a imagem de d. fernando na crônica de fernão lopes - Universidade ...
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D. Fer<strong>na</strong>ndo reinou em um cenário bastante conturbado. Durante seu rei<strong>na</strong>do, que<br />
vai <strong>de</strong> 1367 a 1383 o rei português teve que lidar com três guerras luso-castelha<strong>na</strong>s,<br />
<strong>de</strong>sdobramentos ibéricos da guerra dos cem anos, com um grave problema frumentário<br />
<strong>de</strong>ntro do reino, com as pretensões da nobreza e dos povos, e com um casamento malsucedido.<br />
Ao fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> sua vida, encurtada pela doença, D. Fer<strong>na</strong>ndo <strong>de</strong>ixa o reino sem<br />
her<strong>de</strong>iro varão, sob a regência da rainha, D. Leonor Teles, membro <strong>de</strong> uma nobreza exilada<br />
castelha<strong>na</strong>, que não tem muitos apoios <strong>de</strong>ntro do reino, e sob forte ameaça <strong>de</strong> D. Juan I <strong>de</strong><br />
Castela, genro <strong>de</strong> D. Fer<strong>na</strong>ndo, que reclama para si o trono português. No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste<br />
interregno ascen<strong>de</strong>rá ao trono a di<strong>na</strong>stia <strong>de</strong> Avis através <strong>de</strong> D. João I, mestre <strong>de</strong> Avis,<br />
meio-irmão <strong>de</strong> D. Fer<strong>na</strong>ndo, que surge como o “mexias” <strong>de</strong> Lisboa 3 e “salva” o reino do<br />
difícil interregno.<br />
Fernão Lopes cria então em sua Crônica a respeito <strong>de</strong> D. Fer<strong>na</strong>ndo uma<br />
<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da <strong>imagem</strong> do rei que justifique a mudança dinástica e legitime a di<strong>na</strong>stia <strong>de</strong><br />
Avis no trono português. Dois elementos que fazem parte <strong>de</strong>sta construção nós <strong>de</strong>stacamos<br />
para fins <strong>de</strong> análise em nosso trabalho: o perfil do mo<strong>na</strong>rca e o casamento <strong>de</strong> D. Fer<strong>na</strong>ndo.<br />
Em relação ao perfil do mo<strong>na</strong>rca vemos dois momentos distintos <strong>na</strong> obra lopea<strong>na</strong>.<br />
Em um primeiro momento, que localizamos entre o prólogo e os primeiros capítulos da<br />
Crônica, on<strong>de</strong> o rei é retratado como um bom rei, equilibrado e justo. Tal perfil se cria<br />
através do relato que Fernão Lopes cria em torno da figura do mo<strong>na</strong>rca. Quatro elementos<br />
nós <strong>de</strong>stacamos como compositores <strong>de</strong>sse perfil. As características físicas, as habilida<strong>de</strong>s,<br />
as atitu<strong>de</strong>s e a perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> do rei. Estes elementos aparecem em diferentes graus <strong>de</strong><br />
intensida<strong>de</strong> <strong>na</strong> obra, mas em seu conjunto pintam um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do quadro do rei.<br />
Quanto às características físicas do rei os comentários são escassos, concentrados<br />
no prólogo da obra e no capítulo 172. No prólogo vemos Fernão Lopes <strong>de</strong>screver um rei <strong>de</strong><br />
“bem composto corpo e <strong>de</strong> razoada altura, fremoso em parecer e muito vistoso; tal que<br />
estando acerca <strong>de</strong> muitos homeens, posto que conhecido nom fosse, logo o julgariam por<br />
Rei dos outros”. 4 A esta <strong>imagem</strong> bastante positiva opõe-se aquela <strong>de</strong>scrita no capítulo 172,<br />
quando o cronista escreve que “jouve elRei per dias doemte , muj <strong>de</strong>sasemelhado <strong>de</strong><br />
quamdo el começou <strong>de</strong> rei<strong>na</strong>r; ca el estomçe parecia Rei amtre todollos homeens aimda<br />
que conheçido nom fosse, e agora era assi mudado, que <strong>de</strong> todo pomto nom pareçia<br />
aquelle”. 5<br />
Oposições semelhantes observamos também com os outros elementos que<br />
<strong>de</strong>stacamos para fins <strong>de</strong> análise. O rei que no início da Crônica é <strong>de</strong>scrito como habilidoso<br />
com o cavalo e com a espada, como se vê no prólogo, elementos da construção i<strong>de</strong>al <strong>de</strong><br />
cavaleiro medieval, aparece mais adiante cometendo erros estratégicos em suas guerras<br />
contra Castela. O mesmo suce<strong>de</strong> com a perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Fer<strong>na</strong>ndo que o cronista cria.<br />
Nos primeiros capítulos da <strong>crônica</strong> o rei é retratado como valente, arrojado, justo, amador<br />
<strong>de</strong> seu povo 6 ; o rei era “gamdioso <strong>de</strong> voonta<strong>de</strong> e queremçoso daquello que todollos<br />
homeens <strong>na</strong>turallmente <strong>de</strong>seiam, que he acreçemtamento <strong>de</strong> sua boa fama, e homrroso<br />
estado”. 7 Em contrapartida, mais adiante <strong>na</strong> Crônica vemos o mo<strong>na</strong>rca sendo <strong>de</strong>scrito<br />
como covar<strong>de</strong>, inconstante e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, ardiloso, temeroso <strong>de</strong> seu povo e <strong>de</strong>sonrado. 8<br />
3<br />
GUIMARÃES, Marcella L. Op. Cit.<br />
4<br />
LOPES, Fernão. Crónica do senhor rei Dom Fer<strong>na</strong>ndo nono rei <strong>de</strong>stes regnos. Porto: Livraria Civilização.<br />
1979. p. 3<br />
5<br />
I<strong>de</strong>m p. 475. Grifo meu.<br />
6<br />
I<strong>de</strong>m p. 3<br />
7<br />
I<strong>de</strong>m. p. 77<br />
8<br />
I<strong>de</strong>m. caps. 45, 64, 83, 93, 115, 126, 191, entre outros.