O fundamento da democracia em Benedictus de Spinoza - Uece
O fundamento da democracia em Benedictus de Spinoza - Uece
O fundamento da democracia em Benedictus de Spinoza - Uece
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
teológica <strong>de</strong> um Adão perfeito e feliz. Ora, o primeiro hom<strong>em</strong> se ass<strong>em</strong>elha às<br />
crianças: estas, ignorantes <strong>da</strong>s causas e <strong>da</strong> natureza, são reduzi<strong>da</strong>s à consciência<br />
do acontecimento; portanto, con<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s a sofrer os efeitos cuja causa lhes<br />
escapa, escravas <strong>de</strong> qualquer coisa, angustia<strong>da</strong>s e infelizes. No Apêndice <strong>da</strong> parte<br />
I <strong>da</strong> Ética, <strong>Spinoza</strong> nos apresenta a forma como a consciência acalma esta<br />
angústia, através <strong>da</strong> tripla ilusão, a saber: ilusão <strong>da</strong>s causas finais (finali<strong>da</strong><strong>de</strong>),<br />
ilusão dos <strong>de</strong>cretos livres (liber<strong>da</strong><strong>de</strong>) e ilusão teológica. Sobre elas Deleuze<br />
afirma que “a consciência é apenas um sonho <strong>de</strong> olhos abertos”, l<strong>em</strong>brando-nos a<br />
seguinte passag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Ética:<br />
Assim, uma criancinha acredita apetecer livr<strong>em</strong>ente, o leite; um<br />
menino furioso, a vingança; e o intimi<strong>da</strong>do, a fuga. Um hom<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong>briagado também acredita que é pela livre <strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> sua mente<br />
que fala aquilo sobre o qual, mais tar<strong>de</strong>, já sóbrio, preferia ter calado.<br />
(EIII, P2, S).<br />
Assim, a junção <strong>da</strong> ignorância e do <strong>de</strong>sejo leva os homens à crença na liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
nos fins. Para Homero Santiago 35 , os homens ao acreditar agir s<strong>em</strong>pre livr<strong>em</strong>ente<br />
<strong>em</strong> vista <strong>de</strong> um fim, “passam a “ansiar” (expetere) conhecer as causas finais <strong>da</strong>s<br />
coisas e <strong>da</strong>s ações, e só consegu<strong>em</strong> “sossegar” (quiescere) ao saber<strong>em</strong> tais causas<br />
finais. Portanto, os opostos “ânsia” e “sossego” constitu<strong>em</strong> o motor <strong>da</strong><br />
superstição”. Os homens anseiam por <strong>de</strong>scobrir os fins <strong>de</strong> tudo e, quando crê<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>scobrir, se aquietam. A questão é que os homens quase nunca se satisfaz<strong>em</strong> por<br />
completo; por isso, viv<strong>em</strong> numa ânsia, numa inquietação insuportável. Para<br />
livrar<strong>em</strong>-se <strong>de</strong>ste sentimento, “[...] só lhes restam o recurso <strong>de</strong> se voltar<strong>em</strong> para si<br />
mesmos e refletir<strong>em</strong> sobre os fins que habitualmente os <strong>de</strong>terminam a fazer<br />
coisas similares e, assim, necessariamente, acabam por julgar a inclinação alheia<br />
pela sua própria”.(EI, Ap). Santiago <strong>de</strong>nomina este mecanismo <strong>de</strong> “projeção”,<br />
termo que achamos apropriado e <strong>de</strong> que far<strong>em</strong>os uso a partir <strong>de</strong> agora. 36 Diz<br />
<strong>Spinoza</strong>:<br />
Se, entretanto, não pu<strong>de</strong>r<strong>em</strong> saber <strong>de</strong>ssas causas por ouvir<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />
outr<strong>em</strong>, só lhes resta o recurso <strong>de</strong> se voltar<strong>em</strong> para si mesmos e<br />
35<br />
Cf. Santiago, H. Superstição e ord<strong>em</strong> moral do mundo. In: Martins, A. (org.). O mais potente<br />
dos afetos: <strong>Spinoza</strong> e Nietzsche, p. 171-212.<br />
26