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R evista da APM Março de 2007 - Associação Paulista de Medicina

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A gente se sente realmente impotente”,<br />

lamenta-se.<br />

Momentos <strong>de</strong> terror<br />

A médica campineira Cristina Terzi,<br />

intensivista do Hospital <strong>da</strong>s Clínicas <strong>da</strong><br />

Unicamp e <strong>da</strong> prefeitura <strong>de</strong> Paulínia,<br />

vivenciou recentemente um dos episódios<br />

mais cruéis <strong>da</strong> guerra civil que se<br />

tornou a questão <strong>da</strong> violência no Brasil.<br />

Ela era um dos passageiros do ônibus<br />

pertencente à Viação Itapemirim e atacado<br />

por criminosos no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

no dia 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006. Naquela<br />

quinta-feira, véspera <strong>de</strong> seu aniversário,<br />

voltava sozinha a<br />

São Paulo para cumprir<br />

seu plantão nos últimos<br />

três dias do ano. O ônibus<br />

vinha do Espírito Santo,<br />

on<strong>de</strong> visitava familiares e<br />

<strong>de</strong>ixara o marido e o filho.<br />

O veíulo foi parado no<br />

trevo <strong>da</strong>s Missões, que liga a aveni<strong>da</strong><br />

Brasil à rodovia Washington Luís, e,<br />

segundo testemunhas, os cerca <strong>de</strong> 30<br />

elementos atiraram nos pneus para roubar<br />

os passageiros. Não satisfeitos, jogaram<br />

gasolina no corredor do ônibus e<br />

atearam fogo, criando o clima <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero.<br />

“Eles atearam fogo na porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong>,<br />

que é a mesma <strong>de</strong> saí<strong>da</strong>. Todos<br />

correram para trás gritando e chorando<br />

e eu tentei quebrar o vidro com socos,<br />

que não quebrou. Mas consegui, por<br />

Deus, achar o martelinho <strong>de</strong> emergência<br />

e quebrar a janela”, relata Cristina.<br />

Sem pensar duas vezes e com o fogo<br />

já atingindo seus cabelos, Terzi pulou<br />

<strong>de</strong> uma altura <strong>de</strong> dois metros que a<br />

separava do chão. Na que<strong>da</strong>, bateu<br />

fortemente o queixo e o peito, o que<br />

tornou sua respiração difícil, além <strong>de</strong><br />

se cortar com cacos <strong>de</strong> vidro.<br />

Não bastasse isso, ao se levantar e tentar<br />

pedir por aju<strong>da</strong>, se <strong>de</strong>parou com um<br />

tiroteio entre a Polícia e os bandidos,<br />

que duraria ain<strong>da</strong> alguns minutos. Desampara<strong>da</strong>,<br />

ela reuniu suas forças e tentou<br />

se afastar ao máximo do local. “Por<br />

instinto e medo, me apo<strong>de</strong>rei <strong>de</strong> uma<br />

energia incrível e corri cerca <strong>de</strong> 600<br />

metros até encontrar um ponto <strong>de</strong> ônibus.<br />

Tentei, sem sucesso, algum táxi.<br />

Mas, assustados em ver uma pessoa<br />

com o corpo cheio <strong>de</strong> lesões e sangue,<br />

“Depois do atentado, passei<br />

a ter pesa<strong>de</strong>los e insônia”<br />

não quiseram arriscar e parar”.<br />

Felizmente um senhor ajudou-a a pegar<br />

um ônibus, on<strong>de</strong> um passageiro lhe<br />

emprestou um celular. Enquanto tentava<br />

contato com seu marido, Cristina<br />

sequer se lembrava <strong>de</strong> que seus pertences<br />

estavam em chamas. O esposo entrou<br />

em contato com sua irmã no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro para ir encontrá-la no hospital<br />

Souza Aguiar.<br />

Chegando lá, mesmo com as roupas<br />

queima<strong>da</strong>s e ensangüenta<strong>da</strong>s, a médica<br />

não conseguia ser atendi<strong>da</strong>. Tentou ligar<br />

novamente para o marido <strong>de</strong> um<br />

orelhão, mas o trauma e a confusão<br />

mental sequer a permitiam enxergar e<br />

digitar as teclas. Felizmente, em segui<strong>da</strong><br />

chegaram seus cunhados, que a<br />

levaram a um outro hospital, o São<br />

Vicente <strong>de</strong> Paulo.<br />

Efeitos traumáticos<br />

Após exames e suturas, Cristina Terzi<br />

foi libera<strong>da</strong> e seguiu para o apartamento<br />

<strong>de</strong> seus parentes, ain<strong>da</strong> sem<br />

saber “na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> o que tinha acontecido”.<br />

“Passamos a noite <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

em família e os planos iniciais<br />

foram <strong>de</strong>sfeitos. Nos próximos dias, os<br />

hematomas foram regredindo e os cortes<br />

cicatrizando”, recor<strong>da</strong>-se.<br />

A médica passou um mês <strong>de</strong> janeiro<br />

difícil <strong>de</strong>vido às fortes dores do trauma<br />

na mandíbula. “Estou<br />

com muita dificul<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

para dormir, tenho pesa<strong>de</strong>los<br />

e insônia. Venho fazendo<br />

tratamento com<br />

psiquiatra, tomando anti<strong>de</strong>pressivos<br />

e remédios<br />

para dormir”.<br />

No início <strong>de</strong> março, Cristina iria remover<br />

um caco <strong>de</strong> vidro ain<strong>da</strong> instalado<br />

em sua mão, esperando se recuperar<br />

e voltar ao trabalho.<br />

Seu sentimento, apesar <strong>de</strong> todo o terror<br />

vivido e <strong>da</strong> lembrança permanente<br />

do episódio, era <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento.<br />

“Obriga<strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a sorte que tive; eu<br />

estava sozinha, sem meu filho e meu<br />

marido correndo perigo, apenas meus<br />

cabelos queimaram. Se for pensar bem,<br />

eu tenho mesmo é muita sorte”, analisa.<br />

Um sentimento natural, já que nove dos<br />

28 passageiros <strong>da</strong>quele ônibus não tiveram<br />

a mesma sorte – a última vítima, uma<br />

estu<strong>da</strong>nte <strong>de</strong> 20 anos, não resistiu às<br />

queimaduras em mais <strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do<br />

corpo e morreu em 25 <strong>de</strong> fevereiro. �<br />

R<strong>evista</strong> <strong>da</strong> <strong>APM</strong> <strong>Março</strong> <strong>de</strong> <strong>2007</strong><br />

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