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— Se cruzares o rio — disse-lhe o pássaro<br />
— entras, no País dos Contrários. Ali tudo se<br />
passa ao contrário: os ponteiros dos relógios<br />
giram para a esquerda, os animais nascem velhos<br />
e morrem bebês e toda a gente fala do fim<br />
para o princípio. É um tanto complicado, mas<br />
depois habituas-te.<br />
Disse isso e despediu-se. Mal chegou ao outro<br />
lado do rio, voltou-se e começou a voar de<br />
costas. Felini encolheu os ombros. Se um pássaro<br />
podia viver num país assim, ele também podia.<br />
Atravessou o rio a nado. Estava a descansar<br />
na areia quando um elefante, tão pequeno quanto<br />
uma formiga, se aproximou dele:<br />
— Chamas te que é como — disse — olá!<br />
— Chamo-me Felini — respondeu Felini. —<br />
E tu? Nunca tinha visto um elefante tão pequeno.<br />
O elefante olhou para ele admirado:<br />
— Estrangeiro um como falas mas Contrários<br />
dos País do habitante um pareces — disse.<br />
— Direito falas não por que?<br />
Felini abanou a cabeça. Que diabo de língua<br />
era aquela? Depois compreendeu e começou a<br />
rir. O elefante estava a falar ao contrário: “Por<br />
que não falas direito?” — tinha dito — “Pareces<br />
um habitante do País dos Contrários mas falas<br />
como um estrangeiro”. O gato contou-lhe as<br />
suas aventuras, até cruzar o rio, esforçando-se<br />
por se fazer entender na estranha língua do país.<br />
Disse-lhe que tinha decidido conhecer o mundo<br />
porque na terra onde nascera o olhavam como<br />
se fosse um monstro.<br />
— Tu como são gatos os todos aqui — tranquilizou-o<br />
o elefante — não aqui.<br />
Nesse mesmo dia Felini encontrou vários<br />
gatos iguais a ele. Em pouco tempo fez novas<br />
amizades e, decorridas algumas semanas, já se<br />
sentia tão à vontade naquele lugar como na sua<br />
própria aldeia. Podia ter sido inteiramente feliz,<br />
mas teve pouca sorte, coitado, voltou a apaixonar-se<br />
— por uma vaca!<br />
Uma vaquinha tão pequena que não lhe chegava<br />
aos calcanhares.<br />
P32<br />
AGUALUSA, José Eduardo. Estranhões &<br />
bizarrocos. Porto: D. Quixote, 2000, p. 38-44.<br />
Para continuar<br />
Conversa sobre o texto<br />
1. Antes de começar a responder às questões, releia<br />
o texto e anote as palavras que você não conhece.<br />
Resposta pessoal<br />
Professor: Oriente os alunos sobre o fato de<br />
esse texto ser escrito em outra variante da língua<br />
portuguesa — de autoria de um escritor angolano<br />
—, portanto é natural o uso da segunda pessoa do<br />
discurso, de provérbios e palavras diferentes das<br />
nossas, tais como: aldeia = lugar onde se mora, pequena<br />
cidade; sítio: = lugar; troçar = tirar sarro; a<br />
construção “toda a gente” = as pessoas ou todos.<br />
2. Nos primeiros parágrafos do texto, o narrador<br />
da história dirige-se a nós, leitores. É possível dizer,<br />
neste momento, que o texto terá um tom de humor?<br />
Se sim, explique.<br />
Sim, porque o narrador cria um ambiente em<br />
que o gato parece o estereótipo do apaixonado que<br />
vai se sair mal. Logo de início, utiliza as seguintes<br />
palavras para descrevê-lo: ambicioso, desgrenhado,<br />
triste, compõe canções.<br />
3. Já estudamos, no capítulo anterior, que o trocadilho<br />
pode provocar humor. Você identificou algum<br />
trecho em que isso ocorre? Transcreva-o a<br />
seguir.<br />
“pastava os seus dias”, trocadilho de: “passava<br />
os seus dias”<br />
4. Felini é um gato quase adolescente e passa<br />
por um conflito inicial na narrativa. Que conflito é<br />
esse?<br />
Apaixona-se por uma vaca.<br />
5. Muitas vezes, o nome de uma personagem<br />
a identifica e mostra suas características. Os<br />
nomes “Felini” e “Graciosa” confirmam isso? Ou<br />
não? Explique.<br />
Sim, porque Felini lembra o adjetivo felino (de<br />
gato) e Graciosa mostra como ela pastava e também<br />
é um nome comumente dado a vacas, assim<br />
como Mimosa, por exemplo; ambos os nomes reiteram<br />
suas formas animais.