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APÊNDICE A – Verde, amarelo e urucum. Uma ... - Arquivos UNAMA

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Núcleo de Educação a Distância - NEAD<br />

<strong>APÊNDICE</strong> A <strong>–</strong> <strong>Verde</strong>, <strong>amarelo</strong> e <strong>urucum</strong>.<br />

<strong>Uma</strong> abordagem holística da Língua Portuguesa


<strong>Verde</strong>, <strong>amarelo</strong> e <strong>urucum</strong> 1<br />

<strong>Uma</strong> abordagem holística da Língua<br />

Portuguesa<br />

Profª Ivânia Neves Corrêa<br />

Núcleo de Educação a Distância - NEAD<br />

Capa do livro O Banquete dos Deuses,<br />

de Daniel Munduruku<br />

O estudo científico de uma língua é fundamentalmente o estudo da<br />

cultura de que ela é a forma e o produto. Estudar o português do<br />

Brasil é, pois, em grande parte estudar a história de nossa formação.<br />

(CUNHA, 1987).<br />

O Brasil é um país construído a partir de diversidades culturais: o português, o<br />

negro, o índio, o japonês, o italiano, o alemão, o ribeirinho, o caboclo... Lamentavelmente,<br />

a história, a partir de 1500 passou a ser contada apenas pelo foco narrativo de quem<br />

estava no poder. As populações indígenas e africanas eram ágrafas e neste período sempre<br />

estiveram à margem do poder. Ao longo de cinco séculos, a história de nosso país viveu<br />

sob a ditadura da palavra escrita. Embora, em vários momentos artistas e intelectuais<br />

tenham buscado reverter essa dominação européia, como aconteceu, por exemplo, durante<br />

o Romantismo, o Modernismo e o Tropicalismo.<br />

As comemorações dos 500 anos, marcadas por tantas críticas e por episódios<br />

lamentáveis, como o ocorrido em Porto Seguro, na Bahia, no dia 23 de abril de 2000,<br />

quando os índios foram impedidos pela polícia de participar da festa, demonstram como a<br />

história ainda vem sendo contada.<br />

A sociedade brasileira, atualmente, começa a rever a condição das comunidades<br />

indígenas. No rastro das discutidas comemorações dos 500 anos, a indústria cultural de<br />

nosso país parece ter redescoberto os índios. Em 2000, uma novela da Rede Globo tinha<br />

como personagem principal um índio, Tatuapu e, como sempre acontece em conseqüência<br />

das produções globais, os adereços usados pelos índios viraram uma espécie de mania<br />

nacional.<br />

1 Texto apresentado no VII Fórum de Letras promovido pela <strong>UNAMA</strong>.


Outra produção global, que chegou aos cinemas em 2001, trouxe uma nova visão<br />

sobre os povos indígenas. O índio que idealizado pelos românticos também já ganhou sua<br />

versão cinematográfica nos filmes Iracema, O Guarani, em Caramuru, o descobridor do<br />

Brasil, apresenta-se de forma crítica, caricata, muito influenciado pelo modernismo. Nem<br />

anjos, nem demônios, nesta última produção, os índios são pintados com cores da realidade,<br />

seres humanos com valores culturais diferentes, mas, como qualquer um de nós, sujeitos<br />

às pacionalidades humanas. Nem melhores como Peri, nem piores, como os malvados<br />

canibais que devoravam pessoas, tampouco “impávido como Mohemad Ali”.<br />

Parte das comunidades indígenas, nos primeiros séculos de colonização foi<br />

aniquilada pelos portugueses. Com eles, parte da tradição e da sabedoria do povo brasileiro<br />

também se perdeu. Para os moradores das grandes cidades, os índios quase sempre são<br />

percebidos de forma generalizante, parece que só havia um povo, os Tupi e que eles<br />

desapareceram. Para a maioria, os índios simbolizam uma espécie de Idade Média<br />

brasileira. De maneira geral, não existe uma sensibilidade à causa indígena. Muitos nem<br />

conseguem compreender por que existem reservas indígenas.<br />

Existe uma consciência perigosa de que foi o português que acabou com a cultura<br />

indígena no Brasil. Nessa generalização há dois absurdos. Primeiro é necessário esclarecer<br />

que ainda existem comunidades indígenas, apesar das dificuldades e com um número<br />

reduzido a menos de 1% do total da população brasileira. Segundo: a idéia de que os<br />

portugueses exterminaram os índios, em um passado concluído, apesar de inverídica, é<br />

bastante conveniente. No caso da Amazônia, ainda hoje é possível que existam comunidades<br />

isoladas. Em nossa região o contato com vários grupos só aconteceu no século XX, quando<br />

os portugueses já não administravam mais o Brasil.<br />

O espaço brasileiro terminou de ser definido no século XX e a territorialidade<br />

amazônica ainda hoje representa um problema em nossas fronteiras. A vastidão da floresta<br />

dificulta um controle efetivo, mesmo que existam radares e mapeamento por satélite, a<br />

penetração na floresta, em alguns lugares é impossível.<br />

Durante a Ditadura Militar (1964-1984), projetos como a Transamazônica deixaram<br />

um rastro incalculável de perdas para as comunidades indígenas que viviam nas<br />

proximidades da rodovia. A exploração de minérios também representa, especialmente<br />

na Amazônia Paraense uma outra grave ameaça, a poluição dos rios e a devastação da<br />

floresta são dois agravantes ao processo de aniquilamento dos povos indígenas. Esse<br />

certamente é um problema que precisa de políticas públicas definidas, mas quem busca<br />

estudar esses grupos sobreviventes não vai poder ignorá-lo.


Núcleo de Educação a Distância - NEAD<br />

Existe, porém, um outro tipo de problema que, ao que parece, só agora começa a<br />

invadir a consciência de alguns educadores no Brasil: a exclusão das culturas indígenas<br />

de nossas salas de aula. Esse problema está ao alcance das pessoas que fazem educação<br />

no Brasil. Além dos PCN da educação indígena, os nossos PCN tratam da diversidade do<br />

país e estabelecem que as diversidades culturais devem ser respeitadas, sem indicar<br />

muito bem como.<br />

Já há quase dois séculos o Brasil é uma nação independente de Portugal, que<br />

desculpas podemos dar, nós, educadores, pelo fato da cultura indígena figurar em nossas<br />

salas de aula como uma generalização sem cheiro, sem cor e sem alma?<br />

Na região amazônica, a postura dos educadores diante dos índios é complicada.<br />

Embora existam cursos de Letras e de Ciências Sociais em várias universidades, pós-<br />

graduação em Lingüística Indígena e Antropologia de grupos indígenas ainda são recentes<br />

e oferecidos apenas pela UFPA. Em 2001 começou a primeira turma de Natureza e Cultura,<br />

promovido pela UFMA. Portanto, a pesquisa sobre os povos indígenas dentro das<br />

universidades da Amazônia ainda é muito incipiente.<br />

Para ilustrar a situação é interessante a experiência de duas pesquisadoras que<br />

defenderam, no início de 2002, dissertação em Antropologia sobre povos indígenas, pela<br />

UFPA. Durante a realização do trabalho de campo, os próprios índios estranharam a<br />

presença de pesquisadores paraenses, para eles é comum pesquisadores de outros<br />

Estados.<br />

Quando se analisam os cursos de graduação, a situação piora. Não aparece em<br />

nenhum currículo de Letras, Ciências Sociais ou Pedagogia, alguma disciplina obrigatória<br />

sobre os povos indígenas da Amazônia. O que existe são iniciativas de uns poucos<br />

professores mais sensíveis às diversidades culturais ou de professores de pós-graduação<br />

que desenvolvem trabalhos na área. Não é de se estranhar, portanto, que exista um número<br />

tão reduzido de pesquisas produzido pelas universidades nessa área.<br />

Dentro deste cenário, as comunidades indígenas se apresentam como um farto<br />

campo de pesquisa. A <strong>UNAMA</strong> é a maior universidade privada da Amazônia e compreender<br />

um pouco mais as manifestações culturais indígenas, pode representar a materialização<br />

da teoria discutida em alguns dos seus cursos de graduação.<br />

Para o curso de Letras, a Lingüística Indígena representa um grande aliado na<br />

compreensão das peculiaridades da língua portuguesa no Brasil, pois permite entender<br />

algumas das transformações ocorridas no português falado no Brasil, principalmente na<br />

região amazônica, onde ainda hoje, nas grandes cidades, a influência indígena é muito


acentuada. Observemos, por exemplo, os nomes de algumas comidas e frutas típicas, de<br />

localidades, de rios que fazem parte de nosso repertório lingüístico cotidiano:<br />

tacacá, vatapá, caruru, tucupi, Marabá, Tapajós, Pará<br />

Fugindo ao paradigma lexical paroxítono da língua portuguesa, essas palavras são<br />

oxítonas. Compreender o que essas diferenças significam está na intercessão de<br />

conhecimentos entrelaçados nos cursos de Letras, Ciências Sociais, Pedagogia, dentre<br />

outros. A Lingüística, assim como outros segmentos do conhecimento humano, deve ser<br />

contextualizada. Então, começar a compreender a língua dos povos indígenas, representa<br />

começar a compreender a cultura desses povos. Quando o conhecimento acadêmico se<br />

realiza dentro da realidade, é bem simples entender que a vida não acontece de forma<br />

fragmentária. O conhecimento vivo, em qualquer comunidade humana, é interdisciplinar e<br />

sempre será melhor compreendido dentro de uma perspectiva holista.<br />

Hoje, o ensino das línguas indígenas também começa a ser discutido. E algumas<br />

questões já estão sendo levantadas a partir da experiência de alguns professores no ensino<br />

de línguas nas escolas indígenas. Vou dar destaque a duas destas questões, que são de<br />

ordem espistemológica. Será que as transcrições lingüísticas das línguas indígenas, feitas<br />

pelos lingüistas, que algumas vezes divergem entre si na grafia, têm validade para as<br />

comunidades indígenas? Será que grafar essas línguas, que culturalmente são ágrafas<br />

não implica em forjar uma situação? Não seriam as transcrições mais uma imposição<br />

cultural nossa? Outra pergunta que também devemos procura responder é como a lingüística<br />

pode efetivamente contribuir para um intercâmbio entre as línguas indígenas e a língua<br />

portuguesa? Qual a validade de apenas fazermos registros das línguas, suas variações<br />

fonéticas, sem que esse estudo recaia numa perspectiva antropológica? Talvez essa<br />

metodologia, que ignora o diálogo interdisciplinar, já se tenha demonstrado inoperante no<br />

ensino da língua portuguesa.<br />

Os cursos de Letras e de Pedagogia no Brasil vêm enfrentando um problema muito<br />

sério com a metodologia de ensino da Língua Portuguesa. Estudar objetos e predicados<br />

sem funcionalidade textual já começa a ser revisto. Novas metodologias começam a surgir,<br />

a gramática contextual ganha espaço entre os professores, mas ainda falta formação e<br />

vontade nas escolas. E, falta, principalmente compreender que o ensino de uma língua é<br />

antes de tudo o ensino da cultura de um povo. Trabalhar a língua portuguesa no Brasil, sem<br />

considerar a influência das línguas indígenas deixa um vazio metodológico e muitas<br />

perguntas sem respostas. Parte do que deveria ser interpretado à luz da diversidade cultural<br />

de nosso país, é resumido como sendo uma imposição do português falado em Portugal.


REFERÊNCIAS<br />

Núcleo de Educação a Distância - NEAD<br />

ASSMAN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e<br />

didática. 2. ed. Piracicaba: UNIMEP, 1996.<br />

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1992.<br />

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva,<br />

1998.<br />

CARDOSO, C. M. A canção da inteireza: uma visão holística da educação. São Paulo:<br />

SUMMUS, 1995.<br />

CORRÊA, Ivânia et al. O céu dos indios Tembé. Belém: Imprensa Oficial do Estado,<br />

1999.<br />

CUNHA, Celso. Língua, nação e alienação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.<br />

DUMÉZIL, Georges. Do mito ao romance. São Paulo: Matins Fontes, 1992.<br />

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.<br />

15.ed. São Paulo: Paz e Terra 1996.<br />

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense-<br />

Universitária,1884.<br />

MAGALHÃES, Antônio Carlos. Povos indígenas no Pará. Programa Raízes. Belém: o<br />

programa 2001.<br />

RODRIGUES, Aryon. Introdução ao estudo das línguas indígenas brasileiras. Brasília:<br />

UNB, 1984.<br />

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 15. ed. São Paulo: Ática,<br />

1997.

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