se que os mortos<br />

apenas dormiam um sono profundo e o leito era o lugar da morte. Havia ainda<br />

grandes manifestações de luto, que eram iniciadas antes mesmo dos últimos<br />

suspiros dos moribundos. Essas práticas tiveram a tendência de desaparecer em<br />

nossa época. Da mesma forma, em nossa sociedade, o luto foi gradativamente<br />

perdendo a sua importância diante da necessidade de contenção e discrição dos<br />

sentimentos.<br />

O leito mais comum de morte em nossos dias é o leito das UTIs ou<br />

macas dos hospitais. Essa pode ser uma face cruel da morte, principalmente quando<br />

se constatam as diferenças sociais que se repercutem em diferenças nas formas de<br />

morrer – trata-se da conhecida mistanásia 16 .<br />

Há diferenças cruciais entre quem pode pagar e quem não pode. A<br />

questão social e o poder aquisitivo do moribundo e de seus familiares tornam-se<br />

uma determinante na maneira como se morre atualmente. Assim, o contexto das<br />

profundas desigualdades sociais também interfere – diga-se, de modo cruel – a hora<br />

da morte.<br />

Desse modo, não há que se falar no fato de a morte nos igualar<br />

socialmente, pelo contrário, acaba por nos submeter às mesmas regras do “mercado<br />

da morte”. A aquisição dos artigos mortuários ou mesmo um bom leito num hospital<br />

renomado ou um lugar no chão de um hospital popular demonstram que as<br />

16 Segundo a designação dada por Gurgel, mistanásia significa morrer abandonado nos corredores<br />

dos hospitais, sem leito, em cima de uma maca, colchão ou simplesmente no chão. Significa também<br />

morrer nas ambulâncias que transportam os moribundos do interior para a capital como uma<br />

estratégia eleitoreira que perde vidas, mas ganha votos. Ou ainda de infecção generalizada por falta<br />

de cuidados adequados. Em casa, isso significa morrer em um quarto escuro no fundo do quintal à<br />

míngua, em uma cama velha ou esteira de palha. Na rua, significa morrer sem teto, de fome e frio, ou<br />

vítima das mais diversas classes da violência... morrer como um rato de esgoto

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