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Família Saturno - Fundação Jose Augusto

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am com suas crenças e melodias, um livro<br />

recheado de avisos e apelos.<br />

Quem simpatiza, acolhe e propaga versos<br />

e batuques e que esteja afi nado como um<br />

segredo do coração, é bom fi car atento.<br />

O “Elegia” com seu som acústico, sem<br />

quase nenhuma distorção eletrônica,<br />

permite que a poesia de Drika pouse<br />

como uma chuva de recados. É dessa forma<br />

que o grupo, com seus couros, vozes<br />

e sinos, abre espaço na cena da cidade<br />

para mostrar para que veio. Com sua<br />

sensível veia poética, Drika assume com<br />

seu repertório, lugar de destaque na nova<br />

safra de poetisas da cidade.<br />

Com sua poesia, que chama todos nós<br />

para o diálogo da escolha. Da escolha<br />

de permanecer passivo, indiferente ou<br />

indócil, ou mostrar-se de olhos abertos,<br />

como percebendo que a vida capitula, só<br />

se quisermos.<br />

E assim também o som do “Elegia” acaricia<br />

sambas, lamentos, manhãs, chuvas<br />

e lágrimas. E ressuscita, como o arranjo<br />

de Letto, banhado por suas mãos, verbos<br />

e recados. Belezas e relíquias.<br />

É como se fosse, rimas e sinos. A vazante<br />

de uma infi nidade de possibilidades.<br />

Como uma fl auta que se quer no meio<br />

da noite, e que aponta o caminho que a<br />

música segue, sempre procurando o melhor<br />

inverno de letras. Sempre ao redor<br />

de Maíra com seus cachos de sons, com<br />

Ritinha com sua inabalável introspecção<br />

letra/música, e de Jennifer, sincera e de<br />

extremo bom gosto.<br />

Eu sei, eu acredito na capacidade que<br />

eles têm, de transformar o cotidiano em<br />

pura arte. De irrigar com seus afl uentes,<br />

a chama que alimenta o pão, a poesia, e<br />

da sonoridade que liberta mãos e olhos.<br />

Pois é preciso cada vez mais acreditar em<br />

verdades e vontades poéticas. (Até na zona<br />

desconhecida da criação). Como olhos<br />

que investigam penumbras e sombras.<br />

Como um garimpo de suor, como uma<br />

lanterna que ilumina ao redor do nosso<br />

mundo, a vontade de falar e de revelar o<br />

suspiro que reina entre rios e encostas...<br />

E sobre as veias que insistem em saciar<br />

com seus encantos, trilhas e línguas da<br />

nossa fragilidade humana. Sobre os<br />

aguapés de palavras e tons, instante onde<br />

se celebram pecados e promessas. Verões<br />

e quimeras.<br />

E sobre estalos e sussurros, também.<br />

Sim, sobre estalos. Ou você se esquece<br />

que a maioria do que se fala, nada vale?<br />

Nada vale a pena. E é aí que a poesia entra<br />

em cena.<br />

Portanto, o que se fala sempre está ligado<br />

a estalos. Como se fossem fi lmes<br />

desconhecidos. Onde o cenário é nuvem.<br />

Onde não se tem conhecimento<br />

de nada. Feito a idéia de Buca Dantas,<br />

que está fi lmando sem roteiro. O roteiro<br />

é feito na hora. Parecido com a língua,<br />

com o verbo e com as idéias que nos<br />

tornam cúmplices do desenlace, de tatos<br />

e tratos. E que (também) nos eleva<br />

a mártires, e a salvadores de uma noção<br />

que nada sabemos. E assim somos nós. E<br />

assim é a vida.<br />

Logo, quem, além da poesia, sobrevive<br />

com frases curtas (ou longas), a mesmice<br />

das coisas? Quem, íntegro e inteiro,<br />

procura pela parte que lhe cabe nesse<br />

latifúndio que nos resta? Quem há de<br />

possuir extensas lentes híbridas, e vislumbram<br />

a vastidão da estrada que nos<br />

abocanha?<br />

Poeticamente escrevemos. Poeticamente<br />

podemos falar. E poeticamente pensamos.<br />

A dança em que as palavras se<br />

mostram, os pensamentos que de tão<br />

enormes e vadios, nos transformam em<br />

códigos, sobrenomes, lembranças e temores.<br />

A poesia tem disso. Ela arma senhas e<br />

procura saídas. Às vezes nem tão pródigas.<br />

Outras, o próprio paraíso.<br />

Pois a poesia, às vezes nua, às vezes encoberta<br />

por silhuetas, não tem meio termo.<br />

Ela, com sua língua, de saliva farta<br />

e de longas abas, abocanha quem pensa<br />

que somos somente espelhos bizantinos<br />

e movediços.<br />

E no nosso chão, bem na nossa frente,<br />

poesia e música se fundem. Unem e irmanam<br />

visões de tantos varais. Uma<br />

melancolia que nos salva, recuperando<br />

a janela do espírito tão esquecido. Tão<br />

essência. Tão poesia.<br />

Parecida com a calma que guardamos ao<br />

redor do sol e da espuma do mar. Que<br />

nos lava como se fôssemos ilhotas, prenúncios<br />

de vento e tanta luz.<br />

Por isso que o “Elegia” navega sem pudor<br />

nas margens dos olhos e nas águas que<br />

de tão profundas, desembocam silêncios<br />

e riquezas. E ao redor das palavras que<br />

vão se encaixando como desenhos, rascunhos,<br />

abrigos. E na lenha do son(h)o<br />

verbal, que ressuscita o quebradiço da<br />

vida, que de sã, aceita avulsos acentos.<br />

É como apalpar palavras, que nos querem<br />

próximas de uma avalanche de ritmos.<br />

Embalando a letra tão curva, tão lâmina<br />

e tão frágil, como os pilares de uma<br />

língua que não se parte. E que não se<br />

curva. À espera de um dilúvio de tristes e<br />

aromáticos jardins. Que não se esconde.<br />

Como possuída por lentas e intransponíveis<br />

pepitas. Que não se poupa, como o<br />

prenúncio da espera do que virá. Como<br />

o cordão que alimenta portos e estopins,<br />

vazantes e amantes.<br />

Assim, a elegia que escolhemos, não<br />

passa por nós como uma andorinha que<br />

fenece. Ela assina a vida como um corredor<br />

de fantasias, quermesse de lendas e<br />

truques. Maresias da fútil lembrança das<br />

nossas sombras.<br />

Passageiros somos todos nós. De uma<br />

eterna e preciosa lembrança do passado.<br />

Que passa por cima de morros. Aldeias.<br />

Cardumes. Varreduras.<br />

Assim somos nós. Hóspedes do passado.<br />

Parentes de lentas e tontas agonias. Parceiros<br />

da luz, que organiza circos. E da<br />

imaginação que nos exorta.<br />

E livre de toda e qualquer trapaça que<br />

ainda podemos passar. Guerreiros de uma<br />

louca e desavisada aventura chamada vida.<br />

Recheada de tapumes e dragões. E dos<br />

Jan/Fev 2006<br />

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