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“disposições para crer, disposições para agir”: jovens de ... - Uece

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ<br />

MARIA DO CARMO WALBRUNI LIMA<br />

“DISPOSIÇÕES PARA CRER, DISPOSIÇÕES PARA<br />

AGIR”: JOVENS DE ESCOLA PÚBLICA PENSANDO<br />

A EDUCAÇÃO, O TRABALHO E O FUTURO<br />

FORTALEZA – CEARÁ<br />

2013


1<br />

Maria do Carmo Walbruni Lima<br />

“DISPOSIÇÕES PARA CRER, DISPOSIÇÕES PARA AGIR”:<br />

JOVENS DE ESCOLA PÚBLICA PENSANDO A EDUCAÇÃO, O<br />

TRABALHO E O FUTURO<br />

Dissertação apresentada ao Curso <strong>de</strong> Mestrado<br />

Acadêmico em Políticas Públicas e Socieda<strong>de</strong> do<br />

Centro <strong>de</strong> Estudos Sociais Aplicados da<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará, como requisito<br />

parceial <strong>para</strong> obtenção do título <strong>de</strong> Mestre em<br />

Políticas Públicas e Socieda<strong>de</strong>.<br />

Orientadora: Profa. Dra. Rosemary <strong>de</strong> Oliveira<br />

Almeida<br />

FORTALEZA – CEARÁ<br />

2013


2<br />

Dados Internacionais <strong>de</strong> Catalogação na Publicação<br />

Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará<br />

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho<br />

Bibliotecário (a) Leila Cavalcante Sátiro – CRB-3 / 544<br />

L732d<br />

Lima, Maria do Carmo Walbruni.<br />

“Disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong>, disposições <strong>para</strong> agir”: Jovens <strong>de</strong> escola<br />

pública pensando a educação, o trabalho e o futuro / Maria do Carmo<br />

Walbruni Lima. — 2013.<br />

CD-ROM 159 f. : il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol.<br />

“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho<br />

acadêmico, acondicionado em caixa <strong>de</strong> DVD Slin (19 x 14 cm x 7<br />

mm)”.<br />

Dissertação (mestrado) – Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará,<br />

Centro <strong>de</strong> Estudos Sociais Aplicados, Curso <strong>de</strong> Mestrado Acadêmico<br />

em Políticas Públicas e Socieda<strong>de</strong>, Fortaleza, 2013.<br />

Área <strong>de</strong> Concentração: Políticas Públicas e Socieda<strong>de</strong>.<br />

Orientação: Profª. Drª. Rosemary <strong>de</strong> Oliveira Almeida.<br />

1. Jovens. 2. Escola pública. 3. Desigualda<strong>de</strong>s. 4. Disposições em<br />

relação ao futuro. I. Título.<br />

CDD: 711.4


5<br />

AGRADECIMENTOS<br />

À Professora Liduina Farias, pelas palavras <strong>de</strong> incentivo que me fizeram pensar no retorno à<br />

Universida<strong>de</strong> através do Curso <strong>de</strong> Mestrado.<br />

À Professora Rosemary Almeida, pela sabedoria e leveza na condução das orientações<br />

<strong>de</strong>ste trabalho, sempre cuidadosa no sentido <strong>de</strong> me fazer refletir sobre as i<strong>de</strong>ias construídas<br />

acerca da Escola Pública e <strong>de</strong> seus <strong>jovens</strong> estudantes.<br />

Ao Professor Geovani Jacó pelas contribuições no processo <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sta pesquisa<br />

através das discussões no Laboratório <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas Conflitualida<strong>de</strong> e Violência –<br />

COVIO, bem como durante a Qualificação do Projeto <strong>de</strong> Pesquisa, contribuições que foram<br />

fundamentais <strong>para</strong> a recondução do nosso olhar sobre o problema investigado.<br />

À Professora Isabel Sabino, pelas análises e sugestões apresentadas ao Projeto <strong>de</strong><br />

Pesquisa durante a fase <strong>de</strong> Qualificação.<br />

Ao Professor Rosendo Amorim, amigo e gran<strong>de</strong> incentivador no meu percurso <strong>de</strong> ingresso<br />

ao Mestrado.<br />

À Secretaria Municipal <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Fortaleza – SME e à Secretaria da Educação do<br />

Ceará – SEDUC, pela autorização <strong>de</strong> afastamento <strong>para</strong> meus estudos <strong>de</strong> Mestrado.<br />

Ao Núcleo Gestor das Escolas das Re<strong>de</strong>s Públicas Municipal e Estadual que constituíram<br />

campos <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong>sta Pesquisa, aos professores e <strong>de</strong>mais funcionários <strong>de</strong>ssas<br />

escolas pela acolhida em suas <strong>de</strong>pendências durante o processo <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> campo.<br />

Aos <strong>jovens</strong> estudantes que foram nossos interlocutores neste estudo. Suas narrativas<br />

constituíram as bases que tornaram possíveis as discussões aqui apresentadas.<br />

A todos os professores e funcionários do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e<br />

Socieda<strong>de</strong> que contribuíram <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento do Curso.


6<br />

RESUMO<br />

A preocupação central <strong>de</strong>ste estudo está direcionada aos <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos, estudantes <strong>de</strong><br />

escolas públicas, que ainda não ingressaram no Ensino Médio, etapa da Educação Básica<br />

oficialmente recomendada <strong>para</strong> essa faixa-etária. Discutimos, a partir das narrativas dos<br />

entrevistados, suas condições <strong>de</strong> acesso ao capital cultural representado pela cultura escolar e ao<br />

capital econômico e social, capitais que também funcionam como capital simbólico capaz <strong>de</strong> interferir<br />

nas posições <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ntro do campo escolar, na formação <strong>de</strong> suas disposições em relação à<br />

educação e ao trabalho, em suas pretensões <strong>de</strong> cursar o Ensino Médio, <strong>de</strong> profissionalização e <strong>de</strong><br />

inserção no Ensino Superior. Procuramos pensar em que medida esses atores sociais se aproximam<br />

ou se distanciam da outra parcela <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> da escola pública que consegue chegar ao Ensino Médio<br />

na ida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada a<strong>de</strong>quada. Desse modo, esta discussão também se esten<strong>de</strong> a esses <strong>jovens</strong><br />

entre 15 e 17 anos que já se encontram no Ensino Médio. A partir <strong>de</strong> Bourdieu, refletimos sobre os<br />

direitos consagrados aos <strong>jovens</strong> pelo Direito, no campo da educação, e sobre a (<strong>de</strong>s) igualda<strong>de</strong> na<br />

distribuição <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s entre esses estudantes. O pensamento <strong>de</strong> Lahire nos ajuda a enten<strong>de</strong>r<br />

as relações entre os contextos <strong>de</strong> vivência dos entrevistados e suas disposições diante do mundo,<br />

que são diversas, já que somos indivíduos plurais. A fase <strong>de</strong> campo <strong>de</strong>sta pesquisa foi realizada em<br />

03 (três) escolas públicas <strong>de</strong> Fortaleza. A primeira fase foi <strong>de</strong>senvolvida na escola on<strong>de</strong> atuávamos<br />

como docente. As outras duas escolas foram selecionadas por meio do critério <strong>de</strong> maior e menor taxa<br />

<strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º Anos). A participação total<br />

<strong>de</strong> estudantes foi <strong>de</strong> 98 (noventa e oito) <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos, sendo 53 (cinquenta e três) da<br />

Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos – EJA, 6 (seis) estudantes matriculados nas turmas <strong>de</strong> 8º e 9º Anos e<br />

39 <strong>jovens</strong> do Ensino Médio. A pesquisa, <strong>de</strong> natureza qualitativa, foi realizada através <strong>de</strong> observações<br />

in loco, aplicação <strong>de</strong> questionários, entrevistas individuais semiestruturadas e grupos focais. Os<br />

resultados apontaram os estudantes da EJA como os mais afetados pela estrutura <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>de</strong> capital econômico, cultural e social entre todos os entrevistados. Com trajetória<br />

escolar marcada por dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem acumuladas e não solucionadas; reprovação;<br />

perda do direito ao ensino diurno e não acesso ao Ensino Médio na ida<strong>de</strong> oficialmente recomendada,<br />

a maioria <strong>de</strong>sses estudantes, mesmo apresentando disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong> na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

inserção futura em profissões socialmente consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> prestígio, <strong>de</strong>monstraram poucas chances<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver disposições <strong>para</strong> agir na perspectiva <strong>de</strong> formação <strong>para</strong> essas profissões,<br />

consi<strong>de</strong>rando as condições objetivas e subjetivas que vivenciam. Ao contrário, os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> 8º e 9º<br />

em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série e os estudantes do Ensino Médio <strong>de</strong>monstraram conviver em<br />

uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações em que há maior circulação e valorização do capital cultural escolar por parte<br />

<strong>de</strong> familiares e amigos, favorecendo a construção <strong>de</strong> disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong> e também disposições<br />

<strong>para</strong> agir no sentido <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> seus projetos <strong>de</strong> futuro.<br />

Palavras-chave: Jovens; Escola Pública; Desigualda<strong>de</strong>s, Disposições em relação ao futuro


7<br />

ABSTRACT<br />

The central concern of this study is targeted to young people between 15 and 17 years, public school<br />

stu<strong>de</strong>nts who have not enrolled in high school, stage of education officially recommen<strong>de</strong>d for this age<br />

group. We discuss, based on the narratives of the respon<strong>de</strong>nts, their conditions of access to cultural<br />

capital represented by the school culture and the economic capital and social capital that also function<br />

as symbolic capital can interfere in the positions of these young people within the school field, in<br />

forming their provisions in relation to education and work, in their pretensions to attend high school,<br />

and insertion of professionalization in Higher Education. We try to think to what extent these social<br />

actors are closer or more distant from the other portion of the public school youth who can get to high<br />

school at age <strong>de</strong>emed appropriate. Thus, this discussion also extends to those aged 15 to 17 who are<br />

already in high school. From Bourdieu, we reflect on the rights granted by law to young people, in<br />

education, and the (in) equality in the distribution of opportunities for these stu<strong>de</strong>nts. The thought of<br />

Lahire helps us un<strong>de</strong>rstand the relationships between the contexts of experience of respon<strong>de</strong>nts and<br />

its provisions before the world, they are diverse, as are individuals plural. The field phase of this<br />

research was conducted in three (03) schools in Fortaleza. The first phase was <strong>de</strong>veloped at the<br />

school where we worked as a teacher. The other two schools were selected by the criterion of lowest<br />

and highest rate of age-gra<strong>de</strong> in the final years of elementary school (6th to 9th Years). The total<br />

participation of stu<strong>de</strong>nts was 98 (ninety-eight) young people between 15 and 17 years, with 53 (fifty<br />

three) Education of Youth and Adults - Adult Education, 6 (six) stu<strong>de</strong>nts enrolled in classes 8 and 9<br />

Years and 39 young high school stu<strong>de</strong>nts. The research, qualitative in nature, was carried through in<br />

situ observations, questionnaires, semi-structured individual interviews and focus groups. The results<br />

showed stu<strong>de</strong>nts the EJA (Youth and Adult’s Education) as the most affected by the structure of<br />

unequal distribution of economic capital, cultural and social among all respon<strong>de</strong>nts. With school career<br />

marked by accumulated learning difficulties and unresolved; disapproval, loss of the right to education<br />

and no daytime access to high school at age officially recommen<strong>de</strong>d, most of these stu<strong>de</strong>nts, even<br />

with provisions to believe in the possibility of future entry into professions socially consi<strong>de</strong>red<br />

prestigious, showed little chance of <strong>de</strong>veloping dispositions to act in the context of training for these<br />

professions, consi<strong>de</strong>ring the objective and subjective conditions they experience. Unlike the young of<br />

8 and 9 at-age-gra<strong>de</strong> and high school stu<strong>de</strong>nts <strong>de</strong>monstrated live in a network of relationships in<br />

which there is increased circulation and capital appreciation cultural school by relatives and friends,<br />

enhancing the building provisions to believe and also dispositions to act towards achieving their future<br />

projects.<br />

Keywords: Youth; Public School; Inequalities; Provisions for the future.


8<br />

SUMÁRIO<br />

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLA.................................................................................10<br />

LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................12<br />

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................13<br />

2 PERCURSO METODOLÓGICO: RE(CONSTRUINDO) O OLHAR SOBRE O CAMPO<br />

.............................................................................................................................................. 21<br />

2.1 Mondubim: O Campo Familiar........................................................................................32<br />

2.2 Bonsucesso e Parque São José: Campos Estrangeiros? ........................................... 35<br />

3 ESCOLA, FAMÍLIA E TRABALHO: REGULARIDADES E VARIAÇÕES NAS<br />

EXPERIÊNCIAS DOS ESTUDANTES DE EJA ...................................................................38<br />

3.1 Diferentes Motivações <strong>para</strong> Inserção em Turmas do Ensino Noturno <strong>de</strong> EJA ..........42<br />

3.2 Os Jovens da Escola do Mondubim ..........................................................................43<br />

3.3 Os Jovens da Escola do Bonsucesso ........................................................................47<br />

3.3.1 Trabalhar <strong>para</strong> comprar as minhas coisas .......................................................49<br />

3.4 Condições <strong>de</strong> acesso à Cultura Escolar entre <strong>jovens</strong> e familiares ............................53<br />

3.5 A Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Relações Sociais entre os Estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso ............. 61<br />

4 EXPERIÊNCIAS SOCIAIS, ESCOLARES E DE TRABALHO ENTRE ESTUDANTES NO<br />

PARQUE SÃO JOSÉ .......................................................................................................... 68<br />

4.1 A Escola do Parque São José .................................................................................. 69<br />

4.2 Jovens <strong>de</strong> 8º e 9º Anos: Distanciamentos e aproximações com os estudantes <strong>de</strong> EJA<br />

...........................................................................................................................................68<br />

4.3 Jovens do Ensino Médio na Série Recomendada <strong>para</strong> a Ida<strong>de</strong> ,................................75<br />

4.4 O Trabalho: Entre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajudar à Família, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Consumir e a<br />

formação <strong>para</strong> a Responsabilida<strong>de</strong> ..................................................................................77<br />

4.5 Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Relações Socais ..........................................................................................80<br />

4.6 O Lugar <strong>de</strong> Moradia: Imagens construídas sobre o Parque São José ......................85<br />

5 EDUCAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO E FUTURO: DISPOSIÇÕES DOS JOVENS DE<br />

ESCOLAS PÚBLICAS .........................................................................................................87<br />

5.1 Perspectivas Construídas por Jovens <strong>de</strong> EJA do Mondubim e Parque São José:<br />

Crença ou Ilusão? ............................................................................................................88<br />

5.1.1 “Terminar o Ensino Médio e pronto: A<strong>de</strong>us” ................................................... 92<br />

5.1.2 Será que eu vou “chegar lá também”? .............................................................93<br />

5.2 A gente já vive o presente pensando o futuro ............................................................95<br />

5.3 Eu vou porque eu gosto, porque eu quero ...............................................................101


9<br />

6 DIÁLOGO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: DIFERENÇAS E<br />

DESIGUALDADES NO ATENDIMENTO AOS JOVENS ..................................................105<br />

6.1. A Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos – EJA: Respeito à particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jovens em<br />

situação <strong>de</strong> Distorção Ida<strong>de</strong>-Série?.............................................................................. 107<br />

5.1.1 EJA: “É melhor que série por série”? ............................................................112<br />

6.2 Ensino Médio: Entre a formação geral e a pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> o mercado <strong>de</strong> trabalho<br />

........................................................................................................................................117<br />

6.2.1 Escolas <strong>de</strong> Educação Profissional: “É muita burocracia pra entrar lá”...........123<br />

6.3 Adolescente e Jovem Aprendiz – “Vida Profissional começando direito”: Para quem?<br />

.........................................................................................................................................127<br />

6.4 O Projovem Adolescente .........................................................................................129<br />

6.5 Políticas Públicas: O que os <strong>jovens</strong> sugerem? ....................................................... 133<br />

6.5.1 O que falta aos <strong>jovens</strong>: Força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, incentivo ou investimento do<br />

Governo? ...................................................................................................................... 135<br />

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 140<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 145<br />

APÊNDICES .......................................................................................................................150<br />

Apêndice A– Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Questionário utilizado com Jovens da Educação <strong>de</strong> Jovens e<br />

Adultos – EJA do Mondubim ..............................................................................................151<br />

Apêndice B - Roteiro <strong>para</strong> Entrevista com os Jovens das Turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e<br />

Adultos – EJA do Bonsucesso .......................................................................................... 152<br />

Apêndice C - Roteiro <strong>para</strong> Entrevista com os Jovens das Turmas <strong>de</strong> 8º e 9º Anos em<br />

Situação <strong>de</strong> Distorção Ida<strong>de</strong>- Série ................................................................................... 154<br />

Apêndice D - Roteiro <strong>para</strong> Entrevista com os Jovens do Ensino Médio na Série consi<strong>de</strong>rada<br />

a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> a Ida<strong>de</strong> ..................................................................................................... 155<br />

Apêndice E - Quadro 1: População <strong>de</strong> Jovens entre 15 e 17 anos por Bairros e Secretarias<br />

Executivas Regionais <strong>de</strong> Fortaleza ....................................................................................156<br />

Anexo A – Figura 2. Valor da Renda Média Pessoal por Bairros <strong>de</strong> Fortaleza – 2010 ......159


10<br />

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS<br />

ABEMCE – Associação Beneficente ao Menor Carente do Parque São José<br />

CEASA - Centrais <strong>de</strong> Abastecimento do Ceará S/A<br />

CEB- Câmara da Educação Básica<br />

CEPES – Célula <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas<br />

CIES – Centro Integrado <strong>de</strong> Educação e Saú<strong>de</strong><br />

CNE – Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação<br />

CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público<br />

COAVE – Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Avaliação e Acompanhamento da Educação<br />

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente<br />

EEEP – Escola Estadual <strong>de</strong> Educação Profissional<br />

EJA – Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos<br />

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio<br />

IBGE - Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística<br />

IDEB - Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento da Educação Básica<br />

IDH - Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano do Município<br />

IDHM – B - Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano do Município por Bairro<br />

INEP - Instituto Nacional <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira<br />

LDB – Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional<br />

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome<br />

MEC – Ministério da Educação<br />

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego<br />

OIT – Organização Internacional do Trabalho<br />

PRONASCI – Programa Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública com Cidadania


11<br />

SEDUC – Secretaria da Educação do Ceará<br />

SEFOR - Superintendência das Escolas Estaduais <strong>de</strong> Fortaleza<br />

SEMAS – Secretaria Municipal <strong>de</strong> Assistência Social<br />

SER – Secretaria Executiva Regional<br />

SGA - Sistema <strong>de</strong> Gestão Acadêmica<br />

SINE – Sistema Nacional <strong>de</strong> Emprego<br />

SEPLA- Secretaria <strong>de</strong> Planejamento e Orçamento <strong>de</strong> Fortaleza – SEPLA<br />

STDS – Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social<br />

UNICEF - Fundo das Nações Unidas <strong>para</strong> a Criança


12<br />

LISTA DE FIGURAS<br />

Figura 1: Mapa <strong>de</strong> Fortaleza com a distribuição dos Programas e Equipamentos da<br />

Secretaria <strong>de</strong> Trabalho e Desenvolvimento Social por bairros e Regionais – 2011 ............. 84


13<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

As noções elaboradas acerca dos <strong>jovens</strong> e da juventu<strong>de</strong> são construções sociais<br />

e historicamente situadas 1 . Fundadas em parâmetros que se diferenciaram <strong>de</strong> acordo com<br />

as relações <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização social, essas noções estiveram<br />

associadas a diferentes critérios <strong>de</strong> referência. O saber, o <strong>de</strong>senvolvimento biológico, o<br />

exercício <strong>de</strong> funções sociais, as relações <strong>de</strong> trabalho, po<strong>de</strong>m ser apontados como alguns<br />

<strong>de</strong>sses critérios utilizados pelas socieda<strong>de</strong>s <strong>para</strong> <strong>de</strong>marcar os limites entre as fases da vida.<br />

Constitui uma construção teórica do nosso tempo, e se torna um pensamento<br />

universal, a compreensão e afirmação <strong>de</strong> que os <strong>jovens</strong> 2 são sujeitos reais, vivendo sob<br />

condições objetivas e subjetivas específicas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do lugar social em que se<br />

encontram no interior da socieda<strong>de</strong>, o que nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-los como um grupo<br />

homogêneo.<br />

Desigualda<strong>de</strong>s econômicas, diferenças culturais, diferenças <strong>de</strong> gênero,<br />

orientação sexual, religião, <strong>de</strong>ntre outras situações, constituem elementos <strong>de</strong> distinção e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> posições <strong>de</strong>sses sujeitos no espaço social, compreendido como o lugar da<br />

coexistência <strong>de</strong> diversas posições sociais. Para Bourdieu (2010b, p.138), “Falar <strong>de</strong> um<br />

espaço social, é dizer que se não po<strong>de</strong> juntar uma pessoa qualquer com uma pessoa<br />

qualquer, <strong>de</strong>scurando as diferenças fundamentais, sobretudo econômicas e culturais”.<br />

Dentro do espaço social, as diferentes situações vividas pelos <strong>jovens</strong> po<strong>de</strong>m<br />

contribuir <strong>para</strong> a aproximação ou <strong>para</strong> o distanciamento entre esses sujeitos, no jogo das<br />

relações que estabelecem no <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong> suas práticas cotidianas. Novaes (2006), ao<br />

refletir sobre “quem são os <strong>jovens</strong> hoje”, afirma:<br />

São aqueles nascidos há 14 ou 24 anos – seria uma resposta. No entanto,<br />

esses limites <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> também não são fixos. Para os que não têm direito à<br />

infância, a juventu<strong>de</strong> começa mais cedo. E, no outro extremo – com o<br />

aumento <strong>de</strong> expectativas <strong>de</strong> vida e as mudanças no mercado <strong>de</strong> trabalho -,<br />

uma parte “<strong>de</strong>les” acaba por alargar o chamado “tempo <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>” até a<br />

casa dos 30 anos. Com efeito, qualquer que seja a faixa etária estabelecida,<br />

<strong>jovens</strong> com ida<strong>de</strong>s iguais vivem juventu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>siguais. (p.105).<br />

Os parâmetros etários têm sido instituídos como referência <strong>para</strong> a elaboração <strong>de</strong><br />

políticas públicas. O Estado brasileiro, atualmente, vem se a<strong>de</strong>quando à tendência<br />

internacional <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar como <strong>jovens</strong> aqueles indivíduos que se encontram entre 15 e 29<br />

1 Ver Philippe Ariès - História Social da Criança e da Família. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 2006; Luis Antonio Groppo –<br />

Juventu<strong>de</strong>: ensaios sobre sociologia e história das Juventu<strong>de</strong>s Mo<strong>de</strong>rnas: Difel, 2000 e Pierre Bourdieu –<br />

Questões Sociológicas Lisboa: Fim <strong>de</strong> Século, 2003.<br />

2 Neste estudo utiliza-se o termo “jovem” <strong>para</strong> se referir aos indivíduos, homens e mulheres, que se encontram<br />

em uma <strong>de</strong>terminada fase da vida que, embora vivenciada sob diferentes e <strong>de</strong>siguais condições, está também<br />

associada a elementos da or<strong>de</strong>m do <strong>de</strong>senvolvimento biológico, psicológico e social.


14<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> 3 . Tomando como referência essa faixa-etária, o País apresenta um total <strong>de</strong><br />

cerca <strong>de</strong> 50.936.791 <strong>jovens</strong> 4 . Deste contingente populacional, privilegiamos como foco <strong>de</strong><br />

nosso estudo um grupo <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> que compartilham uma <strong>de</strong>terminada posição no campo<br />

escolar: estudantes da escola pública, com ida<strong>de</strong>s entre 15 e 17 anos que ainda não<br />

alcançaram o Ensino Médio, etapa da educação básica consi<strong>de</strong>rada a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> essa<br />

faixa-etária.<br />

Constituem objetivos <strong>de</strong>ste estudo discutir sobre as condições <strong>de</strong> acesso ao<br />

Capital Econômico, Capital Cultural e Capital Social entre esses estudantes que ainda<br />

permanecem no Ensino Fundamental e compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que modo se configuram entre<br />

esses <strong>jovens</strong> as “disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong>” e as “disposições <strong>para</strong> agir” em relação à Educação,<br />

ao Trabalho e ao Futuro.<br />

Procuramos pensar como se situam esses atores sociais no campo escolar,<br />

como se movem no interior das relações <strong>de</strong> forças e lutas que se estabelecem nesse<br />

espaço e em que medida se aproximam ou se distanciam da outra parcela <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> da<br />

escola pública, que consegue chegar ao Ensino Médio na ida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada a<strong>de</strong>quada 5 . É<br />

nesta perspectiva que lançamos nosso olhar sobre esses <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos,<br />

discutindo sobre suas disposições em relação à formação proporcionada pela escola e<br />

sobre suas perspectivas em relação ao futuro: pretensões <strong>de</strong> cursar o Ensino Médio, <strong>de</strong><br />

profissionalização e <strong>de</strong> inserção no ensino superior.<br />

Associamos a noção <strong>de</strong> disposição aos esquemas <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong><br />

percepção, <strong>de</strong> apreciação e <strong>de</strong> ação diante do mundo (BOURDIEU, 2001), construídos e<br />

incorporados pelos agentes sociais através dos processos <strong>de</strong> socialização que vivenciam<br />

em suas práticas cotidianas em vários momentos <strong>de</strong> suas trajetórias <strong>de</strong> vida e nos diversos<br />

contextos em que se inserem. Desse modo, a constituição e a assimilação <strong>de</strong> uma<br />

disposição exige tempo <strong>de</strong> duração e repetição <strong>de</strong> experiências que mantenham<br />

semelhanças entre si. “A incorporação <strong>de</strong> hábitos ou <strong>de</strong> disposições (discursivas, mentais,<br />

3 Em 07 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 2010, o Senado brasileiro aprovou a Proposta <strong>de</strong> Emenda à Constituição nº 42/08 (que ficou<br />

conhecida como PEC da Juventu<strong>de</strong>), ampliando o intervalo etário consi<strong>de</strong>rado jovem, que anteriormente era <strong>de</strong><br />

15 a 24 anos, e passou a se esten<strong>de</strong>r até os 29 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. (Jovens e Direitos – Legislação Com<strong>para</strong>da em<br />

Matéria <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> – Organização Ibero-Americana <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> - OIJ, 2012).<br />

4 Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística – IBGE - Censo Demográfico 2010 – Características da População<br />

e dos Domicílios - Resultados do Universo. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2011.<br />

5 A ida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada i<strong>de</strong>al <strong>para</strong> ingressar no Ensino Médio é <strong>de</strong> 15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> 17 anos <strong>para</strong> a<br />

conclusão. Dessa forma, a ida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> cada uma das séries do Ensino Médio seria: 15 anos <strong>para</strong> 1ª<br />

Série; 16 anos <strong>para</strong> 2ª Série e 17 anos <strong>para</strong> a 3ª Série do Ensino Médio. (Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Estudos e<br />

Pesquisas Educacionais – INEP – Notícias da Imprensa – Defasagem Ida<strong>de</strong> – Série. Consulta realizada em<br />

13/06/2012).


15<br />

perceptivas, sensório-motoras, apreciativas...) não se realiza <strong>de</strong> uma só vez [...] são fruto <strong>de</strong><br />

uma repetição sistemática, cotidiana e <strong>de</strong> longa duração”. (LAHIRE, 2004, p. 28).<br />

Assim, as disposições apresentadas pelos sujeitos interlocutores neste estudo,<br />

expressas mediante seus modos <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> se comportar diante do mundo escolar e do<br />

futuro profissional, resultaram <strong>de</strong> experiências e práticas que não se limitam àquelas<br />

realizadas no campo da escola, uma vez que são anteriores às vivências realizadas nesse<br />

espaço e o extrapolam, consi<strong>de</strong>rando que a escola, como um campo <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong>sses<br />

<strong>jovens</strong>, constitui apenas um entre os diversos contextos on<strong>de</strong> realizam suas práticas sociais.<br />

A noção <strong>de</strong> campo se refere, aqui, a espaços sociais <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, com<br />

instituições, leis e finalida<strong>de</strong>s próprias, on<strong>de</strong> os sujeitos ou agentes sociais encontram-se<br />

envolvidos e movidos por certos interesses comuns, uma vez que “[...] cada campo confina<br />

assim os agentes a seus próprios móveis <strong>de</strong> interesse [...]” (BOURDIEU, 2004, p.121).<br />

Esses agentes po<strong>de</strong>m se situar em posições diferenciadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um campo,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do domínio que exerçam sobre as regras consi<strong>de</strong>radas legítimas nesse campo<br />

e que comandam as relações que se estabelecem em seu interior. Os agentes que<br />

apresentam maior familiarida<strong>de</strong> com essas regras ou leis <strong>de</strong> funcionamento po<strong>de</strong>rão obter<br />

maiores vantagens em seu <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse campo.<br />

Partimos da compreensão <strong>de</strong> que a formação das disposições dos <strong>jovens</strong>, <strong>de</strong><br />

suas atitu<strong>de</strong>s em relação ao campo da educação e ao campo do trabalho mantêm<br />

articulação com sua origem social, uma vez que “[...] a posição ocupada no espaço social,<br />

isto é, na estrutura <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> diferentes tipos <strong>de</strong> capital, que também são armas,<br />

comanda as representações <strong>de</strong>sse espaço e as tomadas <strong>de</strong> posição nas lutas <strong>para</strong><br />

conservá-lo ou transformá-lo”. (BOURDIEU, 2011, p.27). A posição ocupada pelos agentes<br />

no interior <strong>de</strong>sses campos, como a escola e o trabalho, por exemplo, está associada ao<br />

volume <strong>de</strong> capitais possuídos ou que po<strong>de</strong>m ser mobilizados por esses sujeitos, o que<br />

significa que a origem social é um fator que interfere nas posições ocupadas pelos sujeitos<br />

nos diversos campos, mas não é o único. Desse modo, outros elementos po<strong>de</strong>m contribuir<br />

<strong>para</strong> as mudanças <strong>de</strong> posição dos agentes <strong>de</strong>ntro do campo, compreendido com um espaço<br />

em que se relacionam pessoas com interesses comuns, diferentes daqueles partilhados em<br />

outros espaços, e que são conhecedoras das regras ou leis próprias do funcionamento do<br />

seu campo <strong>de</strong> interesse e que estão dispostas a jogar o tipo <strong>de</strong> jogo imposto por esse<br />

espaço <strong>de</strong> relações.<br />

Em Bourdieu (2011a), a noção <strong>de</strong> capital constitui um elemento que ajuda a<br />

compreen<strong>de</strong>r o lugar ocupado pelos agentes sociais <strong>de</strong>ntro do mundo. Essa noção <strong>de</strong><br />

capital foi elaborada pelo autor em analogia ao capital econômico (NOGUEIRA E


16<br />

NOGUEIRA, 2004), uma vez que seria capaz <strong>de</strong> proporcionar lucros aos seus <strong>de</strong>tentores.<br />

Para Bourdieu, os vários tipos <strong>de</strong> capitais funcionam como instrumentos capazes <strong>de</strong><br />

propiciar ganhos aos seus <strong>de</strong>tentores, sejam ganhos materiais e/ou simbólicos e também<br />

expressariam formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

A posse do tipo <strong>de</strong> cultura legitimado pela socieda<strong>de</strong> como a cultura escolar,<br />

socialmente valorizada, bem como o acesso a uma ampla re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais mantidas<br />

pelos agentes, capazes <strong>de</strong> proporcionar vantagens no mundo do trabalho, no mundo<br />

acadêmico, no mundo social ou em outros espaços, representam formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

consi<strong>de</strong>radas pelo autor como capital. Bourdieu consi<strong>de</strong>ra que qualquer tipo <strong>de</strong> capital, seja<br />

físico, econômico, cultural ou social apresenta a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser também capital<br />

simbólico. Segundo o autor, o capital simbólico é uma proprieda<strong>de</strong> qualquer [...] percebida<br />

pelos agentes sociais cujas categorias <strong>de</strong> percepção são tais que eles po<strong>de</strong>m entendê-las<br />

(percebê-las e reconhecê-las, atribuindo-lhes valor [...]). (BOURDIEU, 2011b, p.107)<br />

Neste estudo abordaremos, particularmente, os tipos <strong>de</strong> capitais classificados<br />

pelo autor como capital econômico, capital social e capital cultural, procurando relacioná-los<br />

aos processos <strong>de</strong> constituição das disposições dos agentes sociais investigados, às<br />

posições ocupadas por esses agentes e às suas tomadas <strong>de</strong> posição no interior do campo<br />

escolar e do campo do trabalho.<br />

Discutimos sobre as relações entre a condição econômica, social e cultural<br />

<strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> e as diferentes tomadas <strong>de</strong> posição em relação à educação, problematizando<br />

a sentença <strong>de</strong> “[...] um ethos <strong>de</strong> ascensão social e <strong>de</strong> aspiração ao êxito na escola e pela<br />

escola [...]” (BOURDIEU, 2011, p.48). Como se visualiza nas práticas sociais dos <strong>jovens</strong> a<br />

existência e/ou distanciamento <strong>de</strong>sta máxima na experiência escolar, no trabalho e em suas<br />

disposições <strong>para</strong> o futuro?<br />

A relevância <strong>de</strong>ste estudo apresenta-se associada à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar em<br />

discussão um problema que afeta cerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> 6 dos <strong>jovens</strong> brasileiros entre 15 e 17<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que ainda não alcançaram o Ensino Médio. O Brasil apresenta um<br />

contingente <strong>de</strong> 10.326.872 7 <strong>jovens</strong> nessa faixa-etária entre os quais cerca <strong>de</strong> 50% po<strong>de</strong><br />

ainda estar retido no Ensino Fundamental ou já ter abandonado a escola.<br />

[...] são essas frações dos <strong>jovens</strong> que entram mais cedo no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho e largam mais cedo a escola, antes mesmo do tempo mínimo<br />

obrigatório <strong>de</strong> escolarização e <strong>de</strong> proteção ao trabalho. São eles que<br />

eva<strong>de</strong>m, abandonam, repetem anos na escola por não conseguirem<br />

acompanhar os ritmos <strong>de</strong>finidos pela cultura escolar. São eles que buscam<br />

6 Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística – IBGE – Síntese dos Indicadores Sociais (IBGE, SIS 2010, p. 46).<br />

7 Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística – IBGE – Censo Demográfico 2010.


17<br />

o ensino noturno e Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos <strong>para</strong> permanecerem<br />

estudando, o que <strong>de</strong>monstra que, apesar dos fracassos, o valor da escola<br />

ainda é relevante. São eles que não partilham do banquete da<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, restando-lhes as migalhas que lhes sobram. As promessas<br />

<strong>de</strong> ascensão social por meio <strong>de</strong> uma escolarida<strong>de</strong> longa distanciam-se no<br />

horizonte, pois nem a escolarida<strong>de</strong> básica e, mais precisamente, nem a<br />

educação prevista e garantida em lei como obrigatória e gratuita – o ensino<br />

fundamental – são consolidadas <strong>para</strong> essa fração juvenil. (MEC, 2011, p.<br />

18).<br />

O município <strong>de</strong> Fortaleza, cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sta pesquisa, apresenta um<br />

total <strong>de</strong> 136.858 8 <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos, on<strong>de</strong> 121.857 encontravam-se frequentando<br />

algum estabelecimento <strong>de</strong> ensino em 2011, correspon<strong>de</strong>ndo a 89% 9<br />

populacional. A escolarida<strong>de</strong> líquida 10<br />

<strong>de</strong>sse grupo<br />

apresentada foi <strong>de</strong> apenas 52,7 %, indicando que<br />

pouco mais da meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> encontrava-se no Ensino Médio, ou seja, em<br />

Fortaleza 47,3% dos <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ssa faixa etária não estão matriculados na série consi<strong>de</strong>rada<br />

a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>, configurando situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série 11 .<br />

Neste estudo, a pesquisa <strong>de</strong> campo perpassou três espaços escolares distintos<br />

e teve seu início em Escola da Re<strong>de</strong> Pública Municipal <strong>de</strong> Fortaleza on<strong>de</strong> lecionávamos em<br />

turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos - EJA 12 , constituindo o primeiro momento <strong>de</strong> um<br />

percurso <strong>de</strong> aproximação com os sujeitos pesquisados e que se esten<strong>de</strong>u a outras duas<br />

escolas públicas selecionadas e localizadas em bairros diferenciados. Para a compreensão<br />

do leitor acerca da trajetória percorrida no campo e i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> qual espaço escolar<br />

fazemos referência ao longo <strong>de</strong>sta escrita, esses espaços escolares são i<strong>de</strong>ntificados<br />

através do uso dos nomes dos bairros em que se situam.<br />

O processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong>sses espaços escolares é discutido no Primeiro<br />

Capítulo que também apresenta os critérios que nortearam as escolhas teóricas e<br />

metodológicas que fundamentaram este estudo em suas várias fases.<br />

Para pensarmos sobre as experiências em relação à educação e ao trabalho<br />

vivenciadas pelos <strong>jovens</strong> que constituem interesse nesta proposta <strong>de</strong> investigação,<br />

8 IDEM<br />

9 SEDUC, COAVE/CEPES – Censo Escolar 2011.<br />

10 “A taxa <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> líquida indica a proporção da população em <strong>de</strong>terminada faixa-etária que se encontra<br />

frequentando escola no nível a<strong>de</strong>quado à sua ida<strong>de</strong>”. (IBGE, SIS, 2010).<br />

11 A noção <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série parte da compreensão da existência <strong>de</strong> uma a<strong>de</strong>quação teórica entre a série<br />

e a ida<strong>de</strong> do aluno. No caso do sistema educacional brasileiro, atualmente, consi<strong>de</strong>ra-se a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 6 anos como<br />

a ida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> o ingresso <strong>de</strong> crianças no 1º Ano do Ensino Fundamental. Com duração <strong>de</strong> 9 anos, o<br />

Ensino Fundamental <strong>de</strong>veria ser concluído aos 14 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Instituto Nacional <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas<br />

Educacionais – INEP - EDUTABRASIL /GLOSSÁRIO. Consulta realizada em 24/05/2012.<br />

12 Modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino que, <strong>de</strong> acordo o Artigo 37 da Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº<br />

9.394/96, é “<strong>de</strong>stinada àqueles que não tiveram acesso ou continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos no ensino fundamental e<br />

médio na ida<strong>de</strong> própria”. O mesmo artigo afirma a competência do po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong> estimular e viabilizar o<br />

acesso e a permanência do trabalhador na escola. (MEC, CNE/CEB nº 7/2010, p.36).


18<br />

discutimos no Segundo Capítulo as condições <strong>de</strong> acesso à renda, à educação, à cultura, ao<br />

trabalho, bem como a extensão das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamentos sociais observadas entre os<br />

estudantes <strong>de</strong> EJA das escolas municipais pesquisadas nos bairros Mondubim e<br />

Bonsucesso.<br />

No Terceiro Capítulo, direcionamos nosso olhar <strong>para</strong> as experiências sociais,<br />

escolares e <strong>de</strong> trabalho entre os estudantes <strong>de</strong> Escola Estadual do Parque São José.<br />

Buscamos refletir sobre as situações que os aproximam ou que os distanciam das<br />

experiências vividas pelos estudantes <strong>de</strong> EJA do Mondubim e do Bonsucesso. Procuramos<br />

compreen<strong>de</strong>r os sentidos que esses agentes sociais atribuem à escola, à profissionalização,<br />

ao trabalho, ao futuro e às relações com a família e com seus pares.<br />

As reflexões do Segundo e Terceiro Capítulos tomam como referencial teórico<br />

<strong>de</strong> análise o conceito <strong>de</strong> habitus e disposições utilizados por Pierre Bourdieu, bem como os<br />

conceitos <strong>de</strong> capital econômico, capital cultural e capital social já mencionados no início<br />

<strong>de</strong>sta Introdução.<br />

É importante ressaltar que consi<strong>de</strong>ramos a existência <strong>de</strong> críticas lançadas ao<br />

pensamento <strong>de</strong> Pierre Bourdieu, cuja teoria foi associada por alguns <strong>de</strong> seus comentadores,<br />

como <strong>de</strong>terminista. Em relação a essas críticas, pensamos que o próprio Bourdieu, ao<br />

<strong>de</strong>stacar a função da noção <strong>de</strong> habitus, procura <strong>de</strong>svencilhar-se <strong>de</strong> uma perspectiva<br />

<strong>de</strong>terminista ao afirmar que<br />

Uma das funções principais da noção <strong>de</strong> habitus consiste em <strong>de</strong>scartar dois<br />

erros complementares cujo princípio é a visão escolástica: <strong>de</strong> um lado, o<br />

mecanismo segundo o qual a ação constitui o efeito mecânico da coerção<br />

<strong>de</strong> causas externas; <strong>de</strong> outro, o finalismo segundo qual, sobretudo da teoria<br />

da ação racional, o agente atua <strong>de</strong> maneira livre, consciente, e como [....]<br />

sendo a ação o produto <strong>de</strong> um cálculo das chances e dos ganhos.<br />

(BOURDIEU, 2001 p. 169).<br />

Para Bourdieu, as ações realizadas pelos agentes não resultariam <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminismo externo das condições objetivas por eles vivenciadas, nem tampouco<br />

constituiriam um ato completamente livre e programado ou planejado por esses agentes,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seus contextos <strong>de</strong> vivência. O habitus, estruturas incorporadas pelos<br />

agentes sociais através <strong>de</strong> seus processos <strong>de</strong> socialização, estaria presente nas práticas<br />

<strong>de</strong>senvolvidas por esses agentes e, em certa medida, influenciariam suas tomadas <strong>de</strong><br />

posição. Desse modo, tais tomadas <strong>de</strong> posição diante das várias situações vivenciadas por<br />

esses agentes, seja na família, na rua, na escola ou no trabalho, não seriam comandadas<br />

apenas por <strong>de</strong>cisões racionais, livres das influências <strong>de</strong>sse habitus, ou seja, <strong>de</strong>sse passado<br />

incorporado, uma vez que “[...] nossas ações possuem mais frequentemente por princípio o


19<br />

senso prático do que o cálculo racional [...], o passado permanece presente e ativo nas<br />

disposições por ele produzidas [...]”. (BOURDIEU, 2001, p.78-79).<br />

Procuramos refletir sobre as experiências <strong>de</strong> nossos pesquisados, levando em<br />

consi<strong>de</strong>ração os contextos que os cercam sem, no entanto, tomar tais contextos como<br />

<strong>de</strong>terminantes últimos <strong>de</strong> suas ações. Mas, ao mesmo tempo consi<strong>de</strong>rar os limites que<br />

certas condições <strong>de</strong> existência po<strong>de</strong>m impor aos <strong>de</strong>sejos, perspectivas e ações <strong>de</strong>sses<br />

sujeitos, o que também não significa dizer que esses sujeitos não possam agir <strong>de</strong> forma<br />

diferenciada diante <strong>de</strong>ssas condições e construir estratégias <strong>para</strong> superação <strong>de</strong>sses limites.<br />

As tomadas <strong>de</strong> posição diante da escola, do trabalho, da profissionalização e do<br />

futuro po<strong>de</strong>m nos mostrar sujeitos que apresentam disposições variadas ou heterogêneas<br />

quando com<strong>para</strong>dos aos seus pares que experimentam situações econômicas e sociais <strong>de</strong><br />

vida semelhantes. Mas, também, um mesmo sujeito po<strong>de</strong> agir <strong>de</strong> forma diferenciada nos<br />

diversos contextos <strong>de</strong> socialização em que se insere enquanto ator plural que é. Para Lahire<br />

(2002),<br />

Um ator plural é, portanto, produto da experiência – amiú<strong>de</strong> precoce - <strong>de</strong><br />

socialização em contextos sociais múltiplos e heterogêneos. No curso <strong>de</strong> nossa<br />

trajetória ou simultaneamente no curso <strong>de</strong> um mesmo período <strong>de</strong> tempo,<br />

participou <strong>de</strong> universos sociais variados, ocupando aí posições diferentes.<br />

(LAHIRE, 2002, p.36).<br />

Crítico do pensamento <strong>de</strong> Bourdieu, Lahire põe em evidência a fragmentação do<br />

ator ou dos agentes sociais em seus trânsitos pelos diversos contextos <strong>de</strong> socialização<br />

percorridos em suas trajetórias sociais, procurando mostrar que esses agentes sociais não<br />

são monocoerentes em suas disposições, nem tampouco estão con<strong>de</strong>nados a ocupar uma<br />

única posição nos diversos espaços <strong>de</strong> suas práticas cotidianas.<br />

Bernard Lahire amplia a discussão acerca da noção <strong>de</strong> disposições. Desse<br />

modo, recorremos também ao seu pensamento na tentativa <strong>de</strong> aprofundarmos as reflexões<br />

sobre as narrativas <strong>de</strong> nossos entrevistados.<br />

O foco do Quarto Capítulo está direcionado às perspectivas <strong>de</strong> futuro<br />

apresentadas pelos <strong>jovens</strong> pesquisados. Interessa-nos perceber se há entre esses sujeitos<br />

a pretensão <strong>de</strong> ingressar no Ensino Superior e/ou em cursos <strong>de</strong> profissionalização ou,<br />

ainda, se a pretensão <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> no campo da educação limita-se à conclusão da<br />

Educação Básica. Nesse Capítulo, discutimos sobre as regularida<strong>de</strong>s, variações ou<br />

especificida<strong>de</strong>s entre os projetos <strong>de</strong> futuro apresentadas pelos estudantes <strong>de</strong> EJA, pelos<br />

<strong>jovens</strong> em situação distorção ida<strong>de</strong>-série nas turmas <strong>de</strong> 8º e 9º Anos e por aqueles que se<br />

encontram no Ensino Médio na série recomendada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>.


20<br />

No Quinto Capítulo, procuramos refletir sobre os aspectos relativos à justiça no<br />

campo escolar: O que seria justo oferecer aos <strong>jovens</strong> na escola pública: igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

oportunida<strong>de</strong>s, igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições, o reconhecimento <strong>de</strong> suas particularida<strong>de</strong>s?<br />

Discutimos sobre a Política Nacional <strong>para</strong> o Ensino Médio, <strong>de</strong>stacando a ação relativa às<br />

escolas <strong>de</strong> Educação Profissional do governo do Estado do Ceará; sobre a Educação <strong>de</strong><br />

Jovens e Adultos – EJA e sobre o Projovem Adolescente, programas mencionados nas<br />

narrativas dos entrevistados durante as entrevistas individuais e grupos focais.<br />

As temáticas relacionadas à justiça e ao reconhecimento no campo escolar<br />

foram abordadas com os <strong>jovens</strong>, por meio dos grupos focais, na perspectiva <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r em<br />

que medida estaria presente entre esses sujeitos a preocupação com os objetivos das<br />

políticas públicas educacionais. Procuramos compreen<strong>de</strong>r como avaliavam o alcance e a<br />

efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas políticas sobre suas trajetórias <strong>de</strong> vida e, em que medida, se sentem<br />

reconhecidos ou <strong>de</strong>srespeitados em seus direitos no campo da educação.<br />

O pensamento <strong>de</strong> Axel Honneth, mediante a Teoria do Reconhecimento,<br />

apresenta elementos conceituais que contribuíram <strong>para</strong> nossa análise dos posicionamentos<br />

expressos pelos pesquisados acerca <strong>de</strong>ssas questões que envolvem a afirmação ou<br />

<strong>de</strong>negação <strong>de</strong> direitos sociais.<br />

Estar na escola nem sempre representa <strong>para</strong> <strong>de</strong>terminada parcela <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> <strong>de</strong><br />

escolas públicas <strong>de</strong> Fortaleza usufruir dos resultados que cabe à instituição escolar garantir<br />

a todos. Diversas refrações do mundo social interferem nas trajetórias escolares <strong>de</strong>sses<br />

atores sociais. As narrativas apresentadas pelos <strong>jovens</strong> que partici<strong>para</strong>m do nosso estudo<br />

talvez nos aju<strong>de</strong>m a pensar sobre esse problema.


21<br />

2 PERCURSO METODOLÓGICO: RE(CONTRUINDO) O OLHAR<br />

SOBRE O CAMPO<br />

As primeiras incursões no campo <strong>de</strong> pesquisa, conforme mencionado,<br />

anteriormente, foram realizadas no período <strong>de</strong> 2009 a 2010, na escola on<strong>de</strong> lecionávamos a<br />

disciplina <strong>de</strong> História em turmas <strong>de</strong> EJA. Essa escola integra a Re<strong>de</strong> Pública Municipal <strong>de</strong><br />

Fortaleza e está localizada no bairro Mondubim, situado na região sudoeste <strong>de</strong> Fortaleza,<br />

tendo como limites: ao norte, o bairro Maraponga; ao sul, o conjunto Industrial que pertence<br />

ao município <strong>de</strong> Maracanaú, Região Metropolitana <strong>de</strong> Fortaleza; a leste, os bairros Prefeito<br />

José Walter, Cida<strong>de</strong> Nova, Planalto Ayrton Senna e Jardim Cearense e, a oeste, os bairros<br />

Vila Manoel Sátiro, Conjunto Esperança, Parque Santa Rosa e Parque Presi<strong>de</strong>nte Vargas.<br />

Esses bairros pertencem à Regional V, Regional do município <strong>de</strong> Fortaleza que apresenta a<br />

menor renda média pessoal 13 . (Anexo A)<br />

A experiência nessa unida<strong>de</strong> escolar permitiu-nos elaborar nossos primeiros<br />

questionamentos sobre o problema em estudo. Mas, percebemos a importância <strong>de</strong><br />

ampliarmos nosso campo <strong>de</strong> investigação e nos afastarmos <strong>de</strong>sse mundo familiar. Nesse<br />

momento, o <strong>de</strong>safio foi, então, buscarmos outros mundos escolares mais estranhos às<br />

experiências já vivenciadas, conhecidas. Nesta perspectiva, <strong>de</strong>finimos critérios <strong>para</strong> a<br />

seleção <strong>de</strong> outras duas escolas que também passariam a integrar nosso campo <strong>de</strong><br />

pesquisa.<br />

Para a escolha <strong>de</strong>ssas duas novas escolas a serem investigadas, partimos,<br />

inicialmente, do critério populacional dos bairros <strong>de</strong> Fortaleza. Foram realizadas consultas<br />

ao Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística – IBGE com o objetivo <strong>de</strong> obter dados sobre<br />

a população resi<strong>de</strong>nte 14 <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>sses bairros, que se encontravam na faixa-etária entre<br />

15 e 17 anos. O acesso ao Sistema IBGE <strong>de</strong> Recuperação Automática – SIDRA, disponível<br />

no site da instituição, possibilitou a construção <strong>de</strong> quadro com dados <strong>de</strong>mográficos dos<br />

bairros da Cida<strong>de</strong> (Apêndice E).<br />

13 IPECE/ INFORME nº 42: Perfil Municipal <strong>de</strong> Fortaleza. Tema VII: Distribuição Espacial da Renda, p.6.<br />

14 O IBGE consi<strong>de</strong>ra como população resi<strong>de</strong>nte os moradores da residência na data <strong>de</strong> referência, quer<br />

estivessem presentes ou ausentes nessa data, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essa ausência não fosse superior a 12 meses e que<br />

estivesse relacionada às seguintes situações: viagens, internação em estabelecimento <strong>de</strong> ensino ou<br />

hospedagem em outro domicilio, <strong>de</strong>tenção sem sentença <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>clarada, internação temporária em hospital<br />

ou estabelecimento similar e embarque a serviço (marítimos). Fonte: www.ibge.gov.br/glossário. Consulta<br />

realizada em 24/05/2012.


22<br />

De acordo com os dados consultados, foi i<strong>de</strong>ntificado que a Secretaria Executiva<br />

Regional – V – SER V 15 apresentava a maior concentração <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> na faixa-etária <strong>de</strong><br />

interesse, 32.834 <strong>jovens</strong>, seguida da SER VI com 31.816; Regional III com 20.045; Regional<br />

I com 19.704, Regional II com 16.760 e Regional IV com 13.711 <strong>jovens</strong>. A SER V abrange<br />

um total <strong>de</strong> 18 (<strong>de</strong>zoito) bairros e, entre eles, o Mondubim, bairro com maior população na<br />

faixa-etária <strong>de</strong> interesse neste estudo: 4.389 <strong>jovens</strong>. Em relação à população resi<strong>de</strong>nte total<br />

dos bairros, o Mondubim aparecia como o mais populoso quando com<strong>para</strong>do aos <strong>de</strong>mais<br />

bairros <strong>de</strong> Fortaleza: 76.044 habitantes.<br />

Procuramos i<strong>de</strong>ntificar, <strong>de</strong>ntro do bairro Mondubim, escolas da Re<strong>de</strong> Pública<br />

Estadual que apresentassem oferta <strong>de</strong> matrícula nas duas situações <strong>de</strong> interesse neste<br />

estudo. Em consulta realizada à Superintendência das Escolas Estaduais <strong>de</strong> Fortaleza -<br />

SEFOR 16 verificamos a existência <strong>de</strong> duas escolas da Re<strong>de</strong> Pública Estadual com oferta <strong>de</strong><br />

matrícula no Ensino Fundamental e Ensino Médio, o que favorecia o contato com os <strong>jovens</strong><br />

que ainda permaneciam no Ensino Fundamental, em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série e<br />

com os <strong>jovens</strong> da mesma faixa-etária que se apresentassem na série do Ensino Médio,<br />

consi<strong>de</strong>rada a<strong>de</strong>quada à ida<strong>de</strong>. Entretanto, as informações obtidas indicaram a inexistência<br />

<strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> turmas <strong>de</strong> EJA nas duas escolas estaduais i<strong>de</strong>ntificadas. O número <strong>de</strong> <strong>jovens</strong><br />

na situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, nas turmas seriadas do 6º ao 9º Ano, também não era<br />

consi<strong>de</strong>rado expressivo, o que resultou na exclusão <strong>de</strong>ssas escolas <strong>para</strong> o processo <strong>de</strong><br />

pesquisa.<br />

Apesar da exclusão das duas escolas estaduais, por não aten<strong>de</strong>rem ao critério<br />

<strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> matrícula em turmas <strong>de</strong> EJA no Ensino Fundamental, o bairro Mondubim<br />

continuou contemplado na pesquisa através da escola municipal, on<strong>de</strong> foram realizadas as<br />

primeiras incursões no campo.<br />

Após algumas reflexões sobre as características principais, as quais <strong>de</strong>veriam<br />

ser atendidas pelos sujeitos que constituiriam o grupo <strong>de</strong> interlocutores <strong>de</strong>sta pesquisa,<br />

foram pensados outros critérios <strong>para</strong> a escolha das duas unida<strong>de</strong>s escolares. Consi<strong>de</strong>ramos<br />

que a taxa <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série 17 apresentada pelas escolas <strong>de</strong>veria, então, ser<br />

15 O município <strong>de</strong> Fortaleza está dividido em seis Secretarias Executivas Regionais as quais congregam os<br />

bairros da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo com sua localização geográfica. A Secretaria Executiva Regional V (SER V) é a<br />

mais população e a mais pobre <strong>de</strong> Fortaleza.<br />

16 A Superintendência das Escolas Estaduais <strong>de</strong> Fortaleza – SEFOR é um órgão vinculado à estrutura<br />

administrativa da Secretaria <strong>de</strong> Educação do Ceará – SEDUC responsável pelas ações <strong>de</strong> acompanhamento,<br />

monitoramento e controle da gestão das escolas da re<strong>de</strong> pública estadual localizadas no município <strong>de</strong> Fortaleza.<br />

(Diário Oficial do Estado do Ceará, Série 2, Ano X, nº 244, publicado em 28/12/2007).<br />

17 A taxa <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série é expressa através <strong>de</strong> percentuais que variam <strong>de</strong> zero a 100% e é calculada<br />

da seguinte forma: “[...] consi<strong>de</strong>rando o Censo Escolar do ano t e a série k do ensino fundamental, cuja ida<strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>quada é <strong>de</strong> i anos, então o indicador será expresso pelo quociente entre o número <strong>de</strong> alunos que, no ano t,


23<br />

colocada como critério principal <strong>para</strong> a nova seleção <strong>de</strong> escolas, tendo em vista que o grupo<br />

priorizado <strong>para</strong> este estudo <strong>de</strong>veria ser constituído por estudantes nessa situação <strong>de</strong><br />

distorção. Dessa forma, foi i<strong>de</strong>ntificada, inicialmente, a escola da re<strong>de</strong> pública com maior<br />

taxa entre o 6º e o 9º Ano <strong>de</strong>ntro do município <strong>de</strong> Fortaleza. De acordo com dados do Censo<br />

Escolar 2011 18 , essa escola apresenta a taxa <strong>de</strong> 100% e integra a Re<strong>de</strong> Pública Municipal.<br />

Nos primeiros contatos com a referida escola, foi verificado que a totalida<strong>de</strong> da<br />

taxa <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série apresentada estava relacionada ao fato <strong>de</strong> disponibilizar a<br />

oferta exclusiva <strong>de</strong> matrícula <strong>para</strong> os anos finais do Ensino Fundamental, na Educação <strong>de</strong><br />

Jovens e Adultos – EJA, modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino particularmente direcionada àqueles que não<br />

tiveram acesso à educação na ida<strong>de</strong> certa. A escola não oferece matrícula <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong><br />

em turmas regulares <strong>de</strong> 6º ao 9º Ano no período diurno ou noturno. A oferta <strong>de</strong> matrícula<br />

<strong>para</strong> segundo segmento do Ensino Fundamental é limitada a turmas <strong>de</strong> EJA IV e V 19 no<br />

horário noturno.<br />

A transferência <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> <strong>para</strong> as turmas <strong>de</strong> EJA parece ser um fenômeno<br />

nacional que já foi i<strong>de</strong>ntificado pelo próprio INEP, ao constatar o aumento da matrícula <strong>de</strong><br />

<strong>jovens</strong> em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong> série em turmas <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino.<br />

O Censo Escolar 2011 mostra que os alunos que frequentam os anos<br />

iniciais do ensino fundamental da EJA têm ida<strong>de</strong> muito superiores aos que<br />

frequentam os anos finais e o ensino médio <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong> [...] Esse fato<br />

sugere que os anos iniciais não estão produzindo <strong>de</strong>manda <strong>para</strong> os anos do<br />

ensino fundamental <strong>de</strong> EJA. Consi<strong>de</strong>rando as ida<strong>de</strong>s dos alunos nos anos<br />

finais do ensino fundamental e no ensino médio <strong>de</strong> EJA, há fortes<br />

evidências <strong>de</strong> que essa modalida<strong>de</strong> está recebendo alunos provenientes do<br />

ensino regular. (INEP, 2012, p. 25).<br />

Esse fato po<strong>de</strong> indicar a inexistência <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda <strong>para</strong> formação <strong>de</strong> turmas <strong>de</strong><br />

ensino fundamental regular (seriação) nas unida<strong>de</strong>s escolares ou a transferência<br />

compulsória dos <strong>jovens</strong> em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série <strong>para</strong> as turmas <strong>de</strong> EJA. No<br />

caso específico <strong>de</strong>ssa unida<strong>de</strong> escolar, <strong>de</strong> acordo com informações apresentadas pelo<br />

Supervisor, durante visita ao campo, a <strong>de</strong>manda <strong>para</strong> turmas do 6º ao 9º Ano seria<br />

inexpressiva, insuficiente <strong>para</strong> a formação <strong>de</strong> turmas, fato que po<strong>de</strong>ria estar associado à<br />

existência <strong>de</strong> outras escolas das Re<strong>de</strong>s Municipal e Estadual funcionando <strong>de</strong>ntro do bairro<br />

ou em seu entorno com oferta <strong>de</strong> vagas no ensino regular.<br />

completam i+2 anos ou mais (nascimento antes <strong>de</strong> t-[i+1]), e a matrícula total na série k”. Instituto Nacional <strong>de</strong><br />

Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP - EDUTABRASIL /GLOSSÁRIO. Consulta realizada em 24/05/2012.<br />

18 Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Pesquisa e Avaliação da Secretaria <strong>de</strong> Educação do Ceará – SEDUC<br />

19 As turmas <strong>de</strong> EJA IV congregam estudantes com nível <strong>de</strong> 6º e 7º Anos e as turmas <strong>de</strong> EJA V, os estudantes<br />

<strong>de</strong> 8º e 9º Anos.


24<br />

De acordo com o Supervisor, a maior <strong>de</strong>manda colocada <strong>para</strong> essa escola é<br />

direcionada às turmas <strong>de</strong> 1º ao 5º Ano. Dessa forma, oferece matrícula nos dois períodos<br />

(manhã e tar<strong>de</strong>) <strong>para</strong> essas 5 (cinco) séries do Ensino Fundamental, esgotando a<br />

capacida<strong>de</strong> física <strong>de</strong> atendimento da escola no período diurno.<br />

A escola em questão, com maior taxa <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, está localizada<br />

no bairro Bonsucesso que faz parte do território da SER III. O Bonsucesso apresenta uma<br />

população resi<strong>de</strong>nte entre 15 e 17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aproximadamente 2.364 <strong>jovens</strong> 20 . O<br />

bairro é classificado como <strong>de</strong> baixo IDHM –B Geral 21 , com média <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> estudo do<br />

chefe da família e renda consi<strong>de</strong>rados baixos, embora apresente taxa <strong>de</strong> alfabetização<br />

consi<strong>de</strong>rada alta. A escola selecionada apresenta-se entre as 10 (<strong>de</strong>z) escolas <strong>de</strong> Fortaleza<br />

com menor <strong>de</strong>sempenho escolar 22 nos anos finais do Ensino Fundamental, levando-se em<br />

consi<strong>de</strong>ração o Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento da Educação - IDEB 23 <strong>de</strong> 2011.<br />

Em situação diferenciada, foi selecionada a terceira escola <strong>para</strong> a pesquisa,<br />

aten<strong>de</strong>ndo ao critério <strong>de</strong> menor taxa <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série no Ensino Fundamental. Essa<br />

escola apresentou a taxa <strong>de</strong> 10,6%. Entretanto, é necessário <strong>de</strong>stacar que essa baixa taxa<br />

<strong>de</strong> distorção po<strong>de</strong> estar associada ao número reduzido <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> matrícula no Ensino<br />

Fundamental, consi<strong>de</strong>rando que integra a Re<strong>de</strong> Pública Estadual <strong>de</strong> Ensino que tem como<br />

priorida<strong>de</strong> e responsabilida<strong>de</strong> o Ensino Médio. De acordo com informações do Instituto <strong>de</strong><br />

Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará, essa escola encontra-se entre as 10 (<strong>de</strong>z)<br />

unida<strong>de</strong>s escolares da Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Fortaleza com melhor <strong>de</strong>sempenho nos<br />

anos finais do Ensino Fundamental, também tomando como referência os resultados do<br />

IDEB 2011.<br />

20 Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística – IBGE - Censo Demográfico 2010 – Características da<br />

População e dos Domicílios - Resultados do Universo. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2011.<br />

21 O Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado a partir da combinação <strong>de</strong> dados sobre a esperança<br />

<strong>de</strong> vida, a instrução e o rendimento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada população. Esse índice varia em uma escala <strong>de</strong> 0 (zero)<br />

a 1 (um). O IDHM – B é o Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano do Município por Bairro elabora pela Secretaria <strong>de</strong><br />

Planejamento e Orçamento <strong>de</strong> Fortaleza – SEPLA. O último relatório elaborado pela SEPLA sobre o IDH dos<br />

bairros <strong>de</strong> Fortaleza teve como referência as informações do Censo 2000. A SEPLA aguarda a divulgação <strong>de</strong><br />

informações complementares do Censo 2010 <strong>para</strong> elaboração <strong>de</strong> um novo cálculo do IDH dos bairros da<br />

Fortaleza.<br />

22 De acordo com informação apresentadas pelo documento Perfil Socioeconômico <strong>de</strong> Fortaleza publicado pelo<br />

Instituto <strong>de</strong> Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE disponível em www.ipece.ce.gov.br<br />

23 O Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB é um indicador utilizado pelo Ministério da Educação<br />

<strong>para</strong> avaliar a qualida<strong>de</strong> educacional das escolas do país. Esse índice é calculado a partir da combinação do<br />

<strong>de</strong>sempenho dos estudantes em exames padronizados realizados no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e no<br />

3º Ano do Ensino Médio com informações sobre o rendimento escolar (aprovação). Dessa forma, a escola on<strong>de</strong><br />

os estudantes permanecem mais tempo em uma <strong>de</strong>terminada série, apresentará menor IDEB, consi<strong>de</strong>rando que<br />

o valor do <strong>de</strong>sempenho alcançado nos exames padronizados será dividido pelo tempo médio <strong>de</strong> permanência<br />

em cada série <strong>de</strong> ensino. Os resultados do IDEB variam numa escala <strong>de</strong> zero e <strong>de</strong>z.


25<br />

No Ensino Fundamental, essa unida<strong>de</strong> escolar apresenta 4 (quatro) turmas em<br />

funcionamento no período da tar<strong>de</strong>, sendo 2 (duas) <strong>de</strong> 8º Ano e duas <strong>de</strong> 9º Ano, perfazendo<br />

um total <strong>de</strong> 131 estudantes. No Ensino Médio, esse total é <strong>de</strong> 842 estudantes e a oferta <strong>de</strong><br />

matrícula é <strong>de</strong> 9 (nove) turmas <strong>para</strong> a 1ª Série e 8 (oito) <strong>para</strong> a 2ª Série distribuídas entre os<br />

três turnos. Para a 3ª Série do Ensino Médio a oferta é <strong>de</strong> 5 (turmas) limitadas aos turnos<br />

manhã e noite. A escola está localizada no bairro Parque São José com uma população<br />

resi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> 593 <strong>jovens</strong> na faixa-etária <strong>de</strong> 15 a 17 anos. O Parque São José, assim como o<br />

bairro Bonsucesso, apresenta baixo IDHM – B.<br />

A escola da Re<strong>de</strong> Municipal localizada no Mondubim, lugar on<strong>de</strong> teve início o<br />

percurso da investigação <strong>de</strong> campo, apresentou, em 2011, a taxa <strong>de</strong> 52,1% <strong>de</strong> distorção<br />

ida<strong>de</strong>-série, o que significa que mais da meta<strong>de</strong> dos estudantes do Ensino Fundamental<br />

encontrava-se acima da ida<strong>de</strong> recomendada <strong>para</strong> a série cursada. O IDEB apresentado em<br />

2009 foi correspon<strong>de</strong>nte a 3,5. Em 2011, essa escola apresentou o total <strong>de</strong> 1.390<br />

matrículas, sendo 198 <strong>para</strong> a Educação Infantil, 1077 <strong>para</strong> o Ensino Fundamental regular <strong>de</strong><br />

1º ao 9º Ano e 115 <strong>para</strong> a Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos – EJA. O Mondubim apresenta<br />

uma população total <strong>de</strong> 4.389 <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos e IDHM <strong>de</strong> 0,439, índice<br />

consi<strong>de</strong>rado baixo. As três escolas localizam-se em bairros diferentes <strong>de</strong>ntro da divisão<br />

territorial do município <strong>de</strong> Fortaleza, mas esses bairros se encontram próximos tanto do<br />

ponto <strong>de</strong> vista geográfico quanto social.<br />

Na busca <strong>de</strong> compreensão dos fatos observados, diversas categorias são<br />

criadas ou utilizadas como instrumentos <strong>de</strong> apreensão e explicação da realida<strong>de</strong>, como as<br />

categorias oficiais, aqui referidas e utilizadas, <strong>para</strong> a <strong>de</strong>limitação do campo <strong>de</strong> investigação:<br />

a taxa <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série; o Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, o<br />

Índice <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano – IDH. Como construções teóricas, essas categorias<br />

constituem tentativas <strong>de</strong> representação do real. Dessa forma, tais categorias apresentam<br />

limitações, uma vez que nos procedimentos <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> taxas e índices alguns elementos<br />

da realida<strong>de</strong> social ou do universo ao qual se referem nem sempre estão <strong>de</strong>vidamente<br />

consi<strong>de</strong>rados ou colocados <strong>de</strong> forma explícita ao leitor, exigindo uma <strong>de</strong>puração das<br />

informações que lhe serviram <strong>de</strong> base <strong>para</strong> realização <strong>de</strong>sse cálculo.<br />

Este problema foi observado no processo <strong>de</strong> seleção das escolas utilizadas<br />

como campo <strong>para</strong> esta pesquisa. A elevada taxa <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série da primeira escola<br />

(100%), apresentada pelos números do Censo 2011 conduzia a uma interpretação imediata<br />

<strong>de</strong> que todos os estudantes do 5º Ano, da escola municipal do Bonsucesso, já passariam<br />

<strong>para</strong> o 6º Ano em situação <strong>de</strong> distorção, o que não correspon<strong>de</strong>u à realida<strong>de</strong> observada. O<br />

percentual apresentado estava associado a uma situação particular <strong>de</strong>ssa escola <strong>de</strong>


26<br />

disponibilizar matrículas apenas <strong>para</strong> <strong>jovens</strong> que já se encontravam acima da ida<strong>de</strong><br />

recomenda <strong>para</strong> as séries finais do Ensino Fundamental.<br />

No caso da escola com menor distorção (10,6%), o percentual também estava<br />

associado a um aspecto particular daquela escola da Re<strong>de</strong> Pública Estadual: ter priorida<strong>de</strong><br />

na oferta <strong>de</strong> Ensino Médio, disponibilizando menor oferta <strong>de</strong> matrícula <strong>para</strong> turmas <strong>de</strong> 8º e<br />

9º Anos, repercutindo no cálculo da taxa <strong>de</strong> distorção.<br />

As avaliações técnicas fundadas nessas categorias po<strong>de</strong>m produzir<br />

com<strong>para</strong>ções entre escolas, bairros, municípios ou estudantes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das<br />

particularida<strong>de</strong>s dos contextos estudados. Apesar <strong>de</strong>ssas limitações, elas ajudam nas<br />

tentativas <strong>de</strong> leitura dos problemas do mundo que se preten<strong>de</strong> estudar. Mas, é necessário<br />

“abdicar da visão representacionista <strong>de</strong> conhecimento que toma a mente como o espelho do<br />

mundo” (SPINK, 2010, p. 9) e assumir uma posição crítica frente às construções teóricas<br />

que preten<strong>de</strong>m apreen<strong>de</strong>r o real e explicá-lo. Desse modo, procuramos manter a atenção<br />

quanto às possibilida<strong>de</strong>s e os limites do alcance <strong>de</strong>ssas construções teóricas nas análises<br />

sobre os contextos <strong>de</strong> existência dos sujeitos interlocutores <strong>de</strong>ste estudo.<br />

Embora compartilhem algumas situações em comum, os estudantes <strong>de</strong>ssas três<br />

escolas não apresentam trajetórias homogêneas, consi<strong>de</strong>rando que seus percursos<br />

pessoais, suas vivências, seus processos <strong>de</strong> socialização os diferenciam. No entanto, o<br />

lugar <strong>de</strong> moradia, o bairro, a rua, são lugares <strong>de</strong> encontro entre pessoas que apresentam<br />

algumas características biográficas comuns como a posição <strong>de</strong> origem, as histórias<br />

familiares, as escolas que tiveram acesso, os lugares <strong>de</strong> lazer ou a ausência <strong>de</strong>sses<br />

lugares, as praças, igrejas, os campos <strong>de</strong> futebol, o lugar das festas <strong>de</strong> final <strong>de</strong> semana. As<br />

experiências que vivenciam nesses lugares e espaços favorecem a incorporação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas estruturas que po<strong>de</strong>rão influenciar suas disposições em relação ao mundo.<br />

As disposições <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>, seus modos <strong>de</strong> ser em relação à escola, suas<br />

percepções e apreciações, suas perspectivas quanto à continuida<strong>de</strong> dos estudos, à<br />

profissionalização, ao trabalho, ao Ensino Superior são aspectos <strong>de</strong> suas vidas que<br />

preten<strong>de</strong>mos investigar e discutir. Deste modo, consi<strong>de</strong>ramos a abordagem compreensiva<br />

mais a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> o tratamento do conteúdo das manifestações expressas por esses<br />

sujeitos, visto que não há a pretensão <strong>de</strong> quantificar a incidência <strong>de</strong>ssas manifestações,<br />

mas compreen<strong>de</strong>r semelhanças e diferenças <strong>de</strong> percepções e posicionamentos construídos<br />

por <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> uma mesma faixa-etária, que vivem sob condições materiais <strong>de</strong> existência<br />

aproximadas, mas em posições diferenciadas <strong>de</strong>ntro do campo escolar.


27<br />

O pensamento <strong>de</strong> Weber (2004) acerca do conceito <strong>de</strong> ação, tomada como um<br />

tipo <strong>de</strong> comportamento humano em que os agentes o relacionam com um sentido subjetivo,<br />

ajudará na busca <strong>de</strong> interpretação dos sentidos atribuídos pelos sujeitos investigados neste<br />

estudo, no que se refere à formação escolar e ao futuro. Mas, é preciso <strong>de</strong>stacar que, <strong>para</strong> o<br />

autor, os sujeitos, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas ações “reais”, agem mesmo sem ter<br />

consciência do sentido visado que possa estar presente nessas ações.<br />

Toda interpretação preten<strong>de</strong> alcançar evidência. Mas nenhuma<br />

interpretação por mais evi<strong>de</strong>nte que seja quanto ao sentido, po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r,<br />

como tal e em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse caráter <strong>de</strong> evidência, ser também a<br />

interpretação causal válida. Em si, nada mais é do que uma hipótese causal<br />

<strong>de</strong> evidência particular. a) Em muitos casos, supostos “motivos” e<br />

“repressões” [...] ocultam ao próprio agente o nexo real da orientação <strong>de</strong><br />

sua ação, <strong>de</strong> modo que também seus próprios testemunhos subjetivamente<br />

sinceros, têm valor apenas relativo. (WEBER, 2004, p.7).<br />

A interpretação elaborada por meio <strong>de</strong>ste processo investigativo, junto aos<br />

<strong>jovens</strong> das escolas pesquisadas, apresenta-se como uma possibilida<strong>de</strong> interpretativa dos<br />

casos estudados, uma construção <strong>de</strong> significados produzidos pela professora que, agora,<br />

observa o campo a partir <strong>de</strong> um outro lugar. Desse modo, como interpretação, não<br />

expressa, necessariamente, um sentido objetivamente válido ou correto presente nas ações<br />

<strong>de</strong>sses sujeitos. Apesar do “caráter hipotético” ou relativo dos resultados obtidos através<br />

<strong>de</strong>ssa interpretação, buscamos i<strong>de</strong>ntificar conexões <strong>de</strong> sentido nas ações ou posições<br />

expressas por esses diferentes <strong>jovens</strong> frente ao problema investigado.<br />

De acordo com Spink (2010), “[...] o sentido é uma construção social, um<br />

empreendimento coletivo [...] interativo, por meio do qual as pessoas na dinâmica das<br />

relações sociais, [...] constroem os termos a partir dos quais compreen<strong>de</strong>m e lidam com as<br />

situações e fenômenos a sua volta”. (p. 34). Se as pessoas ocupam diferentes posições no<br />

interior da socieda<strong>de</strong>, o repertório linguístico 24<br />

acessado nessas interações po<strong>de</strong>rá<br />

apresentar especificida<strong>de</strong>s próprias <strong>de</strong> seus contextos <strong>de</strong> vivência. Em suas práticas<br />

discursivas, através da linguagem utilizada em seu cotidiano, os <strong>jovens</strong> ao estabelecerem<br />

relações na família, na comunida<strong>de</strong>, na escola ou em outros espaços <strong>de</strong> socialização<br />

produzem sentidos e se posicionam em relação a essas experiências vividas. Spink<br />

conceitua esse momento como o tempo vivido. Segundo a autora,<br />

Usamos o tempo vivido basicamente <strong>para</strong> falar do tempo <strong>de</strong> socialização.<br />

Apren<strong>de</strong>mos a usar repertórios a partir das nossas posições <strong>de</strong> pessoas: a<br />

família em que fomos criados; a escola que frequentamos. Esses diferentes<br />

contextos <strong>de</strong> socialização <strong>de</strong>finem as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contatos com<br />

repertórios, Gêneros <strong>de</strong> Fala e linguagens sociais. (SPINK, 2010, p. 33).<br />

24 O repertório linguístico é constituído pelos termos, conceitos, os lugares comuns e figuras <strong>de</strong> linguagens que<br />

fazem parte do rol <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m ser acessadas no processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> sentidos.(SPINK,<br />

2010).


28<br />

Para as reflexões sobre o esquema temporal referente ao tempo vivido, a autora<br />

fundamenta-se no conceito <strong>de</strong> habitus utilizado por Bourdieu como sistema <strong>de</strong> disposições<br />

duráveis, que estão na base das percepções, apreciações e ações <strong>de</strong>senvolvidas pelos<br />

sujeitos ou agentes. O repertório linguístico, acessível a esses sujeitos, estaria, em certa<br />

medida, associado às especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sses espaços <strong>de</strong> socialização representados pela<br />

família e pela escola. Assim, os filhos <strong>de</strong> famílias com um vasto repertório linguístico seriam<br />

favorecidos, bem como aquelas pessoas cujas escolas propiciassem as condições<br />

necessárias <strong>para</strong> ampliação <strong>de</strong>sse repertório.<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> nos aproximarmos dos sentidos elaborados pelos <strong>jovens</strong><br />

escolares, utilizamos procedimentos <strong>de</strong> pesquisa como grupos focais 25 , entrevistas<br />

individuais semi-estruturadas com os <strong>jovens</strong> e observações in loco como possibilida<strong>de</strong>s<br />

metodológicas <strong>para</strong> interpretação dos sentidos elaborados por esses agentes acerca das<br />

questões investigadas. O processo exige atenção ao repertório utilizado por esses<br />

interlocutores em suas falas, consi<strong>de</strong>rando que os termos presentes em seu discurso<br />

expressam construções <strong>de</strong> sentido que são produzidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado contexto<br />

<strong>de</strong> existência. Essas construções dão indicações daquilo que o mundo social também<br />

imprimiu nesses sujeitos.<br />

Na escola do bairro Mondubim, fase inicial do processo <strong>de</strong> investigação, foram<br />

realizadas observações in loco e aplicados 33 (trinta e três) questionários com estudantes<br />

do ensino noturno das turmas <strong>de</strong> EJA IV e V, que se encontravam na faixa-etária entre 15 e<br />

17 anos; estes que aceitaram respon<strong>de</strong>r às questões propostas no instrumental.<br />

Na escola do Bonsucesso houve participação <strong>de</strong> 20 (vinte) estudantes <strong>de</strong> turmas<br />

<strong>de</strong> EJA III, IV e V, predominando os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> EJA IV e V, turmas com maior número <strong>de</strong><br />

estudantes na faixa-etária <strong>de</strong> interesse. Foram realizados 02 (dois) grupos focais com<br />

frequência <strong>de</strong> 06 (seis) participantes cada, e 17 (<strong>de</strong>zessete) entrevistas individuais com<br />

alguns estudantes que partici<strong>para</strong>m dos grupos focais e outros que não partici<strong>para</strong>m. A<br />

frequência irregular <strong>de</strong> alguns <strong>jovens</strong> às ativida<strong>de</strong>s cotidianas da escola inviabilizou a<br />

participação <strong>de</strong> um número maior <strong>de</strong> estudantes no processo <strong>de</strong> pesquisa nessa unida<strong>de</strong><br />

escolar.<br />

25 O Grupo Focal constitui um tipo <strong>de</strong> entrevista ou conversa realizada por meio da formação <strong>de</strong> grupos<br />

pequenos e homogêneos permitindo a interação entre os participantes e favorecendo a expressão <strong>de</strong> consenso<br />

ou divergências entre os sujeitos sociais participantes. A formação dos Grupos po<strong>de</strong> variar em número <strong>de</strong> seis a<br />

doze informantes (MINAYO, 2008). ABRAMOVAY (2004) também <strong>de</strong>staca a importância <strong>de</strong>ssa técnica <strong>de</strong><br />

pesquisa pelo fato do Grupo Focal permitir que os conteúdos expressos pela palavra <strong>de</strong> cada um dos<br />

participantes possam ser comentados pelos <strong>de</strong>mais que compõem o grupo.


29<br />

Na escola estadual que apresentou menor taxa <strong>de</strong> distorção no Ensino<br />

Fundamental, foram entrevistados 6 (seis) do total <strong>de</strong> 11 (onze) estudantes entre 15 e 17<br />

anos matriculados nas turmas <strong>de</strong> 8º e 9º Anos que se encontravam em situação <strong>de</strong><br />

distorção ida<strong>de</strong>-série. Esses estudantes partici<strong>para</strong>m <strong>de</strong> 01 um grupo focal com outros<br />

<strong>jovens</strong> na mesma situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série no Ensino Fundamental.<br />

Nessa mesma escola, foram entrevistados 09 (nove) <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos,<br />

que se encontravam cursando a série do Ensino Médio consi<strong>de</strong>rada a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>.<br />

Além das entrevistas individuais, foram realizados 05 (cinco) grupos focais, cada grupo<br />

formado por 06 (seis) estudantes nesse nível <strong>de</strong> ensino, sendo dois grupos focais no turno<br />

da manhã, dois no período da tar<strong>de</strong> e um grupo focal no período noturno. A pesquisa, nessa<br />

escola, contou com a participação total <strong>de</strong> 39 (trinta e nove) <strong>jovens</strong> do Ensino Médio. A<br />

maior participação <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> do Ensino Médio foi favorecida pelo maior número <strong>de</strong><br />

estudantes <strong>de</strong>ssa etapa da Educação Básica matriculados na escola. Nos três primeiros<br />

grupos focais com os estudantes do Ensino Médio, os interlocutores foram previamente<br />

selecionados pela lista <strong>de</strong> frequência. Nos outros dias da pesquisa, fizemos o convite aos<br />

<strong>jovens</strong> que se encontravam na Biblioteca da escola em momentos <strong>de</strong> intervalo das aulas,<br />

procurando evitar interferências na dinâmica <strong>de</strong> estudos das turmas que, na semana da<br />

pesquisa, encontravam-se em período <strong>de</strong> revisão <strong>para</strong> avaliações bimestrais.<br />

O roteiro <strong>para</strong> a condução das entrevistas individuais foi elaborado a partir <strong>de</strong><br />

quatro eixos principais: Família, Trabalho, Educação e Futuro, e Os Jovens e o Bairro. No<br />

eixo relativo à Família, procuramos i<strong>de</strong>ntificar com quem os <strong>jovens</strong> residiam, a ocupação e<br />

renda dos familiares e a escolarida<strong>de</strong> dos pais e familiares. Nesse eixo, a escolarida<strong>de</strong> dos<br />

pais e familiares foi consi<strong>de</strong>rada como um aspecto relevante <strong>para</strong> a pesquisa, uma vez que<br />

nos ajudaria a refletir sobre o universo cultural familiar no qual esses <strong>jovens</strong> encontram-se<br />

inseridos e suas relações com a cultura consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> prestígio no atual contexto.<br />

Compreen<strong>de</strong>mos que os agrupamentos familiares dos pesquisados po<strong>de</strong>m<br />

apresentar diversas composições e variações entre seus membros, formados por pai, mãe e<br />

filhos, com a presença da autorida<strong>de</strong> paterna, até arranjos que se esten<strong>de</strong>m a várias<br />

gerações, com a presença <strong>de</strong> avós, tios ou primos, além da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporação<br />

<strong>de</strong> outros agregados e da existência <strong>de</strong> grupos em que predomine a presença da mulher<br />

como chefe da família.<br />

Segundo Osterne (2004), no Brasil, nenhum mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família predominou <strong>de</strong><br />

forma hegemônica, pois “[...] permaneceram as relações entre os grupos, não se instituindo,<br />

consequentemente, qualquer forma hegemônica. Se a família é valor, não se conhece que


30<br />

tipo <strong>de</strong> família <strong>de</strong>tém esse valor”. (p.50). Há uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> configurações familiares<br />

nas quais esses sujeitos estabelecem laços <strong>de</strong> pertencimento, afetivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

reconhecimento mútuo que não estarão, necessariamente, fundados em associações <strong>de</strong><br />

parentesco e consanguinida<strong>de</strong>. No caso dos nossos interlocutores <strong>de</strong>ste estudo, todos<br />

apresentavam agrupamentos familiares fundados em laços <strong>de</strong> parentesco e<br />

consanguinida<strong>de</strong>.<br />

As questões propostas no eixo Trabalho visaram verificar a incidência <strong>de</strong><br />

trabalhadores entre os entrevistados e suas condições <strong>de</strong> inserção no mundo do trabalho,<br />

como: os tipos <strong>de</strong> ocupações assumidas, horários <strong>de</strong> trabalho, remuneração. As formas <strong>de</strong><br />

contratação dos serviços dos estudantes trabalhadores constituíram também um ponto <strong>de</strong><br />

preocupação que moveu as discussões <strong>de</strong>sse eixo, consi<strong>de</strong>rando que po<strong>de</strong>riam dar<br />

indicações sobre as diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> trabalho às quais têm acesso:<br />

práticas formais, informais ou ilegais do ponto <strong>de</strong> vista do Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente - ECA e outras legislações relacionadas ao trabalho <strong>de</strong> menores em vigor no<br />

país.<br />

Ainda nesse mesmo eixo, discutimos com os pesquisados como eles percebiam<br />

a entrada dos <strong>jovens</strong> no mundo do trabalho e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conciliação do tempo<br />

entre escola e trabalho.<br />

No eixo Educação e Futuro procuramos perceber os sentidos atribuídos pelos<br />

<strong>jovens</strong> à escola, se estabelecem relações entre essa formação escolar e suas pretensões<br />

<strong>de</strong> futuro. Abordamos entre os <strong>jovens</strong> que ainda não atingiram o Ensino Médio se havia<br />

entre eles a pretensão <strong>de</strong> cursar esse nível <strong>de</strong> ensino e em qual escola pretendiam estudar.<br />

As outras questões gerais <strong>de</strong>sse eixo lançadas aos três grupos referiram-se a:<br />

tipo <strong>de</strong> profissão que pretendiam exercer no futuro; nível <strong>de</strong> informação sobre a existência<br />

<strong>de</strong> escolas profissionalizantes no bairro ou na cida<strong>de</strong>; pretensões <strong>de</strong> cursar o Ensino<br />

Superior e qual curso; informações sobre a localização das faculda<strong>de</strong>s e universida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> Fortaleza; existência <strong>de</strong> conhecidos, amigos ou familiares cursando o Ensino<br />

Superior.<br />

No eixo Os Jovens e o Bairro as perguntas foram elaboradas na intenção <strong>de</strong> que<br />

os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ssem indicações dos tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, além da escola, que costumavam<br />

participar no cotidiano, em especial nos finais <strong>de</strong> semana. Embora não tenham sido<br />

colocadas alternativas <strong>para</strong> respostas dos <strong>jovens</strong>, intencionava-se verificar se esses sujeitos<br />

participavam <strong>de</strong> grupos esportivos, culturais ou religiosos <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> ou fora<br />

<strong>de</strong>la. Outras questões referiram-se diretamente à ida <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> ao cinema, ao teatro ou


31<br />

a outras práticas <strong>de</strong> lazer e cultura, bem como se i<strong>de</strong>ntificavam no bairro outras instituições<br />

educativas ou culturais. Além <strong>de</strong>ssas questões, foram incluídas algumas perguntas<br />

relacionadas à percepção dos <strong>jovens</strong> sobre o bairro em que vivem quanto ao aspecto<br />

relativo à violência.<br />

As discussões nos grupos focais foram orientadas a partir <strong>de</strong> quatro temas<br />

principais: Escola, Trabalho, Profissionalização e Ensino Superior. Nossa intenção foi <strong>de</strong><br />

provocar reflexões relacionadas ao papel da escola na vida dos <strong>jovens</strong>; o valor atribuído ao<br />

trabalho, bem como sobre suas práticas variadas no mercado formal e informal; suas<br />

perspectivas em relação à profissionalização e ao ingresso no Ensino Superior.<br />

As primeiras reflexões acerca do problema que constituiu objeto <strong>de</strong>sta proposta<br />

<strong>de</strong> investigação foram instigadas a partir da convivência cotidiana com <strong>jovens</strong> da EJA IV e V<br />

através do exercício profissional como professora, como já mencionamos, anteriormente.<br />

Os relatos apresentados por esses <strong>jovens</strong> que em sua maioria se encontravam entre 15 e<br />

17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e ainda permaneciam no Ensino Fundamental, bem como as observações<br />

realizadas no ambiente escolar, apontavam <strong>para</strong> a vivência <strong>de</strong> um cotidiano marcado por<br />

muitos problemas, entre os quais po<strong>de</strong>m ser citados: dificulda<strong>de</strong>s no domínio das<br />

habilida<strong>de</strong>s básicas <strong>de</strong> leitura e escrita, muitas vezes mascaradas por certa indisposição<br />

<strong>para</strong> as ativida<strong>de</strong>s propostas pelos professores; necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renda que impunha a<br />

alguns a submissão a condições precárias 26 <strong>de</strong> trabalho; dificulda<strong>de</strong>s no relacionamento<br />

familiar; <strong>de</strong>sinteresse pelas ativida<strong>de</strong>s escolares e indisciplina; faltas frequentes e a iminente<br />

ameaça do abandono da escola.<br />

Embora não constitua foco <strong>de</strong>sta pesquisa o abandono escolar entre os <strong>jovens</strong><br />

da escola pública, compreen<strong>de</strong>mos que esse problema está diretamente relacionado a<br />

questões que envolvem a distorção ida<strong>de</strong>-série, tendo em vista que o abandono escolar é<br />

uma <strong>de</strong> suas consequências previsíveis e expressa a inexistência, ineficiência e/ou<br />

ineficácia das políticas públicas governamentais no campo da educação direcionadas aos<br />

<strong>jovens</strong>. A preocupação que nos move neste estudo é impulsionada por sentimentos <strong>de</strong><br />

quem reconhece nesse fenômeno da distorção um problema que po<strong>de</strong> resultar no<br />

distanciamento dos <strong>jovens</strong> da escola e no gradativo abandono escolar. Para a Organização<br />

Internacional do trabalho – OIT,<br />

26 Trabalho sem contrato formal ou registro em Carteira Profissional e realizado sem condições e remuneração<br />

a<strong>de</strong>quadas.


32<br />

Cuando lós jóvenes son exluidos <strong>de</strong> las esferas <strong>de</strong> la educación y <strong>de</strong>l<br />

trabajo, las bases sociales <strong>de</strong> la gobernabilidad <strong>de</strong>mocrática se <strong>de</strong>terioran.<br />

Hay relación marcada entre la incapacidad <strong>de</strong> lós países <strong>para</strong> brindar uma<br />

trayectoria <strong>de</strong> vida educativa y laboral apropriada a su juventud y los<br />

problemas <strong>de</strong> violência, falta <strong>de</strong> seguridad y anomia <strong>de</strong>l conjunto <strong>de</strong> la<br />

sociedad. OIT, 2010, p. 10).<br />

A OIT <strong>de</strong>staca a associação existente entre os problemas <strong>de</strong> violência e anomia<br />

social e a incapacida<strong>de</strong> dos governos dos países em garantir aos seus <strong>jovens</strong> as condições<br />

necessárias <strong>para</strong> que esses sujeitos possam construir trajetórias apropriadas <strong>de</strong> educação e<br />

trabalho, situação que foi obervada nas vivências <strong>de</strong> muitos dos nossos interlocutores, e<br />

expressa por meio <strong>de</strong> suas narrativas, particularmente no caso dos estudantes <strong>de</strong> EJA.<br />

Como nossa pesquisa foi limitada a três escolas da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> Fortaleza,<br />

seus resultados não po<strong>de</strong>m ser generalizados ao conjunto <strong>de</strong> estudantes que se encontra<br />

entre 15 e 17 anos, consi<strong>de</strong>rando as particularida<strong>de</strong>s das situações experimentadas por<br />

esses sujeitos, vivendo sob diferentes condições e posições no mundo. No entanto,<br />

enten<strong>de</strong>mos que há muitas aproximações entre as situações daqueles que compartilham<br />

uma origem social comum, como os <strong>jovens</strong> das camadas pobres que se encontram em<br />

situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem social. Essa posição é ocupada pela maioria dos que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

das re<strong>de</strong>s públicas <strong>de</strong> ensino do País e que estão entre os 84,5% dos estudantes 27<br />

matriculados na educação básica. Dessa forma, os resultados <strong>de</strong>ste estudo, ainda que<br />

particulares, po<strong>de</strong>m oferecer elementos <strong>para</strong> a discussão sobre as políticas públicas<br />

educacionais, uma vez que os sujeitos sociais que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ssas políticas, guardam<br />

muitas similarida<strong>de</strong>s em seus percursos sociais.<br />

2.1 Mondubim: O Campo Familiar<br />

A investigação na escola do Mondubim restringiu-se aos estudantes das turmas<br />

<strong>de</strong> EJA IV e V, embora houvesse, em menor número, <strong>jovens</strong> na faixa-etária <strong>de</strong> interesse nas<br />

turmas <strong>de</strong> EJA III. Entretanto, o fato <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> apresentarem dificulda<strong>de</strong>s no domínio<br />

das habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura e escrita inviabilizava a aplicação dos questionários utilizados<br />

nesta fase da pesquisa que <strong>de</strong>veriam ser respondidos diretamente pelos <strong>jovens</strong>.<br />

A condição <strong>de</strong> ser professora das turmas pesquisadas constituiu um elemento<br />

facilitador <strong>de</strong> acesso a esses <strong>jovens</strong>, dada a familiarida<strong>de</strong> construída na relação cotidiana<br />

entre educadora e educandos. Mas, ao mesmo tempo, criou dificulda<strong>de</strong>s quanto à inclusão<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas questões mais particulares acerca das condições <strong>de</strong> existência <strong>de</strong>sses<br />

sujeitos. “Como seria possível “se abrir” [...] pensando que o que fosse dito po<strong>de</strong>ria ser<br />

27 Instituto Nacional <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da educação básica: 2011 –<br />

resumo técnico – Brasília, 2012.


33<br />

“utilizado” por aquele que escuta e que faz parte <strong>de</strong> sua constelação social ou universo<br />

cotidiano, ou seja, imaginando que as palavras po<strong>de</strong>riam modificar <strong>de</strong> alguma maneira esse<br />

universo?” (LAHIRE, 2004, p.33).<br />

Para tentar evitar constrangimentos que levassem os interlocutores a <strong>de</strong>sistirem<br />

<strong>de</strong> participar da pesquisa, uma vez que mantinham com a professora certa proximida<strong>de</strong> e<br />

familiarida<strong>de</strong> construídas na convivência <strong>de</strong>ntro do campo escolar, o que po<strong>de</strong>ria levá-los a<br />

rejeitar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> compartilhar informações <strong>de</strong> sua vida privada que preferissem ocultar, foi<br />

elaborado um questionário que eles respon<strong>de</strong>ram sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção externa<br />

(as intervenções somente ocorreram nas situações em que foram solicitadas pelos <strong>jovens</strong>).<br />

Naquele momento procuramos privilegiar os aspectos concernentes às relações dos <strong>jovens</strong><br />

com a escola e o trabalho, evitando questões que envolvessem particularida<strong>de</strong>s familiares.<br />

Apenas as informações relacionadas à escolarida<strong>de</strong> dos pais foram mantidas no<br />

questionário.<br />

Muitas informações sobre as condições <strong>de</strong> existência <strong>de</strong>sses sujeitos foram<br />

obtidas também através das vivências como professora naquele espaço escolar, nos<br />

momentos das aulas, nos corredores, através da observação <strong>de</strong> suas falas nas discussões<br />

sobre <strong>de</strong>terminados temas <strong>de</strong> estudo relacionados à formação escolar e ao trabalho;<br />

quando da apresentação <strong>de</strong> justificativas <strong>para</strong> as faltas às aulas ou <strong>para</strong> os atrasos, bem<br />

como nas brinca<strong>de</strong>iras, ao atribuírem aos colegas apelidos associados ao tipo <strong>de</strong> trabalho<br />

realizado durante o dia: o “cheiro ver<strong>de</strong>”, como ficou conhecido um dos <strong>jovens</strong> que era<br />

ven<strong>de</strong>dor ambulante <strong>de</strong> cheiro ver<strong>de</strong> nas ruas da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> residência da maioria dos<br />

<strong>jovens</strong> matriculados nessa unida<strong>de</strong> escolar.<br />

As conversas estabelecidas no espaço escolar entre os <strong>jovens</strong>, muitas vezes<br />

não apresentavam reservas quanto à entrada nas particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas vivências<br />

familiares, consi<strong>de</strong>rando que, por tratar-se <strong>de</strong> uma escola <strong>de</strong> bairro, reunindo vizinhos e<br />

amigos <strong>de</strong> infância que compartilhavam problemas familiares comuns, conflitos<br />

intrafamiliares que podiam chegar a se tornar públicos na rua <strong>de</strong> moradia, durante os finais<br />

<strong>de</strong> semana, terminavam sendo comentados entre eles na escola. Para Certeau (2011),<br />

A prática do bairro é uma convenção coletiva tácita, não escrita, mas legível<br />

por todos os usuários através dos códigos da linguagem e do<br />

comportamento. Toda submissão a esses códigos, bem como toda<br />

transgressão, constitui imediatamente objeto <strong>de</strong> comentários: existe uma<br />

norma, e ela é mesmo bastante pesada <strong>para</strong> realizar o jogo da exclusão<br />

social em face dos “excêntricos”, as pessoas que “não são/fazem como<br />

todos nós”. (p. 47).<br />

Algumas ocorrências do cotidiano da rua que parecem transgredir algumas<br />

normas interiorizadas pela comunida<strong>de</strong>, ainda que não sejam efetivamente vividas por essa


34<br />

comunida<strong>de</strong>, transformam-se em assunto nas rodas <strong>de</strong> conversas dos estudantes:<br />

comentários sobre uma jovem grávida, irmã <strong>de</strong> algum dos colegas ou a vizinha que é ou foi<br />

estudante da escola; uma briga entre pais e filhos e a saída <strong>de</strong> casa do filho <strong>para</strong> morar com<br />

um amigo; a orientação sexual do irmão do colega; o envolvimento <strong>de</strong> algum conhecido em<br />

práticas <strong>de</strong>lituosas; o assassinato ou a prisão <strong>de</strong> algum morador da comunida<strong>de</strong>.<br />

Dessa forma, tínhamos acesso à informação sobre diversas situações do<br />

cotidiano <strong>de</strong>sses sujeitos como o envolvimento <strong>de</strong> familiares com o alcoolismo; o tipo <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>de</strong>senvolvido pelos pais ou pelos próprios <strong>jovens</strong>, muitas vezes classificados por<br />

seus pares como <strong>de</strong> menor valor, como foi observado o caso <strong>de</strong> um dos <strong>jovens</strong> que ajudava<br />

a mãe a ven<strong>de</strong>r verduras na CEASA 28 , tornando-se motivo <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira entre os colegas,<br />

estes afirmavam que ele falava alto na sala <strong>de</strong> aula porque estava acostumado a gritar na<br />

CEASA, oferecendo os produtos vendidos pela mãe. Po<strong>de</strong>ríamos inferir que, <strong>para</strong> esses<br />

<strong>jovens</strong>, tal ocupação carregaria um capital simbólico negativo, uma vez que não constituiria<br />

tipo <strong>de</strong> trabalho consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> prestígio <strong>de</strong>ntro do nosso atual mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização<br />

social.<br />

Outra situação observada referiu-se ao caso <strong>de</strong> um dos estudantes da turma <strong>de</strong><br />

EJA V cujo irmão adolescente, menor <strong>de</strong> 15 anos, que também era estudante da mesma<br />

escola no período diurno, trabalhava como manicure em um “Salão <strong>de</strong> Beleza” do bairro e<br />

em domicílio. Nesse caso, a reação dos colegas não estava associada à <strong>de</strong>squalificação do<br />

tipo <strong>de</strong> trabalho realizado por esse adolescente, mas eram feitas insinuações quanto à sua<br />

orientação sexual. As brinca<strong>de</strong>iras realizadas pelos colegas expressavam preconceito pelo<br />

fato do adolescente <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong> tradicionalmente realizada por mulheres. O jovem<br />

<strong>de</strong>fendia-se das brinca<strong>de</strong>iras dos colegas afirmando que o irmão adolescente chegava a<br />

levar <strong>para</strong> a mãe, ao final do dia, cerca <strong>de</strong> R$ 30,00 (Trinta Reais) obtidos através <strong>de</strong>sse<br />

trabalho.<br />

Assim, muitas particularida<strong>de</strong>s do cotidiano <strong>de</strong>sses sujeitos manifestavam-se <strong>de</strong><br />

forma explícita ou velada nas conversas <strong>para</strong>lelas na hora da aula, nas brinca<strong>de</strong>iras, nos<br />

momentos <strong>de</strong> intervalo entre as aulas ou mesmo diretamente nos diálogos que estabeleciam<br />

com os profissionais da escola, on<strong>de</strong> costumavam falar sobre o que haviam feito no final <strong>de</strong><br />

semana e sobre as ocorrências do bairro que consi<strong>de</strong>ravam importante compartilhar na<br />

escola.<br />

28 “A CENTRAIS DE ABASTECIMENTO DO CEARÁ S/A-CEASA/CE, Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Economia Mista, vinculada à<br />

Secretaria <strong>de</strong> Desenvolvimento Rural do Estado do Ceará, cuja instituição foi autorizada pela Lei nº 9.448, <strong>de</strong> 12<br />

<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1971, com autonomia administrativa, financeira e personalida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> direito privado. A<br />

CEASA/CE tem se<strong>de</strong> e domicílio no município <strong>de</strong> Maracanaú-CE, na Rodovia Dr. Men<strong>de</strong>l Steinbruch, s/nº,<br />

Pajuçara e foro jurídico na Comarca <strong>de</strong> Maracanaú-CE”. Fonte: www.ceasa.ce.com.br – Consulta realizada em<br />

06/12/2012.


35<br />

A condição <strong>de</strong> ser nativa daquele lugar, como uma das professoras da escola<br />

que já acompanhava a trajetória <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> naquela instituição, criava alguns<br />

embaraços <strong>para</strong> o trabalho <strong>de</strong> investigação por meio <strong>de</strong> entrevistas diretas com questões<br />

mais específicas referentes ao contexto familiar, como a escolarida<strong>de</strong> e profissão dos pais, a<br />

renda familiar, as condições <strong>de</strong> moradia. O “[...] pesquisador não <strong>de</strong>sapareceria do universo<br />

familiar do pesquisado no final da pesquisa e o pesquisador e o pesquisado <strong>de</strong>veriam viver<br />

com essa experiência comum, o que certamente modificaria sua relação” (LAHIRE, 2004,<br />

p.33). A professora teria acesso a informações sobre características dos contextos<br />

familiares que os <strong>jovens</strong>, talvez, não <strong>de</strong>sejassem compartilhar com uma profissional da<br />

escola.<br />

Por outro lado, esse pertencimento àquele universo conferia certa naturalida<strong>de</strong><br />

nas relações entre estudantes e professora, criando condições <strong>de</strong> se perceber, nas relações<br />

cotidianas, alguns modos <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong> viver <strong>de</strong>sses sujeitos <strong>de</strong> uma forma mais natural e<br />

menos guiada. Ao se sentirem observados e “objeto” <strong>de</strong> análise diante <strong>de</strong> uma entrevista, os<br />

estudantes po<strong>de</strong>riam manifestar comportamentos e falas “artificiais” diante das questões<br />

abordadas. Correríamos o risco <strong>de</strong> que alguns <strong>jovens</strong>, em suas respostas, tentassem<br />

correspon<strong>de</strong>r às expectativas que eles consi<strong>de</strong>ravam ser esperadas pela escola. Mas, o<br />

conhecimento que já havíamos construído acerca <strong>de</strong> algumas atitu<strong>de</strong>s cotidianas <strong>de</strong>sses<br />

<strong>jovens</strong> no ambiente escolar, permitiu o estabelecimento <strong>de</strong> conexões ou com<strong>para</strong>ções com<br />

os conteúdos <strong>de</strong> suas falas expressas nos diálogos estabelecidos durante as entrevistas.<br />

2.2 Bonsucesso e Parque São José: Campos Estrangeiros?<br />

A entrada na escola do Bonsucesso e na escola do Parque São José, novos<br />

espaços escolares <strong>de</strong> investigação da trajetória <strong>de</strong> campo, já não representava mais o<br />

contato com o familiar, o conhecido. Apesar das semelhanças estruturais e <strong>de</strong> gestão<br />

existentes entre as escolas públicas, bem como no que se refere à origem social <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

parte dos discentes, essas instituições e seu público guardam particularida<strong>de</strong>s que as<br />

diferenciam entre si. Nessa fase da pesquisa, buscamos uma aproximação com os <strong>jovens</strong><br />

das unida<strong>de</strong>s escolares pesquisadas nesses dois bairros. Para os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>sses novos<br />

espaços escolares, a professora aparecia agora como uma estrangeira, mesmo<br />

apresentando certo domínio sobre “a língua e cultura locais”.<br />

O fato <strong>de</strong> ser professora <strong>de</strong> escola pública favoreceu as primeiras aproximações<br />

com esses <strong>jovens</strong> e, ao mesmo tempo, por não ser docente da unida<strong>de</strong> escolar, as falas<br />

<strong>de</strong>sses novos atores alargaram-se <strong>para</strong> particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas vidas que não foram<br />

abordadas pelos sujeitos da escola do Mondubim, com os quais mantínhamos certa<br />

familiarida<strong>de</strong>.


36<br />

Mas, se ser vista como uma estrangeira que ali estaria <strong>de</strong> passagem, favorecia a<br />

abertura dos <strong>jovens</strong> às questões colocadas nas entrevistas, essa situação po<strong>de</strong>ria também<br />

sugerir aos sujeitos pesquisados a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não serem “fiéis” em suas respostas.<br />

Para tentar minimizar esse risco, procuramos estabelecer alguns nexos entre as questões<br />

propostas nos roteiros, bem como introduzir novos elementos nos diálogos com os <strong>jovens</strong>,<br />

quando foi sentida a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maiores esclarecimentos sobre as respostas<br />

apresentadas por esses atores sociais.<br />

O olhar lançado pelos sujeitos sobre um <strong>de</strong>terminado campo, suas impressões,<br />

percepções são transpassados por elementos constituídos a partir das vivências e relações<br />

que estabelecem com o mundo, a partir do seu lugar no mundo e do seu lugar em relação a<br />

esse campo. Quem olha <strong>de</strong> fora po<strong>de</strong> visualizar aspectos que parecem imperceptíveis<br />

àqueles que se encontram no jogo das relações que se efetivam no interior do campo. Mas,<br />

ficar à margem, nem sempre é garantia <strong>de</strong> uma visão precisa sobre o que se <strong>de</strong>seja<br />

conhecer, uma vez que a riqueza dos <strong>de</strong>talhes po<strong>de</strong> ser comprometida pela distância entre<br />

a margem e o centro. Assim, privilegiar a margem ou o centro como ponto <strong>de</strong> observação do<br />

campo po<strong>de</strong> representar um risco <strong>para</strong> aqueles que tentam compreendê-lo.<br />

Nesse sentido, afirmamos que as posições assumidas nesta proposta <strong>de</strong><br />

investigação encontram-se permeadas pelo habitus <strong>de</strong> quem a escreve. Na tentativa <strong>de</strong> ficar<br />

mais próxima da margem, assumimos a posição <strong>de</strong> quem observa, pesquisa. Mas, como<br />

professora <strong>de</strong> escola pública, com uma aproximação excessiva ao centro do campo, não<br />

nos <strong>de</strong>svencilhamos das disposições construídas em nossa trajetória profissional. Desse<br />

modo, assumimos um “lugar <strong>de</strong> fala” <strong>de</strong> quem tenta investigar, mas também <strong>de</strong> quem<br />

compartilha do cotidiano <strong>de</strong> um coletivo representado pela escola.<br />

Como afirma BOURDIEU, “[...] só compreen<strong>de</strong>mos, verda<strong>de</strong>iramente, o que diz<br />

ou faz um agente engajado num campo (um economista, um escritor, um artista, etc.) se<br />

estamos em condições <strong>de</strong> nos referirmos à posição que ele ocupa nesse campo, se<br />

sabemos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele fala [...]”. (2004, p.23 -24). Dessa forma, assumimos aqui um “lugar <strong>de</strong><br />

fala” que tenta ensaiar um olhar que “vem <strong>de</strong> fora”, um pouco à margem, como observadora,<br />

mas que também parte do interior do campo, como professora, agente engajado e que<br />

apresenta um forte enraizamento no lugar sobre o qual tenta pensar e escrever.<br />

Escrever sem apresentar explicações ou apontar possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> soluções<br />

<strong>para</strong> os problemas do campo da educação, talvez constitua uma difícil tarefa <strong>para</strong> quem<br />

carrega em sua trajetória profissional, como professora, uma convivência cotidiana com os<br />

diversos agentes que atuam nesse campo e com os problemas que o afetam. Nessa


37<br />

condição, muitas vezes, julgamo-nos capazes <strong>de</strong> apresentar respostas técnicas <strong>para</strong><br />

resolução <strong>de</strong>sses problemas. Constitui um <strong>de</strong>safio o tempo todo enfrentado no processo <strong>de</strong><br />

elaboração <strong>de</strong>ste trabalho: evitar que os fatos cheguem acompanhados <strong>de</strong> explicação, mas<br />

que sejam envolvidos pela compreensão sociológica. Tentar narrá-los sem transformar essa<br />

escrita em um boletim informativo. Segundo Benjamim (1994), a narrativa<br />

não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como<br />

uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador<br />

<strong>para</strong> em seguida retirá-la <strong>de</strong>le. Assim se imprime na narrativa a marca do<br />

narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (p.205).<br />

Este estudo não tem a pretensão <strong>de</strong> transmitir ou <strong>de</strong>svendar um “puro em si”,<br />

escondido à espera <strong>de</strong> quem o traga à luz. É a mão da professora que vem imprimindo os<br />

contornos da argila <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início quando elegeu a temática principal como problema a ser<br />

pensado e investigado. Assim, seus resultados não estarão isentos dos vestígios que serão<br />

<strong>de</strong>ixados pela mão <strong>de</strong> quem o escreve, uma vez que é a mão <strong>de</strong> quem observa, vivencia e<br />

sente o problema.


38<br />

3 ESCOLA, FAMÍLIA E TRABALHO: REGULARIDADES E<br />

VARIAÇÕES NAS EXPERIÊNCIAS DOS ESTUDANTES DE EJA<br />

Depen<strong>de</strong>ndo da condição econômica, social e cultural, muitos <strong>jovens</strong> vivenciam<br />

experiências que os aproximam <strong>de</strong>ntro do mundo. Determinados modos <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> viver,<br />

esquemas comuns <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> percepção, <strong>de</strong> apreciação e <strong>de</strong> ação diante do<br />

mundo formam o habitus, “[...] um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que<br />

incorporou as estruturas imanentes <strong>de</strong> um mundo ou <strong>de</strong> um setor particular <strong>de</strong>sse mundo,<br />

<strong>de</strong> um campo, e que estrutura tanto a percepção como a ação nesse mundo”. (BOURDIEU,<br />

2011, p.144).<br />

Esse habitus mantém relação com as estruturas objetivas dos espaços físicos e<br />

sociais <strong>de</strong> vivência dos grupos e, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das mudanças e novas exigências que<br />

possam ser colocadas aos indivíduos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses espaços <strong>de</strong> relações, o habitus po<strong>de</strong><br />

ser reconduzido. Novas expressões culturais, novos sentimentos, afetivida<strong>de</strong>s e também<br />

novas estruturas po<strong>de</strong>m ser incorporadas pelos sujeitos na convivência com outros sujeitos<br />

<strong>de</strong>ntro dos campos ou espaços nos quais estabelece relações. Segundo Bourdieu,<br />

Os agentes sociais, evi<strong>de</strong>ntemente, não são partículas passivamente<br />

conduzidas pelas forças do campo [...] Eles têm disposições adquiridas [...]<br />

que chamo <strong>de</strong> habitus, isto é, maneiras <strong>de</strong> ser permanentes, duráveis que<br />

po<strong>de</strong>m, em particular, levá-los a resistir, a opor-se às forças do campo.<br />

Aqueles que adquirem, longe do campo em que se inscrevem, as<br />

disposições que não são aquelas que esse campo exige, arriscam-se, por<br />

exemplo, a estar sempre <strong>de</strong>fasados, <strong>de</strong>slocados, mal colocados, mal em<br />

sua própria pele, na contramão e na hora errada, com todas as<br />

consequências que se possa imaginar. Mas eles po<strong>de</strong>m também lutar com<br />

as forças do campo, resistir-lhes e, em vez <strong>de</strong> submeter suas disposições<br />

às estruturas, tentar modificar as estruturas em razão <strong>de</strong> suas disposições,<br />

<strong>para</strong> conformá-las às suas disposições. (2004, p. 28-29).<br />

O habitus ou disposições não constituem elementos naturais ou inatos, mas<br />

elementos construídos que são incorporados ou adquiridos pelos sujeitos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus<br />

espaços <strong>de</strong> socialização. Como elementos construídos po<strong>de</strong>m ser modificados diante <strong>de</strong><br />

novas situações e exigências colocadas pelos contextos, que se transformam ou pela<br />

própria inserção dos sujeitos em novos contextos que lhes são estranhos.<br />

A inserção em campos cujas disposições exigidas ou dominantes não se<br />

assemelham mais àquelas às quais os sujeitos se encontram adaptados, familiarizados,<br />

po<strong>de</strong> colocar a esses sujeitos duas possibilida<strong>de</strong>s: manter-se em permanente estado <strong>de</strong><br />

vigília no sentido <strong>de</strong> realizar as correções ou reconduções <strong>de</strong> habitus necessárias <strong>para</strong> que<br />

não adote condutas não adaptadas, <strong>de</strong>slocadas ou <strong>de</strong>fasadas <strong>para</strong> esse novo campo; ou


39<br />

resistir a essas novas forças do campo representadas por uma estrutura que lhes parece<br />

estranha, procurando modificar essa estrutura <strong>de</strong> acordo com suas próprias disposições.<br />

A família, a escola, o trabalho, a rua, assim como as instituições culturais,<br />

políticas e religiosas constituem gran<strong>de</strong>s matrizes ou universos <strong>de</strong> socialização e <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> disposições. A família, particularmente, como primeira instância <strong>de</strong><br />

socialização, transmite a seus membros valores, costumes, comportamentos, gostos,<br />

aspirações, propensões, inclinações, hábitos, tendências, persistentes maneiras <strong>de</strong> ser<br />

(LAHIRE, 2004) que exercerão influência sobre o patrimônio das disposições dos indivíduos<br />

e sobre suas tomadas <strong>de</strong> posições diante do mundo social ao longo <strong>de</strong> suas trajetórias <strong>de</strong><br />

vida. Dessa forma, as disposições individuais estão intrinsecamente associadas às vivências<br />

familiares, mas isso não impe<strong>de</strong> que tais disposições sejam reconduzidas, a partir das<br />

novas experiências socializadoras realizadas pelos indivíduos em outros espaços <strong>de</strong><br />

convivência diferentes do ambiente familiar.<br />

Os grupos sociais nos quais as famílias encontram-se inseridas po<strong>de</strong>m situar-se<br />

numa posição dominante, quando apresentam volumes elevados <strong>de</strong> capitais como bens<br />

materiais e recursos financeiros; certo nível cultural e escolar, bem como uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

relações sociais que lhes traga vantagens <strong>de</strong>ntro do espaço social. Compartilham um<br />

ethus 29 que se impõe como universal e, portanto, referencial <strong>para</strong> toda a socieda<strong>de</strong>. Por<br />

outro lado, quando têm acesso a baixos volumes <strong>de</strong>sses capitais se encontram em uma<br />

posição dominada 30 , o que po<strong>de</strong> conferir ao ethus do seu grupo um status <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>squalificação frente àquele dominante, tomado como universal.<br />

A proximida<strong>de</strong> no espaço social [...] predispõe à aproximação: as pessoas<br />

inscritas em um setor restrito do espaço serão ao mesmo tempo mais próximas<br />

(por suas proprieda<strong>de</strong>s e disposições, seus gostos) e mais inclinadas a se<br />

aproximar; e também mais fáceis <strong>de</strong> abordar, <strong>de</strong> mobilizar. Isto não significa que<br />

elas constituam uma classe [...], isto é, um grupo mobilizado por objetivos comuns<br />

e particularmente contra uma outra classe. (BOURDIEU, 2011, p.25).<br />

O compartilhamento <strong>de</strong> lugares <strong>de</strong> vivência como o bairro, a rua, a vizinhança, a<br />

escola ou o trabalho expressam posições ocupadas <strong>de</strong>ntro da estrutura <strong>de</strong> relações do<br />

espaço social que estão associadas à forma <strong>de</strong> distribuição dos volumes <strong>de</strong> capitais <strong>de</strong>ntro<br />

da socieda<strong>de</strong>, mas isso não implica que os indivíduos que ocupam essas posições tenham<br />

consciência da condição que os aproxima e que, <strong>de</strong> alguma forma, os tornam um grupo. “O<br />

29 Utiliza-se a categoria Ethus como “sistema <strong>de</strong> valores implícitos e profundamente interiorizados” (BOURDIEU,<br />

1998, p. 41) pelos grupos sociais e que contribui <strong>para</strong> as tomadas <strong>de</strong> posição dos membros <strong>de</strong>sses grupos em<br />

suas relações nos diversos campos sociais.<br />

30 A expressão “dominada” é mencionada no sentido <strong>de</strong> indicar uma posição em <strong>de</strong>terminada relação <strong>de</strong>ntro do<br />

espaço social, não significando, necessariamente, condição <strong>de</strong> submissão, passivida<strong>de</strong> ou docilida<strong>de</strong>.<br />

(CERTEAU, 2012).


40<br />

fato <strong>de</strong> pertencer a um bairro, quando corroborado pela pertença a um meio social<br />

específico, vem a ser uma marca que reforça o processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um grupo<br />

<strong>de</strong>terminado.” (CERTEAU, 2011, p.84).<br />

No caso específico dos <strong>jovens</strong> que constituem interesse nesta pesquisa, sua<br />

origem está associada a uma condição <strong>de</strong> existência em que predominam baixos volumes<br />

<strong>de</strong> capital econômico, cultural e social e essa condição, em certa medida, ten<strong>de</strong> a aproximálos<br />

através <strong>de</strong> seus modos <strong>de</strong> vida, comportamentos, práticas, gostos e interesses. O capital<br />

econômico está aqui associado à disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos financeiros e posse <strong>de</strong> bens<br />

materiais. O Capital Cultural, conceito utilizado por Bourdieu e, como já mencionado na<br />

Introdução <strong>de</strong>ste estudo, pensado em analogia ao capital econômico, está relacionado ao<br />

domínio, por parte <strong>de</strong>sses agentes e <strong>de</strong> seus familiares, dos códigos da cultura que se faz<br />

dominante <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado contexto (Capital Cultural Incorporado), bem como à<br />

posse <strong>de</strong> bens culturais materiais (Capital Cultural Objetivado) e diplomas (Capital Cultural<br />

Institucionalizado).<br />

Em nosso estudo buscamos compreen<strong>de</strong>r, particularmente, a posição <strong>de</strong> nossos<br />

investigados e <strong>de</strong> seus familiares nessas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que envolvem o saber<br />

escolarizado, consi<strong>de</strong>rado saber legítimo e que funciona como uma cre<strong>de</strong>ncial <strong>para</strong> o<br />

acesso a certas posições no mundo social e no mundo do trabalho. Como afirma Almeida<br />

(2011, p.47),<br />

O conceito <strong>de</strong> capital cultural é uma ferramenta <strong>para</strong> se apreen<strong>de</strong>r a<br />

dimensão simbólica da luta entre os diferentes grupos sociais, <strong>para</strong><br />

<strong>de</strong>screvê-la, <strong>para</strong> <strong>de</strong>finir diferenciais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. [...] permite que seja<br />

contabilizado um outro tipo <strong>de</strong> patrimônio, simbólico, que, a partir daí, po<strong>de</strong><br />

ser pensado como recurso passível <strong>de</strong> ser investido na obtenção <strong>de</strong> outros<br />

recursos.<br />

Foi nessa perspectiva que buscamos investigar a relação <strong>de</strong> nossos sujeitos<br />

pesquisados e <strong>de</strong> seus familiares e amigos com esse patrimônio simbólico representado<br />

pela cultura escolar e outros saberes capazes <strong>de</strong> funcionar como um recurso gerador <strong>de</strong><br />

novos recursos aos seus <strong>de</strong>tentores.<br />

O Capital Social é compreendido por Bourdieu como a extensão da re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

relações sociais estabelecidas pelos agentes que estão próximos, <strong>de</strong>vido à posse <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>s comuns e que po<strong>de</strong> ser mobilizada no sentido <strong>de</strong> proporcionar ganhos aos<br />

seus integrantes. O volume <strong>de</strong> Capital Social <strong>de</strong> um agente manteria relação com o volume<br />

<strong>de</strong> Capital Econômico e Cultural. Assim, procuramos também consi<strong>de</strong>rar em nossas<br />

análises a extensão e composição <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionamentos mantidas por esses<br />

<strong>jovens</strong> e a influência <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> sobre a trajetória escolar <strong>de</strong>sses sujeitos.


41<br />

Buscamos pensar sobre as relações entre a origem social dos <strong>jovens</strong> e suas<br />

incursões nos processos <strong>de</strong> formação escolar, refletindo sobre os sentidos construídos por<br />

esses <strong>jovens</strong> acerca <strong>de</strong> suas experiências escolares, suas expectativas em relação à<br />

formação profissional e ao futuro, levando em consi<strong>de</strong>ração a posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem<br />

social que eles ocupam na estrutura <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong>sses capitais no contexto da<br />

socieda<strong>de</strong> capitalista brasileira. De acordo com LAHIRE (2004),<br />

[...] um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> disposições não está ligado às condições <strong>de</strong><br />

existência <strong>de</strong> classe, nem mesmo à tendência da trajetória. Algumas <strong>de</strong>las –<br />

e às vezes mesmo entre as mais fundamentais do ponto <strong>de</strong> vista do<br />

“temperamento” mais recorrente, dos traços <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> mais<br />

transferíveis e perceptíveis – são o produto <strong>de</strong> condições não específicas a<br />

meios sociais, no sentido <strong>de</strong> classes <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> existência. É o caso<br />

<strong>de</strong> todas as disposições incorporadas pela criança <strong>de</strong>vido à posição que<br />

ocupa na cofiguração familiar [...] Mas muitas outras disposições também<br />

são observadas em todos os meios sociais: é o caso, entre outros, das<br />

disposições ascéticas ou hedonistas presentes em uma gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> condições sociais. (p. 324).<br />

Para o autor, nem todas as disposições estão, necessariamente, associadas às<br />

condições econômicas e sociais vividas, uma vez que as outras posições assumidas por<br />

esses sujeitos no interior dos coletivos em que se inserem, como a família, os grupos<br />

culturais, religiosos ou esportivos, por exemplo, po<strong>de</strong>m levá-los a <strong>de</strong>senvolver disposições<br />

específicas a essas posições, que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do meio social no qual nasceram e tiveram<br />

suas primeiras experiências <strong>de</strong> socialização. Lahire amplia o horizonte <strong>de</strong> compreensão<br />

acerca da noção <strong>de</strong> disposições trabalhada por Bourdieu. Lahire percebe os sujeitos como<br />

seres plurais, dotados <strong>de</strong> um patrimônio <strong>de</strong> disposições que po<strong>de</strong>m ser ativadas,<br />

<strong>de</strong>sativadas ou transferidas entre os diversos contextos <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Neste Capítulo discutimos sobre aquelas disposições atuais apresentadas pelos<br />

<strong>jovens</strong> pesquisados, que possam estar mais associadas às condições econômicas, culturais<br />

e sociais e que mantenham relação com o campo escolar e com o campo do trabalho. O<br />

mundo social não constitui uma instância se<strong>para</strong>da ou <strong>de</strong>svinculada da vida dos sujeitos,<br />

pois se encontra tanto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les, naquilo que incorporam em suas experiências<br />

cotidianas, quanto fora <strong>de</strong>les como uma realida<strong>de</strong> empírica. Dessa forma, esse mundo<br />

social está presente no <strong>de</strong>lineamento dos contornos das disposições construídas pelos<br />

sujeitos no <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> suas trajetórias sociais.<br />

A extensão <strong>de</strong>sta pesquisa não permite aprofundamento dos aspectos<br />

relacionados às disposições incorporadas pelos pesquisados ao longo <strong>de</strong> suas trajetórias <strong>de</strong><br />

socialização vivenciadas no universo familiar. No entanto, parte-se da compreensão <strong>de</strong> que<br />

tais disposições construídas através <strong>de</strong>ssas experiências familiares influenciam as posições<br />

assumidas por esses <strong>jovens</strong> na construção <strong>de</strong> seus sonhos e perspectivas na esfera da


42<br />

educação e do trabalho, pois a matriz <strong>de</strong> socialização familiar apresenta papel importante na<br />

constituição <strong>de</strong> disposições fortes, que po<strong>de</strong>m ser transferidas, posteriormente, <strong>para</strong> as<br />

diversas situações extrafamiliares enfrentadas pelos <strong>jovens</strong>.<br />

Na entrada <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> em novos espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, como a escola,<br />

organizações religiosas, políticas ou culturais, bem como nas relações estabelecidas no<br />

campo do trabalho e, ainda, nas vivências na rua, po<strong>de</strong> ocorrer uma reativação das<br />

disposições construídas no ambiente familiar, adaptadas ao novo contexto. Mas, também<br />

po<strong>de</strong> ocorrer a transformação <strong>de</strong> uma disposição, consi<strong>de</strong>rando as especificida<strong>de</strong>s dos<br />

diversos campos que esses sujeitos po<strong>de</strong>m passar a atuar. Uma disposição “po<strong>de</strong> ser<br />

inibida (estado <strong>de</strong> vigília) ou transformada (<strong>de</strong>vido a sucessivos reajustes congruentes)”<br />

(LAHIRE, 2004, p. 30), reajustes que po<strong>de</strong>m ser exigidos pelos novos contextos <strong>de</strong> vivência.<br />

3.1 Diferentes Motivações <strong>para</strong> a Inserção nas Turmas <strong>de</strong> Ensino Noturno <strong>de</strong><br />

EJA<br />

De acordo com as observações nos espaços escolares, questionários ou<br />

entrevistas realizadas com os estudantes <strong>de</strong> EJA do Mondubim e do Bonsucesso, a entrada<br />

<strong>para</strong> o ensino noturno apresentava-se associada à inserção em alguma ocupação geradora<br />

<strong>de</strong> renda. Entretanto, outras motivações também foram apontadas pelos <strong>jovens</strong>, como a<br />

negativa por parte das escolas em efetuarem matrícula no ensino diurno <strong>para</strong> estudantes<br />

em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série e ainda a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assumir as tarefas<br />

domésticas <strong>de</strong> casa ou o cuidado com os irmãos mais novos enquanto as mães<br />

trabalhavam. Quanto à inserção em turma <strong>de</strong> EJA, essa constituía a única possibilida<strong>de</strong><br />

oferecida no período noturno, uma vez que as escolas investigadas nos dois bairros não<br />

disponibilizavam matrículas <strong>para</strong> turmas do Ensino Fundamental regular no referido turno.<br />

Os sujeitos interlocutores <strong>de</strong>ste estudo, são <strong>jovens</strong> estudantes <strong>de</strong> escola pública,<br />

moradores <strong>de</strong> bairros periféricos da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Fortaleza e provenientes <strong>de</strong> famílias com<br />

acesso a baixos volumes <strong>de</strong> capital econômico. Essa condição <strong>de</strong> inserção em famílias <strong>de</strong><br />

limitado po<strong>de</strong>r aquisitivo po<strong>de</strong> favorecer o ingresso <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> em práticas <strong>de</strong><br />

trabalho que ferem as <strong>de</strong>terminações da Lei nº 8.069/1990 que instituiu o Estatuto da<br />

Criança e do Adolescente - ECA e que afirma em seu Art. 60 a proibição <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong><br />

trabalho a menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, salvo na condição <strong>de</strong> aprendiz a partir dos<br />

quatorze anos. Entre os <strong>jovens</strong> trabalhadores entrevistados das turmas <strong>de</strong> EJA, a maioria<br />

das situações i<strong>de</strong>ntificadas infringiam essas <strong>de</strong>terminações legais estabelecidas pelo ECA.<br />

Para muitos <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>, trabalhar, mesmo em condições em que a Lei não<br />

autoriza, po<strong>de</strong> constituir a única forma <strong>de</strong> acesso a uma renda mínima <strong>para</strong> contribuir com o


43<br />

seu sustento e da família, senão <strong>para</strong> garantir a posse <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados bens ou produtos<br />

necessários ou <strong>de</strong>sejados <strong>para</strong> os quais a família nem sempre possui capital econômico<br />

suficiente <strong>para</strong> lhes viabilizar o consumo.<br />

3.2 Os Jovens da Escola do Mondubim<br />

Na escola do Mondubim, percebemos a presença <strong>de</strong> muitos <strong>jovens</strong> entre 15 e 17<br />

anos integrando as turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos - EJA no período noturno em<br />

<strong>de</strong>corrência da inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho No entanto, foi observada também a<br />

existência <strong>de</strong> outras motivações <strong>para</strong> a matrícula <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> não trabalhadores nesse turno e<br />

em tal modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino: como a preferência pelo turno <strong>para</strong> ficarem com o dia livre e o<br />

fato <strong>de</strong> estarem em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, resultando na perda <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> na<br />

escolha do horário <strong>de</strong> estudo diurno, que é garantida <strong>para</strong> aqueles que se encontram na<br />

série oficialmente recomendada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>.<br />

Para a maioria <strong>de</strong>sses entrevistados, a transferência <strong>para</strong> o período noturno,<br />

além <strong>de</strong> estar associada à situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, estaria associada também à<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> disponibilizar as horas diurnas <strong>para</strong> o trabalho, passando também a serem<br />

responsabilizados pela complementação da renda familiar.<br />

Dentre os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ssa escola que respon<strong>de</strong>ram ao Questionário da pesquisa,<br />

23 (vinte e três) afirmaram ser trabalhadores e 10 (<strong>de</strong>z) estavam apenas estudando no<br />

período investigado. Entre os trabalhadores predominavam situações <strong>de</strong> trabalho informal,<br />

sem proteção social e com baixa remuneração quando com<strong>para</strong>da ao salário mínimo<br />

vigente no País. Apenas 3 (três) possuíam carteira profissional assinada. Predominou a<br />

inserção em ocupações sem exigência <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> como: lavadores <strong>de</strong> carro, auxiliares<br />

<strong>de</strong> pa<strong>de</strong>iro, auxiliar <strong>de</strong> ciclo peças, serralheiro, auxiliar <strong>de</strong> facção, costureiro (a), entregador<br />

<strong>de</strong> água <strong>de</strong> mercadinho do bairro, garçom, empregada doméstica e babá. Dois <strong>jovens</strong><br />

trabalhavam nos estabelecimentos comerciais <strong>de</strong> seus pais durante o dia: em um dos casos,<br />

o jovem trabalhava em uma churrascaria localizada na própria residência da família e no<br />

outro caso, em uma oficina mecânica em uma área central do município <strong>de</strong> Fortaleza.<br />

Em uma das questões do Questionário foi perguntado aos <strong>jovens</strong> trabalhadores<br />

se eles gostavam do tipo <strong>de</strong> trabalho que realizavam. Abaixo são apresentadas algumas das<br />

respostas emitidas por esses estudantes:<br />

Não, porque é ruim. A pessoa queima a vista. (Serralheiro/soldador, EJAV, 17<br />

anos).<br />

Sim, porque eu ganho <strong>de</strong> acordo com o trabalho. (Ajudante <strong>de</strong> caminhão, EJA V,<br />

17 anos).


44<br />

Sim, porque eu aprendo mais. (Auxiliar em Ciclo Peça, EJA IV, 15 anos).<br />

Sim, porque eu gosto <strong>de</strong> criança. (Empregada Doméstica/Babá, EJA IV, 16 anos).<br />

Não, porque é muito quente e outras coisas. (Garçom/Churrascaria, EJA V, 17<br />

anos).<br />

Não, porque é muito cansativo e a carga horária é muito alta. (Empregada<br />

Doméstica, EJA V, 15 anos).<br />

Sim. Adoro criança. Isso é <strong>de</strong> mim mesma. (Babá, EJA V, 16 anos).<br />

Sim, porque é uma arte. (“Ratanseiro” 31 , EJA IV, 16 anos).<br />

Po<strong>de</strong>mos observar que apenas parte dos estudantes, que respon<strong>de</strong>u a esse<br />

item do questionário, expressou insatisfação em relação às suas condições <strong>de</strong> trabalho,<br />

situações que representam uma infração ao Art.67 do ECA por parte daqueles que<br />

empregam esses <strong>jovens</strong>, consi<strong>de</strong>rando que o referido artigo afirma em seus incisos II e III<br />

ser vedado o emprego <strong>de</strong> adolescentes em trabalho perigoso, insalubre ou penoso e<br />

realizado em locais que possam prejudicar o <strong>de</strong>senvolvimento físico, psíquico, moral e social<br />

<strong>de</strong>sses adolescentes.<br />

Como se tratava <strong>de</strong> turmas <strong>de</strong> EJA, observamos ainda uma situação em que o<br />

patrão também era estudante na turma <strong>de</strong> seus funcionários menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Em algumas<br />

situações em que foram discutidos em sala <strong>de</strong> aula temas relacionados ao ECA, como o<br />

direito à profissionalização e à proteção no trabalho, foi possível verificar as brinca<strong>de</strong>iras<br />

lançadas pelos <strong>jovens</strong> a esse senhor, no sentido <strong>de</strong> alertá-lo sobre os direitos daqueles<br />

trabalhadores menores que não estariam sendo respeitados na pequena “fábrica” <strong>de</strong> sua<br />

proprieda<strong>de</strong>. Para esse senhor, a oferta <strong>de</strong> trabalho <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> da comunida<strong>de</strong>, ainda<br />

que fora das exigências legais, constituiria do seu ponto <strong>de</strong> vista uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lhes<br />

garantir renda e ocupação durante o tempo livre fora da escola.<br />

Mesmo conscientes da situação <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas condições <strong>de</strong> trabalho<br />

perante o ECA, como a ausência <strong>de</strong> garantia dos direitos trabalhistas e previ<strong>de</strong>nciários, bem<br />

como o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que não constituíam aprendizagem <strong>para</strong> formação<br />

técnico-profissional, como previsto na referida Lei e, ainda, realizados em ambientes<br />

prejudiciais à saú<strong>de</strong>, muitos <strong>jovens</strong> se submetem a essas condições <strong>para</strong> garantir algum<br />

salário.<br />

31 Trabalha na fabricação <strong>de</strong> móveis <strong>de</strong> Ratam.


45<br />

De acordo com uma li<strong>de</strong>rança comunitária do bairro, os <strong>jovens</strong> teriam<br />

consciência <strong>de</strong> seus direitos, mas aceitam as condições por conta da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

trabalho e sabem que se “for <strong>de</strong>nunciar, vai per<strong>de</strong>r o emprego”. Para a lí<strong>de</strong>r comunitária, a<br />

maioria dos estudantes da escola, que trabalha, precisa ajudar à mãe. Mas, afirmou também<br />

que há o <strong>de</strong>sejo entre esses <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> “comprar o tênis ou a calça <strong>de</strong> marca” que a família<br />

não tem condições <strong>de</strong> fornecer.<br />

Corti et al (2011), ao comentarem a situação dos <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos que<br />

ainda não se encontram matriculados no Ensino Médio afirmam que<br />

o apelo ao trabalho nessa ida<strong>de</strong> correlaciona-se diretamente com uma<br />

escolarida<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntada, em que a ocupação laboral permitiria acesso a uma<br />

renda <strong>de</strong>cisiva, em um momento em que o jovem busca uma autonomia<br />

financeira que lhe possibilite a realização <strong>de</strong> pequenos gastos, capazes <strong>de</strong><br />

lhe propiciar o acesso ao consumo e uma maior mobilida<strong>de</strong> exigida pelo<br />

trânsito social que a ida<strong>de</strong> lhe permite. Entre escola e trabalho, ganha o<br />

trabalho, ou melhor, ganha alguma ativida<strong>de</strong>, mesmo que precária, que lhe<br />

garanta o acesso a uma renda minimamente satisfatória. (p.41)<br />

De acordo com esses autores, a inserção em algum tipo <strong>de</strong> trabalho, mesmo<br />

sem proteção, constituiria <strong>para</strong> esses <strong>jovens</strong> uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso ao consumo,<br />

certa autonomia diante da família e reconhecimento que lhes favoreceria o trânsito social<br />

entre seus pares. Nessa primeira fase da pesquisa foi possível observar entre os estudantes<br />

investigados relatos sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro <strong>para</strong> o lazer do final <strong>de</strong> semana, bem<br />

como foi verificada entre eles a posse <strong>de</strong> aparelhos celulares <strong>de</strong> marcas e mo<strong>de</strong>los<br />

relativamente atualizados com as tendências do mercado.<br />

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT),<br />

la inserción temprana, especialmente entre las famílias <strong>de</strong> menores<br />

ingressos, es uno <strong>de</strong> lós mecanismos <strong>de</strong> perpetuación <strong>de</strong> la pobreza: um<br />

joven que inicia su trayectoria laboral permaturamente, es casi seguro que<br />

no há completato una educacion suficiente y portanto estará abocado a<br />

trabajar a cambio <strong>de</strong> uma escasa remuneración, em situación <strong>de</strong>svantajosa<br />

<strong>para</strong> progresar y <strong>para</strong> dar a sus hijos mejores oportunida<strong>de</strong>s que las que él<br />

tuvo. (OIT, 2010, p.10).<br />

Na perspectiva da OIT, a inserção dos <strong>jovens</strong> que ingressam no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho antes da conclusão <strong>de</strong> um ciclo básico <strong>de</strong> estudos é consi<strong>de</strong>rada uma inserção<br />

precoce ou prematura, como no caso dos <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos da escola observada<br />

que sequer concluíram o Ensino Fundamental. Esse ingresso prematuro no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho po<strong>de</strong> comprometer o processo <strong>de</strong> escolarização <strong>de</strong>sses sujeitos e levá-los à<br />

submissão a baixos salários e condições ina<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> trabalho,


46<br />

Segundo afirmações do Fundo das Nações Unidas <strong>para</strong> a Criança – UNICEF,<br />

“Praticamente um a cada três adolescentes brasileiros pertence ao quintil mais pobre da<br />

população brasileira (ou seja, os 20% mais pobres do País): 28,9% dos garotos e garotas<br />

entre 15 e 17 anos estão nesse grupo <strong>de</strong> renda” (UNICEF, 2011, p.29). A ausência <strong>de</strong> renda<br />

impele gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses garotos e garotas a se inserirem no tipo <strong>de</strong> trabalho que<br />

encontram e que os aceite <strong>de</strong>ntro das condições limitadas <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> que apresentam.<br />

Estabelece-se, portanto, uma relação <strong>de</strong> influência mútua entre capital econômico e capital<br />

cultural: se não dispõem <strong>de</strong> capital econômico, buscam uma ocupação que possa lhes<br />

garantir dinheiro e a escolarização 32 passa a ser colocada em segundo plano, diminuindo as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ampliação do volume <strong>de</strong> capital cultural que po<strong>de</strong>ria vir a constituir capital<br />

simbólico na luta pela ocupação <strong>de</strong> outras posições sociais e no mundo do trabalho.<br />

As observações em campo, no Mondubim, permitiram perceber que essas<br />

ativida<strong>de</strong>s laborativas <strong>de</strong>senvolvidas pelos <strong>jovens</strong>, muitas vezes, comprometiam a<br />

frequência <strong>de</strong>sses estudantes à escola, consi<strong>de</strong>rando que a ausência <strong>de</strong> um contrato formal<br />

<strong>de</strong> trabalho condicionava o horário <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> às exigências colocadas pelos<br />

patrões. Em alguns casos, as faltas à escola eram frequentes, bem como os atrasos <strong>para</strong> os<br />

horários <strong>de</strong> início das aulas e, geralmente, justificados como problemas relacionados a<br />

esses turnos <strong>de</strong> trabalho.<br />

A proximida<strong>de</strong> com a escola do Mondubim, na condição <strong>de</strong> professora da<br />

unida<strong>de</strong> escolar naquele momento, permitiu-nos também perceber que nem sempre as<br />

faltas à escola eram <strong>de</strong>correntes das longas jornadas <strong>de</strong> trabalho. Alguns <strong>jovens</strong> chagavam<br />

à unida<strong>de</strong> escolar no horário previsto <strong>para</strong> início das ativida<strong>de</strong>s pedagógicas, mas<br />

permaneciam no pátio externo conversando com outros colegas e <strong>de</strong>pois iam embora sem<br />

nenhuma justificativa. Outros chegavam a ir até a sala <strong>de</strong> aula <strong>para</strong> informar ao professor<br />

que não participariam das ativida<strong>de</strong>s naquele dia, sem uma exposição <strong>de</strong> motivos que<br />

pu<strong>de</strong>sse justificar sua ausência. Um pequeno número <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> fez menção à permanência<br />

na escola como uma imposição dos pais. Segundo esses <strong>jovens</strong>, se <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>les, já<br />

teriam abandonado as ativida<strong>de</strong>s escolares. Foi possível observar que esses <strong>jovens</strong><br />

estavam entre aqueles com maior incidência <strong>de</strong> faltas às aulas.<br />

32 Neste estudo procuramos afirmar a significação da escolarização como elemento importante no processo <strong>de</strong><br />

inserção social dos <strong>jovens</strong>. Entretanto, compreen<strong>de</strong>-se que a elevação da escolarida<strong>de</strong> não é garantia <strong>de</strong> acesso<br />

<strong>de</strong> todos ao emprego sob condições <strong>de</strong>sejáveis, consi<strong>de</strong>rando as questões que dizem respeito às formas <strong>de</strong><br />

organização e acumulação do capital no atual contexto brasileiro.


47<br />

Segundo informações <strong>de</strong> colegas e vizinhos, apresentadas nas conversas em<br />

sala <strong>de</strong> aula ou nos corredores da escola, alguns estudantes da turma faltavam às aulas<br />

<strong>para</strong> permanecerem mais tempo no campo <strong>de</strong> futebol da comunida<strong>de</strong> ou em jogos<br />

eletrônicos em lan house nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas residências. Esse fato põe em evidência<br />

que não só o trabalho <strong>de</strong>ve ser apontado como o principal responsável pelo afastamento<br />

dos <strong>jovens</strong> das ativida<strong>de</strong>s escolares.<br />

Nessa fase da pesquisa realizada no Mondubim, fase exploratória e pre<strong>para</strong>tória<br />

<strong>para</strong> esse processo investigativo, alguns aspectos das trajetórias sociais dos <strong>jovens</strong> não<br />

foram abordados através dos questionários, como: motivações apresentadas pelos próprios<br />

<strong>jovens</strong> <strong>para</strong> a inserção laboral; com que ida<strong>de</strong> começaram a trabalhar; as<br />

possibilida<strong>de</strong>s/impossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conciliação do tempo entre escola e trabalho; a re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

relações sociais <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>, <strong>de</strong>ntre outros aspectos que só foram pensados a partir<br />

<strong>de</strong>ssa aproximação inicial com os <strong>jovens</strong>, nessa fase exploratória, e que foram incluídos nos<br />

roteiros <strong>de</strong> entrevistas e grupos focais utilizados, posteriormente, com os sujeitos<br />

pesquisados nas outras duas escolas.<br />

3.3 Os Jovens da Escola do Bonsucesso<br />

A entrada <strong>para</strong> o mundo do trabalho é apontada pelos estudantes como uma das<br />

justificativas <strong>para</strong> a transferência <strong>de</strong> turno escolar, embora não apareça em suas narrativas<br />

como o único fator <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> a matrícula no ensino noturno. Entre os vinte <strong>jovens</strong><br />

pesquisados do Bonsucesso, 14 (catorze) já haviam vivenciado alguma experiência <strong>de</strong><br />

trabalho remunerado e 12 (doze) estavam trabalhando no período da pesquisa. De acordo<br />

com as informações fornecidas pelos entrevistados, nenhum dos 12 (doze) <strong>jovens</strong> que<br />

afirmaram estar trabalhando apresentava contrato formal <strong>de</strong> trabalho. A ida<strong>de</strong> do primeiro<br />

trabalho entre esses <strong>jovens</strong> variou dos 12 aos 16 anos, predominando a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 16 anos<br />

(05 casos).<br />

Comecei com doze anos olhando menino dos outros. Ganhava <strong>de</strong>z reais. (Garota<br />

<strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Comecei com 12 anos..... Eu ajudava a carregar peso, essas coisa assim <strong>de</strong> levar<br />

arroz, comida, assim....Eu tinha a maior dificulda<strong>de</strong>. ( Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Comecei com 13 anos como babá ... até meio dia. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Com catorze ... Foi nas casas dos outros aí ... Às vezes era arrumando a casa,<br />

essas coisas assim. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA III).<br />

Comecei com <strong>de</strong>zesseis .... como trocador <strong>de</strong> óleo <strong>de</strong> moto. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos,<br />

EJA V).<br />

Comecei com <strong>de</strong>zesseis ... pintura <strong>de</strong> casa, supermercado. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos,<br />

EJA IV).


48<br />

Já trabalhei viajando ... distribuidora <strong>de</strong> alimentos, padaria. Tinha <strong>de</strong>zesseis anos.<br />

(Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Como costureira ... Das sete e trinta às <strong>de</strong>zessete e trinta. Com <strong>de</strong>zesseis anos.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV)<br />

Com <strong>de</strong>zesseis anos ... Pintura <strong>de</strong> móveis, ajudante. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Entre as <strong>jovens</strong> que trabalhavam como empregadas domésticas ou babás, a<br />

inserção nessas ativida<strong>de</strong>s foi iniciada antes dos 16 anos, configurando situação <strong>de</strong><br />

“trabalho infantil” <strong>de</strong> acordo com o Plano Nacional <strong>de</strong> Prevenção e Erradicação do Trabalho<br />

Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador que consi<strong>de</strong>ra como “trabalho infantil” as<br />

[...] ativida<strong>de</strong>s econômicas e/ou ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência, com ou sem<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou<br />

adolescentes em ida<strong>de</strong> inferior a 16 (<strong>de</strong>zesseis) anos, ressalvada a<br />

condição <strong>de</strong> aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua<br />

condição ocupacional. (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2011,<br />

p.6).<br />

As outras ocupações citadas pelos estudantes trabalhadores foram: servente <strong>de</strong><br />

pedreiro, auxiliar <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ireira e costureiro, ocupação referida por 06 (seis) dos doze <strong>jovens</strong><br />

que se encontravam trabalhando no período da pesquisa, remetendo à afirmação <strong>de</strong> um dos<br />

garotos durante os grupos focais: “Todo mundo que eu pergunto trabalha em confecção”<br />

(Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA, Grupo Focal).<br />

Todos os participantes <strong>de</strong>sse grupo focal apresentavam a experiência <strong>de</strong> ter<br />

trabalhado em confecções do bairro. No período da pesquisa, três <strong>de</strong>les ainda continuavam<br />

prestando serviços a alguma <strong>de</strong>ssas confecções. Sobre o trabalho nessas empresas, os<br />

<strong>jovens</strong> afirmaram:<br />

Trabalho em negócio <strong>de</strong> confecção .... Trabalho das sete às <strong>de</strong>zessete .... Sou<br />

auxiliar <strong>de</strong> ... não sei o que lá... Aparo costura . O curso aqui pra confecção ...<br />

você vai dois dias pra apren<strong>de</strong>r, pronto ... no terceiro, já tá formado. (Garoto <strong>de</strong> 17<br />

anos, EJA V, Grupo Focal).<br />

De auxiliar <strong>de</strong> costureira ... <strong>de</strong> 07:30 às 17:30 e sábado até meio dia... Almoço em<br />

casa. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Me chamaram, já. Eu tenho uns amigos que têm confecção ... Aí, ele me chamou<br />

pra trabalhar lá ... pra mim apren<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>pois trabalhar pra ele. (Garoto <strong>de</strong> 17<br />

anos, EJA V, Grupo Focal).<br />

Eu trabalho... só que não po<strong>de</strong> assinar a carteira, porque eu sou <strong>de</strong> menor,<br />

né?(Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Esse último jovem afirmou trabalhar dois dias por semana em uma confecção, às<br />

sextas e aos sábados. O pai não concordaria com o fato do patrão do filho não assinar sua<br />

carteira e já teria ido a essa confecção reclamar <strong>de</strong>ssa situação. De acordo com o jovem, ir<br />

trabalhar somente às sextas e aos sábados seria uma forma do pai, que é se<strong>para</strong>do <strong>de</strong> sua<br />

mãe, não perceber que ele continuava trabalhando. As expressões e falas do jovem


49<br />

<strong>de</strong>monstraram indignação diante do fato do pai não lhe dar nenhuma ajuda e ainda interferir<br />

na possibilida<strong>de</strong> que ele dispunha, naquele momento, <strong>de</strong> ganhar algum dinheiro trabalhando<br />

na confecção.<br />

Eu trabalho dois dia ... só dois dia... sexta e sábado, por causa que meu pai não<br />

<strong>de</strong>ixa eu trabalhar ... porque ele, né... se<strong>para</strong>do da minha mãe ... Ele bota o maior<br />

queixo. Aí, eu trabalho só dois dias... Oh, ele não me dá nada! Aí, ... se<strong>para</strong>do da<br />

minha mãe ... num me dá nada! Nem falar com ele, eu num falo... Ele botou<br />

queixo com o cara lá ... Só eu completar <strong>de</strong>zoito anos, eu volto pra lá ... (Garoto<br />

<strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

De acordo com os relatos <strong>de</strong>sse mesmo jovem, o patrão teria afirmado: “Ei,<br />

quando tu tiver <strong>de</strong>zoito anos, eu assino a tua carteira”. As <strong>de</strong>terminações legais <strong>de</strong> proteção<br />

ao trabalho <strong>para</strong> os menores <strong>de</strong> 18 anos parece não preocupar patrões e <strong>jovens</strong><br />

trabalhadores do Bonsucesso. A inserção <strong>de</strong> menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito anos em ativida<strong>de</strong>s<br />

laborativas, sem nenhuma proteção legal, parece constituir uma prática no bairro<br />

naturalizada entre os entrevistados.<br />

3.3.1 Trabalhar <strong>para</strong> comprar as minhas coisas<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> tentar estabelecer relações entre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar<br />

e a opção pelo ensino noturno, foi abordado com os estudantes se eles po<strong>de</strong>riam<br />

permanecer estudando sem trabalhar. Uma jovem não trabalhadora afirmou que estudando<br />

no período noturno ficaria mais fácil <strong>para</strong> conseguir emprego. Por esse motivo, realizou sua<br />

matrícula nesse período <strong>para</strong> ficar com tempo disponível <strong>para</strong> as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho,<br />

pois caso conseguisse emprego, não teria problemas com a escola.<br />

Outros três <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ram indicações <strong>de</strong> que não seria uma necessida<strong>de</strong> urgente<br />

inserir-se no mercado <strong>de</strong> trabalho: “Nunca precisei trabalhar não. Tudo que eu quero minha<br />

mãe me dá. Tanto que eu perdi meu celular que me roubaram. Ela vai me dar outro”. (EJA<br />

IV, 16 anos). Esse <strong>de</strong>poimento é <strong>de</strong> uma das <strong>jovens</strong> que assume as tarefas domésticas e a<br />

responsabilida<strong>de</strong> com o irmão mais novo enquanto a mãe trabalha. Ao ser indagada se não<br />

preferia estudar no período diurno, afirmou: “Não, porque <strong>de</strong> manhã eu faço as coisas na<br />

casa da minha mãe, que minha mãe trabalha, e <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> tem meu irmão pra mim vim <strong>de</strong>ixar<br />

no colégio”. (EJA IV, 16 anos).<br />

Para Corti et al (2011), os afazeres domésticos representam um fator <strong>de</strong> indução<br />

familiar dos filhos ao abandono escolar. A falta <strong>de</strong> dinheiro <strong>para</strong> manter os filhos na escola<br />

não representaria o único elemento <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> o gradativo abandono da escola, pois<br />

a responsabilização das filhas, na maioria das vezes, pelo trabalho doméstico do lar, po<strong>de</strong><br />

também favorecer o afastamento das <strong>jovens</strong> das ativida<strong>de</strong>s pedagógicas da escola. Se não


50<br />

abandonam a escola, são transferidas <strong>para</strong> o período noturno, ficando com maior<br />

disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo <strong>para</strong> cuidarem da casa e dos irmãos mais novos.<br />

Ainda que o trabalho fora <strong>de</strong> casa não constitua uma obrigação <strong>para</strong> alguns<br />

<strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>, a responsabilida<strong>de</strong> com as tarefas domésticas do lar e o cuidado com os<br />

irmãos menores passam a ser transferidas <strong>para</strong> alguns <strong>de</strong>les quando as mães são<br />

trabalhadoras e essa situação parece ser naturalizada por esses estudantes. Nenhum <strong>de</strong>les,<br />

nessa escola, expressou insatisfação com as responsabilida<strong>de</strong>s assumidas em casa.<br />

Nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> alguns <strong>jovens</strong> que <strong>de</strong>clararam ser trabalhadores, o trabalho<br />

é apresentado como uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ganhar dinheiro <strong>para</strong> comprar os bens que<br />

<strong>de</strong>sejam e que a família não teria condições financeiras <strong>para</strong> custear, ou como uma<br />

alternativa <strong>para</strong> não pedirem dinheiro aos pais, como po<strong>de</strong>mos observar através <strong>de</strong>ssas<br />

narrativas:<br />

Não, é porque eu quero mesmo... tem muitos irmãos ... Aí, eu quero comprar<br />

minhas coisas.... (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V)<br />

Eu tenho que trabalhar né, porque eu tenho que comprar minhas coisas ..... A<br />

minha mãe diz que quer ver eu no ensino médio... Aí, ela diz: É preciso trabalhar<br />

né ... minha filha? .... Ajudar a ela, né? Porque o dinheiro que eu pego, eu dou<br />

todinho pra ela ... eu preciso comprar minhas coisas, né? Meu pai ...? (Garota <strong>de</strong><br />

16 anos, EJA III).<br />

Se eu não trabalhasse, eu não ia ter as coisas que eu quero. (Garota <strong>de</strong> 17 anos,<br />

EJA V)<br />

Porque quero comprar as minhas coisas. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V)<br />

O cara fica liso... pagar merenda pas coma<strong>de</strong>, como é que po<strong>de</strong>?.... Aqui e acolá<br />

(o pai) dá quando pe<strong>de</strong>... Aí, ter que ficar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, né? .... Passou o tempo <strong>de</strong><br />

negócio <strong>de</strong> esperar da mamãe e <strong>de</strong> pai... Tem que trabalhar mesmo... Ser<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte logo cedo. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V, Grupo Focal).<br />

Meu pai me dá dinheiro, só que eu não gosto <strong>de</strong> ficar pedindo, não. (Garoto <strong>de</strong> 17<br />

anos, EJA V, Grupo Focal).<br />

De acordo com Corti et al (2011),<br />

O uso do dinheiro que se ganha com o trabalho <strong>de</strong>monstra, entretanto, que<br />

a necessida<strong>de</strong> não é apenas uma pressão da família por uma maior renda.<br />

Assim, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r o papel da in<strong>de</strong>pendência que o dinheiro confere<br />

ao jovem, pois, enquanto na faixa etária <strong>de</strong> 15 a 17 anos, 33% dos homens<br />

e 35 % das mulheres usam o dinheiro só <strong>para</strong> si, 59% dos homens e 57%<br />

das mulheres o divi<strong>de</strong>m e apenas 4% dos homens e 5% das mulheres<br />

entregam <strong>para</strong> a família tudo o que ganham. Ou seja, o dinheiro, mesmo<br />

quando serve <strong>para</strong> ajudar a família, confere autonomia ao jovem <strong>para</strong><br />

transitar, em seu tempo livre, no mundo da cultura juvenil. (p.45).<br />

Para esses autores, o fato <strong>de</strong> que apenas um pequeno percentual do dinheiro<br />

ganho pelos <strong>jovens</strong> trabalhadores venha a ser totalmente apropriado pela família<br />

<strong>de</strong>monstraria que a inserção <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> no mercado <strong>de</strong> trabalho não seria,


51<br />

necessariamente, uma imposição das famílias como condição <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> subsistência<br />

<strong>de</strong> seus membros. Além <strong>de</strong> constituir uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuir com a renda familiar, o<br />

dinheiro ganho com o trabalho permitiria a esses <strong>jovens</strong> trabalhadores alcançar maior<br />

autonomia diante da família e do próprio universo e cultura juvenil. A renda obtida com o<br />

próprio trabalho abriria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a <strong>de</strong>terminados bens circulantes e<br />

<strong>de</strong>sejados pelos <strong>jovens</strong>, conferindo-lhes afirmação e reconhecimento diante <strong>de</strong> seus pares.<br />

Mas, há situações em que a inserção dos <strong>jovens</strong> em ocupações geradoras <strong>de</strong><br />

renda aparece como uma necessida<strong>de</strong> <strong>para</strong> a garantia da manutenção básica <strong>de</strong><br />

sobrevivência da família e não, apenas, como um meio <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> autonomia diante<br />

da família:<br />

Mas, eu trabalho até <strong>de</strong> noite, até seis horas. Cuido <strong>de</strong> duas meninas e ganho só<br />

cento e cinquenta... por mês! ... Pra cuidar <strong>de</strong> duas meninas! ... E é muito pouco,<br />

pouco mesmo... Porque é o jeito, né? Tem que trabalhar né? ... Porque... sabe,<br />

minha mãe .... trabalha .... sofrendo.... tem menino pequeno em casa, né? .....Tem<br />

que trabalhar <strong>para</strong> ajudar a sustentar a casa, né? .... Queria, assim, que eu<br />

pu<strong>de</strong>sse, sei lá, mudar a minha vida, mas .... não sei nem o que falar ... (Garota<br />

<strong>de</strong> 16 anos, EJA III).<br />

Os relatos da jovem indicam que trabalhar é uma urgência, constitui uma<br />

condição <strong>para</strong> ajudar no sustento dos irmãos. Ela ainda <strong>de</strong>staca a insatisfação quanto à<br />

remuneração recebida, consi<strong>de</strong>rando a jornada <strong>de</strong> trabalho e o número <strong>de</strong> crianças das<br />

quais precisa cuidar, mas enfatiza a insatisfação também em relação à sua situação <strong>de</strong> vida<br />

ao mencionar o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> querer mudá-la.<br />

Assim, as motivações <strong>para</strong> a entrada e permanência no mundo do trabalho por<br />

parte <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> encontram-se intrinsecamente associadas às especificida<strong>de</strong>s dos<br />

contextos familiares experimentados por cada um <strong>de</strong>les. Ainda que trabalhar represente<br />

<strong>para</strong> alguns <strong>de</strong>sses estudantes apenas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprar “suas coisas”, e não a<br />

obrigação <strong>de</strong> “ajudar a sustentar a casa”, nos dois casos há indicação <strong>de</strong> que as famílias<br />

não estariam em condições <strong>de</strong> suprir <strong>de</strong>terminadas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mandadas por esses<br />

sujeitos, o que os levaria a buscar através do trabalho uma renda capaz <strong>de</strong> suprir tais<br />

necessida<strong>de</strong>s.<br />

Entre os pesquisados do Bonsucesso, cerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> dos <strong>jovens</strong> afirmou ser<br />

beneficiária do Programa Bolsa Família 33 , o que não significa que a outra meta<strong>de</strong> não<br />

33 “O Programa Bolsa Família (PBF) apresenta-se como um programa <strong>de</strong> transferência direta <strong>de</strong> renda<br />

direcionado a famílias consi<strong>de</strong>radas pelo Programa como em situação <strong>de</strong> pobreza e <strong>de</strong> extrema pobreza em todo<br />

o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco <strong>de</strong> atuação brasileiros<br />

com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais. A seleção das famílias <strong>para</strong> o PBF a partir das<br />

informações registradas pelo município no Cadastro Único <strong>para</strong> Programas Sociais do Governo Fe<strong>de</strong>ral,<br />

instrumento <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados que tem como objetivo i<strong>de</strong>ntificar todas as famílias <strong>de</strong> baixa renda existentes no<br />

Brasil. O Cadastro Único <strong>para</strong> Programas Sociais do Governo Fe<strong>de</strong>ral (Cadastro Único) apresenta-se como um


52<br />

apresente o perfil exigido <strong>para</strong> o atendimento nesse Programa. Segundo relatos <strong>de</strong> alguns<br />

entrevistados, <strong>de</strong>sligados do referido Programa, os responsáveis pela família não teriam<br />

procurado regularizar a situação dos filhos ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes junto ao Programa. Uma jovem<br />

afirmou que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a irmã “se mudou <strong>para</strong> São Paulo, não <strong>de</strong>u mais certo” (Garota <strong>de</strong><br />

16 anos, EJA V). Outra estudante afirmou: “O bolsa família da minha mãe foi cortada,<br />

porque nós paremos <strong>de</strong> estudar, aí cortou o bolsa família <strong>de</strong>la” (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Quando indagada por que a mãe não solicitou a reintegração dos filhos ao Programa, já que<br />

naquele momento estavam todos estudando, a jovem informou que a mãe não tinha tempo,<br />

pois trabalhava o dia todo, até mesmo aos domingos.<br />

Em 2008, o Governo Fe<strong>de</strong>ral implantou o Benefício Variável Jovem 34 que<br />

incorporou os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> 16 e 17 anos que não eram atendidos pelo Bolsa Família que<br />

limitava a ida<strong>de</strong> até 15 anos. O fato <strong>de</strong> participarem do Programa Bolsa Família dá<br />

indicações das condições <strong>de</strong> acesso <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> a baixos volumes <strong>de</strong> capital econômico,<br />

uma vez que a condição <strong>para</strong> a inserção nesse Programa é que a renda per capta da família<br />

seja inferior a R$ 70,00 (setenta reais) mensais.<br />

Em um dos relatos dos entrevistados, uma jovem comentou sobre a prática<br />

<strong>de</strong>senvolvida pelo irmão mais novo em relação aos recursos recebidos do Bolsa Família.<br />

Segundo a jovem, o irmão, que ainda não trabalha, utiliza a parte do dinheiro que a mãe lhe<br />

repassa <strong>para</strong> emprestar a juros a pessoas da comunida<strong>de</strong>, conseguindo, assim, aumentar<br />

sua renda mensal. A mesma entrevistada também relatou que antes <strong>de</strong> ser empregada<br />

doméstica vendia rifas no bairro. Do dinheiro arrecadado, ela repassava doze reais <strong>para</strong> o<br />

ganhador e ficava com o restante. Atualmente, não tem mais condições <strong>de</strong> continuar essa<br />

ativida<strong>de</strong>, pois não dispõe “<strong>de</strong> tempo <strong>para</strong> andar pelo bairro ven<strong>de</strong>ndo as rifas” (Garota <strong>de</strong><br />

16 anos, EJA IV).<br />

As ocupações dos pais, mães ou padrastos referidas pelos entrevistados foram:<br />

Auxiliar <strong>de</strong> limpeza, Dono <strong>de</strong> Bo<strong>de</strong>ga na própria residência, Pedreiro, Empregada<br />

doméstica, pintor, costureira, Pintor automotivo, Confeiteira, Aten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> loja <strong>de</strong> celular,<br />

predominando as ocupações <strong>de</strong> Empregada Doméstica, Costureira e Pintor. Em apenas três<br />

casos, foi afirmado que esses familiares possuíam carteira profissional assinada,<br />

predominando as situações sem vínculo formal <strong>de</strong> trabalho.<br />

instrumento <strong>para</strong> i<strong>de</strong>ntificação e caracterização das famílias <strong>de</strong> baixa renda que, na perspectiva <strong>de</strong>sse Programa,<br />

são aquelas que com renda mensal <strong>de</strong> até meio salário mínimo por pessoa ou renda mensal total <strong>de</strong> até três<br />

salários mínimos. (Fonte: www.mds.gov.br. Pesquisa realizada em 10/12/2012).<br />

34 O Benefício Variável Jovem - BVJ é uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> benefício variável do Programa Bolsa Família<br />

vinculada aos <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> 16 e 17 anos. Criado em 2008, esse benefício apresenta como objetivo principal<br />

contribuir <strong>para</strong> a permanência na escola dos <strong>jovens</strong> do programa bolsa família que completarem 16 anos. (Fonte:<br />

www.mds.gov.br. Pesquisa realizada em 11/12/2012).


53<br />

Os entrevistados não <strong>de</strong>ram informações muito precisas sobre os rendimentos<br />

familiares. Entretanto, pelos dados levantados, essas famílias apresentam renda mensal<br />

total inferior a três salários mínimos. Desse modo, mesmo os que afirmaram não participar<br />

do Bolsa Família po<strong>de</strong>riam ser classificados como <strong>de</strong> baixa renda se tomarmos como<br />

referência os critérios utilizados pelo Cadastro Único <strong>para</strong> os Programas Sociais do Governo<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que inclui nessa categoria as famílias que apresentam renda mensal per capta até<br />

meio salário mínimo ou renda mensal total <strong>de</strong> até três salários mínimos.<br />

3.4 Condições <strong>de</strong> acesso à Cultura Escolar entre <strong>jovens</strong> e familiares<br />

As narrativas dos nossos entrevistados ao comentarem sobre suas ocupações e<br />

condições sob as quais se encontram inseridos no mundo do trabalho, <strong>de</strong>senvolvendo<br />

tarefas como babás, empregadas domésticas, serventes <strong>de</strong> pedreiro ou costureiros<br />

permitem-nos perceber que tais práticas <strong>de</strong> trabalho não corroboram <strong>para</strong> seus processos<br />

<strong>de</strong> formação técnico profissional 35 <strong>de</strong>ntro do que preconiza o ECA e o Decreto da<br />

Presidência da República <strong>de</strong> nº 5.598 <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2005, que regulamenta a<br />

contratação <strong>de</strong> aprendizes, única condição legalmente autorizada <strong>para</strong> a inserção dos<br />

<strong>jovens</strong> menores <strong>de</strong> 16 anos no mundo do trabalho.<br />

O tempo disponibilizado <strong>para</strong> essas ativida<strong>de</strong>s laborais po<strong>de</strong> representar um<br />

tempo que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser investido no processo <strong>de</strong> aquisição da cultura escolar, cultura<br />

socialmente valorizada e que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do contexto, po<strong>de</strong> conferir po<strong>de</strong>r àqueles que a<br />

dominam ao possibilitar o ingresso em outras posições no campo do trabalho.<br />

Como já discutimos na Introdução <strong>de</strong>ste estudo, Bourdieu utiliza a noção <strong>de</strong><br />

Capital Cultural <strong>para</strong> se referir aos tipos <strong>de</strong> saberes consi<strong>de</strong>rados legítimos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado universo social. Desse modo, não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ramos os saberes que cada um<br />

<strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> possam trazer <strong>de</strong> suas experiências cotidianas. Mas, procuramos <strong>de</strong>stacar<br />

que há certos conhecimentos próprios dos conteúdos representados pela cultura escolar<br />

que são exigidos <strong>para</strong> a inserção em <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s profissionais, bem como nas<br />

próprias relações sociais entre grupos.<br />

Para Bourdieu, tais conhecimentos seriam arbitrários, uma vez que não haveria<br />

uma hierarquização natural entre eles, mas a construção <strong>de</strong> uma hierarquia entre saberes<br />

35 De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, “A formação técnico profissional <strong>de</strong>ve ser<br />

constituída por ativida<strong>de</strong>s teóricas e práticas, organizadas em tarefas <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> progressiva, em<br />

programa correlato às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas nas empresas contratantes, proporcionando ao aprendiz uma<br />

formação profissional básica”. (MTE, 2011, p.12)


54<br />

orquestrada pelo grupo social dominante que procura impor sua cultura particular aos<br />

<strong>de</strong>mais grupos sociais que passam a tomá-la como universal. Segundo o autor, “[...] todos<br />

os valores universais são, <strong>de</strong> fato, valores particulares universalizados, portanto, sujeitos à<br />

suspeição (a cultura universal é a cultura dos dominantes, etc.)”. (BOURDIEU, 2011, p.<br />

155).<br />

Há críticas a esse posicionamento <strong>de</strong> Bourdieu quanto ao reconhecimento social<br />

do valor <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados conhecimentos apenas pelo fato <strong>de</strong> pertencerem aos grupos<br />

dominantes. Segundo Nogueira & Nogueira (2004),<br />

O fato <strong>de</strong> que os grupos socialmente dominantes dominem os conteúdos<br />

valorizados pelo currículo não seria suficiente <strong>para</strong> se afirmar, <strong>de</strong> uma forma<br />

generalizada, que esses conteúdos foram selecionados por pertencerem a<br />

esses grupos. Na verda<strong>de</strong>, o raciocínio po<strong>de</strong>ria ser até o inverso. Por serem<br />

reconhecidos como superiores (por suas qualida<strong>de</strong>s intrínsecas|), esses<br />

conteúdos passaram a ser socialmente valorizados e foram apropriados<br />

pelas camadas dominantes. (NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2004, p. 115).<br />

De qualquer modo, arbitrários ou não, enten<strong>de</strong>mos que <strong>de</strong>terminados<br />

conhecimentos, como aqueles que po<strong>de</strong>m ser viabilizados pela escola, são socialmente<br />

valorizados e exigidos <strong>para</strong> a inserção social dos <strong>jovens</strong> e po<strong>de</strong>rão conferir vantagens a<br />

esses sujeitos em seus percursos sociais.<br />

Segundo Bourdieu (2011), a cultura escolar constitui um tipo <strong>de</strong> capital cultural<br />

incorporado e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> inculcação e <strong>de</strong> assimilação, uma vez que<br />

exige investimento <strong>de</strong> tempo por parte “do “sujeito” sobre si mesmo”, tempo que muitos<br />

<strong>jovens</strong> que já ingressaram no mundo do trabalho não mais dispõem, seja nos momentos<br />

fora da escola, porque esse tempo já é consumido pelo trabalho, seja na própria escola,<br />

quando matriculados no período noturno que apresenta uma carga horária <strong>de</strong> estudos<br />

inferior àquela do período diurno.<br />

Esse capital “pessoal” não po<strong>de</strong> ser transmitido instantaneamente<br />

(diferentemente do dinheiro, do título <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> ou mesmo do título <strong>de</strong><br />

nobreza) por doação ou transmissão hereditária, por compra ou troca [...]<br />

Não po<strong>de</strong> ser acumulado <strong>para</strong> além das capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> um<br />

agente singular; <strong>de</strong>paupera e morre com seu portador (com suas<br />

capacida<strong>de</strong>s biológicas, sua memória, etc). (BOURDIEU, 2011, p. 75).<br />

A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo livre a ser utilizado no processo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> capital<br />

cultural influencia no volume a ser incorporado, o que significa que, aqueles com maior<br />

disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo <strong>para</strong> o investimento nesse processo po<strong>de</strong>rão alcançar volumes<br />

mais elevados <strong>de</strong>sse capital. No caso dos sujeitos entrevistados no Mondubim e<br />

Bonsucesso, há menor disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> liberação <strong>de</strong> tempo livre <strong>para</strong> o investimento<br />

escolar entre aqueles que são estudantes trabalhadores, reduzindo as chances <strong>de</strong><br />

ampliação <strong>de</strong> capital cultural incorporado.


55<br />

No processo <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> capital, o volume apresentado pela<br />

família po<strong>de</strong> interferir na precocida<strong>de</strong> com a qual o indivíduo inicia o processo <strong>de</strong><br />

incorporação. Os filhos <strong>de</strong> famílias dotadas <strong>de</strong> forte capital cultural são favorecidos, uma vez<br />

que iniciam esse processo <strong>de</strong> incorporação logo nos primeiros momentos <strong>de</strong> socialização<br />

quando crianças. Ao contrário, os filhos <strong>de</strong> famílias que apresentam baixo volume <strong>de</strong>sse tipo<br />

<strong>de</strong> capital, sem reserva acumulada <strong>de</strong> capital cultural incorporado através das experiências<br />

familiares, só terão oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliá-lo a partir do ingresso em outros universos <strong>de</strong><br />

socialização como a escola, as organizações religiosas e culturais, <strong>de</strong>ntre outras instâncias<br />

socializadoras que possam vir a ter acesso.<br />

Partindo da compreensão <strong>de</strong> que a escolarida<strong>de</strong> constitui um tipo <strong>de</strong> capital<br />

cultural socialmente valorizado, po<strong>de</strong>mos afirmar que na escola do Mondubim foi verificado<br />

que predominavam baixos volumes <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> capital cultural entre os pais dos <strong>jovens</strong><br />

pesquisados. A maioria <strong>de</strong>sses pais havia concluído o 4º ou 5º ano do Ensino Fundamental,<br />

tendo sido citadas situações <strong>de</strong> pais analfabetos ou com nível médio incompleto, neste<br />

caso, com pequena expressivida<strong>de</strong>. Esses dados indicam que a maioria dos pais possui<br />

escolarida<strong>de</strong> inferior àquela alcançada pelos filhos. No caso dos estudantes do Bonsucesso,<br />

a maioria dos pais dos entrevistados não chegou a concluir o Ensino Fundamental, tendo<br />

cursado até, no máximo, as séries correspon<strong>de</strong>ntes ao 5º, 6º e 8º Anos. Foram citadas dois<br />

casos <strong>de</strong> pais não alfabetizados e <strong>de</strong> um pai que teria concluído o Ensino Médio.<br />

Nos roteiros das entrevistas realizadas na escola do Bonsucesso, além da<br />

escolarida<strong>de</strong> dos pais, foram introduzidas questões relacionadas à escolarida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>mais<br />

familiares e dos amigos dos pesquisados em relação ao Ensino Médio e ao Ensino Superior,<br />

bem como questões sobre familiares, amigos ou conhecidos da faixa-etária entre 15 e 17<br />

anos que já haviam abandonado a escola. A introdução <strong>de</strong>ssas novas questões às<br />

entrevistas objetivou ampliar o grau <strong>de</strong> informações acerca do volume <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> capital<br />

cultural em circulação no contexto <strong>de</strong> vivência dos entrevistados.<br />

As informações obtidas indicaram que entre os vinte <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>sse bairro que<br />

partici<strong>para</strong>m da pesquisa, havia onze casos <strong>de</strong> irmãos na faixa-etária recomendada <strong>para</strong> o<br />

Ensino Médio, bem como acima <strong>de</strong>ssa faixa, que já haviam abandonado a escola ou se<br />

encontravam inseridos também em turmas <strong>de</strong> EJA ou Projovem 36 na mesma escola. Foi<br />

36 O Projovem foi instituído pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral em 2005 e é direcionado aos <strong>jovens</strong> na faixa-etária entre 15 e<br />

29 anos, tendo como finalida<strong>de</strong> “[...] executar ações integradas <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> brasileiros, visando a elevação do<br />

grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e a conclusão do ensino fundamental; qualificação profissional voltada a estimular a<br />

inserção produtiva e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações comunitárias com práticas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>; exercício <strong>de</strong><br />

cidadania e intervenção na realida<strong>de</strong> local”l. (OIT, 2009, p.82).


56<br />

citado um caso <strong>de</strong> uma irmã <strong>de</strong> 25 anos não alfabetizada. Foram citados cinco casos <strong>de</strong><br />

irmãos que já haviam concluído o Ensino Médio ou estavam cursando essa etapa <strong>de</strong> ensino.<br />

Um relato sobre abandono escolar apresentado por um dos <strong>jovens</strong> referiu-se à situação do<br />

irmão mais velho (atualmente com 19 anos), que apresentava problemas na coluna vertebral<br />

e sofria com as brinca<strong>de</strong>iras dos colegas na escola, o que o teria levado a abandonar os<br />

estudos. Outras duas entrevistadas fizeram referência à situação <strong>de</strong> irmãos mais velhos que<br />

não estudavam, pois estariam presos.<br />

Em relação a possuir em sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações amigos ou primos que se<br />

encontravam cursando o Ensino Médio, quatro entrevistados afirmaram não conhecer<br />

pessoas que estivessem cursando essa etapa da Educação Básica. Um dos <strong>jovens</strong> afirmou<br />

no Grupo Focal: “Eu tenho três amigos que já tão fazendo o Ensino Médio .... E a gente que<br />

<strong>de</strong>via ter vergonha ... “. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV, Grupo focal). O jovem parece<br />

convencido <strong>de</strong> que ele e seus colegas <strong>de</strong> EJA tiveram total responsabilida<strong>de</strong> sobre a<br />

escolha <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>stino, o qual a necessida<strong>de</strong> social po<strong>de</strong> ter-lhes antecipadamente<br />

assinalado. (BOURDIEU, 2010).<br />

Perguntamos a esses <strong>jovens</strong> sobre a existência <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> familiares ou<br />

colegas que haviam abandonado a escola e alguns <strong>de</strong>les afirmaram:<br />

Ah, eles só quer curtir, num quer nada... Eu chamei, mas ele foi preso ... (risos)<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).<br />

Ah, num quer nada na vida.... Passa o dia no meio da rua ... (Garota <strong>de</strong> 16 anos,<br />

EJA IV, Grupo Focal).<br />

Eu tenho um amigo que ele abandonou a escola porque ele disse que a<br />

professora não sabia ensinar ... a professora, ele dizia que era o problema.....Mas,<br />

o problema é do aluno que não quer estudar direito, não presta bem atenção nas<br />

aulas... Agora tá estudando ... Ele voltou.(Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV, Grupo<br />

focal).<br />

Tenho primos que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> estudar, ... uns <strong>para</strong>ram na 4ª série, na 2ª... A<br />

minha tia, eu não entendo a minha tia, não. Porque o pai <strong>de</strong>les era vagabundo. Aí<br />

ele morreu, queriam entrar na vida como meu tio... Taí, eles tão sofrendo. Tem um<br />

que tem 17 anos.... É o que tá no 2º ano. Meu primo mais velho é ... o mais<br />

comportado ...Ele tá estudando, já tá fazendo o segundo grau. (Jovem <strong>de</strong> 17 anos,<br />

EJA IV).<br />

Desistiram .... porque não queriam nada com a vida. Vinham e ficavam frescando<br />

na aula. Aí, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sistiram <strong>de</strong> vir. (Jovem <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).<br />

Eu conheço, um amigo meu. Ele não estuda por causa que ele se envolveu nas<br />

drogas muito cedo. Ele com oito anos começou a fumar drogas, e hoje em dia ele<br />

tem quinze anos e fuma pedra ... Não, nunca estudou não... Vinha pro colégio,<br />

gazeava. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA V).<br />

Meu irmão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeno que ele fuma droga e não se interessa <strong>de</strong> estudar...<br />

Meu irmão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeno que ele quis ser vagabundo ... nunca quis vim pro


57<br />

colégio... Tem <strong>de</strong>zessete anos. Veve mais preso do que solto. ... Ele tá no<br />

Patativa... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA V).<br />

Meu irmão mais velho ... Abandonou, já .... Não quis nada na vida... Trabalha <strong>de</strong><br />

costureiro ... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA III).<br />

É a responsabilização total do indivíduo sobre seu <strong>de</strong>stino que predomina nas<br />

narrativas da maioria dos entrevistados ao procurar explicar o abandono escolar por parte<br />

<strong>de</strong> seus familiares e conhecidos. Mas, o relato <strong>de</strong> outra jovem sugere uma reflexão sobre o<br />

papel <strong>de</strong>sempenhado pela escola junto aos estudantes no processo <strong>de</strong> aquisição das<br />

competências básicas que se espera que essa instituição os aju<strong>de</strong> a <strong>de</strong>senvolver:<br />

[...] a minha vonta<strong>de</strong> é <strong>de</strong> ler muito, mas eu não ... (choro). Ninguém me ensina....<br />

Não sei o que eu tenho que... não sei o que tem na minha cabeça que eu leio uma<br />

coisa aqui, ai eu esqueço as outras coisas ... Eu leio aqui uma palavra... Aí, daqui<br />

a pouco eu não sei aquela palavra, não segura <strong>de</strong>ntro da minha cabeça... Não sei<br />

o que é isso, não sei porque que eu sou assim ... Às vezes eu sinto vergonha... Eu<br />

não sei ler... direito ... Aí, passar uma vergonha, né? Aí, eu prefiro ficar calada... A<br />

professora mandou eu assinar meu nome... Eu não sei direito, não sei. Aí, eu, ah,<br />

meu Deus... Vou ser burra pra sempre na vida. Porque se for continuar do jeito<br />

que eu tô aqui no colégio, venho, faço as tarefas e tal. Faço a tarefa, mas eu não<br />

sei. Eu faço... a tia manda eu fazer coisa na lousa, eu não sei ler ainda, não tem<br />

condições. Ô, tia, como é isso? Ela não explica, enten<strong>de</strong>u? Faça a prova... Eu não<br />

sei ler, como é que eu vou fazer minha prova que eu não sei?... Fica ruim pra mim,<br />

por isso que, às vezes, eu fico perto do meu irmão .... Aí, ele me ensina. Minha<br />

mãe fala assim, isso é uma vergonha pra ti, né? Porque tuas primas tudinha é<br />

formada... Assim, essas coisas e... Eu não sei escrever, né? (Garota <strong>de</strong> 16 anos,<br />

EJA III).<br />

O <strong>de</strong>poimento da jovem po<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que a permanência na escola não lhe<br />

tem garantido o acesso a um tipo <strong>de</strong> conhecimento básico: o domínio das habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

leitura e escrita. A afirmação <strong>de</strong> que prefere ficar calada por não saber ler nos remete à<br />

reflexão <strong>de</strong> Bourdieu <strong>de</strong> que “Os locutores <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> competência legítima se<br />

encontram <strong>de</strong> fato excluídos dos universos sociais on<strong>de</strong> ela é exigida, ou então, se veem<br />

con<strong>de</strong>nados ao silêncio.” (BOURDIEU, 1996, p.42). Um silêncio que po<strong>de</strong> representar o<br />

gradativo distanciamento ou abandono <strong>de</strong> espaços sociais em que a condição <strong>de</strong> não saber<br />

ler e escrever po<strong>de</strong> causar constrangimentos, como a própria escola, lugar <strong>de</strong> aprendizagem<br />

<strong>de</strong>ssas competências, particularmente <strong>para</strong> aqueles cujas famílias não são portadoras da<br />

cultura socialmente consagrada como legítima.<br />

A jovem ainda afirmou ter dificulda<strong>de</strong> em se <strong>de</strong>slocar <strong>para</strong> outras partes da<br />

Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa condição <strong>de</strong> não saber ler: “Não sei pegar ônibus também. Não<br />

saio pra canto nenhum”. Esse não é um problema vivenciado apenas pela entrevistada, pois<br />

segundo ela, sua mãe, pelo fato <strong>de</strong> não ser alfabetizada, limitava-se a conseguir trabalho <strong>de</strong><br />

faxineira em locais próximos à sua residência, pois não saberia <strong>de</strong>slocar-se <strong>para</strong> outros<br />

bairros. A entrevistada afirmou: “Minha mãe, ela não sabe muito pegar um ônibus... Ela não


58<br />

sabe essas coisas assim... Ela não sabe ir pra longe... Ela num vai. Só vai por perto mermo<br />

que as colega <strong>de</strong>la diz e ela vai”. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA III).<br />

Nas entrevistas e grupos focais perguntamos ainda aos <strong>jovens</strong> se possuíam<br />

familiares ou amigos e conhecidos do bairro cursando Faculda<strong>de</strong>. Seguem algumas<br />

respostas apresentadas pelos entrevistados:<br />

A minha prima trabalha também num hospital... Bem dizer ela é quase médica<br />

já... Ela já assina, passa remédio. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA V).<br />

Minha prima também faz medicina. Primeiro passou nos estudos e fez... Aí, se<br />

inscreveu pra doutora... Tem 21 anos, ela... já trabalha... É auxiliar <strong>de</strong><br />

enfermagem... técnico.(Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA V).<br />

Uma amiga minha tá fazendo faculda<strong>de</strong>. ela é mulher do meu primo.... Sei não<br />

qual é o curso que ela faz...Mas, ela faz curso. Ela faz curso, quando é <strong>de</strong> noite<br />

ela vai pro colégio <strong>de</strong>la. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Tenho um amigo que tá fazendo, mas mora no Parque Manibura. (Garoto <strong>de</strong> 16<br />

anos, EJA IV).<br />

Meu tio faz administração. Minha tia que é enfermeira. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA<br />

IV, Grupo Focal).<br />

Minha irmã vai fazer. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Um colega, vizinho, faz informática. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Não conheço ninguém que esteja fazendo faculda<strong>de</strong>. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V).<br />

Nos três primeiros relatos notamos contradições nas informações fornecidas<br />

pelas entrevistadas. Entretanto, após algumas perguntas lançadas às <strong>jovens</strong> foi possível<br />

perceber que os cursos aos quais se referiam eram cursos profissionalizantes e não cursos<br />

do Ensino Superior.<br />

O fato dos entrevistados não possuírem familiares ou amigos cursando o Ensino<br />

Superior, esse nível <strong>de</strong> ensino po<strong>de</strong> constituir uma situação estranha a alguns <strong>de</strong>les,<br />

levando-os a confundir um curso profissionalizante <strong>de</strong> nível técnico com um curso <strong>de</strong> nível<br />

superior. Po<strong>de</strong>mos pensar em que medida essa aparente confusão estabelecida pelas<br />

<strong>jovens</strong> entre cursos profissionalizantes e cursos superiores po<strong>de</strong>ria conter uma carga<br />

simbólica, no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejarem mostrar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um membro da família ou um<br />

conhecido estar inserido em um curso ou profissão socialmente valorizado.<br />

Para Bourdieu (2010), as disposições familiares influenciam os processos <strong>de</strong><br />

formação escolar dos filhos. O valor atribuído à escola e a esperança ou <strong>de</strong>scrédito<br />

<strong>de</strong>positado nessa instituição social, pelos pais e familiares, afetarão nas escolhas presentes<br />

e futuras dos filhos, seja <strong>para</strong> aqueles que se encontram em uma posição <strong>de</strong> posse <strong>de</strong>


59<br />

elevados volumes <strong>de</strong> capital econômico, cultural e social, seja <strong>para</strong> aqueles com acesso a<br />

baixos volumes <strong>de</strong>sses capitais.<br />

Na verda<strong>de</strong>, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que<br />

diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema <strong>de</strong> valores<br />

implícitos e profundamente interiorizados, que contribui <strong>para</strong> <strong>de</strong>finir, entre<br />

coisas, as atitu<strong>de</strong>s face ao capital cultural e à instituição social.A herança<br />

cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes sociais, é a<br />

responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar<br />

e, consequentemente, pelas taxas <strong>de</strong> êxito.(BOURDIEU, 2010, p.41-42).<br />

No caso específico <strong>de</strong>ste estudo, o fato <strong>de</strong> as famílias dos entrevistados<br />

apresentarem baixa escolarida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> influenciar nas disposições <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> em<br />

relação ao interesse pelo tipo <strong>de</strong> capital cultural proporcionado pela escola. A continuida<strong>de</strong><br />

dos estudos por parte dos irmãos mais velhos, por exemplo, po<strong>de</strong> incentivá-los a continuar<br />

persistindo no investimento escolar. Ao contrário, quando esses irmãos <strong>de</strong>sistem <strong>de</strong>sse<br />

empreendimento, aumentam as chances <strong>de</strong> fragilização das atitu<strong>de</strong>s positivas frente à<br />

escola.<br />

Essa situação não significa a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança ou alteração nas<br />

posições ocupadas <strong>de</strong>ntro do espaço social, tanto <strong>para</strong> os estudantes das camadas<br />

privilegiadas quanto <strong>para</strong> aqueles que não usufruem <strong>de</strong>sse privilégio. As tomadas <strong>de</strong><br />

posição <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> diante das oportunida<strong>de</strong>s criadas <strong>de</strong>ntro dos campos em que<br />

<strong>de</strong>senvolvem suas práticas po<strong>de</strong>m favorecer a evolução ou limitação do seu volume <strong>de</strong><br />

capitais, apesar das predisposições <strong>de</strong> seu grupo social <strong>de</strong> origem.<br />

Mas, as tomadas <strong>de</strong> posição que possam permitir uma mudança ou uma<br />

mobilida<strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ntro do campo escolar ou do trabalho não<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, apenas, <strong>de</strong> suas vonta<strong>de</strong>s individuais, através <strong>de</strong> escolhas livres e conscientes e<br />

<strong>de</strong> ações rigorosamente calculadas pela razão <strong>para</strong> o alcance dos objetivos pretendidos;<br />

nem tampouco resultam, exclusivamente, do “efeito mecânico da coerção <strong>de</strong> causas<br />

externas”, como aquelas advindas do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização econômica da socieda<strong>de</strong> que<br />

interfere nas formas <strong>de</strong> distribuição do capital econômico.<br />

De acordo com Bourdieu, “[...] as ações possuem mais frequentemente por<br />

princípio o senso prático do que o cálculo racional [...]” (2001, p.78). Assim, há uma razão<br />

prática que orienta as ativida<strong>de</strong>s realizadas pelos sujeitos em sua existência cotidiana e que<br />

está associada ao habitus do seu grupo <strong>de</strong> pertencimento. No entanto, as novas<br />

experiências <strong>de</strong> socialização que são vivenciadas pelos sujeitos nos diversos espaços <strong>de</strong><br />

convivência com outros sujeitos - seja na escola, na comunida<strong>de</strong>, na rua, no trabalho, nos<br />

grupos culturais, religiosos, esportivos ou políticos po<strong>de</strong>m viabilizar alterações nesse<br />

habitus.


60<br />

A escola, como espaço <strong>de</strong> conhecimento e socialização, exerce influência sobre<br />

essas disposições incorporadas, representadas pelo habitus, o que significa a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> recondução ou conversão <strong>de</strong>sse habitus, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das exigências colocadas pelo<br />

campo.<br />

O investimento do tempo <strong>de</strong>spendido nas ativida<strong>de</strong>s escolares representa <strong>para</strong><br />

algumas famílias o único possível e esse investimento po<strong>de</strong> estar associado à crença nos<br />

resultados que o capital escolar é capaz <strong>de</strong> proporcionar. Neste estudo procura-se<br />

compreen<strong>de</strong>r em que medida essa crença ainda persiste ou se corre o risco <strong>de</strong> ser<br />

eliminada, <strong>de</strong>sconstruída pela <strong>de</strong>silusão quanto aos resultados que o “diploma” ainda po<strong>de</strong><br />

exercer sobre suas condições <strong>de</strong> existência.<br />

Segundo Bourdieu (2001), <strong>para</strong> que as pessoas possam continuar investindo em<br />

um <strong>de</strong>terminado campo, é necessário que a illusio não seja eliminada, que a incerteza não<br />

se instaure <strong>para</strong> que as esperanças não se percam em meio às dificulda<strong>de</strong>s colocadas<br />

pelas limitadas possibilida<strong>de</strong>s objetivas visualizadas pelos sujeitos frente ao mundo.<br />

Segundo o autor,<br />

[...] <strong>para</strong> que se instaure essa relação particular entre as esperanças<br />

subjetivas e as oportunida<strong>de</strong>s objetivas que <strong>de</strong>fine o investimento, o<br />

interesse, a illusio, é preciso que as oportunida<strong>de</strong>s objetivas se situem entre<br />

a necessida<strong>de</strong> absoluta e a impossibilida<strong>de</strong> absoluta, que o agente<br />

disponha <strong>de</strong> chances <strong>de</strong> ganhar que não sejam nulas (per<strong>de</strong>-se em todos<br />

os lances) nem totais (ganha-se em todos os lances), ou melhor, que nada<br />

seja absolutamente seguro sem que, por outro lado, tudo seja possível.<br />

(BOURDIEU, 2001, p.261).<br />

Para que se continue no jogo, nesse caso, na escola, é necessário que os<br />

<strong>jovens</strong> e seus familiares acreditem que ainda há pelo menos uma mínima chance <strong>de</strong> ganhar.<br />

Mas, essa crença po<strong>de</strong> sempre ser reforçada ou abalada tanto pelas experiências<br />

individuais <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>, como pelas experiências <strong>de</strong> sucesso ou insucesso <strong>de</strong><br />

amigos e familiares no que se refere aos resultados provenientes dos investimentos<br />

realizados no campo da educação.<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> pensar sobre a persistência <strong>de</strong>ssa crença nos resultados da<br />

educação, perguntamos aos <strong>jovens</strong> do Bonsucesso sobre os motivos que os levavam a<br />

continuar na escola, consi<strong>de</strong>rando que alguns <strong>de</strong> seus colegas do bairro já haviam <strong>de</strong>sistido.<br />

Os entrevistados afirmaram:<br />

Eu queria ser uma coisa melhor... (Jovem <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Porque eu quero o melhor pra mim... Eu quero terminar meus estudos pra mim<br />

arrumar um trabalho. (Jovem <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).


61<br />

Porque eu gosto <strong>de</strong> estudar... E minha mãe também manda, né? Ah, eu arrumar<br />

uma coisa melhor no futuro, trabalhar, ter minha vida boa, né? (Jovem <strong>de</strong> 16 anos,<br />

EJA IV).<br />

Porque eu sinto que posso apren<strong>de</strong>r mais... não tem nada lá fora ... eu aprendo na<br />

escola. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Porque a pessoa vai terminar... a pessoa... po<strong>de</strong> ter uma coisa, po<strong>de</strong> ganhar<br />

bem...ter uma família . (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV, Grupo Focal).<br />

Porque quero me formar. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Tem gente que não acha que a escola vai mudar a vida dos outros não ... Mas, eu<br />

acho. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, EJA III).<br />

Porque quero terminar logo. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV)<br />

Preciso <strong>de</strong> um futuro melhor. Se não for estudando ... (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Porque eu quero terminar e fazer alguma coisa. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Quero apren<strong>de</strong>r. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA III).<br />

Esses <strong>jovens</strong> parecem acreditar que a escola ainda po<strong>de</strong> lhes trazer algum<br />

retorno positivo, que as chances <strong>de</strong> conseguir um futuro melhor não foram eliminadas,<br />

apesar <strong>de</strong> se encontrarem em uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem em relação aos outros <strong>jovens</strong><br />

da mesma faixa-etária que já se encontram no Ensino Médio.<br />

Em nossas reflexões não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ramos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a<br />

permanência <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses pesquisados na escola também esteja associada à garantia<br />

<strong>de</strong> permanência no Programa Bolsa Família através do Benefício Variável Jovem já<br />

comentado neste Capítulo.<br />

3.5 A Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Relações Sociais entre os Estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso<br />

O lugar <strong>de</strong> moradia é um lugar <strong>de</strong> compartilhamento <strong>de</strong> algumas características<br />

comuns <strong>de</strong> seus usuários e uma <strong>de</strong>ssas características está associada, particularmente, ao<br />

volume <strong>de</strong> capital econômico que possibilita ou impossibilita que as pessoas residam em<br />

uma <strong>de</strong>terminada região da cida<strong>de</strong> e não em outra. E é nesse lugar que se estabelecem<br />

muitas das relações sociais <strong>de</strong> seus moradores, particularmente daqueles das camadas<br />

mais pobres, como os sujeitos <strong>de</strong>ste estudo, que nem sempre contam outros espaços <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> além dos disponíveis no bairro: a praça, as Igrejas locais, as escolas, os<br />

campos <strong>de</strong> futebol, os bares, os espaços locais <strong>de</strong> festas. As suas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações<br />

estarão associadas a sujeitos que se encontram em uma posição semelhante <strong>de</strong>ntro do<br />

espaço social que, neste caso específico, é constituída <strong>de</strong> pessoas que, em sua maioria,<br />

dispõem <strong>de</strong> baixo volume <strong>de</strong> capital econômico. Para Bourdieu (2011) essa re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

relações constituiria um tipo <strong>de</strong> capital social.


62<br />

O capital social é o conjunto <strong>de</strong> recursos atuais ou potenciais que estão<br />

ligados à posse <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> durável <strong>de</strong> relações mais ou menos<br />

institucionalizadas <strong>de</strong> interconhecimento e <strong>de</strong> inter-reconhecimento ou, em<br />

outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto <strong>de</strong> agentes que não<br />

somente são dotados <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s comuns, (passíveis <strong>de</strong> serem<br />

percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas<br />

também são unidos por ligações permanentes e úteis. (BOURDIEU, 2011,<br />

p. 67).<br />

O conceito <strong>de</strong> capital social ajuda a compreen<strong>de</strong>r os diferentes efeitos sociais<br />

que a posse <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados volumes <strong>de</strong> capital econômico e <strong>de</strong> capital cultural po<strong>de</strong>m<br />

exercer sobre as trajetórias <strong>de</strong> vida dos indivíduos. Os rendimentos obtidos por aqueles que<br />

apresentam volumes equivalentes <strong>de</strong> capital econômico e social estarão associados à<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses indivíduos <strong>de</strong> mobilizarem os volumes <strong>de</strong> capitais possuídos. Assim, ao<br />

estabelecerem relações nos diversos campos em que atuam, alguns conseguirão ampliar<br />

seus volumes com uma margem superior à margem alcançada por outros, consi<strong>de</strong>rando as<br />

articulações realizadas por intermédio <strong>de</strong> suas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interconhecimento e interreconhecimento.<br />

O capital social, ainda que não <strong>de</strong>penda <strong>de</strong> forma exclusiva dos volumes<br />

possuídos <strong>de</strong> capital econômico e cultural, mantém relação intrínseca com esses capitais,<br />

uma vez que eles garantem o pertencimento e o reconhecimento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />

grupo e posição social, que po<strong>de</strong>m favorecer a multiplicação dos capitais possuídos e<br />

investidos nesse jogo <strong>de</strong> relações. Para os <strong>jovens</strong> interlocutores <strong>de</strong>ste estudo, que ocupam<br />

uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem social, po<strong>de</strong> predominar uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais ampla<br />

composta pelos amigos do bairro, da escola ou do trabalho. Entretanto, essa re<strong>de</strong> tem em<br />

comum a condição <strong>de</strong> um lugar no espaço social, em que predomina a posse <strong>de</strong> baixos<br />

volumes <strong>de</strong>sses capitais, o que po<strong>de</strong> limitar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mudanças em suas<br />

posições <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse espaço.<br />

Os estudantes das turmas <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso, como já foi anteriormente<br />

comentado, encontravam-se inseridos em ocupações informais como costureiros<br />

empregadas domésticas, babás, auxiliares <strong>de</strong> carpinteiros, serventes <strong>de</strong> pedreiros, <strong>de</strong>ntre<br />

outras ocupações, a maioria executada nos limites do próprio bairro <strong>de</strong> moradia,<br />

caracterizando a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações mais próxima <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>. Po<strong>de</strong>mos, então, pensar:<br />

em que medida essa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais, caracterizada pela baixa escolarida<strong>de</strong> e baixo<br />

po<strong>de</strong>r aquisitivo <strong>de</strong> seus membros, po<strong>de</strong> proporcionar vantagens <strong>para</strong> seus integrantes?<br />

Na intenção <strong>de</strong> investigar a participação <strong>de</strong> nossos interlocutores em outros<br />

espaços <strong>de</strong> socialização e pensar sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> influência das relações<br />

<strong>de</strong>senvolvidas nesses outros espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> sobre suas disposições em relação à<br />

escola, ao trabalho e ao futuro, conversamos com os <strong>jovens</strong> do Bonsucesso sobre suas


63<br />

práticas no bairro, ou fora <strong>de</strong>le, durante o final <strong>de</strong> semana quando não estavam na escola<br />

ou no trabalho; se existiam na comunida<strong>de</strong> grupos ou projetos direcionados aos <strong>jovens</strong> e se<br />

participavam <strong>de</strong>sses grupos ou projetos, bem como procuramos compreen<strong>de</strong>r a percepção<br />

<strong>de</strong>sses sujeitos sobre o bairro.<br />

Em relação às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas fora da escola e do trabalho ou nos<br />

finais <strong>de</strong> semana, os entrevistados afirmaram:<br />

Jogar bola, ir pra praia. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Domingo, pra praia, pro culto Pentecostal. (Garota <strong>de</strong> 17 anos, EJA V)<br />

Fico andando no bairro (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Pra piscina... Pro Balneário Paulistão (no Bom Jardim)... Paga quatro reais.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Minha mãe não gosta <strong>de</strong> me levar pra canto, não... Assisto <strong>de</strong>senho. Sou mais <strong>de</strong><br />

ficar em casa. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, EJA III).<br />

Pras festa do Maracanau. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Gosto <strong>de</strong> sair pra casa da minha avó. (Garota <strong>de</strong> 17 anos, EJA ).<br />

Participava <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> no Maranhão. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Sair pra casa da minha prima. Nós ir pra praia. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Ah, eu fico só <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa... Eu fico ajudando minha mãe limpar peça .... ponto<br />

<strong>de</strong> linha . Ela vai pegar lá na comadre <strong>de</strong>la.... só faz tirar ponto <strong>de</strong> linha. (Garota<br />

<strong>de</strong> 16 anos, EJA IV)<br />

Eu vou fazer um projeto... é <strong>de</strong> informática ...mexer em computador... É um nome<br />

aí, eu num to lembrada não... É um novo aí... A maioria dos adolescentes tão...<br />

Aí, você faz um estágio... é estágio ... Você precisa ir pra aula. Você não po<strong>de</strong><br />

faltar, tem que ter boas notas... Depois do North Shopping... Dão passagem, dão<br />

dinheiro pra ir e pra voltar. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA V).<br />

Eu participo <strong>de</strong>... futebol... A gente às vezes joga... Essa igreja aí... tem outros<br />

tipos <strong>de</strong> trabalho ... Tirar o pessoal das drogas. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV, Grupo<br />

Focal).<br />

Já participei do grupo <strong>de</strong> dança... Só que é aqui perto não... É no Henrique<br />

Jorge... Segunda, quarta e sexta... (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV, Grupo Focal)<br />

Na universal, já participei do grupo <strong>de</strong> dança. Deixei... Só que agora faço no<br />

Centro Comunitário... Só que num é aqui perto não ... É no Henrique Jorge... três<br />

vezes por semana. Tem futsal, natação e hip hop. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV,<br />

Grupo Focal).<br />

Lá no CIES tem balé, capoeira... Só pra quem estuda. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA<br />

IV).<br />

Faço curso <strong>de</strong> informática, lá no centro, <strong>de</strong> graça... É porque eu fui lá pro SINE da<br />

Parangaba... Dão vale transporte.... Precisa <strong>de</strong> uma carteira <strong>de</strong> trabalho, título... É<br />

à tar<strong>de</strong>. Eu saio <strong>de</strong> lá e venho direto pra cá... Eu treino, num só faço só curso <strong>de</strong><br />

informática. Eu também jogo futebol. Eu treino, ....aqui no Nor<strong>de</strong>ste, numa outra


64<br />

cida<strong>de</strong>. Tem que pegar dois ônibus. É lá na Fábrica Fortaleza. É dia <strong>de</strong> sábado...<br />

Eles treinam, aí <strong>de</strong>pois a pessoa passa no teste, aí quando passar no teste já<br />

po<strong>de</strong> ser profissional. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Aqui no bairro? On<strong>de</strong> é que tem?... Aqui num tem nem ... nem a pracinha tem<br />

aqui. Aqui mesmo não tem nada não. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V, Grupo Focal).<br />

Tem (curso) pra ser ladrão, traficante... é o que não falta.... Uma semana a gente<br />

já tá formado. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V, Grupo Focal).<br />

Assembleia <strong>de</strong> Deus... O meu é à noite também... quarta, sexta e domingo ....<br />

Amanhã acho que eu vou. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV, Grupo Focal).<br />

Shalom .... Lá tem teatro... dança....Eles dançam muito lá quanto tão cantando<br />

com os menino... Tem negócio num sei o que pros jovem... Eu fui só uma vez<br />

porque eu tô estudando à noite. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V, Grupo Focal).<br />

Vou <strong>de</strong> vez em quando na católica.(Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).<br />

A praia e o futebol, como tipos <strong>de</strong> lazer mais acessíveis aos grupos com menor<br />

acesso à renda, aparecem com maior frequência nas falas <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>. A piscina vem se<br />

popularizando com as alternativas criadas em bairros da periferia da Cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> são<br />

cobradas taxas <strong>para</strong> entrada em locais com piscinas a preços acessíveis a essa camada da<br />

população.<br />

As falas dos entrevistados não indicaram a existência <strong>de</strong> grupos e/ou projetos<br />

governamentais ou comunitários com ações direcionadas aos <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ntro do bairro, com<br />

exceção das igrejas locais. Esses grupos religiosos <strong>de</strong>senvolveriam ações voltadas a<br />

usuários <strong>de</strong> drogas, mas também na área cultural através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> dança e teatro.<br />

Dois <strong>jovens</strong> comentaram sobre a participação em projetos <strong>de</strong>senvolvidos fora do<br />

bairro, como no Centro Comunitário do Henrique Jorge, com opções <strong>de</strong> esporte e lazer,<br />

outro e na região do Cento <strong>de</strong> Fortaleza em cursos <strong>de</strong> informática realizado através <strong>de</strong><br />

encaminhamento pelo SINE 37 . Uma das entrevistadas comentou que iria fazer um curso <strong>de</strong><br />

informática em um projeto, também fora da comunida<strong>de</strong>. No entanto, a jovem não pareceu<br />

ter informações precisas sobre o referido projeto.<br />

Mas, foram outros dois <strong>de</strong>poimentos que nos chamaram especialmente a<br />

atenção pela forma como nossos interlocutores procuraram expressar a ausência ou o<br />

37 O SINE – Sistema Nacional <strong>de</strong> Emprego foi instituído pelo Decreto n.º 76.403, <strong>de</strong> 08.10.75 e tem como<br />

Coor<strong>de</strong>nador e Supervisor o Ministério do Trabalho, por intermédio da Secretaria <strong>de</strong> Políticas <strong>de</strong> Emprego e<br />

Salário. Sua criação fundamenta-se na Convenção n.º 88 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que<br />

trata da organização do Serviço Público <strong>de</strong> Emprego, ratificada pelo Brasil. A partir da criação do Programa do<br />

Seguro-Desemprego,, passou-se a enten<strong>de</strong>r por Sistema Nacional <strong>de</strong> Emprego a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento em que<br />

as ações <strong>de</strong>sse Programa são executadas, que além do Seguro-Desemprego, inclui ações <strong>de</strong> Intermediação <strong>de</strong><br />

Mão-<strong>de</strong>-Obra e Apoio ao Programa <strong>de</strong> Geração <strong>de</strong> Emprego e Renda. Fonte: www.mte.gov.br/sine . Consulta<br />

realizada em 17/01/2013.


65<br />

sentimento <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> ações que atendam às <strong>de</strong>mandas juvenis <strong>de</strong>ntro daquela área<br />

da Cida<strong>de</strong>. Referindo-se à (in) existência <strong>de</strong> projetos ou cursos <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong> <strong>para</strong><br />

o atendimento juvenil, um <strong>de</strong>les disparou: “Aqui no bairro? On<strong>de</strong> é que tem?... Ao mesmo<br />

tempo em que <strong>de</strong>nunciam a ausência <strong>de</strong> ações governamentais <strong>para</strong> esse público, essas<br />

falas também indicam as consequências <strong>de</strong>ssa ausência: “Tem (curso) pra ser ladrão,<br />

traficante... é o que não falta.... Uma semana a gente já tá formado”.<br />

As narrativas dos <strong>jovens</strong> pesquisados do Bonsucesso apresentadas até aqui nos<br />

mostram que alguns <strong>de</strong>sses sujeitos encontram-se numa fronteira muito próxima das<br />

práticas do roubo e do tráfico <strong>de</strong> drogas, práticas que já fazem parte do mundo vivido por<br />

familiares e vizinhos. Em uma das entrevistas, uma jovem <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos, estudante da<br />

turma <strong>de</strong> EJA IV, relatou que a maioria <strong>de</strong> seus amigos não estuda. Um dos seus primos foi<br />

baleado por conta <strong>de</strong> disputa pelo domínio <strong>de</strong> território do tráfico <strong>de</strong> drogas na área on<strong>de</strong><br />

resi<strong>de</strong>m. De acordo com a jovem, seu primo sabe quem foi o responsável pela bala que o<br />

atingiu, mas não informa <strong>para</strong> a Polícia porque as consequências seriam piores. O primo<br />

continuaria sendo perseguido. A jovem afirmou ter medo <strong>de</strong> andar com o primo. Ele costuma<br />

visitar sua casa e ainda não teria sido baleado lá, porque a pessoa que o está perseguindo<br />

diz não querer atingir as crianças da casa. Segundo a estudante, o conflito entre os dois<br />

seria motivado pelo fato do material fornecido pelo primo ser <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong> que o do<br />

outro comerciante. A garota ainda relatou que um jovem do bairro queria namorá-la, mas foi<br />

apreendido após realização <strong>de</strong> um furto. Ela teria dito ao jovem que só ficaria com ele se o<br />

mesmo não se envolvesse mais com roubos.<br />

Em outro <strong>de</strong>poimento, uma jovem afirmou: “Minha amiga me chamou pra furtar<br />

lá no Center Box... Já fui chamada pra saidinha bancária”. (Garota <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Segunda a entrevistada, ela não teria aceitado nenhuma <strong>de</strong>ssas propostas.<br />

Perguntamos aos <strong>jovens</strong> se gostavam <strong>de</strong> residir naquele bairro e se era um lugar<br />

tranquilo <strong>para</strong> se viver. Os entrevistados respon<strong>de</strong>ram:<br />

Morre tanta gente aqui... on<strong>de</strong> eu moro tem bala... On<strong>de</strong> eu moro é mais perigoso<br />

lá... tem bocada. Pra banda lá <strong>de</strong> baixo... Depois da ponte. É morte, é assalto...<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA V).<br />

Ave Maria, lá tem muita bala... O povo diz que é muito vagabundo, né? Agora, eu<br />

nem saio mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa.... Mas, agora até que tá mais calmo.... Mataram<br />

um amigo meu... foi... num sei... Ele não <strong>de</strong>via ninguém. Ele tinha acabado <strong>de</strong><br />

chegar do trabalho... Já fez um mês já... Ele ele tinha uns vinte e dois<br />

anos...acho.(Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Gosto... Não pretendo mudar <strong>de</strong>le tão cedo... Moro há 14 anos... Aí, nós mora aí<br />

<strong>de</strong> aluguel... Acho (tranquilo) ... do que eu vejo na televisão, eu acho... Morte...<br />

presenciei... Um primo meu... foi tiro... foi oito tiro... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).


66<br />

Um colega meu foi preso hoje ... menor ... com assalto . Foi, mas só que ... não<br />

colega meu...não falava com ele... É que eu conhecia, mas eu não falo com eles<br />

não. É que eu conheço ... Foi hoje ... <strong>de</strong> manhã. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Lá não é perigoso não, porque tem os vagabundo conhecido... Eles dizem assim<br />

... quando acontece alguma coisa, eles mandam a gente entrar pra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa<br />

... porque eles gostam da minha mãe ... Só que a gente quer sair <strong>de</strong> lá porque<br />

acontece muita morte, muita coisa. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Aqui não tem nada... tem muito é lixo e favela. E ladrão por aí. (Garoto <strong>de</strong> 16<br />

anos, EJA V).<br />

Gosto do bairro... De vez em quando tem um problema, mas é tranquilo... (Garoto<br />

<strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Tem muita bala. Mataram um amigo meu há um mês. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA<br />

IV).<br />

Gosto. Mas, não é muito bom. Tem muita violência perto. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, EJA<br />

V).<br />

Gosto. É perigoso que só... É porque eu conheço os vagabundo tudinho. Meu exnamorado<br />

... (Garota <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Através das conversas com os <strong>jovens</strong> verificamos que muitos <strong>de</strong>les residiam em<br />

uma área mais afastada da escola, situada nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma das pontes que passa<br />

sobre um canal que corta o bairro. Essa área, referida nas falas <strong>de</strong> alguns pesquisados com<br />

a expressão “lá <strong>de</strong> baixo” ou “lá”, seria consi<strong>de</strong>rada como um lugar do bairro com maior<br />

ocorrência <strong>de</strong> tráfico, assaltos e mortes. De acordo com informações dos entrevistados,<br />

algumas famílias resi<strong>de</strong>ntes nesse lugar seriam removidas em <strong>de</strong>corrência do processo <strong>de</strong><br />

urbanização realizado pelo Governo Estadual naquela região da cida<strong>de</strong>. Entre os<br />

pesquisados, três afirmaram que suas famílias seriam <strong>de</strong>slocadas do local <strong>de</strong> moradia.<br />

As impressões dos <strong>jovens</strong> sobre o bairro tomaram como referência a área “lá <strong>de</strong><br />

baixo”. A expressão foi utilizada tanto por estudantes moradores da referida área quanto por<br />

moradores <strong>de</strong> ruas consi<strong>de</strong>radas mais tranquilas. Um estudante, morador recente, se<br />

com<strong>para</strong>do àqueles que nasceram ou estão naquela área da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância,<br />

apresentou o seguinte <strong>de</strong>poimento sobre o bairro:<br />

Um dia <strong>de</strong>sse eu ia morrendo ali, mas, ... eu gosto. Eu tava na rua, aí dois cara<br />

veio na moto e papocou bala... Foi. Queria pegar os menino lá <strong>de</strong> baixo. Eu tava<br />

passando na rua, aí tinha uns menino aqui na esquina, aí eles viram e começaram<br />

a papocar bala.<br />

As ocorrências <strong>de</strong> conflitos no bairro parecem ser associadas aos moradores “lá<br />

<strong>de</strong> baixo” e a aproximação com esses moradores, na percepção <strong>de</strong> alguns, po<strong>de</strong>ria trazer<br />

vantagens:<br />

Por um lado é até bom ter amiza<strong>de</strong> (na “favela”). Se você vai ser roubado, eles<br />

conhecem. Po<strong>de</strong> tá lá. Eles vão buscar. Se for amigo <strong>de</strong>le, né? Aí, vai... Porque<br />

um é mais doido do que outro... bota moral no outro.


67<br />

Apesar das ocorrências conflituosas do bairro serem atribuídas aos moradores<br />

“lá <strong>de</strong> bairro”, consi<strong>de</strong>rados, em certa medida, como os causadores da anomia, da<br />

indisciplina ou da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m (ELIAS e SCOTSON, 2000), não percebemos nas falas ou<br />

expressões <strong>de</strong>sses pesquisados, moradores da referida área, nenhum tipo <strong>de</strong><br />

constrangimento em mencionar a experiência <strong>de</strong> ser morador “lá <strong>de</strong> baixo”. Talvez esses<br />

<strong>jovens</strong> apresentem-se em maior número na escola se com<strong>para</strong>dos aos outros estudantes<br />

resi<strong>de</strong>ntes em outras áreas, o que não os faria se sentir diferentes dos <strong>de</strong>mais estudantes.<br />

Esses <strong>de</strong>poimentos nos levam a pensar sobre as possibilida<strong>de</strong>s ou<br />

impossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sses sujeitos capitalizarem ganhos em suas trajetórias sociais a partir<br />

das experiências vividas nesses espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> que lhes são próximos e<br />

possíveis e a imaginar por quanto tempo continuarão acreditando que o jogo da<br />

permanência na escola ainda vale a pena ser jogado.


68<br />

4 EXPERIÊNCIAS SOCIAIS, ESCOLARES E DE TRABALHO ENTRE<br />

JOVENS ESTUDANTES NO PARQUE SÃO JOSÉ<br />

Como mencionamos na Introdução <strong>de</strong>ste Trabalho, os <strong>jovens</strong> são sujeitos reais<br />

vivendo experiências objetivas e subjetivas específicas e tais experiências não se limitam a<br />

condicionamentos que possam ser impostos pela situação social <strong>de</strong> classe. Segundo Pais<br />

(2003),<br />

os processos sociais que afectam os <strong>jovens</strong> não po<strong>de</strong>m ser unanimemente<br />

compreendidos como simples ou exclusiva resultante <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminações<br />

sociais e posicionamentos <strong>de</strong> classe. Esses processos têm também <strong>de</strong> ser<br />

compreendidos, por exemplo, à luz das lógicas <strong>de</strong> participação dos<br />

diferentes sistemas <strong>de</strong> interação locais, através dos quais também se<br />

modulam as trajectórias sociais. (p. 64).<br />

Desse modo, mesmo vivenciando experiências que os aproximam a um grupo<br />

social com acesso a baixos volumes <strong>de</strong> capital econômico, cultural e social, nossos<br />

interlocutores, por meio das interações que estabelecem em suas trajetórias sociais, po<strong>de</strong>m<br />

alcançar posições diferenciadas <strong>de</strong>ntro do espaço social. A re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais, as<br />

instituições sociais como a escola e outros espaços <strong>de</strong> acesso ao conhecimento e à cultura<br />

consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> prestígio, bem como <strong>de</strong>terminados ambientes <strong>de</strong> trabalho, po<strong>de</strong>m permitir<br />

que muitos <strong>jovens</strong> pobres contrariem a “causalida<strong>de</strong> do provável”, consi<strong>de</strong>rada por Bourdieu<br />

(2001) como um dos fatores que exerce maior po<strong>de</strong>r na conservação da or<strong>de</strong>m social, uma<br />

vez que favorece o ajustamento das esperanças <strong>de</strong>positadas em <strong>de</strong>terminados projetos <strong>de</strong><br />

vida às oportunida<strong>de</strong>s objetivas <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> tais projetos.<br />

Compartilhamos do entendimento expresso por Pais (2003) <strong>de</strong> que as<br />

“Trajectórias individuais são também imprevistas, como <strong>de</strong> resto acontece com a própria<br />

vida quotidiana”. (p.64). Assim, apesar das dificulda<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m estar colocadas a um<br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> pobres, seja em relação à condição social <strong>de</strong> classe, à escola ou<br />

ao trabalho, tais dificulda<strong>de</strong>s não constituem uma sentença que lhes <strong>de</strong>termina a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançar os projetos <strong>de</strong> futuro <strong>de</strong>sejados. Mas, compreen<strong>de</strong>mos também<br />

ser necessário o encontro <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> com oportunida<strong>de</strong>s que lhes possam proporcionar<br />

os elementos que viabilizem o início do processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sses projetos já nesse<br />

momento presente.<br />

Neste Capítulo apresentamos as experiências dos entrevistados da escola do<br />

Parque São José, na perspectiva <strong>de</strong> discutir as situações que os aproximam e aquelas que<br />

os distanciam das experiências vividas pelos estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso,<br />

procurando refletir sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> contrariarem a “causalida<strong>de</strong> do<br />

provável”.


69<br />

4.1 A Escola do Parque São José<br />

Na escola do bairro Parque São José não há oferta <strong>de</strong> EJA. Os <strong>jovens</strong> que<br />

preten<strong>de</strong>m cursar essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino precisam procurar as escolas dos bairros<br />

vizinhos. Entretanto, há <strong>jovens</strong> em turmas do 8º e 9º Anos em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>série,<br />

em pequeno número, bem como <strong>jovens</strong> nas turmas das 3 (três) séries do Ensino<br />

Médio. Os <strong>jovens</strong> que se encontram no Ensino Fundamental estudam no período da tar<strong>de</strong>;<br />

aqueles do Ensino Médio, em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, estudam no período da<br />

tar<strong>de</strong> ou noite. Os <strong>jovens</strong> que se encontram na série consi<strong>de</strong>rada a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong><br />

têm priorida<strong>de</strong> <strong>para</strong> o turno manhã.<br />

A entrada em campo na escola <strong>de</strong>sse bairro foi marcada pelo reencontro com<br />

alguns <strong>jovens</strong> já conhecidos através da experiência como professora em outras duas<br />

escolas <strong>de</strong> bairros vizinhos: Vila Manoel Sátiro e Mondubim. Esses <strong>jovens</strong> agora se<br />

encontravam cursando o Ensino Médio, o que não causou surpresa, consi<strong>de</strong>rando o bom<br />

<strong>de</strong>sempenho apresentado no Ensino Fundamental, o que os colocava em situação <strong>de</strong><br />

vantagem quando com<strong>para</strong>da à situação <strong>de</strong> alguns estudantes <strong>de</strong> turmas <strong>de</strong> EJA IV e V,<br />

comentada no Primeiro Capítulo.<br />

Entretanto, outro fato chamou especial atenção: havia entre eles um jovem da<br />

referida turma <strong>de</strong> EJA que era estudante do período noturno, que à época apresentava bom<br />

<strong>de</strong>sempenho escolar, mas não era frequente às aulas em razão do trabalho e sempre<br />

apresentava muitos sinais <strong>de</strong> cansaço durante as ativida<strong>de</strong>s pedagógicas. Mas, afirmava<br />

gostar do trabalho que realizava e era um dos poucos estudantes trabalhadores da turma<br />

que tinha contrato formal <strong>de</strong> emprego. Agora estava cursando o Ensino Médio regular no<br />

horário diurno.<br />

O reencontro foi surpreen<strong>de</strong>nte, mas não a ponto <strong>de</strong> esboçar tal surpresa pelo<br />

fato <strong>de</strong> vê-lo estudando pela manhã. O estudante fez sinal <strong>de</strong> cumprimento e disse:<br />

“Professora, é tão bom só estudar!” (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, 2º Ano do Ensino Médio). Essas<br />

palavras expressam o significado, que po<strong>de</strong> ter <strong>para</strong> alguns <strong>jovens</strong>, do direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar-se<br />

apenas aos estudos sem ter que trabalhar. No entanto, esse parece não ser um direito<br />

compartilhado pela maioria <strong>de</strong>les. De acordo com a diretora da escola, há um significativo<br />

número <strong>de</strong> estudantes do período diurno que se encontram inseridos em “estágios”<br />

disponibilizados pelos supermercados do bairro on<strong>de</strong> recebem um salário correspon<strong>de</strong>nte<br />

ao valor <strong>de</strong> uma bolsa pelas ativida<strong>de</strong>s realizadas. Mas, <strong>para</strong> essa gestora, essas empresas<br />

têm utilizado os estudantes <strong>para</strong> substituir a mão <strong>de</strong> obra <strong>de</strong> outros trabalhadores adultos<br />

<strong>para</strong> os quais teriam que pagar um salário integral.


70<br />

Um supermercado <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> re<strong>de</strong> que atua em Fortaleza e se localiza<br />

próximo à escola oferece muitas vagas <strong>para</strong> estágio e o número <strong>de</strong> estudantes da escola<br />

inseridos nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa empresa é consi<strong>de</strong>rado significativo pela gestora que<br />

também afirmou: “Muitos Supermercados têm utilizado a mão <strong>de</strong> obra dos estagiários <strong>para</strong><br />

substituir funcionários”. (Diretora da Escola pesquisada).<br />

Ainda <strong>de</strong> acordo com relatos da diretora da escola, há um fenômeno que não<br />

atinge apenas os estudantes das escolas públicas. Outros <strong>jovens</strong> resi<strong>de</strong>ntes no bairro e em<br />

seu entorno têm saído <strong>de</strong> estabelecimentos <strong>de</strong> ensino particulares e se matriculado nessa<br />

escola. Além <strong>de</strong> algumas famílias já não disporem mais <strong>de</strong> capital econômico suficiente <strong>para</strong><br />

mantê-los em escolas particulares, outros interesses têm motivado a entrada <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong><br />

no Ensino Médio da escola 38 . Para a gestora, essa transferência po<strong>de</strong> também estar<br />

associada a uma estratégia <strong>para</strong> inserção <strong>de</strong>sses estudantes em estágios disponibilizados<br />

por empresas que mantêm convênio com o governo estadual e que condicionam o estágio à<br />

matrícula em escola pública. Para a Diretora da Escola: “Alunos <strong>de</strong> escolas particulares vêm<br />

<strong>para</strong> o Irmão Urbano <strong>para</strong> conseguir estágio nas empresas”.<br />

Gran<strong>de</strong> parte dos <strong>jovens</strong> atendidos pela escola é proveniente <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong><br />

baixo po<strong>de</strong>r aquisitivo e é frequente a presença das mães na escola no sentido <strong>de</strong> solicitar à<br />

unida<strong>de</strong> escolar algum tipo <strong>de</strong> ocupação remunerada <strong>para</strong> os filhos por meio <strong>de</strong><br />

encaminhamentos <strong>para</strong> outras instituições.<br />

Parte dos estudantes da escola resi<strong>de</strong> em alguns lugares classificadas pelos<br />

moradores do bairro como favelas. De acordo com a diretora, muitos <strong>de</strong>sses estudantes são<br />

resi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uma área conhecida como “favela vertical”, blocos <strong>de</strong> apartamentos da Caixa<br />

Econômica Fe<strong>de</strong>ral que foram ocupados por famílias há alguns anos.<br />

O corpo discente da escola não se restringe aos moradores do Parque São<br />

José. Há estudantes que resi<strong>de</strong>m em bairros próximos ao Parque São José, como<br />

Mondubim, Vila Manoel Sátiro e Vila Pery. Em alguns casos, os estudantes precisam fazer<br />

investimento financeiro com pagamento <strong>de</strong> passagens <strong>de</strong> ônibus <strong>para</strong> o <strong>de</strong>slocamento até a<br />

escola. A opção pela unida<strong>de</strong> escolar, apesar da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>slocamento <strong>para</strong><br />

alguns <strong>jovens</strong>, apresenta-se associada à imagem positiva construída pelos estudantes e<br />

seus familiares em relação a essa instituição, como foi observado em suas falas quando<br />

conversamos sobre os motivos que os levaram a optar por aquela unida<strong>de</strong> escolar: Porque<br />

38 Esse fenômeno po<strong>de</strong> não se restringir apenas às questões que dizem respeito à busca <strong>de</strong> estágio através da<br />

escola pública. Os critérios <strong>para</strong> concessão <strong>de</strong> bolsas pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral através do Programa Universida<strong>de</strong><br />

<strong>para</strong> Todos – PROUNI, que favorecem <strong>jovens</strong> que cursaram todo o Ensino Médio em escolas públicas, po<strong>de</strong><br />

também ser apontado como um fator <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> alunos das escolas particulares <strong>para</strong> as públicas,<br />

particularmente nos casos daqueles <strong>de</strong> origem social cuja renda é insuficiente <strong>para</strong> mantê-los na Re<strong>de</strong> Privada.


71<br />

vi que a aprendizagem era melhor”; “Porque tem ensino <strong>de</strong> mais qualida<strong>de</strong>, mais na linha”;<br />

“Ouvi falar bem da escola”; “É uma das melhores”; “Minha avó achava boa”.<br />

Alguns dos <strong>jovens</strong> entrevistados po<strong>de</strong>m ter construído suas análises acerca da<br />

escola a partir <strong>de</strong> com<strong>para</strong>ções com a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino na qual alguns haviam estudado<br />

anteriormente e que classificaram como uma escola <strong>de</strong>sorganizada, como afirmou um dos<br />

estudantes: “A outra escola era bagunçada”. Segundo informações coletadas acerca da<br />

escola <strong>de</strong>squalificada pelos estudantes, refere-se a uma unida<strong>de</strong> escolar da Re<strong>de</strong> Pública<br />

Estadual e apresenta problemas <strong>de</strong> infraestrutura cuja solução é dificultada por tratar-se <strong>de</strong><br />

um prédio alugado pelo governo do Estado, situação que po<strong>de</strong> inviabilizar a realização <strong>de</strong><br />

reformas estruturais da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino com recursos públicos.<br />

4.2 Jovens <strong>de</strong> 8º e 9º Anos: Distanciamentos e aproximações com os estudantes <strong>de</strong><br />

EJA<br />

As turmas <strong>de</strong> 8º e 9º Anos do Parque São José, por serem turmas diurnas,<br />

apresentavam apenas onze <strong>jovens</strong> em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série. Entre os seis<br />

entrevistados, três <strong>de</strong>les procuraram, em suas narrativas, discorrer sobre os motivos <strong>para</strong><br />

não terem concluído o Ensino Fundamental na ida<strong>de</strong> recomendada.<br />

Porque eu sempre, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequena, fui acostumada a estudar à tar<strong>de</strong>... Acordava<br />

meio dia, que minha mãe não trabalhava. Acordava meio dia, tomava banho e ia<br />

pro colégio. Aí, eu comecei a estudar lá no São José. Aí, fiz o 6º ano, aí passei pro<br />

7º ano. Ai, no 7º eu fui reprovada por causa <strong>de</strong> falta, porque minha mãe começou<br />

a trabalhar e eu tinha que acordar cedo, fazer o almoço da minha irmã, ter que<br />

<strong>de</strong>ixar ela na escola. Aí eu voltava. Só que eu peguei... Fiquei faltando, me<br />

atrasava... Acabei ficando reprovada por falta. O que me prejudicou nos meus<br />

estudos foi ter que tomar conta da casa antes do tempo... né? Eu comecei a<br />

cozinhar e a arrumar a casa, cuidar da minha irmã, 13 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>... Agora eu<br />

tô mais livre, porque na casa da minha avó é ela que faz as coisas, mas eu ainda<br />

arrumo a casa. De manhã eu não tenho muito tempo. Eu estudo quando eu chego<br />

do colégio... (Garota <strong>de</strong> 14 anos, 8º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

A jovem justificou a reprovação em séries anteriores porque “faltava muito” e<br />

ressaltando que as faltas à escola <strong>de</strong>corriam do fato <strong>de</strong> precisar tomar conta da casa e dos<br />

irmãos porque a mãe trabalhava como empregada doméstica. O relato apresentado po<strong>de</strong>ria<br />

estar en<strong>de</strong>reçado à própria mãe<br />

Os relatos da jovem fizeram-me lembrar uma afirmação <strong>de</strong> Spink (2010) on<strong>de</strong> a<br />

autora ressalta que, em uma entrevista, a fala po<strong>de</strong> estar sendo en<strong>de</strong>reçada a outras<br />

pessoas. De acordo com Spink (2010),<br />

Os processos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sentidos implicam existência <strong>de</strong> interlocutores<br />

variados cujas vozes se fazem presentes. As práticas discursivas estão<br />

sempre atravessadas por vozes; são en<strong>de</strong>reçadas e, portanto, supõem<br />

interlocutores. Obviamente isso gera dificulda<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>ráveis quando


72<br />

analisamos material discursivo, porque as pessoas, numa entrevista, estão<br />

falando com você e <strong>de</strong> repente a fala passa a ser en<strong>de</strong>reçada a outrem.<br />

(p.35).<br />

As questões colocadas em discussão durante o diálogo com esses <strong>jovens</strong><br />

po<strong>de</strong>m instigá-los a refletirem sobre situações <strong>de</strong> sua vida cotidiana, que não foram postas<br />

em suspenso <strong>para</strong> serem pensadas. A entrevista po<strong>de</strong> representar essa oportunida<strong>de</strong>.<br />

Uma das <strong>jovens</strong> afirmou que a mãe a fez repetir a alfabetização por consi<strong>de</strong>rar<br />

que “a alfabetização tinha <strong>de</strong> ser bem feita” (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 9º Ano) e que teria<br />

apresentado problemas médicos em outro ano letivo, o que resultou na <strong>de</strong>fasagem <strong>de</strong> dois<br />

anos <strong>de</strong> estudo. Em outro relato, um jovem afirmou ter iniciado seu processo <strong>de</strong><br />

escolarização “atrasado”.<br />

Dos seis entrevistados das turmas <strong>de</strong> 8º e 9º ano do Parque São José e que se<br />

encontram em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, três são inscritos no Programa Bolsa<br />

Família, indicando uma posição <strong>de</strong> acesso a baixo volume <strong>de</strong> capital econômico. Uma das<br />

seis entrevistadas que não é beneficiária <strong>de</strong>sse Programa é estudante transferida <strong>de</strong> escola<br />

particular e apresenta uma posição diferenciada em relação aos outros quatro <strong>jovens</strong>, uma<br />

vez que a mãe possui uma pequena confecção e comercializa as peças produzidas em<br />

feiras, bem como reven<strong>de</strong> <strong>para</strong> outras localida<strong>de</strong>s. A jovem afirmou:<br />

Eu vim <strong>de</strong> colégio particular. Só que as coisas... apertou pra minha mãe e ela<br />

disse assim: ... Vou te colocar nele, até porque ela viu que ... ela po<strong>de</strong>ria me fazer<br />

terminar, só que quando fosse mais pra frente ia ser meio difícil pra mim pagar<br />

uma Faculda<strong>de</strong>, garantir meu futuro. E Colégio público tem suas vantagens na<br />

questão <strong>de</strong> cursos, estágios, uma faculda<strong>de</strong>. ... Então, ela falou, já que as coisas<br />

estão meio apertadas, você vai. .... Resolveu me colocar aqui...<br />

A transferência <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> escolas particulares <strong>para</strong> essa escola da Re<strong>de</strong><br />

Estadual é um fenômeno que também se verifica entre as turmas do Ensino Médio e em<br />

maior escala e foi comentado pelos estudantes durante os grupos focais cujas discussões<br />

serão apresentadas, posteriormente.<br />

Assim como alguns estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso, há entre os<br />

entrevistados do Parque São José estudantes trabalhadores ou <strong>jovens</strong> que já trabalharam.<br />

O fato <strong>de</strong> ser estudante diurno po<strong>de</strong> não implicar em ausência <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s<br />

relacionadas ao campo do trabalho, como po<strong>de</strong>mos observar nas falas dos entrevistados:<br />

Eu... ensinava reforço, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 98... Eu acho legal, assim. Eu sempre me interessei<br />

por essa coisa <strong>de</strong> ensinar, assim, até pra você puxar coisa que você se esquece,<br />

você se lembra... Eu ia na casa da pessoa... Eu ensinei já <strong>de</strong> 1ª Série e a última foi<br />

a 5ª Série. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, 9º Ano).<br />

Entrego água... Vai fazer cinco meses... Em casa mesmo... Comércio <strong>de</strong> água.<br />

Faço entrega <strong>de</strong> manhã. (Garoto <strong>de</strong> 14 anos, 8º Ano).


73<br />

No que se refere à escolarida<strong>de</strong> dos pais, <strong>de</strong> acordo com as informações dos<br />

entrevistados, os pais cursaram no máximo até o 8º Ano, tendo predominado casos em que<br />

eles cursaram até o 4º ou 5º Ano.<br />

Entre os cinco entrevistados que tinham irmãos na faixa etária recomendada<br />

<strong>para</strong> o Ensino Médio, todos haviam chegado a esse nível <strong>de</strong> ensino. Foi informada a<br />

<strong>de</strong>sistência <strong>de</strong> um irmão no 2º Ano do Ensino Médio. Nos outros casos, os irmãos haviam<br />

concluído o Ensino Médio. Alguns <strong>de</strong>sses irmãos estavam em cursinho <strong>de</strong> escola pública<br />

em processo <strong>de</strong> pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> o ENEM e Vestibular, bem como foi informado um caso<br />

em que a irmã já é estudante universitária do curso <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma faculda<strong>de</strong><br />

particular.<br />

Todos, menos a minha irmã mais velha que é casada. Ela vai fazer 23 anos, mas<br />

terminou. Terminou e tá trabalhando na Caixa Econômica. Agora, quer fazer<br />

faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Contábeis... Aí tem a minha irmã <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito que tá prestando Prévestibular...<br />

Estuda aqui também <strong>de</strong> manhã, 3º ano... Tá estudando direto. (Garota<br />

<strong>de</strong> 16 anos, 8º Ano).<br />

Minha irmã mais velha faz contabilida<strong>de</strong> na Estácio. Ela fez o FIES. Ela trabalha,<br />

mas ainda não é <strong>de</strong> carteira assinada, só tipo estágio... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 9º<br />

Ano).<br />

Os entrevistados fizeram referência a amigos, cunhado, colegas da Igreja e<br />

primos que se encontram no Ensino Superior em cursos como: História, Letras e Recursos<br />

Humanos.<br />

No aspecto relacionado às ativida<strong>de</strong>s realizadas pelos <strong>jovens</strong> durante os finais<br />

<strong>de</strong> semana, entre os seis entrevistados do Parque São José matriculados nas turmas <strong>de</strong> 8º<br />

e 9º Anos, quatro fizeram referência à participação em grupos ou outros movimentos<br />

articulados pelas igrejas da comunida<strong>de</strong> em que resi<strong>de</strong>m: como grupos <strong>de</strong> pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong><br />

o Sacramento do Crisma, organizados pela Igreja Católica; grupos <strong>de</strong> oração e música,<br />

frequência à Missa aos sábados ou domingos. Os <strong>jovens</strong> afirmaram:<br />

Eu participo da Igreja Católica, faço o Ministério. Tenho violão e contra baixo. Toco<br />

no grupo <strong>de</strong> oração. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 8º Ano).<br />

No sábado <strong>de</strong> manhã eu arrumo a casa da minha avó,... Eu arrumo a casa <strong>de</strong><br />

manhã, a tar<strong>de</strong> eu vou pra Crisma. Aí, quando eu chego, eu namoro à noite... Só<br />

que às vezes eu tiro um tempinho pra estudar no sábado também, antes <strong>de</strong> ir pra<br />

crisma ... Eu só vou pra crisma às quatro horas, né? Ai, eu arrumo a casa e vou<br />

estudar. Fica eu e minha irmã estudando e a minha irmã mais nova também<br />

estuda. Aí a gente fica estudando. A sala da casa fica toda em silêncio, todo<br />

mundo estudando. No domingo é que não dá muito porque vão os meus tios vão<br />

almoçar lá e fica muita zoada e a tar<strong>de</strong>, também, e vou pra missa às cinco horas.<br />

(Garota <strong>de</strong> 14 anos, 8º Ano).<br />

Eu saio com os amigos. Geralmente eu tenho ensaio da Igreja. Às vezes eu vou<br />

pro cinema, pro teatro. Tem aniversário... Às vezes a gente marca <strong>de</strong> ficar na<br />

igreja mesmo... (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 9º Ano).


74<br />

O fato dos <strong>jovens</strong> do Parque São José manterem uma participação ativa em<br />

outros espaços <strong>de</strong> socialização, como aqueles promovidos por igrejas locais, po<strong>de</strong> favorecer<br />

a troca <strong>de</strong> experiências com seus pares, influenciando em suas disposições em relação à<br />

educação. Se a formação escolar, como capital simbólico, é valorizada nesses espaços <strong>de</strong><br />

convivência, alguns <strong>jovens</strong> po<strong>de</strong>rão procurar a<strong>de</strong>quar-se aos padrões <strong>de</strong> comportamentos<br />

compartilhados pelos indivíduos, que fazem parte <strong>de</strong>sses grupos, como uma forma <strong>de</strong> se<br />

sentirem reconhecidos pelos <strong>de</strong>mais membros dos grupos. Então, procuramos perceber se<br />

os <strong>jovens</strong> consi<strong>de</strong>ravam que as relações mantidas nesses outros espaços <strong>de</strong> socialização<br />

influenciavam em suas perspectivas <strong>de</strong> vida, suas projeções nos campos da educação da<br />

profissionalização e do trabalho. Conversamos também com esses <strong>jovens</strong> sobre os motivos<br />

que os levam a permanecer na escola:<br />

abandonado a escola:<br />

Porque a mãe manda eu vim pra escola, pra não virar vagabundo no meio da<br />

rua... Vagabundo... meio da rua, num tem o que dar não. Porque se num estudar<br />

vai... aí, puxar carga no meio do mundo... Terminar ao meno os estudos, po<strong>de</strong> até<br />

ter um trabalho melhor... Ensino Médio .... Pra mim ter um emprego bom pra mim<br />

ajudar a minha mãe. (Garoto <strong>de</strong> 14 anos, 8º Ano).<br />

Eu dou o maior valor aos meus estudos ... Algumas coisas, assim .... eu não<br />

correspondo a isso, mas... Eu me acho uma ótima aluna... Mas, algumas coisas<br />

assim, que eu <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> estudar... pra ... olhar quadrilha... (risos) Deixo meus<br />

estudos pra <strong>de</strong>pois, pra algumas coisas assim, sabendo que é mais importante...<br />

Aí, eu <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> lado, um pouquinho. (Garota <strong>de</strong> 14 anos, 8º Ano).<br />

Eu continuo estudando porque é a melhor opção, né, ficar em casa sem fazer<br />

nada, pra apren<strong>de</strong>r mais... (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 8º Ano).<br />

Dois entrevistados fizeram referência a amigos ou conhecidos que já haviam<br />

Meus amigos tudo <strong>para</strong>ram na quarta série... Sei lá... Acho que por causa <strong>de</strong><br />

brinca<strong>de</strong>ira também... Aí não queriam vir pra escola... (Garoto <strong>de</strong> 14 anos, 8ºAno).<br />

Conheço gente, assim, da minha ida<strong>de</strong>, que fizeram parte da minha infância,<br />

foram meus amigos, que hoje em dia é... Quiseram seguir outro caminho... rumo<br />

da marginalida<strong>de</strong> ... Tipo assim, a policia vai... Bate. Porque eles dizem que sem a<br />

escola também po<strong>de</strong> ter um mundo melhor.... Mas eu acho que sem a escola não,<br />

você tem que ter um emprego digno... (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 9º Ano).<br />

Percebemos que, assim como os estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso, os<br />

estudantes em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série da escola do Parque São José<br />

compartilham a crença <strong>de</strong> que a formação escolar po<strong>de</strong> lhes proporcionar um futuro melhor.<br />

Mas, há aspectos <strong>de</strong> seus contextos <strong>de</strong> vivência que os colocam em situações<br />

diferenciadas. Ao contrário dos <strong>jovens</strong> do Bonsucesso, esses entrevistados não<br />

expressaram necessida<strong>de</strong> urgente <strong>de</strong> inserção ou permanência no mundo do trabalho como<br />

uma condição <strong>para</strong> o sustento da família ou <strong>para</strong> o acesso a <strong>de</strong>terminados bens <strong>de</strong><br />

consumo. Outro elemento <strong>de</strong> variação percebido entre os dois grupos refere-se à maior


75<br />

proximida<strong>de</strong> dos <strong>jovens</strong> do Parque São José a uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais com pessoas<br />

portadoras <strong>de</strong> maior volume <strong>de</strong> capital cultural.<br />

4.3 Jovens do Ensino Médio na Série Recomendada <strong>para</strong> a Ida<strong>de</strong><br />

Sabemos que na matrícula do ensino diurno predominam os casos <strong>de</strong><br />

estudantes que ainda não se inseriram no mercado <strong>de</strong> trabalho. Entretanto, por intermédio<br />

<strong>de</strong> entrevistas e grupos focais i<strong>de</strong>ntificamos a presença tanto <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> trabalhadores nesse<br />

turno, bem como <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> não trabalhadores no período noturno, como po<strong>de</strong>mos observar<br />

nos relatos dos <strong>jovens</strong>:<br />

Trabalho <strong>de</strong> estagiária na Caixa Econômica da Al<strong>de</strong>ota... De catorze às <strong>de</strong>zoito<br />

horas. Consegui através dum projeto do bairro mesmo, lá na Vila Manoel Sátiro...<br />

Des<strong>de</strong> os 16 anos que eu queria trabalhar, assim. Na verda<strong>de</strong>, no colégio on<strong>de</strong> eu<br />

estudava que era particular, eu trabalhava <strong>de</strong> manhã e estudava à tar<strong>de</strong>, porque<br />

que eu era bolsista durante 6 anos... Comecei com 15 anos como auxiliar na sala<br />

<strong>de</strong> aula <strong>de</strong> infantil. Aí eu me adaptei aquela carga horária <strong>de</strong> manhã tá num local e<br />

<strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, tá na escola. Aí, quando completei 16 anos, aí fui chamada pra trabalhar.<br />

Aí... Eu achei foi bom, porque ficar em casa não era muito a minha praia não,<br />

porque eu já tava adaptada. (Garota <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, Manhã).<br />

Fazia bico, mas eu não pretendo trabalhar agora não que eu vou... Meu foco mais<br />

é nos estudos... Trabalhava ven<strong>de</strong>ndo bolinho lá pelo lado da beira mar... é<br />

recente agora ... Eu ia <strong>de</strong> manhã, tinha vez que eu faltava o colégio... Mas era<br />

muito difícil faltar <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>. Eu trabalhava com outra pessoa, ele mandava<br />

encomendar os bolos e nós ia buscar. De em vez quando dá pra fazer uns<br />

biquinhos. (2º Ano do Ensino Médio, 16 anos).<br />

Não trabalho... Estudo à noite porque é melhor, né? Nunca gostei <strong>de</strong> estudar pela<br />

manhã. À tar<strong>de</strong> tem o sol...e prefiro à noite. Tem vez que eu ajudo minha irmã a<br />

fazer algumas coisas... Assim, fixo não. Só algumas coisas. Da minha parte até<br />

que eu quero, né? A família exige, né?... Porque ajuda um pouco mais... Não<br />

cobram muito <strong>de</strong> mim direto, não... Trabalhei foi com serigrafia ... empresa ... eu<br />

fui só alguns dias.(Garoto <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Noite).<br />

Porque tava aparecendo uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emprego... Tá melhor do que à<br />

tar<strong>de</strong>... Ia trabalhar, só que não <strong>de</strong>u certo... Aí, fiquei logo à noite. (Garoto <strong>de</strong> 17<br />

anos, 3º Ano, Noite).<br />

Trabalho na área <strong>de</strong> administração e reposição... Na Al<strong>de</strong>ota... Atrapalha um<br />

pouco por causa do cansaço... (Garoto <strong>de</strong> Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).<br />

Eu, no primeiro ano, eu trabalhei na empresa da minha prima... Ai fica um pouco<br />

pesado... (Garoto <strong>de</strong> Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).<br />

Eu trabalho numa agência <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo... Aí eu tenho <strong>de</strong> ficar com um período<br />

livre... Porque às vezes aparece trabalho. (Garota do Ensino Médio, Noite, Grupo<br />

Focal).<br />

Eu trabalho no Pão <strong>de</strong> Açúcar como auxiliar <strong>de</strong> RH... Eu entro <strong>de</strong> sete... às doze.<br />

Só meio expediente. (Garoto do Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).<br />

Eu trabalho no Pão <strong>de</strong> Açúcar também. (Garoto do Ensino Médio, Noite, Grupo<br />

Focal).<br />

Eu já... Eu fiquei doente e não podia ficar faltando direto... Aí, eu saí. Era auxiliar<br />

<strong>de</strong> costura. (Garoto do Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).


76<br />

Ao contrário dos estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso, observamos que entre os<br />

<strong>jovens</strong> do Parque São José a inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho não se efetiva no mesmo<br />

contexto <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong>. A maioria dos entrevistados do Ensino Médio, que são<br />

trabalhadores, foi encaminhada através do Programa Primeiro Passo 39 com contrato formal<br />

<strong>de</strong> trabalho e carga horária <strong>de</strong>ntro dos parâmetros estabelecidos pelo ECA.<br />

Um dos <strong>jovens</strong> trabalhadores do ensino noturno <strong>de</strong>monstrou insatisfação quanto<br />

ao fato <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r estudar no período diurno. Embora sua jornada <strong>de</strong> trabalho fosse <strong>de</strong><br />

quatro horas diárias, como prevê a legislação <strong>para</strong> esses casos, a distância do local <strong>de</strong><br />

trabalho do jovem o impedia <strong>de</strong> chegar no horário previsto <strong>para</strong> o início das aulas à tar<strong>de</strong>. O<br />

jovem afirmou:<br />

Mas, eu não gosto <strong>de</strong> vim pro colégio, principalmente à noite... Eu estudava pela<br />

manhã. Aí, <strong>de</strong>pois que eu vim pra noite, eu fiquei mais <strong>de</strong>sinteressado. Só que<br />

como eu tô querendo fazer faculda<strong>de</strong>, eu vou ter que mudar, né? Mas, é muito<br />

ruim. Não que o trabalho esteja me atrapalhando, mas estudar a noite é muito<br />

chato, sei lá.... Duas horas eu já tô em casa. Aí <strong>de</strong> duas até seis e meia eu tô lá,<br />

sem fazer nada. Aí,... eu venho à noite pra cá, já <strong>de</strong>scansado... Mas, é muito<br />

chato à noite. Sei lá... (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano Noite, Grupo Focal).<br />

Para outros entrevistados, que não eram trabalhadores, a inserção no mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho na percepção da família e dos próprios entrevistados po<strong>de</strong>ria comprometer seus<br />

rendimentos escolares:<br />

Meus pais não <strong>de</strong>ixam, né? Porque eles acham que não dá pra conciliar estudo<br />

com trabalho, porque a maioria... Assim, a adolescente quando começa a<br />

trabalhar quer seu primeiro emprego... Acha que não precisa terminar os estudos.<br />

Aí o medo dos meus pais é esse. Eu acho que, também, eu não ia querer... , pra<br />

ter que estudar e ter que tá trabalhando. Ou você é responsável em uma coisa ou<br />

você é responsável em outra... Então, não dá pra abraçar tudo duma vez... Quem<br />

sabe ano que vem... Agora esse ano... não. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã).<br />

Eu não conseguiria, enten<strong>de</strong>u?Ir pra escola <strong>de</strong> manhã, trabalhar a tar<strong>de</strong> e período<br />

da noite. Acho que é muito cansativo. Então, ô, preferia fazer tudo agora,<br />

enten<strong>de</strong>u? Estudar, faculda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pois ... arrumar um emprego... Ficaria mais fácil<br />

(Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano do Ensino Médio, Grupo Focal)<br />

Eu acho que... a pessoa trabalhando se cansa. Aí, na hora <strong>de</strong> estudar, a pessoa<br />

num tá nem aí, porque fica cansada, num quer estudar. Aí, a pessoa sai da escola<br />

e vai trabalhar. Não tem tempo pra estudar... Desiste. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano<br />

do Ensino Médio, Grupo Focal).<br />

Também, às vezes, é por causa que a pessoa começa a trabalhar e se encanta<br />

com pouco dinheiro. Aí pensa que aquele dinheiro vai ser a maior coisa da vida. Aí<br />

pensa... Estudar não vai dar dinheiro... Aí esquece do estudo, fica só<br />

trabalhando.(Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano do Ensino Médio, Manhã).<br />

39 O Projeto social PRIMEIRO PASSO é direcionado aos <strong>jovens</strong> que querem ingressar no mercado <strong>de</strong> trabalho e<br />

é <strong>de</strong>senvolvido pela Secretaria do trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Ceará. Os<br />

<strong>jovens</strong> são inseridos em estágios em empresas privadas ou públicas.


77<br />

Tem <strong>jovens</strong> que acabam trabalhando <strong>de</strong>mais e esquecendo do estudo. Então,<br />

você trabalha <strong>de</strong>mais, você fica cansado. Às vezes você chega na escola e dorme<br />

porque ... trabalhou muito, tá cansado no outro dia. Mas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da pessoa,<br />

acho que não tem problema não. (Garota do 2º Ano do Ensino Médio, Grupo<br />

Focal).<br />

Eu tô vendo isso. Eu tô pensando em trabalhar ano que vem, mas eu vendo os<br />

prós e os contra, assim, porque o pessoal que já passa por isso tá dizendo já.<br />

Assim, pelo que eu vi, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito da pessoa mesmo... <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>... porque a<br />

pessoa vai se <strong>de</strong>dicar pra estudar... Vai ser uma prova a mais ... se a pessoa quer<br />

estudar mesmo. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano do Ensino Médio).<br />

De acordo com os <strong>de</strong>poimentos apresentados por vários pesquisados do Parque<br />

São José, seria possível permanecer apenas se <strong>de</strong>dicando aos estudos naquele momento.<br />

A entrada <strong>para</strong> o mundo do trabalho po<strong>de</strong>ria ser adiada até a conclusão, ao menos, do ciclo<br />

básico <strong>de</strong> estudos representado pelo Ensino Médio.<br />

Embora essa inserção <strong>para</strong> o mundo do trabalho tenha sido tratada com<br />

reservas e como um risco pelos entrevistados que se encontravam em uma situação familiar<br />

<strong>de</strong> melhor equilíbrio financeiro, quando com<strong>para</strong>da à da maioria do grupo, observamos nas<br />

narrativas <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> não trabalhadores, assim como <strong>de</strong> outros que já se encontravam<br />

no mercado, que essa inserção é percebida como uma alternativa <strong>para</strong> ajudar as famílias<br />

nas <strong>de</strong>spesas básicas <strong>de</strong> manutenção da casa ou <strong>para</strong> que os <strong>jovens</strong> pu<strong>de</strong>ssem comprar os<br />

bens <strong>de</strong>sejados. Mas, em suas falas, esses agentes sociais também expressam que o<br />

trabalho constitui um caminho na construção da autonomia do jovem, um elemento<br />

importante <strong>para</strong> seu processo <strong>de</strong> formação como pessoa responsável, como discutiremos a<br />

seguir.<br />

4.4 O Trabalho: Entre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajudar a Família, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Consumir e a<br />

formação <strong>para</strong> a Responsabilida<strong>de</strong><br />

Nos grupos focais, discutimos com os pesquisados sobre as motivações que<br />

levariam muitos <strong>jovens</strong> a se inserirem no mundo do trabalho antes da conclusão do Ensino<br />

Médio. As narrativas dos entrevistados apontam <strong>para</strong> as necessida<strong>de</strong>s familiares e<br />

individuais <strong>de</strong>sses sujeitos, mas procuram <strong>de</strong>stacar que o trabalho também tem importância<br />

<strong>para</strong> a construção da autonomia <strong>de</strong>sse jovem, <strong>para</strong> que ele comece a se tornar responsável,<br />

como po<strong>de</strong>mos perceber nas falas apresentadas a seguir:<br />

É porque às vezes a gente não quer ficar tipo assim, na cola do pai, né? Nem toda<br />

hora nosso pai tem dinheiro... A gente quer ter nossa própria renda, nosso próprio<br />

dinheiro... Não quer tá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do pai toda hora, porque nem toda hora ele<br />

tem dinheiro... (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 1ºAno do Ensino Médio Manhã, Grupo Focal).<br />

Pra não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r dos pais... Ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, ajudar os pais em casa... Aquele<br />

ar <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência. Ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos pais... (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano do<br />

Ensino Médio, Manhã).


78<br />

A maioria das pessoas pensa mais na família, ajudar a família. (Ensino Médio,<br />

Manhã, Grupo Focal).<br />

Pra não ficar pedindo o pai, mãe e às vezes o pai e a mãe não po<strong>de</strong> dar. (Garota<br />

<strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).<br />

Porque ... tem pessoas, tipo a minha mãe... Ela não conseguiu estudar porque no<br />

tempo <strong>de</strong>la era difícil. Minha mãe ela que começou a trabalhar com nove anos...<br />

Então, eu acho que é difícil porque tem muito jovem que se tornam viciados... Eles<br />

não vão per<strong>de</strong>r o tempo <strong>de</strong>les na escola. Ele vai querer trabalhar, né? ... Entre<br />

comer e ir pra escola, eles vão preferir comer... (Jovem <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano,<br />

Manhã, Grupo Focal).<br />

Eu acho que também pela in<strong>de</strong>pendência e também pra gente se pre<strong>para</strong>r mais,<br />

porque se a gente for passar a vida toda <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos nossos pais, assim, eles<br />

pagando a nossa escola, faculda<strong>de</strong>, tudo. Eles (os <strong>jovens</strong>) têm que ralar pra ver<br />

como é... já. (Garota do 1º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).<br />

Eu acho que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, porque ... é ... Às vezes, a gente como é sustentado pelos<br />

pais, muitas vezes eles não po<strong>de</strong>m dar tudo que a gente quer. Eu acho que ela<br />

começou a trabalhar pra comprar as coisas que ela precisa... que ela quer. Muitas<br />

vezes os nossos pais têm, mas não po<strong>de</strong>m dar porque têm que fazer outras<br />

coisas. (Garota do 1º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).<br />

É porque, é assim, cada caso é um caso, né? Tem uma família que quer dar tudo<br />

do bom e do melhor pro filho e tem a família que quer dar a mesma coisa, só que<br />

quer que ela aja sozinha, enten<strong>de</strong>u? Quer que ela vá trabalhar, quer que ela...<br />

tipo... Ela seja in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. A minha avó, ela é <strong>de</strong>ssa. Ela quer que eu trabalhe,<br />

que eu compre minhas coisa, que eu saiba dividir o meu tempo. Ela quer que eu<br />

faça curso... É... criar responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nova. Ela quer que eu saiba dividir tudo,<br />

a hora <strong>de</strong> estudar, a hora <strong>de</strong> trabalhar, a hora <strong>de</strong> namorar, a hora <strong>de</strong> conversar, <strong>de</strong><br />

brincar. Ela sempre foi assim, toda vida ela foi assim, mandando eu fazer a<br />

minhas coisas, né?(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã).<br />

Eu acho que é mais pra ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da família... Ás vezes situação<br />

financeira em casa, às vezes não é muita boa. A pessoa quer trabalhar pra ajudar<br />

ou, então, ao menos pra se manter.... eu acho que ajuda a pessoa a ter mais<br />

responsabilida<strong>de</strong>.... Se a pessoa ficar em casa só sem fazer nada, só no estudo,<br />

assim tem o horário do estudo, né?... E a pessoa ficar sem fazer nada, é, acabou<br />

<strong>de</strong> estudar, vai pro computador, fica ali brincando, conversando, a pessoa não cria<br />

a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cedo pra quando arranjar um trabalho. Não tem aquela<br />

experiência <strong>de</strong> trabalho, não sabe organizar as coisas... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º<br />

Ano Ensino Médio, Manhã).<br />

E até porque <strong>de</strong>pois que a gente terminar o ensino médio, é...quando a gente vai<br />

procurar emprego, se você não tiver nenhuma experiência fica mais difícil ... por<br />

isso que eu acho bom que a gente comece a trabalhar muito cedo pra quando<br />

chegar mais na frente a gente ter mais experiência pra colocar pontos no seu<br />

currículo.(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano do Ensino Médio, Grupo Focal).<br />

È porque os nossos pais, assim, bem que não po<strong>de</strong>m, alguns não po<strong>de</strong>m dar aí<br />

eles querem muito, aí eles vão atrás <strong>de</strong> algum trabalho ou quando a família não<br />

tem condições, vão ajudar, trabalhando.(Garota <strong>de</strong> 15 anos, !º Ano do Ensino<br />

Médio, Manhã)<br />

Pra ter in<strong>de</strong>pendência, pequena in<strong>de</strong>pendência e, às vezes, é porque precisa<br />

ajudar em casa, nem todo mundo tem condições, né? Boa condição <strong>de</strong> vida.. Aí,<br />

às vezes o jovem ver o sofrimento do pai e da mãe pra colocar alimentação <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> casa, não é o meu caso ... É porque eu gosto <strong>de</strong> luxar mermo... Eu gosto...<br />

(Garota <strong>de</strong> 17anos, 3º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).


79<br />

O trabalho, ele não atrapalha, ele ajuda, ele é benéfico. (Garota do 2º Ano, Manhã,<br />

Grupo Focal).<br />

É bem melhor começar a trabalhar antes <strong>de</strong> terminar os estudos do que esperar<br />

terminar os estudos todinho porque ... já começa com uma noção do que é o<br />

trabalho, assim, é melhor. (2º Ano, Manhã, Grupo Focal).<br />

Para esses pesquisados, maioria não trabalhadora, os <strong>jovens</strong> parecem <strong>de</strong>sejar<br />

ter uma renda que lhes permita o acesso aos bens ou espaços sociais que a condição<br />

econômica da família não favorece. Para Corti et al (2011), o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> consumo po<strong>de</strong><br />

constituir um imperativo <strong>para</strong> a inserção no mundo do trabalho.<br />

É necessário pensar que a garantia do direito à educação <strong>para</strong> esses <strong>jovens</strong><br />

exige o acesso a uma renda mínima que lhes permita permanecerem<br />

inseridos em processos educativos. Só assim po<strong>de</strong>r-se-á fazer frente às<br />

seduções do trabalho ou das aparentes facilida<strong>de</strong>s ofertadas pela<br />

criminalida<strong>de</strong>. Manter esses <strong>jovens</strong> na escola exige dos gestores públicos<br />

outros compromissos que associem à escolarida<strong>de</strong> outras políticas sociais<br />

<strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> uma maior equida<strong>de</strong> <strong>para</strong> todos e todas. (CORTI et al,<br />

2011, p.56).<br />

Na visão <strong>de</strong>sses autores, a permanência dos <strong>jovens</strong> nos processos educativos<br />

exige uma ação articulada entre as políticas <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong>mais políticas sociais que<br />

possam promover a equida<strong>de</strong> entre os <strong>jovens</strong>, evitando que muitos <strong>de</strong>les acabem seduzidos<br />

pelo dinheiro proporcionado pelo trabalho como foi também apontado em uma das<br />

narrativas: “É por causa que a pessoa começa a trabalhar e se encanta com pouco dinheiro.<br />

Aí pensa que aquele dinheiro vai ser a maior coisa da vida”.<br />

Mas, o trabalho é também consi<strong>de</strong>rado pelos pesquisados como espaço <strong>de</strong><br />

formação, <strong>de</strong> experiência e <strong>de</strong> aprendizagem <strong>para</strong> a responsabilida<strong>de</strong> como foi expresso<br />

pelas suas falas. Segundo Leite (2003), em nossas socieda<strong>de</strong>s há uma visão positiva da<br />

imagem do trabalhador que estaria associada à condição <strong>de</strong> ser um cidadão em oposição<br />

ao não trabalhador que em <strong>de</strong>terminadas situações é consi<strong>de</strong>rado “marginal”. Para esse<br />

autor,<br />

Essa visão do trabalho é fundamental <strong>para</strong> enten<strong>de</strong>r seu significado <strong>para</strong> os<br />

<strong>jovens</strong> em qualquer situação econômica; mas em especial <strong>para</strong> os setores<br />

populares, que constituem a maioria da população. O trabalho po<strong>de</strong> ser<br />

nesse contexto, espaço vital <strong>de</strong> aprendizado, <strong>de</strong> socialização, <strong>de</strong> afirmação<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do jovem, inclusive <strong>de</strong> práticas sociais potencialmente<br />

libertadoras. (LEITE, 2003, p.156).<br />

O trabalho, além da família e da escola, constitui mais uma instância <strong>de</strong><br />

socialização e <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recondução das disposições construídas por esses<br />

sujeitos em suas trajetórias sociais, pois “Os atores são o que as suas múltiplas<br />

experiências sociais fazem <strong>de</strong>les. São chamados a ter comportamentos, atitu<strong>de</strong>s variadas<br />

segundo os contextos em que são levados a evoluir”. (LAHIRE, 2002, p.198). Entretanto, é


80<br />

importante pensar acerca das condições sob as quais esses agentes se inserem no mundo<br />

laboral uma vez que assumir “qualquer trabalho” po<strong>de</strong> não significar oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

formação, mas <strong>de</strong> submissão, exploração e continuida<strong>de</strong> do ciclo <strong>de</strong> pobreza que muitos<br />

<strong>jovens</strong> brasileiros já vivenciam em suas histórias familiares.<br />

4.5 Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Relações Socais<br />

Já comentamos, anteriormente, que os <strong>jovens</strong> do Parque São José que se<br />

encontram em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série em turmas <strong>de</strong> 8º e 9º Anos apresentavam<br />

uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais caracterizada por uma maior proximida<strong>de</strong> com a cultura<br />

consi<strong>de</strong>rada legítima quando com<strong>para</strong>dos com os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso.<br />

No caso dos estudantes do Ensino Médio, alguns <strong>jovens</strong> indicaram não haver<br />

em seu ciclo <strong>de</strong> relações amigos ou familiares que estivessem cursando o Ensino Superior,<br />

como observamos nas falas abaixo:<br />

Na minha família, assim, os meus tios tudim fizeram ( o Ensino Médio). Agora pai,<br />

mãe e vó... Só a minha mãe que chegou mais perto, mas não terminou, ela<br />

chegou só até o 9º ano. Ela ia até agora fazer o EJA, mas não fez não, ainda não.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã, Grupo Focal).<br />

A única pessoa que chegou no ensino médio foi a minha tia. (Garota <strong>de</strong> 16 anos,<br />

2º Ano, Manhã, Grupo Focal)<br />

A minha prima vai fazer o ENEM só pra terminar os estudos. Ela tá no primeiro<br />

ano, vai fazer ENEM. Já é <strong>de</strong> maior. Aí, se ela passar, ela termina... Só pra isso<br />

ela tá indo... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Tar<strong>de</strong>. Grupo Focal).<br />

faculda<strong>de</strong>:<br />

No entanto, verificamos que a maioria possuía familiares e amigos cursando<br />

Tenho dois primos que fazem faculda<strong>de</strong>. Alguns amigos meus fazem... Meu primo<br />

ele faz faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Música... e o outro ... eu não lembro... Uma amiga, ela faz <strong>de</strong><br />

Jornalismo... Um no Antonio Bezerra, outro na Avenida da universida<strong>de</strong>. (Garota<br />

<strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Manhã).<br />

Algumas colegas minhas. ... Um tá fazendo Engenharia <strong>de</strong> Petróleo, na UFC,<br />

outra tá fazendo Letras também na UFC e o outro tá fazendo Direito na UNIFOR.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã).<br />

Meu pai tem Administração.... Fisioterapia, meu tio, na FANOR também. Eu tenho<br />

dois primos meu que fazem contabilida<strong>de</strong>. (Garoto do 2º Ano, Grupo Focal)<br />

Tenho tias formadas. Minhas primas mais velhas, uma faz Pedagogia e a outra faz<br />

Direito. (Garota <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, Grupo Focal).<br />

A minha prima faz Medicina, a minha outra prima, irmã <strong>de</strong>la, ela faz Direito<br />

também. A minha tia já fez turismo e ela fez também informática. (Garota <strong>de</strong> 15<br />

anos, 1º Ano, Grupo Focal).<br />

Eu tenho uma prima que tá na faculda<strong>de</strong>, duas primas... Uma faz Educação Física<br />

e a outra é História Paleolítica, alguma coisa assim.... (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano,<br />

Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).


81<br />

Na minha rua tem uma menina formada em Contabilida<strong>de</strong>... Tá fazendo<br />

graduação. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Eu tenho uma tia que faz Pedagogia. Tem um que faz Educação Física... Tem um<br />

amigo meu, que ele até que estudou aqui, ele tá fazendo Letras/Português. Ele<br />

quer ser professor. Ele vai ...talvez no quarto semestre <strong>de</strong>le, ele vem ensinar<br />

aqui... Conheço um que faz Fisioterapia. (Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).<br />

Tenho um amigo que ele faz Administração. Tem outro amigo que faz Direito e<br />

tem um ex-namorado meu que ele faz Ciências Humanas na UFC.(Ensino Médio,<br />

Noite, Grupo Focal).<br />

Minha mãe já fez ... Administração. (Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).<br />

Tenho uma prima que faz faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Física. (Ensino Médio, Noite, Grupo<br />

Focal).<br />

Entre os pais dos <strong>jovens</strong> pesquisados, há situações <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong> no campo<br />

do trabalho, mas também foram referidos casos <strong>de</strong> trabalho formal. As ocupações dos pais<br />

mencionadas pelos entrevistados foram: Corretor <strong>de</strong> carro e moto, Motorista <strong>de</strong> caminhão<br />

baú, Diarista, Operador <strong>de</strong> máquina, Construção Civil, Pintor, Prestador <strong>de</strong> serviços,<br />

Ajudante <strong>de</strong> caminhão, Empregada Doméstica, Departamento <strong>de</strong> Recursos Humanos,<br />

Comerciante e Depiladora. Nos Grupos Focais poucos <strong>jovens</strong> fizeram referência às<br />

profissões ou ocupações dos pais e familiares.<br />

O contexto <strong>de</strong> vivência <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> que se encontram no Ensino Médio, na<br />

série recomendada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>, apresenta maior circulação <strong>de</strong> capital cultural e capital<br />

social entre familiares e amigos, o que po<strong>de</strong> contribuir <strong>para</strong> que se estabeleça a illusio em<br />

relação à educação e eles permaneçam no jogo acreditando que há chances <strong>de</strong> obter<br />

resultados futuros a partir dos investimentos empreendidos na escola, no presente. A troca<br />

<strong>de</strong> experiência com os familiares ou amigos que conseguiram alcançar outras posições<br />

<strong>de</strong>ntro do campo da educação po<strong>de</strong> favorecer a aquisição das regras e do senso do jogo,<br />

fundamentais <strong>para</strong> que continuem inseridos no jogo e acreditando que vale a pena jogá-lo.<br />

Assim como verificamos entre os entrevistados matriculados nas turmas <strong>de</strong> 8º e<br />

9º Anos, há <strong>jovens</strong> do Ensino Médio que também participam <strong>de</strong> grupos organizados pelas<br />

Igrejas locais. Alguns dos entrevistados não costumam sair nos finais <strong>de</strong> semana ou fazem<br />

programas esporádicos com os familiares, como po<strong>de</strong>mos perceber nas falas abaixo:<br />

Eu fico em casa, ajudo minha, às vezes vou pra casa da minha irmã. Aí, eu<br />

também vou pra Igreja. Aí, eu ajudo lá, participo dos eventos, dos projetos.<br />

(Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1ºAno, Manhã)<br />

Ai meu Deus do Céu. ... Eu costumo ficar mais em casa, lendo. Quem vê pensa<br />

que é mentira. Mas, é porque meus pais não me <strong>de</strong>ixam sair muito, não. Eles não<br />

são <strong>de</strong> me liberar muito, não. Pra mim po<strong>de</strong>r sair, assim, pra algum show , coisa<br />

assim, tem que ser com pessoa <strong>de</strong> maior e <strong>de</strong> confiança.(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º<br />

Ano, Manhã)


82<br />

Eu gosto mais <strong>de</strong> ocupar minha mente lendo, <strong>de</strong>senhando coisa. Tenho violão e<br />

teclado. Meu irmão que me ensinou. Igreja, ”Sopro da Vida”. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos,<br />

2º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

Ir pra casa da namorada, sair às vezes pra um lazer, praia também. (Garoto <strong>de</strong> 16<br />

anos, 2º Ano, Noite).<br />

É Grupo <strong>de</strong> <strong>jovens</strong>, eu canto lá, teatro, tem um bocado <strong>de</strong> coisa.... a gente vai pras<br />

igrejas. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Manhã, Grupo Focal)<br />

Cinema, eu gosto <strong>de</strong> teatro Dragão do Mar, eu uso muito aqueles espaço... Eu<br />

saio mais com meus irmãos... (Garota do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).<br />

Eu não tenho muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair, não... Gosto <strong>de</strong> ficar em casa. Mas, às vezes<br />

quando meu pai quando ele quer ir, a gente vai. Mas, só, como ele é<br />

caminhoneiro, aí ele não tá em casa muitas vezes. Aí ... é mais casa muitas vezes<br />

(Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Manhã, Grupo Focal).<br />

Quando conversamos sobre a existência <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong>senvolvidos no bairro<br />

direcionados aos <strong>jovens</strong>, a maioria dos entrevistados do Parque São José, moradores do<br />

lugar, fez referência à participação no Projeto Vida Nova, <strong>de</strong>senvolvido pela Associação<br />

Beneficente ABEMCE 40 , <strong>de</strong>monstrando conhecimento das ações <strong>de</strong>senvolvidas por essa<br />

instituição, como po<strong>de</strong>mos observar através <strong>de</strong>ssas falas:<br />

Conheço o Projeto Vida Nova... ou mais conhecido como ABEMCE - Associação<br />

Beneficente ao Menor Carente... É uma instituição que... Ela ajuda criança. Aí tem<br />

padrinho, aí ajudam as pessoas que são apadrinhadas... Mas, no caso aí ele<br />

recebe, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da renda da família. Já participo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança... Mas<br />

hoje,... Eu sou só apadrinhado, mas eu não frequento muito lá.... Doado pelos<br />

Estados Unidos. Eles mandam (dinheiro)... pra mim. Eles mandam porque todos<br />

alunos que participam do projeto eles ganham dinheiro no final do ano. Aí<br />

encaminham até a loja da escola... e compram até aquela quantia... Mas, tem<br />

alunos que recebem a mais ... Com a renda da pessoa, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da<br />

necessida<strong>de</strong>, tem gente que ganha mais, tem gente que ganha menos. Mas, no<br />

final, do ano todo mundo ganha o mesmo valor.... Eu estu<strong>de</strong>i lá, aí <strong>de</strong>pois fui pro<br />

colégio do Município, <strong>de</strong>pois vim pra cá e agora eu faço só curso lá....<br />

Antigamente parece que era até <strong>de</strong>zoito, mas agora quando a gente chega aos<br />

15, 16 anos a gente começa a participar do Pré-aprendiz que é pre<strong>para</strong>tório <strong>para</strong> o<br />

Jovem Aprendiz. Quando chega no Jovem Aprendiz a gente participa <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong><br />

contabilida<strong>de</strong>, essas coisas pra po<strong>de</strong>r ser encaminhado ao mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

Tem aluno que se quiser po<strong>de</strong> ficar trabalhando na escola... Depen<strong>de</strong>ndo..., se a<br />

dona <strong>de</strong>ixar. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano manhã).<br />

Faço Projeto... Vida Nova. Eles ensinam música lá. Vai ter Jovem Aprendiz...<br />

(Ensino Médio, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Eu tô entrando agora num projeto pra estagio. Eu tô entrando nesse projeto<br />

agora... Já fui chamada já... Eu recebi a ligação que eu levasse os documentos...<br />

Tem que tá estudando. Tem que ter notas boas... Tem que ter 17 anos...<br />

Exigência da empresa. (Garota <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano Manhã, Grupo Focal).<br />

Tem o projeto... Vida Nova... Tem apadrinhamento, oferecem empregos <strong>para</strong><br />

<strong>jovens</strong> <strong>de</strong> 17 anos. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 9º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

40 Associação Beneficente ao Menor Carente do Parque São José – ABEMCE é também conhecida pelos<br />

entrevistados como Projeto Vida Nova. A Instituição é mantida através do apoio <strong>de</strong> instituições religiosas, bem<br />

como parcerias governamentais e oferece os seguintes serviços à comunida<strong>de</strong>: Creche, Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esporte e<br />

lazer, cultura, saú<strong>de</strong> e assistência social. Desenvolve também o Projeto Jovem Aprendiz e encaminha os<br />

participantes <strong>para</strong> empresas com as quais mantém parceria. Site: www.abemce.com.


83<br />

Além do Projeto Vida Nova, os entrevistados, em menor número <strong>de</strong> casos,<br />

mencionaram outras ações <strong>de</strong>senvolvidas por instituições governamentais, como o CITS 41 ,<br />

programa <strong>de</strong>senvolvido pela Secretaria <strong>de</strong> Trabalho e Desenvolvimento Social, PROJOVEM<br />

Adolescente, Programa do Governo Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>senvolvido em parceria com os Estados e<br />

Municípios. Em Fortaleza, as ações do Projovem Adolescente são <strong>de</strong>senvolvidas pelos<br />

Centros <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Assistência Social (CRAS) 42 vinculado à Secretaria <strong>de</strong> Assistência<br />

Social da Prefeitura Municipal. Foi citado ainda um curso pre<strong>para</strong>tório <strong>para</strong> o Instituto<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação – IFCE realizado pela Secretaria <strong>de</strong> Educação do Município <strong>de</strong><br />

Fortaleza- SME. Sobre as ativida<strong>de</strong>s realizadas através <strong>de</strong>ssas instituições os <strong>jovens</strong><br />

comentaram:<br />

O CITS antes era chamado <strong>de</strong> ABC... Agora é CITS... Lá tem muitos esportes, tem<br />

balé, tem cursos profissionalizantes. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Manhã).<br />

Eu... vou voltar a fazer balé, mas ainda vai começar... Aqui do lado... É que é o<br />

antigo ABC. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã)<br />

Eu participava .. .do PROJOVEM. Eu fazia dança <strong>de</strong> rua... É, eu parei... no CRAS.<br />

Aí eu fazia lá... era um projeto... Aí tinha o Break , eu dançava. Só que eu tava me<br />

<strong>de</strong>dicando muito à dança e esquecendo um pouco os estudos. Aí minha mãe<br />

disse ou eu dançava ou estudava. Eu preferi estudar. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, Ensino<br />

Médio, Noite, Grupo Focal).<br />

Faço PROJOVEM ... Tem cara que vai lá só pra comer... é tipo recreativo. (Garoto<br />

<strong>de</strong> 16 anos, Ensino Médio, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Nos grupos focais, perguntamos aos <strong>jovens</strong> do Parque São José se eles<br />

consi<strong>de</strong>ravam que esses projetos ou ativida<strong>de</strong>s realizadas em outras instituições tinham<br />

influência sobre seus processos <strong>de</strong> formação. Duas <strong>jovens</strong> afirmaram:<br />

Eu acho que tem porque eles me ensinaram bastante coisa, não só o Break... mas<br />

tinha outras coisas e eu aprendi muita coisa lá: como se comportar numa<br />

entrevista <strong>de</strong> emprego e tal. Eles davam essas dicas. Era muito legal. (Garota <strong>de</strong><br />

16 anos, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).<br />

Eu fiz um curso pre<strong>para</strong>tório pro CEFET, aí os professores <strong>de</strong> lá eram muito<br />

<strong>jovens</strong>, aí ele passou as coisas que falavam sobre a vida <strong>de</strong>les, como foi difícil.<br />

41 O CITS - Centro <strong>de</strong> Inclusão Tecnológica e Social apresenta como objetivo promover ações direcionadas à<br />

qualificação profissional. Essas ações têm como público os <strong>jovens</strong> entre 16 e 24 anos, mas também mulheres<br />

chefes <strong>de</strong> famílias inseridas no Cadastro Único (beneficiárias ou não do Programa Bolsa Família, bem como<br />

trabalhadores autônomos, pessoas com <strong>de</strong>ficiência, quilombolas, afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, indígenas e apenas e<br />

egressos do sistema penal e <strong>de</strong> medidas sócio-educativas. Esse Programa, portanto, não se restringe à<br />

população jovem. Em Fortaleza, há 07 (sete) Centros localizados nos seguintes bairros: Conjunto Ceará,<br />

Jangurussu, José Walter, Messejana (São Bernardo, Mucuripe, Lagamar e Parque São José. Fonte:<br />

www.stds.ce.gov.br (Consulta realizada em 31/12/12).<br />

42 Os CRAS – Centros <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Assistência Social localizam-se em áreas consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong><br />

vulnerabilida<strong>de</strong> social. Suas ações são direcionadas a “[...] famílias e indivíduos em seu contexto comunitário,<br />

visando à orientação <strong>para</strong> o fortalecimento dos convívios sociofamiliar e comunitário”. Ativida<strong>de</strong>s realizadas nas<br />

se<strong>de</strong>s dos CRAS: ativida<strong>de</strong>s socioeducativas, acompanhamento social, oficinas <strong>de</strong> convivência, ativida<strong>de</strong>s<br />

lúdicas e culturais, campanhas educativas e preventivas e concessão <strong>de</strong> benefícios eventuais previstos em lei.<br />

Fonte: www.fortaleza.ce.gov.br/semas. Consulta realizada em 01/01/13.


84<br />

Acho que acaba sendo um estímulo pra gente. Aí, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse tempo, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>sse curso que eu fiz, eu comecei a ver as coisas <strong>de</strong> outra forma, mais como um<br />

pre<strong>para</strong>tório pro futuro. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).<br />

Os projetos ou ações citadas pelos entrevistados são realizados em locais nas<br />

proximida<strong>de</strong>s da escola ou em bairros vizinhos que não exigem a utilização <strong>de</strong> transporte<br />

<strong>para</strong> o <strong>de</strong>slocamento dos <strong>jovens</strong>. As duas últimas falas apresentadas acima remetem a uma<br />

reflexão sobre a importância da ampliação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais dos <strong>jovens</strong> <strong>para</strong><br />

outros espaços institucionais como uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas vivências, possibilida<strong>de</strong> que<br />

parece mutilada <strong>para</strong> os estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso, cujas narrativas <strong>de</strong>monstraram<br />

não dispor do mesmo acesso a projetos ou ações direcionadas aos <strong>jovens</strong>, com exceção<br />

daqueles realizados pelas Igrejas locais, <strong>de</strong> forma assistemática, ou por organizações<br />

governamentais realizados em bairros mais distantes.<br />

Em consulta realizada ao site da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento<br />

Social do Ceará – STDS não i<strong>de</strong>ntificamos nenhum Programa ou Equipamento público <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa Secretaria localizados no bairro Bonsucesso, como po<strong>de</strong>mos<br />

observar no Mapa abaixo:<br />

Figura 1: Mapa <strong>de</strong> Fortaleza com a distribuição dos Programas e Equipamentos da Secretaria <strong>de</strong> Trabalho e<br />

Desenvolvimento Social por bairros e Regionais – 2011. Fonte: www.stds.ce.gov.br


85<br />

De acordo com o Mapa, no Parque São José há um equipamento da STDS em<br />

funcionamento, o CITS, como foi mencionado no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> uma das entrevistadas.<br />

Consultamos também os programas <strong>de</strong>senvolvidos pela Secretaria <strong>de</strong> Assistência Social do<br />

Município <strong>de</strong> Fortaleza e verificamos que, no campo da Assistência, a Regional V, on<strong>de</strong> fica<br />

inserido o bairro Parque São José, há 07 (sete) CRAS os quais funcionam nos seguintes<br />

bairros: Aracapé, Conjunto Esperança, Granja Portugal, Bom Jardim, Conjunto Ceará<br />

(CRAS Genibaú), Canin<strong>de</strong>zinho, além do CRAS Mondubim, localizado nas proximida<strong>de</strong>s da<br />

Escola do Parque São José e que foi referido por dois <strong>jovens</strong> que partici<strong>para</strong>m <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

no referido equipamento público.<br />

O Bonsucesso pertence à Regional III que apresenta 02 (dois) CRAS em<br />

funcionamento: um localizado no bairro Bela Vista e outro no Quintino Cunha, bairros<br />

relativamente distantes do Bonsucesso, o que po<strong>de</strong> dificultar o acesso dos entrevistados às<br />

ações <strong>de</strong>senvolvidas por essa instituição.<br />

4.6 O Lugar <strong>de</strong> Moradia: Imagens construídas sobre o Parque São José<br />

Parte dos estudantes entrevistados não resi<strong>de</strong> no próprio bairro, mas em bairros<br />

ou comunida<strong>de</strong>s vizinhas à área <strong>de</strong> localização da escola. Perguntamos aos estudantes<br />

moradores do bairro se eles gostavam <strong>de</strong> residir naquela área da Cida<strong>de</strong> e se consi<strong>de</strong>ravam<br />

o lugar tranquilo. As narrativas dos <strong>jovens</strong> dão indicações <strong>de</strong> que a visão construída por<br />

esses sujeitos acerca do Parque São encontra-se associada às situações do cotidiano <strong>de</strong><br />

cada um <strong>de</strong>les. Para aqueles que experimentaram ou presenciaram situações <strong>de</strong> roubos,<br />

assaltos ou cenas <strong>de</strong> crime, o bairro estaria per<strong>de</strong>ndo um pouco da tranquilida<strong>de</strong> que já<br />

teriam vivenciado em outros momentos. No entanto, algumas falas <strong>de</strong>monstram que essas<br />

situações eram percebidas, particularmente, em períodos <strong>de</strong> festas ou datas<br />

comemorativas, como po<strong>de</strong>mos observar em suas falas:<br />

Tava mais tranquilo. Já agora, tá ficando um pouco perigoso por causa que tá em<br />

datas comemorativas. Geralmente é tranquilo... (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 9º Ano)<br />

Tranquilo ... Só que, como todo bairro, tem os problemas com droga.(Garota <strong>de</strong> 17<br />

anos, 3º Ano, Manhã).<br />

Eu achava tudo tão tranquilo até o dia que entrou uma pessoa lá em casa e<br />

roubou a moto do meu pai... Vai fazer cinco meses. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano,<br />

Manhã)<br />

Gosto, apesar das coisas que ocorrem no bairro.... Eu não acho (tranquilo) ... Eu<br />

já fui assaltado quase em frente à escola... Segunda vez. Foi quando eu ia embora<br />

pra casa...(Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Manhã)<br />

Gente morrendo... por causa <strong>de</strong> dívida <strong>de</strong> droga, mais por causa disso.(Garoto <strong>de</strong><br />

16 anos, 2º Ano, Manhã).<br />

É bom.Tem uma época que é tranquilo, outras não... Homicídio.( Garoto <strong>de</strong> 16<br />

anos, 2º Ano, manhã)


86<br />

[,,,, ] já vi muito homem passando lá perto <strong>de</strong> casa com revolver, aqui, sabe, é,<br />

nas costas, material in<strong>de</strong>vido, droga. Já vi usando também. Mas, ...eu sempre tive<br />

medo, por isso eu não saio <strong>de</strong> casa. Meus amigos, eu converso pela internet. Eu<br />

não saio <strong>de</strong> casa. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Manhã)<br />

Não. Daqui pra baixo não é tranquilo não ... Daqui pra baixo não é não.(Garota <strong>de</strong><br />

16 anos, 2º Ano, Manhã)<br />

Ultimamente tá tendo muito assalto...Aproveitam pra pegar os alunos que está<br />

vindo pra escola. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã)<br />

Algumas partes, é tranquilo... Agora, o problema, é só os roubos. Eu vejo muita<br />

gente dizendo <strong>de</strong> roubo.(Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Manhã)<br />

Aon<strong>de</strong> eu moro não é morte, assim, ... <strong>de</strong> cidadão, não. É ladrão matando outro.<br />

(Garota Ensino Médio, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal)<br />

É bom, mas falta segurança, também. (Garoto Ensino Médio Noite, Grupo Focal).<br />

Os <strong>jovens</strong> do Parque São José, em suas narrativas, dão indicações <strong>de</strong> que<br />

essas práticas que retiram a tranquilida<strong>de</strong> do bairro não são ocorrências frequentes. Assim<br />

como foi expresso pelos estudantes do Bonsucesso, há problemas relacionados a roubos,<br />

ao tráfico <strong>de</strong> drogas e mortes em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> dívidas do tráfico. Entretanto, percebemos<br />

pelos <strong>de</strong>poimentos dos estudantes do Parque São José que essas situações parecem mais<br />

distantes <strong>de</strong> suas vivências cotidianas se com<strong>para</strong>das às experiências dos entrevistados do<br />

Bonsucesso cujos relatos indicaram uma convivência muito próxima com esses problemas<br />

sociais, tendo sido comentada a participação <strong>de</strong> irmãos, primos ou vizinhos em práticas<br />

ligadas ao uso <strong>de</strong> drogas ou ao tráfico.<br />

Percebemos ao longo das narrativas dos <strong>jovens</strong> do Parque São José que eles<br />

parecem estar menos vulneráveis a esses problemas acima referidos. Ao contrário, os<br />

estudantes <strong>de</strong> EJA, moradores do Bonsucesso, expressaram maior exposição aos riscos<br />

representados pela inserção precária no mundo do trabalho, bem como aos problemas que<br />

po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>correr da proximida<strong>de</strong> com o tráfico <strong>de</strong> drogas, colocando-os em uma situação <strong>de</strong><br />

vulnerabilida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> afetar suas trajetórias sociais.<br />

Essas experiências vividas pelos estudantes <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso e pelos<br />

estudantes do Parque São José, seja no campo escolar, no mundo do trabalho ou em<br />

relação aos seus contextos familiares e re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais corroboram <strong>para</strong> a<br />

percepção que esses sujeitos constroem sobre o mundo vivido, bem como influenciam seus<br />

sonhos ou projetos <strong>para</strong> o futuro.


87<br />

5 EDUCAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO E FUTURO: DISPOSIÇÕES<br />

DOS JOVENS DE ESCOLAS PÚBLICAS<br />

É ser costureira... Meu sonho é só isso. Eu só quero acabar até o 3º. (Garota <strong>de</strong><br />

17 anos, EJA V).<br />

Poxa vida, será que aquilo que eu tô planejando vai dar certo? Ou será que eu<br />

<strong>de</strong>vo primeiro seguir o que o meu pai quer e <strong>de</strong>pois o que eu quero? .... Eu fico<br />

pensando, assim, em questão <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>. Porque eu queria fazer era ...<br />

Arquitetura, só que ele diz que é pra mim fazer Administração. Aí eu fico, assim,<br />

meio em dúvida porque ele fica me dizendo que ... Arquitetura não dá muito aqui<br />

no Brasil. Aí, eu fico meio pensativa. Mas, eu também pensei em fazer Pedagogia,<br />

eu gosto muito <strong>de</strong> trabalhar conversando... Pois é, aí eu também sou professora<br />

na escola dominical... Eu também gosto muito <strong>de</strong> dar aula... (Garota <strong>de</strong> 15 anos,<br />

1º Ano Manhã).<br />

É <strong>de</strong> cada pessoa, né? Tem gente que quer faculda<strong>de</strong>, outras não. Eu não quero<br />

ainda porque eu ainda não sei o que é que eu quero. Eu sei que, por enquanto, o<br />

que eu tenho em cabeça é curso, eu tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer curso. (Garota <strong>de</strong> 16<br />

anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).<br />

Informática, Engenheiro... Sei lá. ... Ora, se o Policial do Ronda 43 ganha dois mil...<br />

Eu quero ser é do Ronda pra andar <strong>de</strong> hylux... Ser do GATE 44 ... (Garoto <strong>de</strong> 16<br />

anos, EJA IV, Noite).<br />

Uma das preocupações presentes em nossa pesquisa esteve direcionada às<br />

intenções dos <strong>jovens</strong> em cursar o Ensino Superior. No entanto, os <strong>de</strong>poimentos dos nossos<br />

interlocutores, ao longo da pesquisa, foram nos mostrando diferentes expectativas em<br />

relação ao futuro, nem sempre vinculadas a um projeto <strong>de</strong> vida centralizado no acesso à<br />

Universida<strong>de</strong>.<br />

As preocupações que nos movem em nossas investigações na tentativa <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r “a realida<strong>de</strong>”, mediante a construção arbitrária <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> estudo po<strong>de</strong>m,<br />

muitas vezes, estar distantes do universo do pensamento dos sujeitos pesquisados.<br />

Formulamos questões as quais muitos <strong>de</strong> nossos interlocutores jamais se fizeram ou<br />

buscaram respon<strong>de</strong>r. Proce<strong>de</strong>mos “[...] como se fosse universal a disposição <strong>de</strong> encarar sua<br />

própria experiência e sua própria prática como um objeto <strong>de</strong> conhecimento a respeito do<br />

qual se possa pensar e falar [...]” (BOURDIEU, 2001, p.74).<br />

Dessa forma, em nosso empreendimento investigativo, corremos o risco <strong>de</strong> não<br />

receber <strong>de</strong> nossos interlocutores o retorno esperado, pretendido. As questões formuladas<br />

43 O jovem fez referência ao Programa Ronda do Quarteirão criado pelo Governo do Estado do Ceará em 2007.<br />

O referido Programa é <strong>de</strong>finido pelo Governo estadual como uma estratégia <strong>de</strong> policiamento concentrada na<br />

filosofia da Polícia Comunitária, como tentativa <strong>de</strong> criar uma polícia técnica mais próxima da socieda<strong>de</strong>. Fonte:<br />

www.pm.ce.gov.br. Consulta realizada em 16/03/2013.<br />

44 O GATE – Grupo <strong>de</strong> Ações Táticas Especiais é um batalhão da Polícia <strong>de</strong> Choque do Estado do Ceará “que<br />

atua somente nas ocorrências <strong>de</strong> alta complexida<strong>de</strong>, tais como: ocorrências com reféns localizados, ocorrências<br />

em estabelecimentos penais, assaltos a bancos, sequestros, escolta a presos <strong>de</strong> alta periculosida<strong>de</strong>, combate ao<br />

crime organizado, atendimento <strong>de</strong> ocorrências envolvendo artefatos explosivos” <strong>de</strong>ntre outras missões. Fonte:<br />

www.pm.ce.gov.br. Consulta realizada em 16/03/2013.


88<br />

são nossas questões, talvez não lhes inquietem em suas práticas ordinárias do cotidiano,<br />

seja na escola, no trabalho ou em outros campos do mundo vivido. No entanto, assim<br />

mesmo, corremos aqui o risco <strong>de</strong> colocá-las e <strong>de</strong> tentar construir significados sobre aquilo<br />

que nos chega através <strong>de</strong> suas narrativas.<br />

Neste Capítulo refletimos sobre as questões abordadas com os <strong>jovens</strong> acerca <strong>de</strong><br />

suas disposições em relação ao futuro: pretensões <strong>de</strong> cursar o Ensino Médio, no caso do<br />

grupo composto pelos estudantes em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série no Ensino<br />

Fundamental, assim como as intenções quanto à profissionalização e/ou inserção no Ensino<br />

Superior, nesse caso, incluindo os <strong>jovens</strong> do Ensino Médio na série recomendada <strong>para</strong> a<br />

ida<strong>de</strong>.<br />

5.1 Perspectivas construídas por Jovens <strong>de</strong> EJA do Mondubim e Bonsucesso: Crença<br />

ou Ilusão?<br />

Para muitos <strong>jovens</strong> da escola do Mondubim ainda persiste a expectativa <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> dos estudos e <strong>de</strong> profissionalização futura. A maioria <strong>de</strong>les fez referência ao<br />

interesse em cursar o Ensino Médio, como alternativa <strong>para</strong> conseguir um “emprego melhor”.<br />

Preten<strong>de</strong>m participar <strong>de</strong> cursos profissionalizantes e cursar o Ensino Superior. Embora<br />

tenham apresentado indicações dos cursos <strong>de</strong> profissionalização e cursos superiores que<br />

pretendiam cursar, as respostas indicaram certo <strong>de</strong>sconhecimento por parte <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong><br />

quanto à diferenciação entre <strong>de</strong>terminados cursos <strong>de</strong> nível médio e cursos <strong>de</strong> nível superior,<br />

bem como em relação aos processos <strong>de</strong> acesso a esses cursos. Os principais cursos<br />

referidos pelos <strong>jovens</strong> foram: Informática, Cabeleireiro e Bombeiro, predominando o curso<br />

<strong>de</strong> Informática. Entre os cursos superiores foram citados: curso <strong>de</strong> Nutrição, Contabilida<strong>de</strong>,<br />

Pedagogia, Veterinária e Enfermagem. Alguns <strong>jovens</strong> afirmaram o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se tornarem<br />

Policiais.<br />

Essas expectativas e projeções <strong>para</strong> o futuro, entretanto, não se apresentavam<br />

presente em todos os <strong>jovens</strong>. Alguns afirmavam permanecer na escola por uma exigência<br />

dos pais e, nesses casos, as faltas <strong>de</strong>sses alunos eram mais frequentes do que <strong>de</strong> alguns<br />

<strong>jovens</strong> que eram estudantes trabalhadores, mas que frequentavam, sistematicamente, as<br />

aulas.<br />

As observações realizadas entre os <strong>jovens</strong> do Mondubim permitiram perceber<br />

que entre gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses sujeitos a crença <strong>de</strong> que as chances <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> posição no<br />

jogo não são totalmente nulas. Entretanto, é preciso pensar que nem sempre a disposição<br />

<strong>para</strong> <strong>crer</strong> ou a crença está associada a uma disposição <strong>para</strong> agir, pois


89<br />

[...] vivemos em socieda<strong>de</strong>s em que os atores po<strong>de</strong>m incorporar crenças<br />

(normas, mo<strong>de</strong>los, valores, i<strong>de</strong>ais...) sem ter os meios (materiais e/ou<br />

disposicionais) <strong>para</strong> respeitá-las, <strong>para</strong> concretizá-las, <strong>para</strong> atingi-las ou<br />

realizá-las [...] Mais fundamentalmente ainda, os atores po<strong>de</strong>m ter<br />

interiorizados normas, valores, i<strong>de</strong>ais ... sem terem podido forjar os hábitos<br />

a agir que lhes permitiriam atingir seu i<strong>de</strong>al. (LAHIRE, 2004, p.333).<br />

Essa disposição <strong>para</strong> <strong>crer</strong>, expressa pelas narrativas dos <strong>jovens</strong> pesquisados,<br />

po<strong>de</strong> estar associada aos próprios valores incorporados, interiorizados através da<br />

experiência escolar, uma vez que a escola ten<strong>de</strong> a reforçar a importância da continuida<strong>de</strong><br />

dos estudos como pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> o futuro. As respostas apresentadas ao pesquisador<br />

po<strong>de</strong>m apenas tentar confirmar esses valores introjetados durante sua trajetória escolar.<br />

Para os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> EJA que apresentam um percurso <strong>de</strong> muitas dificulda<strong>de</strong>s na<br />

esfera do processo <strong>de</strong> aprendizagem escolar, será mais problemático forjar os hábitos que<br />

lhes possam permitir atingir seus i<strong>de</strong>ais, particularmente se esses i<strong>de</strong>ais se esten<strong>de</strong>m a<br />

esferas do mundo acadêmico ou profissional em que as exigências ou cre<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong><br />

acesso estão além do volume <strong>de</strong> capital cultural e capital social acumulado ao longo <strong>de</strong> suas<br />

trajetórias escolares. A compreensão da existência <strong>de</strong> certos limites às possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

sonhar po<strong>de</strong> ser expressa pela fala <strong>de</strong> uma das estudantes da EJA III:<br />

Meu sonho é também ser costureira... Eu gosto muito e eu vou querer apren<strong>de</strong>r<br />

costurar já que eu não vou assim, né? Exercer uma profissão assim como as<br />

outras... Eu não sei ler direito... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA III).<br />

A estudante <strong>de</strong>monstra compreensão <strong>de</strong> que a posição em que se encontra em<br />

seu processo <strong>de</strong> aprendizagem constituiria impedimento <strong>para</strong> o acesso a profissões <strong>de</strong><br />

prestígio social em que o domínio da cultura escolar constitui uma condição fundamental. As<br />

experiências vividas por essa jovem em sua trajetória escolar e profissional po<strong>de</strong>m ter<br />

contribuído <strong>para</strong> a limitação <strong>de</strong> suas expectativas em relação ao futuro e tê-la conduzido a<br />

uma percepção do mundo na qual se vê na posição em que a sua condição lhe permite<br />

estar. O <strong>de</strong>poimento da entrevistada nos remete ao pensamento <strong>de</strong> Bourdieu (2011a) ao<br />

afirmar que<br />

[...] a concordância das expectativas com as probabilida<strong>de</strong>s, das<br />

antecipações com as realizações, está no princípio <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong><br />

“realismo” enquanto sentido da realida<strong>de</strong> e senso das realida<strong>de</strong>s que faz<br />

com que, <strong>para</strong> além dos sonhos e das revoltas, cada um tenda a viver “<strong>de</strong><br />

acordo com a sua condição”, segundo a máxima tomista, e tornar-se<br />

inconscientemente cúmplice dos processos que ten<strong>de</strong>m a realizar o<br />

provável. (p. 90-91).<br />

Embora não possamos generalizar esse posicionamento <strong>de</strong> Bourdieu <strong>de</strong> que<br />

todos tendam a viver <strong>de</strong> acordo com a condição em que se encontram e que não possam se<br />

contrapor a essa condição <strong>para</strong> tentar transformá-la, enten<strong>de</strong>mos que o caso da estudante<br />

que <strong>de</strong>seja ser costureira po<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que essa jovem não visualiza <strong>de</strong>ntro do seu


90<br />

espaço social possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mudança na condição vivida, o que po<strong>de</strong> indicar não<br />

somente um “senso <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>” <strong>de</strong> que o fato <strong>de</strong> não saber ler não lhe permite sonhar com<br />

o acesso a outras profissões. Mas, também, po<strong>de</strong> indicar que a entrevistada não percebe<br />

em sua volta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio, seja da escola, seja <strong>de</strong> outras ações institucionais no<br />

bairro. Não haveria alternativas a serem buscadas.<br />

Em uma <strong>de</strong> suas narrativas, já comentada em outra parte <strong>de</strong>ste estudo, a<br />

mesma afirmou: “[...] a minha vonta<strong>de</strong> é <strong>de</strong> ler muito, mas eu não... (chora). Ninguém me<br />

ensina...” A expressão “ninguém” po<strong>de</strong>ria implicitamente conter o sentimento <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong><br />

uma ação direcionada a esse problema, particularmente, da escola, instância <strong>de</strong><br />

socialização em que o processo <strong>de</strong> alfabetização aparece como uma <strong>de</strong> suas atribuições no<br />

contexto da educação da socieda<strong>de</strong>.<br />

Nesses casos em que os <strong>jovens</strong> não i<strong>de</strong>ntificam a existência <strong>de</strong> condições<br />

objetivas que possam concretizar suas pretensões no campo da educação, torna-se mais<br />

difícil o processo <strong>de</strong> construção das disposições <strong>para</strong> agir, consi<strong>de</strong>rando que as próprias<br />

disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong> po<strong>de</strong>rão ser fragilizadas diante dos impedimentos percebidos em suas<br />

trajetórias escolares vividas no presente.<br />

Apesar da <strong>de</strong>scrença na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter outra profissão além <strong>de</strong> costureira,<br />

a jovem afirmou preten<strong>de</strong>r cursar o Ensino Médio. A intenção <strong>de</strong> prosseguir os estudos até<br />

esse nível <strong>de</strong> ensino foi verificada entre todos os outros entrevistados <strong>de</strong> EJA do<br />

Bonsucesso:<br />

Terminar todinho. Melhor <strong>para</strong> arranjar trabalho. (16 anos, EJA IV).<br />

Terminar e fazer faculda<strong>de</strong>. (17 anos, EJA IV).<br />

O povo diz que é bom fazer o Ensino Médio. (16 anos, EJA IV)<br />

É por isso que eu to fazendo o EJA. Eu quero terminar. Vou pro Heráclito (João<br />

XXIII) (Jovem <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Em uma conversa observada no pátio entre algumas estudantes que estavam<br />

concluindo a EJA V, as <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>monstraram <strong>de</strong>scontentamento quanto à escola <strong>de</strong> Ensino<br />

Médio <strong>para</strong> a qual estariam sendo transferidas ao final do ano letivo. Referida escola fica<br />

distante <strong>de</strong> suas residências, dificultando o <strong>de</strong>slocamento diário das estudantes durante o<br />

período noturno, tendo em vista a distância e o risco <strong>de</strong> roubos ou assaltos. De acordo com<br />

as <strong>jovens</strong>, não haveria mais vagas <strong>para</strong> a escola mais próxima e todos os estudantes <strong>de</strong><br />

EJA da escola pesquisada do Bonsucesso estariam sendo transferidos <strong>para</strong> a unida<strong>de</strong><br />

escolar mais distante.


91<br />

Em consulta realizada ao Site da SEDUC 45 foi verificada a existência <strong>de</strong> uma<br />

única Escola <strong>de</strong> Ensino Médio da Re<strong>de</strong> Pública Estadual <strong>de</strong> Ensino no bairro Bonsucesso -<br />

a EEFM Pici das Pedreiras. Mas, <strong>de</strong> acordo com informações da secretária da escola dos<br />

entrevistados, a EEFM Pici das Pedreiras geralmente não apresenta vagas <strong>para</strong> o Ensino<br />

Médio disponíveis aos estudantes <strong>de</strong> outras escolas do Bonsucesso, visto que essas vagas<br />

são <strong>de</strong>stinadas, preferencialmente, aos estudantes já oriundos do Ensino Fundamental<br />

<strong>de</strong>sta mesma escola.<br />

Comentando acerca da EEFM Pici das Pedreiras, a secretária da escola<br />

pesquisada afirmou: “O Pici das Pedreiras sempre tá lotado. Nunca tem vaga. E não tem<br />

nada muito próximo”.<br />

Como foi afirmado pela entrevistada, não há outras escolas <strong>de</strong> Ensino Médio<br />

próximas à área <strong>de</strong> residência dos <strong>jovens</strong>. Dessa forma, eles são encaminhados a<br />

estabelecimentos da Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> Ensino em outros bairros como Parangaba, Henrique<br />

Jorge ou Conjunto Ceará, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da oferta <strong>de</strong> vagas e da escolha dos estudantes.<br />

Essa escolha se limita às opções que lhes são disponibilizadas no processo <strong>de</strong><br />

remanejamento 46 entre escolas.<br />

As limitações quanto às opções <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> Ensino Médio acessíveis aos<br />

concluintes das turmas <strong>de</strong> EJA somam-se às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso a outros serviços <strong>de</strong><br />

educação, cultura, lazer e assistência social já sinalizadas pelos <strong>jovens</strong> durante as<br />

entrevistas e grupos focais.<br />

As disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong> na viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> futuro<br />

apresentadas pelos <strong>jovens</strong> são afetadas pelas tramas do cotidiano representadas pela<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso à escola <strong>de</strong>ntro das condições que lhes sejam a<strong>de</strong>quadas, pela<br />

inserção em formas <strong>de</strong> trabalho não apropriadas à sua condição juvenil, <strong>de</strong>ntre outras<br />

situações. Tais situações po<strong>de</strong>m imprimir nesses atores sociais um senso <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que<br />

os levem a pensar que o sucesso no campo da educação e do trabalho não seja <strong>para</strong><br />

“pessoas como eles”.<br />

45 www.seduc.ce.gov.br Consulta realizada em 05/03/2013.<br />

46 O Remanejamento é um procedimento realizado <strong>para</strong> a transferência <strong>de</strong> estudantes entre as escolas da Re<strong>de</strong><br />

Pública. Neste caso específico <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> estudantes entre a Re<strong>de</strong> Municipal e Re<strong>de</strong> Estadual, esse<br />

procedimento é classificado como remanejamento externo. De acordo com a Portaria Nº 1053/2011 GAB da<br />

Secretaria da Educação do Ceará, Diário Oficial do Estado <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2011, o Remanejamento “[...]<br />

efetiva-se através <strong>de</strong> planejamento prévio entre os gestores das escolas municipais e estaduais, sob a<br />

coor<strong>de</strong>nação das CREDE ou SEFOR e Secretarias Municipais <strong>de</strong> Educação”. A referida Portaria ainda afirma<br />

que “Cada escola, <strong>de</strong> acordo com o planejamento prévio, <strong>de</strong>ve receber o aluno remanejado garantindo sua<br />

vaga”.


92<br />

5.1.1 Terminar o Ensino Médio e Pronto: A<strong>de</strong>us<br />

Como mencionamos no início <strong>de</strong>ste Capítulo, a ascensão ao Ensino Superior<br />

não ocupa a centralida<strong>de</strong> das pretensões <strong>de</strong> nossos interlocutores. Para alguns <strong>de</strong>sses<br />

sujeitos, a conclusão da Educação Básica através do Ensino Médio, particularmente entre<br />

alguns estudantes <strong>de</strong> EJA, constituiria a meta escolar final a ser alcançada, como<br />

verificamos na fala <strong>de</strong>ssa jovem: “Num penso não. Só ensino médio mesmo. Terminou o<br />

ensino médio, pronto, a<strong>de</strong>us”. (EJA V, 16 anos).<br />

O <strong>de</strong>poimento da jovem apresentado durante um dos grupos focais foi seguido<br />

<strong>de</strong> risos dos colegas. No entanto, os risos não <strong>de</strong>monstraram reprovação pela atitu<strong>de</strong> da<br />

jovem em não <strong>de</strong>sejar dar continuida<strong>de</strong> aos estudos, mas à forma como expressou esse<br />

<strong>de</strong>sinteresse em fazer um curso universitário. Além <strong>de</strong>la, outra estudante também afirmou<br />

querer concluir apenas o 3º Ano do Ensino Médio e ser costureira, “Só ficar sentada”.<br />

(Garota <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

As necessida<strong>de</strong>s práticas do mundo vivido colocam-se no comando das<br />

representações elaboradas por essas <strong>jovens</strong> em relação à educação. A continuida<strong>de</strong> da<br />

formação nesse campo da educação não encontra espaço nos projetos <strong>de</strong> vida das<br />

entrevistadas que <strong>de</strong>monstraram indiferença em relação ao ingresso em uma Faculda<strong>de</strong>. A<br />

conclusão do Ensino Médio talvez seja consi<strong>de</strong>rada pelas <strong>jovens</strong> como a escolarida<strong>de</strong><br />

necessária <strong>para</strong> garantir o acesso à profissão <strong>de</strong>sejada: ser costureira – ocupação que<br />

talvez seja percebida pelas estudantes como capaz <strong>de</strong> lhes proporcionar as condições<br />

materiais necessárias à existência.<br />

Todos os outros entrevistados indicaram em suas falas a pretensão <strong>de</strong> fazer um<br />

curso universitário, como comentaremos a seguir. No entanto, quando foram indagados<br />

acerca do tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> profissional que gostariam <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver, muitos fizeram<br />

referência a profissões que não apresentam, na maioria das vezes, a exigência <strong>de</strong> curso<br />

superior <strong>para</strong> exercê-las, como: aten<strong>de</strong>nte da Oi, Ven<strong>de</strong>dora <strong>de</strong> loja <strong>de</strong> Shopping, Jogador<br />

<strong>de</strong> Futebol, Policial, Bombeiro, computação e Desenhista. Durante um dos grupos focais, ao<br />

conversarmos sobre o interesse em cursos universitários, um dos estudantes afirmou:<br />

Administração... Eu quero ser policial .... Meu pai queria ser policial, mas só que<br />

não <strong>de</strong>u.... Não... Mas eu quero ser policial. Meu pai também quer. Eu tenho um<br />

tio que também trabalha <strong>de</strong> policial. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

O jovem, inicialmente, afirmou a intenção <strong>de</strong> cursar Administração, mas foi mais<br />

incisivo sobre o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser policial, profissão que, inclusive, já é <strong>de</strong>senvolvida pelo tio e<br />

que fez parte dos sonhos <strong>de</strong> seu pai. A existência <strong>de</strong> uma pessoa próxima, como o tio, que


93<br />

faz parte do seu cotidiano e exerce a função <strong>de</strong> policial, confere ao jovem maior<br />

familiarida<strong>de</strong> com a profissão, permitindo-lhe percebê-la como um projeto alcançável.<br />

A afirmação da pretensão <strong>de</strong> cursar o Ensino Superior e, ao mesmo tempo, a<br />

manifestação do interesse em <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s profissionais que não exigem esse<br />

nível <strong>de</strong> formação talvez seja expressão <strong>de</strong> um conflito que se instaura entre o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

alcançar sonhos profissionais socialmente valorizados e o “realismo” ou senso da realida<strong>de</strong><br />

vivida que indicaria aos <strong>jovens</strong> a exata proporção dos sonhos que po<strong>de</strong>m ser, efetivamente,<br />

realizados.<br />

5.1.2 Será que eu vou “chegar lá” também?<br />

Entre os 20 (vinte) participantes da pesquisa na escola do Bonsucesso, 18<br />

(<strong>de</strong>zoito) <strong>jovens</strong> afirmaram a pretensão <strong>de</strong> ingressar na Universida<strong>de</strong>. Os cursos superiores<br />

referidos pelos pesquisados das turmas <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso foram: Informática,<br />

Administração, Psicologia, Medicina, Direito e Enfermagem. O curso <strong>de</strong> direito foi citado por<br />

três <strong>jovens</strong>. Os <strong>jovens</strong> afirmaram:<br />

Às vezes, eu vejo gente na faculda<strong>de</strong>, me preocupo: será que eu vou chegar lá<br />

também? (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Eu penso em Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito. Me formar em Advogada . Des<strong>de</strong> pequena que<br />

eu quero me formar em advogada, <strong>de</strong>legada. (EJA V, 16 anos)<br />

Advocacia e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Advocacia me formar em Promotor.... Eu acho que tem que<br />

estudar muito e se empenhar. Gostei muito <strong>de</strong>ssa profissão porque lá em São<br />

Paulo, minha madrinha, quase todo mundo lá é ... Promotor, Advogado. (EJA V,<br />

17 anos)<br />

Eu penso ser Enfermeira... Sempre quis... Tem uma amiga minha que trabalha lá<br />

no Alberto Sabin,ela é doutora... Ela andava lá na minha sogra... (Garota <strong>de</strong> 16<br />

anos, EJA IV).<br />

Pensei, mas não tem nada <strong>de</strong>cidido ainda não. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Outra parte dos <strong>jovens</strong> afirmou querer fazer faculda<strong>de</strong>, sem especificar o curso<br />

pretendido. Em seus <strong>de</strong>poimentos, <strong>de</strong>ram indicações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecimento dos cursos<br />

oferecidos pelas Universida<strong>de</strong>s, bem como da localização <strong>de</strong> Universida<strong>de</strong>s ou Faculda<strong>de</strong>s<br />

existentes em Fortaleza. O estudante que, na primeira fala reproduzida acima, questiona se<br />

um dia po<strong>de</strong>rá também chegar à Faculda<strong>de</strong> afirmou não saber quais os cursos oferecidos<br />

pelas universida<strong>de</strong>s, bem como on<strong>de</strong> elas se localizariam na Cida<strong>de</strong>.<br />

Mesmo com a abertura <strong>de</strong> algumas Faculda<strong>de</strong>s particulares em bairros mais<br />

afastados das áreas centrais <strong>de</strong> Fortaleza, como verificamos no entorno dos bairros <strong>de</strong><br />

residência dos entrevistados, os estudantes <strong>de</strong> EJA não <strong>de</strong>monstraram em suas narrativas o<br />

reconhecimento <strong>de</strong>sses espaços <strong>de</strong> Ensino Superior. Já entre os estudantes <strong>de</strong> 8º e 9º Anos


94<br />

e os <strong>de</strong> Ensino Médio da Escola do Parque São José foram feitas referências a essas<br />

instituições particulares, tendo em vista que alguns <strong>de</strong>sses entrevistados apresentavam<br />

familiares ou conhecidos matriculados nessas e em outras instituições <strong>de</strong> Educação Superior.<br />

O universo social <strong>de</strong>sses estudantes interfere em seus projetos <strong>de</strong> vida:<br />

familiares, amigos, vizinhos, colegas <strong>de</strong> trabalho contribuem <strong>para</strong> o processo <strong>de</strong> construção e<br />

recondução <strong>de</strong> suas disposições em relação ao mundo nos vários momentos <strong>de</strong> sua trajetória<br />

social. Desse modo, a convivência com um grupo social que valoriza e acredita no potencial<br />

da educação po<strong>de</strong> fortalecer a crença dos <strong>jovens</strong> nos resultados que ela po<strong>de</strong> imprimir em<br />

suas vidas. Da mesma forma, se aqueles que compõem sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações posicionam-se<br />

<strong>de</strong> maneira cética ou indiferente aos efeitos da educação sobre seus percursos sociais, tal<br />

posição po<strong>de</strong>rá fragilizar a expectativa <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> em relação ao retorno concreto que a<br />

educação po<strong>de</strong>ria, efetivamente, lhes garantir.<br />

Observamos nas narrativas dos entrevistados que os cursos superiores referidos<br />

por nossos interlocutores <strong>de</strong> EJA constituem campos acadêmicos <strong>para</strong> os quais a entrada<br />

exige o domínio <strong>de</strong> certos conhecimentos que esses sujeitos, provavelmente, não tiveram<br />

acesso em suas trajetórias escolares aci<strong>de</strong>ntadas, marcadas por dificulda<strong>de</strong>s no processo <strong>de</strong><br />

aprendizagem, pela convivência em um universo familiar e comunitário em que os saberes <strong>de</strong><br />

prestígio nem sempre se fazem presentes. Situações muitas vezes agravadas, em alguns<br />

casos, pela entrada precoce no mundo do trabalho e sob condições precárias. A inserção em<br />

turmas <strong>de</strong> EJA, modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino em que a proposta curricular apresenta uma<br />

composição compacta quando com<strong>para</strong>da ao ensino regular, representaria mais um<br />

obstáculo nesse processo <strong>de</strong> inserção dos pesquisados nos cursos superiores citados,<br />

afastando-os da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “chegar lá”.<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos o “chegar lá” como ganhar o jogo, alcançar o projeto <strong>de</strong> vida<br />

pensado e <strong>de</strong>sejado po<strong>de</strong>mos inferir que, particularmente <strong>para</strong> nossos interlocutores da turma<br />

<strong>de</strong> EJA, há muitas situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem que diminuem suas chances <strong>de</strong> vencer esse<br />

jogo. Bourdieu (2001) afirma que esse não é um jogo <strong>de</strong> sorte que possa ser com<strong>para</strong>do ao<br />

da roleta on<strong>de</strong> os lances são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Mas, um tipo <strong>de</strong> um jogo que leva em conta os<br />

resultados acumulados por seus ancestrais. Para Bourdieu (2001, p.262),<br />

[...] Os que falam em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> esquecem que os jogos sociais,<br />

o jogo econômico, mas também os jogos culturais [...] sem ser propriamente<br />

viciada, a competição se assemelha a uma corrida <strong>de</strong> handicap cuja duração<br />

remontaria a diversas gerações anteriores ou a jogos em que cada jogador<br />

disporia dos ganhos positivos ou negativos <strong>de</strong> todos os que o prece<strong>de</strong>ram, ou<br />

seja, dos resultados acumulados por todos os seus ancestrais. Seria preciso<br />

compará-los a jogos em que os jogadores acumulam progressivamente pontos<br />

positivos ou negativos, ou melhor, um capital mais ou menos importante, o qual


95<br />

orienta suas estratégias <strong>de</strong> jogo, conforme as tendências [...] inerentes a seu<br />

habitus e ligadas, em certa medida, ao volume <strong>de</strong>sse capital.<br />

As reflexões do autor mais uma vez reforçam o entendimento <strong>de</strong> que as reservas<br />

<strong>de</strong> capital seja ele econômico, social ou cultural constituem as bases <strong>para</strong> a elaboração das<br />

estratégias <strong>para</strong> continuar jogando e ter possibilida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> chegar vitorioso ao final. Para<br />

a maioria dos entrevistados <strong>de</strong> EJA, as reservas <strong>de</strong> capital cultural, saberes exigidos <strong>para</strong> o<br />

ingresso no mundo acadêmico, po<strong>de</strong>m estar comprometidas pelos “pontos negativos”<br />

acumulados, representados pelas falhas em seus processos formativos no campo da<br />

educação escolar que po<strong>de</strong>m inviabilizar, em alguns casos, a entrada <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> no<br />

espaço universitário.<br />

Desse modo, não po<strong>de</strong>mos falar que esteja garantida a esses estudantes,<br />

efetivamente, igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>para</strong> se “chegar lá” se esse lugar que se <strong>de</strong>seja<br />

alcançar exige dos postulantes uma carga <strong>de</strong> volume <strong>de</strong> capital econômico, social e cultural<br />

que eles não conseguiram acumular ocupando a posição em que se encontram no mundo<br />

social.<br />

5.2 A gente já vive o presente pensando no futuro<br />

A gente já vive o presente, já pensando no futuro. Eu, tipo assim, eu vivo em<br />

função <strong>de</strong>le porque mais tar<strong>de</strong> eu vou, tipo, precisar <strong>de</strong> alguma coisa pra po<strong>de</strong>r<br />

me manter, tipo continuar caminhando num caminho mais amplo pra melhorar os<br />

horizontes. Aí, a gente precisa pensar agora pra mais tar<strong>de</strong> a gente só praticar e<br />

conquistar. (Garota <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, manhã)<br />

Porque no colégio particular, eu não pensava muito essas coisas... <strong>de</strong> futuro,<br />

assim. No colégio público, você começa a imaginar. ... As coisas apertam, assim.<br />

Você querer po<strong>de</strong>r saber o que você quer logo ... Tem que começar a pensar<br />

aquilo, se <strong>de</strong>stacar mais naquilo que você quer. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 9º Ano,<br />

Tar<strong>de</strong>).<br />

As narrativas dos entrevistados do Parque São José, tanto dos <strong>jovens</strong> que se<br />

encontram em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série no Ensino Fundamental, quanto daqueles<br />

que se encontram no Ensino Médio, na série recomendada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>monstram haver<br />

entre esses sujeitos a preocupação com as ações ou tomadas <strong>de</strong> posição no presente<br />

consi<strong>de</strong>radas necessárias <strong>para</strong> a construção do futuro que projetam em seus sonhos. A<br />

maioria <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> preten<strong>de</strong> ingressar na Universida<strong>de</strong>, embora ainda apresentem<br />

in<strong>de</strong>finições quanto à opção <strong>de</strong> curso superior.<br />

Eu mudo muito. Assim, eu antes queria ser enfermeira só mesmo pra usar branco,<br />

que eu achava lindo. Só que <strong>de</strong>pois eu quis ser Jornalista... porque eu gostava da<br />

matéria. Só que <strong>de</strong>pois... Eu me foquei mais assim nos estudos. Aí, eu comecei a<br />

ver que eu queria ensinar... porque tinha um professor que eu gostava muito do<br />

jeito que ele ensinava... E também a questão da minha igreja, as pessoas que<br />

falam tão bem... Só que eu não sabia qual a matéria... Geografia... Acho que é<br />

uma matéria que eu queria... Dá muitas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conhecer lugares... Eu<br />

acho que tem que fazer uma coisa que lhe agra<strong>de</strong>, que tenha a ver mais do que


96<br />

com a questão do dinheiro... Se eu for fazer uma coisa que não me interesse...<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 9º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

Eu tento ir além do Ensino Médio, sem o Ensino Médio eu não consigo o<br />

Superior... Vou fazer o Enem e vou fazer o vestibular da UECE pra Nutrição.<br />

(Ensino Médio, Manhã, Grupo focal).<br />

Eu tô pensando em fazer <strong>para</strong> Ciência da Computação que eu sou bom nessa<br />

área. (Ensino Médio, Manhã, Grupo focal).<br />

Eu <strong>de</strong>cidi no Terceiro Ano. Eu vinha no Nono ano querendo Psicologia. Aí, quando<br />

cheguei pro Segundo, comecei a me envolver muito na cozinha... Eu cozinho<br />

muito bem, queria Gastronomia. Aí, mu<strong>de</strong>i... Agora, eu quero Nutrição. (Garota <strong>de</strong><br />

17 anos, 3º Ano, Manhã, Grupo Focal).<br />

Mas, há também indicações <strong>de</strong> outras carreiras profissionais que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

curso universitário, o que nos indica que a projeção <strong>de</strong> futuro apresentada pelos<br />

pesquisados não estaria, necessariamente, associada à conclusão <strong>de</strong> um curso<br />

universitário, como po<strong>de</strong>mos observar através <strong>de</strong> algumas falas:<br />

Eu gosto muito <strong>de</strong> ser motorista <strong>de</strong> ônibus. Eu pretendo ir além... Por um lado<br />

penso em fazer (Faculda<strong>de</strong>), por outro não. Tem que quebrar muito a cabeça.<br />

Pensava em medicina. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, tar<strong>de</strong>)<br />

Eu pretendo fazer administração, mas eu foco mais é pra conseguir... Seguir a<br />

carreira do Exército. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, noite).<br />

Mesmo consi<strong>de</strong>rando importante fazer um curso universitário, alguns <strong>jovens</strong><br />

compreen<strong>de</strong>m que a conclusão do Ensino Superior não é garantia <strong>de</strong> inserção profissional<br />

no mercado <strong>de</strong> trabalho. Duas entrevistadas afirmaram:<br />

Eu acho que precisa porque ... é ... Eu acho que a faculda<strong>de</strong>, você vai ganhar<br />

mais. Não pelo dinheiro, mas você vai ter uma cabeça mais ... Como é que eu<br />

posso falar... Vai ter mais conhecimentos. Aí, você vai po<strong>de</strong>r arranjar um emprego<br />

melhor do que só com o ensino médio. Certo que muitas pessoas terminam a<br />

Faculda<strong>de</strong>, mas não conseguem o emprego que quer, enquanto que a pessoa faz<br />

só o Ensino Médio e consegue ganhar mais do que outras que terminaram<br />

Faculda<strong>de</strong>. Aí, é muito relativo essas coisas. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Manhã,<br />

Grupo Focal).<br />

Eu quero (Faculda<strong>de</strong>). Mas, só que tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da pessoa, né? Tudo é uma<br />

<strong>de</strong>cisão. Então, não adianta você ir pra faculda<strong>de</strong>, gastar o seu dinheiro durante<br />

todos aqueles anos e quando é no final, você não fazer nada, viver como vivia<br />

antes ... ou pior. Então, tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da pessoa... Também como nós, que não<br />

adianta nós passarmos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Primeira Série até o Nono, terminando o<br />

Fundamental, aí vamos terminar o Ensino Médio e quando sair daqui a gente<br />

também não fazer nada... Ou trabalhar no Center Box. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano<br />

ensino médio tar<strong>de</strong>).<br />

As entrevistadas expressaram o entendimento <strong>de</strong> que o investimento <strong>de</strong> tempo<br />

e/ou dinheiro em cursos universitários não resultariam, necessariamente, em ganhos<br />

financeiros futuros, consi<strong>de</strong>rando que tais ganhos, em <strong>de</strong>terminados casos, po<strong>de</strong>riam ser<br />

alcançados apenas com o Ensino Médio. Uma <strong>de</strong>las fez referência ao supermercado Center<br />

Box procurando <strong>de</strong>monstrar que a inserção em um emprego nessa empresa, em certa


97<br />

medida, representaria o mesmo que “não fazer nada”, ou o fracasso do investimento<br />

escolar, uma vez que era <strong>para</strong> esse supermercado local que muitos <strong>jovens</strong> da escola já<br />

eram encaminhados mesmo ainda cursando o Ensino Médio. O posicionamento da jovem<br />

expressa o pensamento <strong>de</strong> que trabalhar no Center Box após a conclusão <strong>de</strong> certa trajetória<br />

no campo escolar constituiria uma situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprestígio.<br />

O círculo das esperanças nos títulos proporcionados pela educação fragiliza-se<br />

quando não são percebidas oportunida<strong>de</strong>s concretas <strong>para</strong> a vida profissional futura. Alguns<br />

<strong>de</strong>sses títulos, como a certificação da Educação Básica e mesmo <strong>de</strong> Ensino Superior, como<br />

foi mencionado por uma das entrevistadas, não seriam mais percebidos como garantia <strong>de</strong><br />

ocupação dos cargos <strong>de</strong>sejados e <strong>para</strong> a entrada em novas posições sociais. De acordo<br />

com Bourdieu (2001, p.286),<br />

De um lado, a generalização do acesso à educação – com o consequente<br />

<strong>de</strong>scompasso estrutural, logo as posições esperadas, e os cargos obtidos – e da<br />

insegurança profissional ten<strong>de</strong> a multiplicar situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sajuste, geradoras <strong>de</strong><br />

tensões e frustrações. Encontram-se praticamente extintos os universos nos quais<br />

a coincidência quase perfeita, entre tendências objetivas e expectativas, converte<br />

a experiência do mundo num enca<strong>de</strong>amento contínuo <strong>de</strong> antecipações<br />

confirmadas.<br />

O autor nos remete ao entendimento <strong>de</strong> que, em certos contextos, não há<br />

certezas <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> um encontro perfeito entre os títulos obtidos através do acesso à<br />

educação e a inserção nos cargos ou novas posições almejadas. Portanto, não haveria mais<br />

antecipações confirmadas mesmo <strong>para</strong> aqueles que parecem seguir um percurso escolar<br />

que po<strong>de</strong>ria conduzir ao sucesso profissional, como os nossos interlocutores do Ensino<br />

Médio.<br />

Esses entrevistados também expressaram dúvidas sobre o que <strong>de</strong>sejam em<br />

relação ao futuro, em relação às suas escolhas profissionais. Mas, apenas uma das<br />

pesquisadas foi incisiva na afirmação <strong>de</strong> que ingressar em uma Faculda<strong>de</strong> não constituiria<br />

seu objetivo principal naquele momento:<br />

Eu não sei. Eu queria mais era fazer cursos. Eu quero fazer muito curso...<br />

Faculda<strong>de</strong>, eu não sei, faculda<strong>de</strong> eu não penso ainda não... Eu acho que é assim,<br />

fazer a faculda<strong>de</strong> ... Você passa quatro anos só numa coisa, e eu não sei como é<br />

que eu quero ainda, o que eu quero exatamente, eu não sei ainda. Aí, por<br />

enquanto, eu vou fazendo um curso <strong>de</strong> informática ou qualquer área, assim, pra<br />

ver se consegue alguma coisa boa até que eu saiba o que eu queira pro futuro.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

A estudante foi enfática na afirmação <strong>de</strong> que pretendia fazer outros cursos não<br />

universitários, cursos que pu<strong>de</strong>ssem lhe proporcionar “alguma coisa boa” até que ela tivesse<br />

condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre seus <strong>de</strong>sejos em relação ao futuro. A fala da estudante<br />

<strong>de</strong>monstra o sentimento <strong>de</strong> não estar pronta <strong>para</strong> <strong>de</strong>cidir sobre o futuro e a compreensão <strong>de</strong>


98<br />

que precisa vivenciar outras experiências, como participar <strong>de</strong> vários cursos, uma forma <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobrir o que realmente <strong>de</strong>seja.<br />

Nessa fase da vida dos <strong>jovens</strong> que se encontram no Ensino Médio há muitas<br />

pressões sociais e, em especial, pressões familiares e escolares relacionadas à cobrança<br />

por tomadas <strong>de</strong> posição <strong>de</strong>sses sujeitos sociais em relação à entrada no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho (no caso daqueles tiveram o “privilégio” <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicarem-se exclusivamente aos<br />

estudos até o Ensino Médio) e/ou em relação ao ingresso no Ensino Superior. Mas, muitos<br />

talvez não se sintam pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> essas tomadas <strong>de</strong> posição diante do mundo que<br />

po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>cisivas <strong>para</strong> os rumos <strong>de</strong> suas trajetórias <strong>de</strong> vida. Como observamos na<br />

narrativa da jovem, ela procura expressar suas incertezas em relação ao que quer <strong>para</strong> o<br />

futuro, incertezas que não <strong>de</strong>monstram <strong>de</strong>sinteresse com esse projeto <strong>de</strong> futuro, mas<br />

dúvidas quanto às escolhas mais apropriadas.<br />

As cobranças sociais sobre os <strong>jovens</strong> que se encontram nessa fase escolar,<br />

geralmente se apresentam <strong>de</strong> forma homogênea, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da posição <strong>de</strong>sses sujeitos<br />

na estrutura <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> capital econômico, social e cultural. Espera-se que esses<br />

atores sociais já disponham <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição sobre seus planos <strong>de</strong> futuro profissional<br />

quando <strong>para</strong> muitos esse futuro talvez nem tenha surgido como um problema a ser<br />

pensado. Cobranças que partem <strong>de</strong> uma visão universalista <strong>de</strong> jovem, como se todos esses<br />

sujeitos dispusessem igualmente dos meios objetivos e subjetivos necessários <strong>para</strong> essas<br />

tomadas <strong>de</strong> posição diante <strong>de</strong> um futuro a construir.<br />

Com base nas conversas com os <strong>jovens</strong> do Parque São José percebemos que a<br />

escola mantém um trabalho <strong>de</strong> incentivo <strong>para</strong> que eles participarem do Exame Nacional do<br />

Ensino Médio - ENEM 47 , particularmente os que se encontram no 3º Ano do Ensino Médio.<br />

Mas, esse trabalho também alcança os estudantes que ainda se encontram no Ensino<br />

Fundamental, como po<strong>de</strong>mos perceber através <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>poimentos:<br />

Quando vocês chegarem no Terceiro Ano vocês vão ver a força que os<br />

professores dão, o material que a gente recebe... Eu recebi uma apostila, todo<br />

material do ENEM, com Redação ... Uma coisa só da redação que vem dizendo<br />

tudo... A gente faz exercício sobre o ENEM, tira dúvida, o professor ele chega com<br />

você. É um mundo totalmente diferente. Veio três alunos daqui que já<br />

terminaram... tão na faculda<strong>de</strong>. Vieram dar uma palestra pra gente, dizer como é<br />

que é lá na Faculda<strong>de</strong>, o mundo que é ... que é todo diferente. Eles vieram aqui<br />

pra dar cada vez mais força pra gente. Eles saíram daqui da escola É muito<br />

47 O ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio foi criado pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral em 1998 com o objetivo <strong>de</strong><br />

avaliar o <strong>de</strong>sempenho dos estudantes ao final da Educação Básica. A partir <strong>de</strong> 2004, esse Exame passou a ser<br />

utilizado também como critério <strong>para</strong> a concessão <strong>de</strong> bolsa <strong>de</strong> estudo <strong>para</strong> as Instituições privadas <strong>de</strong> Ensino<br />

Superior concedidas pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral aos estudantes que cursaram todo o Ensino Médio na Re<strong>de</strong> Pública<br />

<strong>de</strong> Ensino ou bolsistas <strong>de</strong> escolas particulares consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> baixa renda. Atualmente, constitui mecanismo<br />

<strong>para</strong> a seleção <strong>de</strong> candidatos às Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Ensino Superior. (Fonte: www.inep.org.br). Consulta<br />

realizada em 17/01/2013).


99<br />

diferente, vocês vão ver... vocês fica cheio <strong>de</strong> sonhos, cheio <strong>de</strong> planos no Terceiro<br />

Ano... Porque não é só matéria... O professor tem que tá incentivando os <strong>jovens</strong>,<br />

porque os <strong>jovens</strong>.... passa um milhão <strong>de</strong> coisas na cabeça <strong>de</strong>le .... Po<strong>de</strong> mudar <strong>de</strong><br />

opinião rapidamente... pra fazer a cabeça <strong>de</strong> um pro mal caminho é dois minutos.<br />

(Garota <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, Manhã, Grupo Focal).<br />

Eu gosto muito da escola do IUG 48 porque todos os professores, tudo, qualquer<br />

coisinha eles começam a falar do ENEM:, ah,porque a prova do ENEM é assim<br />

...porque é assim e eu quero fazer o ENEM, se Deus quiser, eu quero passar,<br />

porque eu pretendo fazer faculda<strong>de</strong>, não uma faculda<strong>de</strong> besta. Ou eu quero<br />

Direito ou eu quero Medicina. Então, eu quero estudar muito. É por isso que eu<br />

digo que eu estudo pouco. Pro que eu quero, eu estudo muito pouco. (Garota <strong>de</strong><br />

14 anos, 8º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

As narrativas dos estudantes <strong>de</strong>ssa unida<strong>de</strong> escolar <strong>de</strong>monstraram ao longo das<br />

entrevistas e grupos focais a existência <strong>de</strong> um clima escolar em que os professores<br />

procuram incentivá-los na perspectiva <strong>de</strong> ingresso ao Ensino Superior, bem como o<br />

reconhecimento por parte dos <strong>jovens</strong> do trabalho <strong>de</strong>senvolvido por esses profissionais <strong>para</strong><br />

que tenham sucesso em seus processos <strong>de</strong> aprendizagem. Dois <strong>jovens</strong> do Ensino<br />

Fundamental afirmaram:<br />

[...] os professores pegam um pouquinho no pé, exigem mesmo. Não é olhar a<br />

tarefa só por olhar. Eles leem pra ver se tá certo, se tiver errado ... isso aqui tá<br />

escrito errado! Qualquer <strong>de</strong>talhezinho eles observam. Então, eu gosto muito por<br />

causa disso. Eu sei que na escola eu vou estar sendo pre<strong>para</strong>da justamente pra<br />

prova do ENEM. (Garota <strong>de</strong> 14 anos, 8º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

Porque aqui tem um ensino mais <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> ... assim, muito mais na linha... do<br />

que passar em tudo com facilida<strong>de</strong> e quando chegar lá na frente não ter aprendido<br />

nada. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 9º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

Embora tenha prevalecido o reconhecimento da qualida<strong>de</strong> do trabalho<br />

pedagógico realizado pela escola, há críticas sobre os aspectos metodológicos que<br />

envolvem o cotidiano escolar, como observamos na fala a seguir:<br />

[...] é meio chato a escola, né? Você chega, aí passa, por exemplo, a gente vai<br />

passar daqui <strong>de</strong> uma hora até às seis sentada na ca<strong>de</strong>ira.Só passa vinte minutos<br />

pra lanchar e conversar um pouco e <strong>de</strong>pois volta pra mesma sala, pra olhar pra<br />

mesma pessoa... Então, é, <strong>de</strong>via ter tipo um incentivo ... Poucas vezes passam<br />

ví<strong>de</strong>o pra gente e quando passam... Um passeio, uma aula dinâmica. Um passeio<br />

pra mostrar a nossa Fortaleza. Não mostram, não levam a gente pra canto<br />

nenhum ... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, Ensino Médio, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Os estudantes <strong>de</strong> Ensino Médio do ensino noturno teceram algumas críticas<br />

quanto à diferença <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> entre os turnos, pois consi<strong>de</strong>ram que o fato da carga<br />

horária noturna ser menor que a diurna coloca-os em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem em relação<br />

aos <strong>de</strong>mais <strong>jovens</strong> do ensino diurno. Para esses <strong>jovens</strong>, os professores “maneram na<br />

matéria” (Jovem <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, Grupo Focal) o que resultaria na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

alguns <strong>de</strong>les, que preten<strong>de</strong>m ingressar na Universida<strong>de</strong>, intensificarem seus estudos em<br />

48 Denominação popularmente utilizada pela comunida<strong>de</strong> escolar <strong>para</strong> se referir à Escola <strong>de</strong> Ensino Fundamental<br />

e Médio Irmão Urbano Gonzalez.


100<br />

casa <strong>para</strong> terem acesso aos conteúdos curriculares que não são trabalhados pelos<br />

professores em <strong>de</strong>corrência da limitação do tempo escolar noturno. Referindo-se à situação<br />

do ensino noturno, o mesmo jovem afirmou: “Porque também a carga horária é menor. Aí a<br />

matéria é atrasada ... A carga horária da manhã, por ser maior, po<strong>de</strong> adiantar o assunto”.<br />

(Jovem <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, Grupo Focal).<br />

As narrativas dos entrevistados do ensino noturno indicam a existência <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre os estudantes <strong>de</strong> diferentes turnos no acesso aos conteúdos escolares<br />

consi<strong>de</strong>rados importantes <strong>para</strong> aprovação nos processos seletivos <strong>para</strong> ingresso no Ensino<br />

Superior, como passar no ENEM, por exemplo. Desse modo, mesmo nos espaços internos<br />

da escola, reproduzem-se <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que dificultam os processos <strong>de</strong> formação escolar<br />

<strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>.<br />

As especificida<strong>de</strong>s dos estudantes do ensino noturno nem sempre são<br />

capturadas pelo olhar dos gestores, o que po<strong>de</strong>, muitas vezes, colocar esses sujeitos<br />

sociais em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem <strong>de</strong>ntro do próprio contexto escolar. É importante<br />

pensar que “manerar na matéria” talvez não signifique aten<strong>de</strong>r ao que esses <strong>jovens</strong><br />

esperam da escola como âncora <strong>para</strong> seus projetos <strong>de</strong> futuro.<br />

Se o tempo escolar disponível <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento curricular no ensino<br />

noturno não é suficiente <strong>para</strong> que os estudantes possam ter acesso às informações e<br />

conhecimentos exigidos nos processos seletivos que preten<strong>de</strong>m participar, novas<br />

estratégias pedagógicas po<strong>de</strong>m ser elaboradas na perspectiva <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas<br />

<strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>.<br />

A construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> futuro mantém relação com as próprias condições<br />

em que se vive o presente. Segundo Bourdieu (2011a, p.89),<br />

[...] aquém <strong>de</strong> um certo patamar, não é possível constituir a própria<br />

disposição estratégica que implica a referência prática a um futuro, por<br />

vezes muito distante, como se a ambição efetiva <strong>de</strong> dominar o futuro fosse,<br />

inconscientemente, proporcional ao po<strong>de</strong>r efetivo <strong>para</strong> dominá-lo. E, longe<br />

<strong>de</strong> representar um <strong>de</strong>smentido, as ambições sonhadas e as esperanças<br />

milinaristas manifestadas, por vezes pelos mais carentes dão ainda<br />

testemunho <strong>de</strong> que [...] a “<strong>de</strong>manda efetiva” encontra seu fundamento e,<br />

também, seus limites no po<strong>de</strong>r, medidos pelas chances <strong>de</strong> saciar o <strong>de</strong>sejo e<br />

satisfazer a necessida<strong>de</strong>.<br />

Para o autor, não se po<strong>de</strong> pensar em futuro quando se está abaixo <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado patamar. Tal situação inviabiliza a existência dos meios necessários <strong>para</strong> a<br />

construção das próprias disposições que permitem essa alusão a um futuro. Desse modo,<br />

<strong>para</strong> se “viver o presente pensando no futuro”, como foi <strong>de</strong>stacado na narrativa <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>


101<br />

nossas entrevistadas, é necessário dispor <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r proporcional à envergadura daquilo<br />

que se <strong>de</strong>seja nesse futuro.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que esse po<strong>de</strong>r po<strong>de</strong> ser construído pelos <strong>jovens</strong>, nossos<br />

interlocutores, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que lhes sejam garantidos, efetivamente, os meios necessários <strong>para</strong><br />

alcançarem esse po<strong>de</strong>r, como o acesso a um sistema escolar a<strong>de</strong>quado às suas <strong>de</strong>mandas<br />

particulares que, ao mesmo tempo, lhes permita também usufruir <strong>de</strong> todos os outros direitos<br />

universalmente consagrados aos seus pares, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da posição social ocupada.<br />

5.3 Eu vou porque eu gosto, porque eu quero<br />

Ao longo <strong>de</strong>sse percurso investigativo, nosso olhar esteve sempre atento às<br />

disposições dos <strong>jovens</strong> pesquisados em relação à escola, expressas por meio <strong>de</strong> suas<br />

narrativas e comportamentos apresentados durante a pesquisa. Procuramos perceber<br />

variações entre as estruturas incorporadas (passado) por esses sujeitos, como aquelas<br />

construídas no processo <strong>de</strong> socialização familiar, e o presente, representado pelos novos<br />

contextos experimentados pelos pesquisados a partir da escola e <strong>de</strong> outros espaços <strong>de</strong><br />

sociabilida<strong>de</strong> juvenil mencionados por esses atores sociais. Os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> duas <strong>jovens</strong><br />

nos chamaram, particularmente, a atenção:<br />

Meu pai, ele fala <strong>de</strong>mais, ele fala muito, muito pra mim e pro meu irmão. Fala<br />

<strong>de</strong>mais, <strong>de</strong>mais, <strong>de</strong>mais. Mas eu, eu mesmo, eu quero mesmo me formar, ter uma<br />

vida melhor, é... ser uma profissional... Não porque ele fala... Mas, assim, eu<br />

quero muito... Mesmo que ele não falasse, não tivesse nem aí, eu continuaria com<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano Manhã, Grupo Focal)<br />

É ... na minha casa, ninguém se importa, assim, se eu vou ou não pra escola...<br />

Mas, eu vou porque eu gosto, porque eu quero... Mas,... se eu tivesse outra<br />

cabeça, eu não ia pra escola, já tinha <strong>de</strong>sistido há muito tempo... (Garota <strong>de</strong> 16<br />

anos, 2º Ano Manhã, Grupo Focal).<br />

No primeiro <strong>de</strong>poimento, a estudante expressa a convivência em um ambiente<br />

familiar on<strong>de</strong> há incentivo aos filhos em seus empreendimentos escolares e <strong>de</strong> formação<br />

profissional; ao contrário do <strong>de</strong>poimento da segunda estudante que <strong>de</strong>ixa explícito um<br />

sentimento <strong>de</strong> que os familiares são indiferentes à sua formação escolar. Mas, as duas<br />

<strong>jovens</strong> procuram mostrar que o interesse que as move em relação aos estudos é uma<br />

<strong>de</strong>cisão pessoal, individual, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da influência familiar.<br />

Temos enfatizado neste trabalho que as práticas realizadas pelos atores sociais<br />

em seu cotidiano constituem espaços <strong>para</strong> inibição, reativação ou construção <strong>de</strong> novas<br />

disposições. As disposições <strong>de</strong>senvolvidas na família, espaço primário <strong>de</strong> socialização,<br />

po<strong>de</strong>m continuamente ser confrontadas diante <strong>de</strong> novas experiências sociais, reforçando ou<br />

fragilizando <strong>de</strong>terminadas disposições que não encontram receptivida<strong>de</strong> em outros<br />

contextos. Para a jovem cuja família incentiva e estabelece cobranças em relação à escola,


102<br />

há um encontro ou concordância entre disposições adquiridas no universo familiar e um<br />

novo mundo <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, como a escola. No caso da outra jovem, embora sem<br />

encontrar o mesmo incentivo entre os familiares, esse fato não a impediu <strong>de</strong> construir uma<br />

visão positiva em relação à formação escolar, visão que po<strong>de</strong> estar permeada pela<br />

influência das várias dimensões do social presentes em cada indivíduo.<br />

Lahire (2002) utiliza a metáfora da dobra ou da dobradura social <strong>para</strong> explicar<br />

que o indivíduo não é resultado <strong>de</strong> uma única dimensão do social. De acordo com o autor:<br />

A metáfora da dobra ou da dobradura do social é duplamente útil <strong>para</strong> nós.<br />

Antes <strong>de</strong> tudo, a dobra <strong>de</strong>signa uma modalida<strong>de</strong> particular <strong>de</strong> existência do<br />

mundo social (e <strong>de</strong> suas lógicas plurais) em sua forma incorporada,<br />

individualizada. Se nós representarmos o espaço social em todas as suas<br />

dimensões (econômicas, políticas, culturais, religiosas, sexuais, familiares,<br />

morais esportivas, etc., [...]), então cada indivíduo é comparável a uma folha<br />

amassada ou a um tecido amarrotado. (LAHIRE, 2002, p.198).<br />

Para Lahire, o espaço social encontra-se <strong>de</strong> forma dobrada em cada um dos<br />

atores sociais. Assim, <strong>para</strong> compreendê-los, é importante levar em consi<strong>de</strong>ração como<br />

essas dimensões do social estão presentes em suas experiências individuais. Lahire (2002,<br />

p.198) ainda <strong>de</strong>staca que essas amassaduras tornam cada ator “[...] ao mesmo tempo, um<br />

ser relativamente singular e um ser relativamente análogo a muitos outros”.<br />

O autor não <strong>de</strong>scarta a importância do estudo do “exterior”, representado pelos<br />

processos sociais, os grupos sociais e as estruturas sociais, pois essas dimensões<br />

exteriores são internalizadas pelos indivíduos. Mas, também, não maximiza a ação do<br />

“interior”, pois não haveria um primado ou anteriorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse “interior” sobre o que os<br />

atores sociais são ou po<strong>de</strong>rão vir a se tornar.<br />

Lahire (2002) procura <strong>de</strong>ixar explícito que a realida<strong>de</strong> social presente em cada<br />

indivíduo, ou seja, encontrada nele em estado amassado, apresenta uma organização<br />

diferente daquela apreendida em seu estado <strong>de</strong>sdobrado, no “exterior” - nas estruturas,<br />

instituições etc. De acordo com o autor, <strong>para</strong> compreen<strong>de</strong>rmos o “interior” é necessário um<br />

estudo sistemático do “exterior”.<br />

Desse modo, <strong>para</strong> enten<strong>de</strong>mos as disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong> e/ou <strong>para</strong> agir diante do<br />

mundo, da escola, do trabalho e do futuro apresentadas pelos <strong>jovens</strong>, enquanto atores<br />

plurais que vivenciam diversos contextos, é importante levarmos em consi<strong>de</strong>ração o<br />

“exterior” que circunda as vivências <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Embora nossas interlocutoras afirmem que continuam na escola “porque gostam<br />

e porque querem”, como uma <strong>de</strong>cisão individual, particular, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das orientações e<br />

influências familiares, é o social em seu estado dobrado que se manifesta, que aparece


103<br />

como expressão das múltiplas facetas das outras experiências sociais vivenciadas por<br />

essas <strong>jovens</strong>.<br />

As duas entrevistadas estudam no período diurno e não são trabalhadoras. No<br />

entanto, a estudante que mencionou o fato do pai falar bastante em relação à escola, era<br />

estudante da Re<strong>de</strong> Particular <strong>de</strong> Ensino e foi <strong>para</strong> Re<strong>de</strong> Pública por questões relacionadas à<br />

dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar transporte <strong>para</strong> escolas particulares localizadas fora do bairro <strong>de</strong><br />

residência. A entrevistada fez referência às mudanças em sua percepção quanto ao futuro<br />

após seu ingresso na Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> Ensino. Como foi mencionado anteriormente, essa<br />

jovem afirmou:<br />

Porque no colégio particular, eu não pensava muito essas coisas... <strong>de</strong> futuro,<br />

assim. No colégio público, você começa a imaginar. ... As coisas apertam, assim.<br />

Você querer po<strong>de</strong>r saber o que você quer logo ... Tem que começar a pensar<br />

aquilo, se <strong>de</strong>stacar mais naquilo que você quer. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 9º Ano,<br />

Tar<strong>de</strong>).<br />

A afirmação da jovem po<strong>de</strong> indicar como as mudanças nos contextos <strong>de</strong> vida<br />

impõem novas exigências aos indivíduos, incidindo sobre suas percepções acerca da vida<br />

cotidiana e do próprio futuro a ser pensado e buscado. A transferência <strong>para</strong> a escola<br />

pública, como consequência das novas condições econômicas da família, significou também<br />

mudanças na forma <strong>de</strong> olhar <strong>para</strong> um futuro que precisa começar a ser construído agora.<br />

Durante o tempo <strong>de</strong> permanência na re<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> ensino, essa preocupação parece ter<br />

ficado distante, talvez pelo fato <strong>de</strong> acreditar que os pais po<strong>de</strong>riam prolongar um tempo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>dicação aos estudos e <strong>de</strong> fazer escolhas sem a pressa imposta pelas urgências muitas<br />

vezes imprevistas da vida cotidiana.<br />

As afirmações da jovem expressam uma representação construída sobre a<br />

escola pública como lugar em que os estudantes não têm tempo a per<strong>de</strong>r. É preciso <strong>de</strong>cidir<br />

logo o que se preten<strong>de</strong> <strong>para</strong> o futuro, é preciso compensar o investimento <strong>de</strong> tempo<br />

<strong>de</strong>spendido com a formação escolar, particularmente no caso daqueles que são “poupados”<br />

pelas famílias <strong>de</strong> ingressarem no mundo do trabalho antes da conclusão da Educação<br />

Básica.<br />

Po<strong>de</strong>mos perceber que as duas entrevistadas convivem em ambientes familiares<br />

em que à cultura escolar não é atribuído o mesmo prestígio. Mas, essa situação não<br />

impediu que uma das <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>senvolvesse o interesse pela escola, apesar da indiferença<br />

dos familiares. A pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cenas vividas por essa jovem em seu cotidiano, em vários<br />

contextos exteriores ao universo familiar, como a escola e outros espaços <strong>de</strong> socialização,<br />

po<strong>de</strong>m ter contribuído <strong>para</strong> a construção <strong>de</strong> sua percepção em relação à escola, bem como<br />

sua percepção sobre o próprio pai. Em uma <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>clarações, a jovem afirmou:


104<br />

[...] embora ele seja meu pai, eu acho meio ignorante pra certas coisas Eu, às<br />

vezes, tento passar coisas que ele <strong>de</strong>ve saber e eu já sei... Eu quero ter futuro, sei<br />

lá... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).<br />

Essas <strong>de</strong>clarações nos remetem ao pensamento <strong>de</strong> Lahire (2002) ao comentar<br />

que o universo escolar passa a predominar como “ponto <strong>de</strong> referência” <strong>para</strong> aqueles que<br />

obtêm sucesso nesse espaço social. De acordo com o autor:<br />

Depois, ao se confirmar o sucesso escolar, é o universo escolar que<br />

predomina e se torna o “ponto <strong>de</strong> referência” [...] É difícil não se irritar com<br />

seus pais quando são cada vez mais vistos pelos olhos <strong>de</strong> um outro<br />

universo, a partir <strong>de</strong> outras maneiras <strong>de</strong> dizer, <strong>de</strong> ver, <strong>de</strong> fazer e <strong>de</strong> sentir.<br />

(LAHIRE, 2002, p.44-45).<br />

A percepção construída pela jovem acerca do pai, ao consi<strong>de</strong>rá-lo “ignorante pra<br />

certas coisas” <strong>de</strong>monstra que ela passou a enxergá-lo a partir dos olhos <strong>de</strong> outro universo.<br />

Embora não possamos afirmar que as experiências incorporadas do passado vivido em<br />

suas vivências familiares sejam esquecidas, “Porque seus pais estão nela, através <strong>de</strong> todos<br />

os hábitos que ela construiu através das relações com eles [...]” (LAHIRE, 2002, p.45),<br />

novas disposições po<strong>de</strong>m ser assumidas por nossa interlocutora diante do mundo, dada a<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contextos vividos até então e outros ainda a serem experimentados fora do<br />

universo familiar e escolar.<br />

Ao longo <strong>de</strong>ste Capítulo procuramos discutir e compreen<strong>de</strong>r as disposições dos<br />

nossos entrevistados em relação à educação, à profissionalização e ao futuro expressas<br />

através <strong>de</strong> suas narrativas. A maioria dos estudantes <strong>de</strong> EJA expressaram a intenção <strong>de</strong><br />

concluir o Ensino Médio e <strong>de</strong> ingressarem em cursos universitários, apresentando<br />

disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong> na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a certas profissões consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong><br />

prestígio. No entanto, percebemos que essas “disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong>” encontram dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>para</strong> serem transformadas em “disposições <strong>para</strong> agir”, tendo em vista os vários problemas<br />

enfrentados por esses atores em seus percursos escolares que lhes inviabiliza o acesso a<br />

certos conhecimentos e informações socialmente valorizados e exigidos <strong>para</strong> a entrada<br />

nesses campos profissionais.<br />

Para os entrevistados do Ensino Médio, <strong>jovens</strong> da mesma faixa-etária<br />

apresentada pelos estudantes <strong>de</strong> EJA, o caminho até então percorrido parece apontar <strong>para</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s mais factíveis <strong>para</strong> seus projetos <strong>de</strong> futuro, consi<strong>de</strong>rando que apresentam<br />

trajetórias escolares mais regulares e uma maior familiarida<strong>de</strong> com as “leis” que regulam o<br />

acesso dos que postulam a entrada em campos que lhes são muitas vezes estranhos, como<br />

o campo universitário.


105<br />

6 DIÁLOGO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO CAMPO DA<br />

EDUCAÇÃO: TENSÕES ENTRE DIFERENÇAS E DESIGUALDADES<br />

NO ATENDIMENTO AOS JOVENS<br />

O reconhecimento das particularida<strong>de</strong>s existentes entre as diversas condições e<br />

posições em que se encontram os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>ntro do mundo, expressas pela origem social <strong>de</strong><br />

classe, pelo gênero, etnia, religião, cultura, <strong>de</strong>ntre tantas outras diferenças atualmente<br />

afirmadas, parece transformar-se em um pensamento universal nas produções acadêmicas<br />

que discutem atualmente as políticas públicas brasileiras direcionadas aos <strong>jovens</strong>. Como<br />

temos <strong>de</strong>stacado, partimos da compreensão <strong>de</strong>ssas particularida<strong>de</strong>s e do entendimento <strong>de</strong><br />

que há <strong>jovens</strong> vivendo uma mesma fase da vida sob diferentes condições <strong>de</strong> existência que<br />

po<strong>de</strong>m interferir em suas trajetórias escolares e sociais.<br />

Como i<strong>de</strong>ntificamos através das observações <strong>de</strong> campo, entrevistas e grupos<br />

focais realizados com os estudantes que foram nossos interlocutores neste estudo, há<br />

<strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos que se <strong>de</strong>dicam integralmente à escola; outros que precisam<br />

conciliar o tempo entre o trabalho e a escola. Alguns se encontram inseridos em situações<br />

<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>ntro dos parâmetros exigidos por Lei <strong>para</strong> essa faixa-etária; outros se<br />

submetem a condições <strong>de</strong> trabalho consi<strong>de</strong>radas ilegais; <strong>jovens</strong> que fazem projeções sobre<br />

seus percursos profissionais futuros, seja através do ingresso na Universida<strong>de</strong> ou em outras<br />

carreiras e que <strong>de</strong>monstram conhecer as regras do jogo necessárias <strong>para</strong> a construção<br />

<strong>de</strong>sse futuro; e <strong>jovens</strong> que <strong>de</strong>sistem dos sonhos porque ainda não conseguiram sequer<br />

alcançar o domínio das competências básicas <strong>de</strong> leitura e escrita na língua oficial capaz <strong>de</strong><br />

lhes garantir “[...] o mínimo <strong>de</strong> comunicação que é a condição da produção econômica e<br />

mesmo da dominação simbólica”. (BOURDIEU, 1996, p.31).<br />

Nosso propósito neste Capítulo é discutir um problema que consi<strong>de</strong>ramos estar<br />

associado à negação do direito constitucional que <strong>de</strong>veria se tornar, efetivamente, universal<br />

a todos os brasileiros: “igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições <strong>para</strong> o acesso e permanência na escola” 49 .<br />

Procuramos pensar em que medida as políticas públicas governamentais direcionadas aos<br />

<strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos criam os meios <strong>de</strong> acesso ao universal representado pelo direito<br />

<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições <strong>para</strong> permanecerem em uma escola que lhes possibilite o<br />

domínio da cultura consi<strong>de</strong>rada legítima e que lhes permita transitar pelos caminhos que<br />

lhes conduzam à realização dos sonhos projetados.<br />

49 Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil – Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I,<br />

Da Educação. Art. 206, Inciso I.


106<br />

Para alguns <strong>de</strong> nossos entrevistados trabalhadores ou que se encontram em<br />

uma faixa-etária superior à oficialmente recomendada <strong>para</strong> o Ensino Fundamental, o Estado<br />

conce<strong>de</strong> o direito <strong>de</strong> estudar no período noturno, em turmas <strong>de</strong> EJA, por exemplo, como se<br />

essa condição <strong>de</strong> ser jovem trabalhador ou estudante em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série<br />

constituísse uma escolha incondicional <strong>de</strong>sses sujeitos e como se, ao aten<strong>de</strong>r a uma<br />

“particularida<strong>de</strong>” <strong>de</strong>sse grupo, através da oferta <strong>de</strong> ensino noturno e em uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

aceleração <strong>de</strong> estudos, estivesse sendo garantido um tipo <strong>de</strong> “justiça escolar”.<br />

Para a discussão <strong>de</strong>sse problema partimos <strong>de</strong> algumas reflexões lançadas por<br />

Bourdieu (2001) sobre as “políticas culturais” direcionadas aos “mais <strong>de</strong>stituídos”.<br />

[...] em nome <strong>de</strong> um respeito ao mesmo tempo con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte e<br />

inconsequente pelas particularida<strong>de</strong>s e particularismos “culturais”<br />

ferozmente impostos e vivenciados, que acabam assim constituídos em<br />

escolhas – refiro-me, por exemplo, ao manejo por parte <strong>de</strong> certo<br />

conservadorismo do “respeito pela diferença” [...], os <strong>de</strong>stituídos são<br />

acorrentados a seu estado e impedidos <strong>de</strong> terem acesso aos meios reais <strong>de</strong><br />

levar a cabo suas possibilida<strong>de</strong>s mutiladas; <strong>de</strong> outro lado, impõem-se<br />

universalmente (como a instituição escolar hoje) as mesmas exigências sem<br />

qualquer preocupação <strong>de</strong> também distribuir universalmente os meios <strong>de</strong><br />

satisfazê-las [...] (BOURDIEU, 2001, p.93-94).<br />

O olhar <strong>de</strong> Bourdieu, embora direcionado mais especificamente às políticas<br />

culturais, po<strong>de</strong> nos ajudar a pensar sobre um discurso que se produz no campo da<br />

educação: o respeito aos diferentes ritmos <strong>de</strong> aprendizagem dos estudantes. Esse discurso<br />

po<strong>de</strong>, muitas vezes, resultar na segregação <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> em grupos diferenciados, como no<br />

caso dos nossos interlocutores que se encontravam acima da ida<strong>de</strong> recomendada <strong>para</strong> a<br />

série cursada e que foram transferidos <strong>para</strong> as turmas <strong>de</strong> EJA. Esse tratamento dispensado<br />

aos “<strong>jovens</strong> fora <strong>de</strong> faixa” po<strong>de</strong> mutilar suas possibilida<strong>de</strong>s no campo da educação. A<br />

redução <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> estudo no período noturno, a inserção em turmas <strong>de</strong> EJA, com<br />

currículos diferenciados e compactos, <strong>de</strong>ntre outras situações, po<strong>de</strong>m limitar suas chances<br />

<strong>de</strong> acesso à cultura consi<strong>de</strong>rada legítima, limitando suas chances <strong>de</strong> mudança no jogo das<br />

posições sociais.<br />

Enten<strong>de</strong>mos ainda que as políticas públicas governamentais que se fundam em<br />

uma perspectiva universalista que <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra as especificida<strong>de</strong>s das experiências vividas<br />

pelos <strong>jovens</strong> também po<strong>de</strong>m comprometer a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus resultados sobre a vida<br />

<strong>de</strong>sses sujeitos quando ignoram os contextos econômicos e sociais em que se encontram<br />

inseridos, bem como as diferenças que marcam seus modos <strong>de</strong> existência.<br />

As análises acerca da situação dos sujeitos sociais que constituem o foco<br />

principal <strong>de</strong>ste estudo partem da compreensão <strong>de</strong> que, no atual contexto histórico,<br />

predomina um sistema <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> capitais entre os cidadãos, problema


107<br />

estrutural e histórico do Estado brasileiro. Tal sistema <strong>de</strong> organização contribui <strong>para</strong> <strong>de</strong>finir<br />

as diferentes posições ocupadas por esses cidadãos <strong>de</strong>ntro do espaço social.<br />

Se existem sujeitos vivendo em posições <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>, seria<br />

possível <strong>de</strong>finir um padrão <strong>de</strong> justiça capaz <strong>de</strong> favorecer igualmente todos esses sujeitos no<br />

campo da educação sem reduzir suas chances <strong>de</strong> sucesso escolar em relação aos outros<br />

sujeitos em posição privilegiada <strong>de</strong>ntro do espaço social?<br />

Buscamos compreen<strong>de</strong>r em que medida <strong>de</strong>terminadas políticas direcionadas a<br />

esses <strong>jovens</strong> consi<strong>de</strong>ram suas particularida<strong>de</strong>s, suas diferenças, sem torná-los inferiores<br />

aos outros sujeitos que vivenciam essa mesma fase da vida, mas em posição diferenciada<br />

no espaço social, bem como refletir sobre os excessos <strong>de</strong> afirmação <strong>de</strong> uma igualda<strong>de</strong><br />

universal formal que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>scaracterizar as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados grupos juvenis.<br />

Neste Capítulo daremos <strong>de</strong>staque às Políticas Públicas governamentais<br />

referidas por nossos interlocutores em suas narrativas durante as entrevistas e grupos<br />

focais, como a Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos – EJA no Ensino Fundamental; o Ensino<br />

Médio e sua vertente relacionada à Educação Profissional, em especial a ação <strong>de</strong>senvolvida<br />

pelo Governo do Estado do Ceará através das Escolas <strong>de</strong> Educação Profissional.<br />

Discutiremos ainda sobre o Projovem Adolescente, que embora não constitua um Programa<br />

específico do campo da educação, mantém articulação com esse campo e foi referido por<br />

alguns dos sujeitos entrevistados. Ressaltamos que não temos a intenção <strong>de</strong> aprofundar os<br />

processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssas Políticas ou avaliar seus resultados, mas<br />

compreen<strong>de</strong>r, através das narrativas dos nossos interlocutores, como elas alcançam esses<br />

sujeitos ou, ao contrário, em que medida tais políticas encontram-se distante das <strong>de</strong>mandas<br />

<strong>de</strong>sses atores sociais.<br />

6.1 A Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos – EJA: Respeito à particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jovens em<br />

situação <strong>de</strong> Distorção Ida<strong>de</strong>-Série?<br />

A Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos constitui uma Modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong>stinada<br />

àqueles que se situam na faixa-etária superior à consi<strong>de</strong>rada própria <strong>para</strong> o Ensino<br />

Fundamental. “Os não aptos são “convidados” após os quinze anos e ainda no Ensino<br />

Fundamental, a se matricularem na Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos (EJA), pois a Lei <strong>de</strong><br />

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) Nº 9.394/96 sinaliza como marco legal<br />

<strong>para</strong> a EJA a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 15 anos”. (MEC, 2011, p.26). Para o Ensino Médio a ida<strong>de</strong> mínima<br />

exigida é <strong>de</strong> 18 anos completos.


108<br />

A oferta da modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> EJA como alternativa <strong>para</strong> a particularida<strong>de</strong> das<br />

situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados <strong>jovens</strong> que não alcançam o Ensino Médio na ida<strong>de</strong><br />

recomendada, ou que “<strong>de</strong>sejam” trabalhar, po<strong>de</strong> falsear a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma condição em<br />

que o direito universal à educação como igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso e igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições <strong>de</strong><br />

permanência na escola não é ainda garantido a todos. Sob a perspectiva formal da<br />

legislação vigente, garante-se<br />

a alguns o monopólio <strong>de</strong> certos possíveis que, no entanto, encontram-se<br />

oficialmente garantidos a todos (como o direito à educação). Os direitos<br />

exclusivos consagrados pelo direito constituem apenas a forma visível, e<br />

explicitamente garantida, <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s apropriadas e <strong>de</strong><br />

possíveis antecipados, logo convertidos, <strong>para</strong> os <strong>de</strong>mais, em proibições <strong>de</strong><br />

direito ou em impossibilida<strong>de</strong>s efetivas [...] (BOURDIEU, 2001, p.276).<br />

Proibições e impossibilida<strong>de</strong>s interpõem-se nas trajetórias pessoais <strong>de</strong> muitos<br />

<strong>jovens</strong> que passam a percorrer caminhos diferentes daqueles percorridos por outros <strong>jovens</strong><br />

da mesma ida<strong>de</strong> aos quais está socialmente garantido o monopólio <strong>de</strong> “certos possíveis”:<br />

como alcançar sucesso em seus processos <strong>de</strong> aprendizagem no ambiente escolar ou po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong>dicar-se integralmente à escola sem precisar inserir-se no mercado <strong>de</strong> trabalho antes <strong>de</strong><br />

complementar uma formação escolar básica, como o Ensino Médio.<br />

As políticas públicas <strong>de</strong> educação, fundadas em princípios universais, ten<strong>de</strong>m a<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar as especificida<strong>de</strong>s dos sujeitos <strong>para</strong> quem se direcionam. Em certa medida,<br />

tais políticas aproximam-se da concepção universalista <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong>fendida por Rawls que,<br />

na interpretação <strong>de</strong> Estevão (2004, p.18), “[...] acredita ser possível encontrar princípios<br />

mínimos <strong>de</strong> justiça a partir <strong>de</strong> um acordo entre pessoas livres e razoáveis colocadas numa<br />

“posição original”, sob um “véu <strong>de</strong> ignorância” ou <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> [...]”. Nessa perspectiva<br />

<strong>de</strong> justiça, acredita-se na possibilida<strong>de</strong> do indivíduo usufruir <strong>de</strong> benefícios e vantagens que<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da posição que ocupa <strong>de</strong>ntro da estrutura da socieda<strong>de</strong>, uma vez que a todos<br />

estaria garantida uma justa igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s. Assim, a oferta <strong>de</strong> vagas nas<br />

escolas como resposta a um direito universal constituiria a oportunida<strong>de</strong> criada <strong>para</strong> todos<br />

que estariam, teoricamente, sob mesmas condições <strong>de</strong> usufruir <strong>de</strong>sse direito. Mas, como<br />

esperar que <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> diferentes origens econômicas, sociais e culturais possam obter os<br />

mesmos resultados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um campo, como o campo escolar, em que predominam<br />

valores, culturas e conhecimentos muitas vezes tão diversos e distantes da vida cotidiana<br />

daqueles nascidos sob condições <strong>de</strong> baixos volumes <strong>de</strong> capital econômico, cultural e social?<br />

A EJA, tradicionalmente, aten<strong>de</strong>u a um público que não teve acesso aos estudos<br />

na ida<strong>de</strong> certa, consi<strong>de</strong>rando a pequena oferta <strong>de</strong> vagas no ensino público, em décadas<br />

anteriores, ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso no mercado <strong>de</strong> trabalho por parte <strong>de</strong> muitos<br />

brasileiros <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> capital econômico suficiente <strong>para</strong> se manterem na escola sem


109<br />

trabalhar. Dessa forma, muitos <strong>de</strong>sses brasileiros retornavam à escola através da EJA <strong>para</strong><br />

conclusão do ciclo <strong>de</strong> estudos em uma fase mais madura, mas em uma faixa-etária bem<br />

superior àquela apresentada, atualmente, por um número significativo <strong>de</strong> estudantes<br />

matriculados nessa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino.<br />

No contexto atual da educação brasileira o perfil do estudante da EJA tem se<br />

tornado cada vez mais jovem, embora o País já esteja próximo da plena universalização do<br />

acesso a vagas no Ensino Fundamental, uma vez que a taxa <strong>de</strong> escolarização das crianças<br />

<strong>de</strong> 6 a14 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> foi, em 2009, <strong>de</strong> 97,6% 50 . No entanto, a entrada no universo escolar<br />

não é garantia <strong>de</strong> sucesso e permanência nesse espaço <strong>de</strong> socialização. A distorção ida<strong>de</strong>série,<br />

<strong>de</strong>corrente das dificulda<strong>de</strong>s apresentadas por muitos estudantes em acompanhar os<br />

ritmos característicos da cultura escolar tem constituído uma das justificativas <strong>para</strong> a<br />

transferência <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> <strong>para</strong> o ensino noturno e, particularmente, <strong>para</strong> a EJA, consi<strong>de</strong>rando<br />

que nem sempre a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> matrículas colocada às escolas é suficiente <strong>para</strong> a<br />

formação <strong>de</strong> turmas do ensino regular, <strong>de</strong> 6º ao 9º Ano, com o número mínimo <strong>de</strong><br />

estudantes exigido pelos órgãos gestores do campo da educação. Quando esse número é<br />

reduzido, a tendência é a formação <strong>de</strong> turmas <strong>de</strong> EJA on<strong>de</strong> são incluídos, muitas vezes,<br />

<strong>jovens</strong> em níveis diferenciados <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Na escola investigada no bairro Bonsucesso, um membro do núcleo gestor fez<br />

referência à resistência <strong>de</strong> uma jovem <strong>de</strong> 16 anos em ser transferida <strong>para</strong> o período noturno.<br />

Como a jovem estava acima da ida<strong>de</strong> recomendada <strong>para</strong> o 5º Ano, <strong>de</strong> acordo com as<br />

diretrizes oficiais do Município que orientam as matrículas escolares, ela <strong>de</strong>veria ser<br />

transferida <strong>para</strong> a turma <strong>de</strong> EJA III que congrega estudantes do 4º e 5º. A jovem insistia em<br />

permanecer em uma turma <strong>de</strong> 5º Ano em companhia das crianças <strong>de</strong> 11 anos. A gestora<br />

informou que precisava seguir as orientações das instâncias administrativas superiores à<br />

escola e que não po<strong>de</strong>ria abrir exceções.<br />

A experiência cotidiana no campo, neste caso, o espaço escolar, construída a<br />

partir das relações e ações <strong>de</strong>senvolvidas por seus agentes (professores, gestores e <strong>de</strong>mais<br />

trabalhadores da educação) po<strong>de</strong> favorecer ou dificultar a compreensão dos fenômenos que<br />

se manifestam nesse ambiente <strong>de</strong> prática social. Dificulda<strong>de</strong>s apresentadas por<br />

<strong>de</strong>terminados estudantes em acompanhar o ritmo <strong>de</strong> aprendizagem dos <strong>de</strong>mais colegas da<br />

mesma série cursada, sistemáticas reprovações, distorção ida<strong>de</strong>/série, baixa frequência às<br />

aulas, bem como maior incidência <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> indisciplina entre os estudantes com<br />

ida<strong>de</strong> superior àqueles da mesma turma, são alguns dos problemas que po<strong>de</strong>m, em sua<br />

50 IBGE, Pesquisa Nacional por Amostragem <strong>de</strong> Domicílios – Síntese dos Indicadores – 2009.


110<br />

aparência, constituir justificativa <strong>para</strong> a transferência <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> acima <strong>de</strong> 15 anos <strong>para</strong> o<br />

ensino noturno, seja <strong>para</strong> turmas do ensino regular, seja <strong>para</strong> a Educação <strong>de</strong> Jovens e<br />

Adultos - EJA (como via <strong>de</strong> aceleração do tempo <strong>de</strong> conclusão do Ensino Fundamental).<br />

No Brasil, há uma tendência <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> matrícula da Educação <strong>de</strong> Jovens e<br />

Adultos no período noturno. Em 2010, do total <strong>de</strong> matrículas <strong>de</strong> EJA, 86,7% foram efetuadas<br />

em turmas <strong>de</strong>sse período. Em Fortaleza, <strong>de</strong> acordo com o Censo Escolar 2011 51 , cerca <strong>de</strong><br />

8.063 <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos já haviam sido transferidos <strong>para</strong> as turmas <strong>de</strong> EJA<br />

presencial do Ensino Fundamental nas re<strong>de</strong>s municipal, estadual e municipal. Dentro <strong>de</strong>sse<br />

total, 7.458 matrículas foram realizadas em turmas do ensino noturno, representando,<br />

aproximadamente, 92%. A re<strong>de</strong> municipal apresentou o maior número <strong>de</strong> matrículas,<br />

consi<strong>de</strong>rando que é responsável pelo Ensino Fundamental. Entretanto, diferente das re<strong>de</strong>s<br />

privada e estadual, todas as matrículas foram efetuadas no período noturno.<br />

No Parecer nº 7/2010 52 o Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação – CNE reconhece a<br />

existência <strong>de</strong>sse fenômeno <strong>de</strong> transferência dos <strong>jovens</strong> entre 15 e 17 anos <strong>para</strong> a<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> EJA, bem como compreen<strong>de</strong> a ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong>sse atendimento educacional<br />

<strong>para</strong> essa parcela <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> em <strong>de</strong>fasagem escolar:<br />

São poucos, porém, os cursos regulares noturnos <strong>de</strong>stinados a<br />

adolescentes e <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> 15 a 18 anos ou pouco mais, os quais são<br />

compelidos ao estudo nesse turno por motivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fasagem escolar e/ou <strong>de</strong><br />

inadaptação aos métodos adotados e ao convívio com colegas <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s<br />

menores. A regra tem sido induzi-los a cursos <strong>de</strong> EJA quando o necessário<br />

são cursos regulares, com programas a<strong>de</strong>quados à sua faixa-etária [...].<br />

(MEC, CNE/CEB. Parecer nº 7/2010, p.22).<br />

Apesar do reconhecimento do problema, essas medidas continuam sendo<br />

adotadas pelas escolas. Para os agentes diretamente envolvidos com a ação pedagógica no<br />

interior das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino, a transferência <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> <strong>para</strong> o ensino noturno po<strong>de</strong><br />

representar certa equalização entre os níveis <strong>de</strong> aprendizagem dos estudantes das turmas<br />

do ensino diurno, facilitando o trabalho dos professores que atuam nesse turno, bem como<br />

diminuindo os problemas relacionados à indisciplina, geralmente associados ao<br />

comportamento dos estudantes “fora <strong>de</strong> faixa”. Os conflitos que se estabelecem no cotidiano<br />

escolar que envolvem <strong>jovens</strong> em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, são situações “reais”<br />

com as quais professores, gestores e <strong>de</strong>mais profissionais da Educação <strong>de</strong><strong>para</strong>m-se no<br />

exercício <strong>de</strong> seus papéis e inci<strong>de</strong>m diretamente sobre a dinâmica escolar. Entretanto, como<br />

fenômenos sociais, tais conflitos, em sua imediaticida<strong>de</strong>, nem sempre são problematizados<br />

por esses agentes, uma vez que suas causas po<strong>de</strong>m lhes parecer, muitas vezes, evi<strong>de</strong>ntes.<br />

51 I<strong>de</strong>m<br />

52 Ministério da Educação. Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação. Câmara da Educação Básica. Parecer nº 7/2010.


111<br />

Segundo HELLER (1991), “La vida cotidiana se <strong>de</strong>sarrola y se refiere siempre al<br />

ambiente inmediato” (p.25). No caso da escola, é naquele ambiente imediato do cotidiano<br />

institucional que surgem os conflitos, ainda que suas raízes não se encontrem,<br />

necessariamente, lá. Para a autora, a vida cotidiana, momento do vivido, po<strong>de</strong> permitir a<br />

construção <strong>de</strong> mediações <strong>para</strong> o “não cotidiano”, enquanto cotidiano pensado, refletido.<br />

El sujeto <strong>de</strong> la vida cotidiana há sido por consiguiente – em general, como<br />

media, ten<strong>de</strong>ncialmente – el hombre particular. Pero el hombre particular<br />

también es um ente genérico, aunque su genericida<strong>de</strong> sea objetiva y no um<br />

reflejo. Sua actividad es genérica ante todo por el hecho <strong>de</strong> que trabaja,<br />

produce. La entera riqueza <strong>de</strong>l gênero humano, la encarnación objetiva <strong>de</strong><br />

la psicologia humana, surge <strong>de</strong> la actividad <strong>de</strong> estos hombres que “viveron<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l mundo”. [...] Entre tanto po<strong>de</strong>mos afirmar que el particular<br />

cotidiano es el hombre particular portador <strong>de</strong> la genericida<strong>de</strong> en-si, no<br />

reflexionada, aún no consciente. (HELLER, 1991, p.65).<br />

Nesse sentido, o cotidiano escolar po<strong>de</strong> constituir uma mediação <strong>para</strong> sua<br />

própria transcendência ao “não cotidiano” quando os sujeitos que nele interagem<br />

abandonam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a vida cotidiana é “a vida” (HELLER, 1991), quando passam a<br />

refletir sobre as relações e ativida<strong>de</strong>s imediatas que realizam, quando conseguem, enfim,<br />

tomar, conscientemente, a vida cotidiana como objeto. Na vida cotidiana da escola, diversas<br />

são as refrações advindas do “gran<strong>de</strong> mundo” 53 , das outras instâncias da vida social que<br />

interferem no “pequeno mundo” da reprodução do particular vivido naquele espaço<br />

institucional. No entanto, nem sempre são acessíveis a todos os atores sociais que<br />

interagem nesse espaço institucional os meios que possam lhes permitir <strong>de</strong>svencilhar-se<br />

das armadilhas <strong>de</strong>sse “pequeno mundo”.<br />

Os pais dos estudantes, geralmente, aceitam a transferência <strong>de</strong> turno dos filhos<br />

ou mesmo a solicitam, quando as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes da situação econômica e social<br />

<strong>de</strong> suas famílias passam a exigir a colaboração financeira <strong>de</strong> mais um <strong>de</strong> seus membros ou<br />

quando já <strong>de</strong>sacreditaram na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong> seus filhos na escola. O mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho aparece como a alternativa <strong>para</strong> que eles se mantenham ocupados durante o<br />

dia; contribuam <strong>para</strong> a renda familiar e mantenham o vínculo com os programas<br />

governamentais que exigem a frequência do jovem à escola. Mas, a responsabilização pelas<br />

ativida<strong>de</strong>s domésticas da casa e pelo cuidado com os irmãos mais novos também constitui<br />

uma justificativa apresentada por alguns <strong>jovens</strong> <strong>para</strong> a inserção no ensino noturno, como<br />

percebemos na fala <strong>de</strong> uma das entrevistas: “De manhã eu faço as coisas na minha mãe,<br />

que a minha mãe trabalha, e <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> tem meu irmão pra vir <strong>de</strong>ixar no colégio”. (Garota <strong>de</strong><br />

16 anos, EJA IV).<br />

53 Para Heller (1991), na vida cotidiana, o particular reproduz diretamente a si mesmo e a seu mundo, ao qual a<br />

autora se refere como “pequeno mundo”. Mas, ao mesmo tempo, reproduz indiretamente o conjunto da<br />

socieda<strong>de</strong> ao qual ela se refere como “gran<strong>de</strong> mundo”.


112<br />

6.1.1 EJA: “É melhor do que série por série”?<br />

Os entrevistados das turmas <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso apresentaram diversas<br />

motivações <strong>para</strong> a inserção no ensino noturno, nessa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino, e essas<br />

motivações estiveram associadas ao problema <strong>de</strong> estar “fora <strong>de</strong> faixa”; ao trabalho; à<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> acelerar o tempo <strong>de</strong> conclusão dos estudos, <strong>de</strong>ntre outras situações, como<br />

percebemos pelas narrativas <strong>de</strong>sses estudantes:<br />

Porque eu trabalho... A escola ... é porque é perto <strong>de</strong> casa. Se não trabalhasse,<br />

gostaria <strong>de</strong> estudar em outro turno ... manhã.(Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Eu parei .... eu parei na 8ª... né? Por causa que me transferiram pra outro colégio,<br />

era muito longe. Aí, meu pai não po<strong>de</strong> me levar mais. Ele trabalhava. Aí, eu<br />

continuei aqui fazendo a 6º e 7 ª, na EJA... Porque eu preferi EJA mesmo. (Garota<br />

<strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Porque eu não tinha concluído o Ensino Fundamental I... Queria estudar <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>,<br />

só que não tem, né, vaga? Aí .... tem que ficar <strong>de</strong> noite... Só que eu queria <strong>para</strong>r<br />

<strong>de</strong> trabalhar, pra estudar <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>... Minha vonta<strong>de</strong> é estudar <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> ... Eu<br />

aprendo mais. .. De noite ... tipo assim , professores que não ensinam muito ... Eu<br />

gosto que a professora me ensine, que eu aprenda mais e mais, né? ..... Às vezes<br />

a professora me pergunta as coisas, aí eu fico morta, com vergonha porque eu<br />

não sei ler direito... porque eu parei <strong>de</strong> estudar... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA III).<br />

Me rebolaram pra cá e eu vim pra cá.(Garota <strong>de</strong> 17 anos, EJA V)<br />

Gosto <strong>de</strong> estudar à noite. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Não dá tempo não. De dia... a gente não se interessa muito não. (Garoto <strong>de</strong> 17<br />

anos, EJA V).<br />

A tia já passou pra noite... Tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>... É melhor do que<br />

<strong>de</strong> tar<strong>de</strong>... Os meninos criticavam muito porque eu não sabia ler. (Garoto <strong>de</strong> 15<br />

anos, EJA III). 54<br />

EJA é melhor do que... assim, série por série. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Eu acho melhor o EJA... porque a gente faz logo...<br />

(Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Eu quero terminar logo.<br />

Fiz até a 6ª no colégio lá <strong>de</strong> cima. Parei... porque eu tava trabalhando. Eu queria<br />

estudar <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>... Fui, assim, no Conjunto Ceará, em vários colégios... Mas, só<br />

tem a noite. Essa aqui é a única... Pra mim é a única. Todos os colégios que eu<br />

disse que tava atrás por séries, né, ninguém me aceitou <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, porque eu<br />

queria estudar <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>. Só no Conjunto Ceará. Dizia: não tem vaga pra 6ª série...<br />

Quero sair <strong>de</strong>ssa situação. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Porque é mais perto. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Pra avançar logo. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

54 Embora a afirmação do jovem possa parecer contraditória, ela expressa as dúvidas resultantes dos conflitos<br />

vivenciados por muitos estudantes que não conseguem apren<strong>de</strong>r a ler e escrever na ida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada certa. O<br />

jovem gosta <strong>de</strong> estudar no período diurno. Mas, permanecer nesse período é ter que enfrentar cotidianamente<br />

situações <strong>de</strong> constrangimento causadas pelas críticas dos colegas que já dominam essas habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura<br />

e escrita.


113<br />

Por causa da ida<strong>de</strong>. Nas férias, eu vim, né? Aí, passaram meu nome pra <strong>de</strong><br />

noite... Porque não tinha outra série. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

É porque eu estudava <strong>de</strong> manhã e passei pra noite... Porque me passaram. Eu<br />

tava estudando <strong>de</strong> manhã e passaram pra noite... Por causa da ida<strong>de</strong>...<br />

Trabalhava... (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

Fiz até a 6ª... Porque minha tia queria me botar na EJA. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA<br />

IV).<br />

EJA é melhor. Dificulda<strong>de</strong>, né?... Da tarefa... É mais difícil (no ensino regular)<br />

(Garoto <strong>de</strong> 16 Anos, EJA IV)<br />

Fiz até a 8ª... no interior, Barreira ... Acarape... Eu nem sabia, não, que estudar a<br />

noite tinha esse negocio <strong>de</strong> EJA, não... (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V)<br />

Em algumas <strong>de</strong>ssas falas, a EJA parece significar uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acelerar<br />

os estudos, recuperar o tempo perdido, como po<strong>de</strong>mos perceber também pela afirmação <strong>de</strong><br />

outro jovem ao se referir ao ensino regular <strong>de</strong> 6º ao 9º Ano: “É muito ano pra esperar... Não<br />

sabe nem se passa...” (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V, Grupo Focal). Mas, também percebemos<br />

que <strong>para</strong> alguns dos entrevistados a transferência <strong>para</strong> a EJA aparece como uma situação<br />

involuntária quando esses <strong>jovens</strong> afirmam que foi “a tia” (professora) que o passou <strong>para</strong> a<br />

noite ou quando dizem “passaram meu nome pra noite” ou “me rebolaram pra cá”.<br />

Nesses casos, a transferência <strong>para</strong> o período noturno parece estar associada à<br />

situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>–série apresentada por esses sujeitos, situação em que as<br />

escolas da re<strong>de</strong> pública ten<strong>de</strong>m a transferir os <strong>jovens</strong> a partir dos 15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>para</strong> o<br />

ensino noturno. De acordo com consultas realizadas a gestores escolares e técnicos das<br />

re<strong>de</strong>s públicas <strong>de</strong> ensino em Fortaleza, não existiria uma orientação formal instituída pelos<br />

órgãos públicos <strong>de</strong> gerenciamento da educação que <strong>de</strong>terminasse a transferência dos<br />

<strong>jovens</strong> com <strong>de</strong>fasagem escolar entre ida<strong>de</strong> e ano <strong>de</strong> estudo <strong>para</strong> o ensino noturno e/ou EJA.<br />

A cartilha elaborada pela Secretaria Municipal <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Fortaleza – SME direcionada<br />

ao processo <strong>de</strong> matrícula nas escolas <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino em 2012 apresenta as<br />

seguintes orientações quanto aos estudantes que não se encontram na série recomendada<br />

<strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>:<br />

O (a) aluno (a) com distorção ida<strong>de</strong>/ano <strong>de</strong>ve ter sua matrícula garantida e,<br />

após diagnóstico do seu nível <strong>de</strong> conhecimento, será conduzido (a) ao ano<br />

a<strong>de</strong>quado. Somente po<strong>de</strong> ser matriculado (a), nas turmas da EJA, o (a)<br />

aluno (a) com 15(quinze) anos completos no ato da matrícula.<br />

(SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2012, p.26)<br />

O (a) aluno (a) novato (a) sem qualquer registro escolar, somente será<br />

enturmado (a) após efetivo diagnóstico realizado pelo professor, em um<br />

período <strong>de</strong> 15(quinze) a 30(trinta) dias. De acordo com o resultado, o (a)<br />

aluno (a) será conduzido (a) à turma que melhor se a<strong>de</strong>quar ao seu nível <strong>de</strong><br />

conhecimento. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2012, p.26).


114<br />

[...] a ida<strong>de</strong> <strong>para</strong> a matrícula <strong>de</strong> alunos (as) na EJA é a partir <strong>de</strong> 15 anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong> completos. Os alunos menores <strong>de</strong> 15 anos <strong>de</strong>verão efetuar a<br />

matrícula obrigatoriamente nos turnos diurnos. (SECRETARIA MUNICIPAL<br />

DE EDUCAÇÃO, 2012, p.27).<br />

O conteúdo das recomendações apresentadas na referida Cartilha indica a<br />

legalida<strong>de</strong> da matrícula dos <strong>jovens</strong> a partir dos 15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> na EJA, po<strong>de</strong>ndo ser<br />

realizada no período noturno, uma vez que somente aqueles menores <strong>de</strong> 15 anos <strong>de</strong>veriam,<br />

obrigatoriamente, ser matriculados no período diurno.<br />

No entanto, essas recomendações não explicitam questões relacionadas à<br />

existência <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> <strong>para</strong> essa matrícula no ensino regular e diurno que<br />

beneficiem apenas aqueles que se encontrem na faixa-etária recomendada <strong>para</strong> cada ano.<br />

Desse modo, se não existem regras instituídas por meio <strong>de</strong> documentos oficiais que<br />

afirmem que os <strong>jovens</strong> que se encontram “fora <strong>de</strong> faixa” não têm priorida<strong>de</strong> ao ensino<br />

regular e diurno, isso po<strong>de</strong> sinalizar <strong>para</strong> a existência <strong>de</strong> um discurso que se institui<br />

mediante falas reproduzidas por alguns agentes escolares locais que atuam nos processos<br />

<strong>de</strong> gestão da matrícula escolar. Essas falas ten<strong>de</strong>m a ser incorporadas pelos estudantes e<br />

seus familiares que passam a perceber a condição <strong>de</strong> estar “fora <strong>de</strong> faixa” como uma perda<br />

<strong>de</strong> direito à escolha do tipo e período <strong>de</strong> estudo.<br />

Os entrevistados parecem conhecer bem essas regras instituídas pela escola,<br />

como po<strong>de</strong>mos perceber em suas narrativas quando referiram a ida<strong>de</strong> como uma das<br />

causas <strong>para</strong> a mudança <strong>de</strong> turno: “estou fora <strong>de</strong> faixa”. Essa afirmação apresentada por<br />

alguns entrevistados indica que esses estudantes já haviam construído uma autoimagem<br />

quanto à sua condição em relação à escola. Estar “fora <strong>de</strong> faixa” representaria uma situação<br />

<strong>de</strong> impedimento ao direito <strong>de</strong> fazer escolhas quanto ao turno e ao tipo <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>sejado.<br />

Os “fora <strong>de</strong> faixa” experimentariam a perda <strong>de</strong> status em relação aos outros<br />

<strong>jovens</strong> que se encontram na série recomendada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong> e <strong>para</strong> os quais o direito <strong>de</strong><br />

fazer escolhas seria garantido. As narrativas dos entrevistados não indicaram indignação ou<br />

sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito em relação à negação do direito <strong>de</strong> fazer tais escolhas<br />

relacionadas à forma <strong>de</strong> acesso à escola. Uma das entrevistadas chegou a afirmar que<br />

“tanto faz” estudar na EJA ou no ensino regular. Esses <strong>jovens</strong> não expressaram o<br />

sentimento <strong>de</strong> revolta quanto a esse impedimento, não teceram críticas a essa situação<br />

vivenciada no campo escolar. A situação parecia naturalizada <strong>para</strong> alguns <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

Somente quando sugerimos durante os grupos focais que se posicionassem quanto aos<br />

resultados <strong>de</strong> aprendizagem na EJA e no ensino regular, dois <strong>jovens</strong> afirmaram:<br />

[...] Acho que fazendo 9º ano é melhor (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV)


115<br />

[...] Apren<strong>de</strong> mais em ano em ano (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V)<br />

A inserção na Modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino EJA, ainda que apresentada por<br />

<strong>de</strong>terminados entrevistados como uma alternativa <strong>para</strong> a aceleração do tempo <strong>de</strong> estudo<br />

não constituiria, efetivamente, uma escolha, mas uma falta <strong>de</strong> escolha, consi<strong>de</strong>rando que,<br />

<strong>de</strong> acordo com as falas da maioria, não existiriam outras opções <strong>de</strong> escolas próximas às<br />

suas residências com oferta <strong>de</strong> vagas no ensino regular <strong>para</strong> o nível escolar em que se<br />

encontram.<br />

Em consultas realizadas aos dados <strong>de</strong> matrícula do ano letivo <strong>de</strong> 2012,<br />

disponibilizados pela Secretaria da Educação do Ceará – SEDUC, verificamos que no bairro<br />

Bonsucesso há 01 (uma) escola da Re<strong>de</strong> Pública Estadual e 03 (três) da Re<strong>de</strong> Municipal<br />

com oferta <strong>de</strong> vagas nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º Ano). Entretanto, no<br />

período noturno, a matrícula <strong>para</strong> essas séries nas quatro escolas são ofertadas apenas na<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> EJA.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que a inexistência da oferta <strong>de</strong> ensino regular noturno <strong>para</strong> as<br />

séries finais do Ensino Fundamental aos <strong>jovens</strong> que assim o <strong>de</strong>sejassem, fere o inciso VI do<br />

art.4º da LDB nº 9.394/96 que afirma ser <strong>de</strong>ver do Estado garantir a oferta <strong>de</strong> ensino noturno<br />

regular <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada às condições do educando. Desse modo, esses estudantes são<br />

privados do direito <strong>de</strong> fazer escolhas quando não lhes são apresentadas outras alternativas.<br />

Para Honneth (2003), a experiência <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> um direito po<strong>de</strong> incidir na<br />

perda <strong>de</strong> auto-respeito, “[...] ou seja, uma perda da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se referir a si mesmo<br />

como parceiro em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> na interação com todos os próximos”. (p.217). Se<br />

analisarmos a situação <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> inseridos em turmas <strong>de</strong> EJA tomando como<br />

referência o pensamento <strong>de</strong> Honneth, po<strong>de</strong>ríamos inferir que esses atores sociais po<strong>de</strong>m<br />

per<strong>de</strong>r a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar como sujeitos <strong>de</strong> direitos na mesma condição <strong>de</strong><br />

igualda<strong>de</strong> que seus pares que vivenciam experiências <strong>de</strong> maior sucesso <strong>de</strong>ntro do campo<br />

escolar.<br />

Talvez esses <strong>jovens</strong> venham a interiorizar “a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua exclusão” do<br />

acesso ao tipo <strong>de</strong> ensino que efetivamente necessitem e <strong>de</strong>sejem, seja no estudo regular ou<br />

na modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> EJA; seja no período diurno ou noturno. O sistema escolar po<strong>de</strong> contribuir<br />

<strong>para</strong> impor a esses <strong>jovens</strong> o entendimento <strong>de</strong> que aquele é o tipo <strong>de</strong> educação que<br />

merecem.<br />

Ao contrário dos <strong>jovens</strong> do Bonsucesso em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série, os<br />

estudantes <strong>de</strong> Ensino Médio do Parque São José, em sua maioria, apresenta visão que


116<br />

<strong>de</strong>squalifica os estudos realizados através da EJA, como po<strong>de</strong>mos perceber através <strong>de</strong>ssas<br />

falas:<br />

Pra po<strong>de</strong>r passar mais rápido... Recuperar os anos, vai pro EJA. Eu acho isso<br />

errado <strong>de</strong>mais... Tirando bem pouquinho ponto já passa... Estudante passa o ano<br />

todinho estudando pra po<strong>de</strong>r conseguir isso... Mas por um lado isso, como ele<br />

falou... Que querem estudar é muito bom, porque tem pessoas que querem<br />

trabalhar, mas por conta do trabalho não conseguem estudar.... Administrar o<br />

dia... Ai vão pro EJA pra acabar bem mais rápido os estudos... (Garoto <strong>de</strong> 16<br />

anos, 2º Ano, Ensino Médio Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Fazer as três séries juntas, não vai apren<strong>de</strong>r nada. Só quer terminar os estudos e<br />

pronto, e acabou-se... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Mas tu passa assim três anos em uma ano e meio, tu vai apren<strong>de</strong>r todas as<br />

matérias? Mas eles não vão ensinar do mesmo jeito que ensina aqui. (Garota <strong>de</strong><br />

16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

É só pra dizer que terminou o Ensino Médio pra botar lá no currículo... Porque,<br />

geralmente, hoje em dia as pessoas querem o ensino completo. Eles só querem<br />

terminar e pronto. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal)<br />

Eu conheço... jovem mesmo. É porque assim, ele parou <strong>de</strong> estudar, saiu um<br />

tempo, aí resolveu é... apressar mais. Aí, ele voltou a estudar, ele não, eles...<br />

(estão gostando). Porque eles não são muito interessados. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º<br />

Ano, Ensino Médio Noite, Grupo Focal)<br />

Mas não, o que importa é arranjar emprego, né? O que importa é isso. (Garoto <strong>de</strong><br />

16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Esses pesquisados põem em dúvida as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem escolar<br />

na modalida<strong>de</strong> EJA, consi<strong>de</strong>rando a brevida<strong>de</strong> do tempo <strong>para</strong> conclusão dos estudos, o que<br />

acarretaria perda em termos <strong>de</strong> acesso aos conteúdos <strong>de</strong> ensino. Os posicionamentos<br />

<strong>de</strong>sses atores indicam que, a partir da perspectiva que vivem sua condição <strong>de</strong> estudante e<br />

que pensam essa condição, não aceitariam estudar nessa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino. Apenas<br />

uma das entrevistadas procurou analisar a situação dos estudantes <strong>de</strong> EJA sob outro foco<br />

<strong>de</strong> análise:<br />

Eu faria, é melhor do que não ter aprendido nada. Eu ia terminar... pra mim po<strong>de</strong>r<br />

conseguir um emprego. Por exemplo, eu terminei ali minha Oitava Série, <strong>de</strong>pois...<br />

Primeiro, Segundo e Terceiro... Eu ia terminar, eu ia conseguir uma coisa muito<br />

melhor do que com o 8ª Ano... Mas, minha força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> seria muito maior.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Para essa jovem, estudar na EJA seria uma alternativa: a não apren<strong>de</strong>r nada,<br />

melhor apren<strong>de</strong>r alguma coisa, o que contraria os outros entrevistados que foram enfáticos<br />

na afirmação da existência <strong>de</strong> limitações no ensino através <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong>. Esses<br />

estudantes construíram outra percepção acerca do que esperam da escola, percepção que<br />

parece <strong>de</strong>svencilhar-se da “urgência da prática” e que po<strong>de</strong> viabilizar-lhes o “domínio<br />

simbólico da prática”. (LAHIRE, 2002).


117<br />

Esses dois grupos <strong>de</strong> estudantes partilham uma situação <strong>de</strong> acesso às<br />

condições materiais <strong>de</strong> existência aproximadas, com algumas exceções. Mas, a posição<br />

ocupada no campo escolar po<strong>de</strong> ter permitido aos <strong>jovens</strong> que já se encontram no Ensino<br />

Médio “[...] sair da lógica do senso prático em dominar simbolicamente o mundo, colocando<br />

uma distância entre eles e o mundo, entre eles e suas práticas”. (LAHIRE, 2002, p. 144).<br />

Talvez a submissão à “urgência das práticas” vivenciada por alguns estudantes<br />

<strong>de</strong> EJA, seja pelo trabalho, pelas ativida<strong>de</strong>s domésticas ou outras ocupações com as quais<br />

utilizam o tempo disponível dificultem o acesso aos instrumentos necessários <strong>para</strong> a<br />

dominação simbólica do mundo, instrumentos que po<strong>de</strong>riam levá-los a pensar sobre sua<br />

própria condição no interior do campo escolar. Em um dos grupos focais com os estudantes<br />

<strong>de</strong> EJA perguntamos se eles consi<strong>de</strong>ravam que a EJA era valorizada pela socieda<strong>de</strong> e um<br />

dos <strong>jovens</strong> nos respon<strong>de</strong>u: “Agora, me <strong>de</strong>ixou calado”. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV).<br />

O Art.32 da LDB 9.9394/96 afirma que um dos objetivos do Ensino Fundamental<br />

é o <strong>de</strong>senvolvimento, por parte dos estudantes, da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r através do<br />

domínio da leitura e da escrita. Dois entrevistados das turmas <strong>de</strong> EJA enfatizaram os<br />

problemas enfrentados pelo fato <strong>de</strong> não dominarem essas competências básicas, o que<br />

inci<strong>de</strong> diretamente sobre seus processos <strong>de</strong> aprendizagem e suas relações em outros<br />

espaços sociais. Alguns entrevistados <strong>de</strong> EJA, ainda que não tenham feito referência a<br />

esses mesmos problemas, <strong>de</strong>monstraram em seus discursos dificulda<strong>de</strong>s quanto ao<br />

domínio da “língua legítima”. Durante as entrevistas e grupos focais foi possível perceber as<br />

limitações quanto à construção <strong>de</strong>sses discursos quando com<strong>para</strong>dos aos entrevistados da<br />

outra escola.<br />

Segundo Bourdieu (1996), há uma “[...] distribuição <strong>de</strong>sigual das oportunida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> acesso aos instrumentos <strong>de</strong> produção da competência legítima [...]” (p.44). Para o autor,<br />

os dois principais fatores que contribuem <strong>para</strong> a produção <strong>de</strong>ssa competência legítima são a<br />

família e o sistema escolar. Se, no caso dos nossos interlocutores, a família não dispõe<br />

<strong>de</strong>sse patrimônio simbólico a ser compartilhado com seus membros, restaria esperar que o<br />

sistema escolar cumprisse essa missão.<br />

6.2 Ensino Médio: entre a formação geral e a pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> o mercado <strong>de</strong> trabalho<br />

Como temos <strong>de</strong>stacado neste estudo, o Ensino Médio é a etapa da Educação<br />

Básica na qual, teoricamente, <strong>de</strong>veriam estar todos os <strong>jovens</strong> brasileiros que se encontram<br />

entre 15 e 17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. No entanto, <strong>de</strong> acordo com dados do Censo Demográfico<br />

2010, 16,7% <strong>de</strong> <strong>jovens</strong> nessa faixa-etária não frequentavam a escola e dos 83,35% que<br />

eram estudantes, somente 47,3% estavam cursando o Ensino Médio. Segundo o IBGE


118<br />

(2012), tanto “[...] o atraso escolar no ensino médio quanto o abandono escolar precoce, isto<br />

é, antes da conclusão <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong> ensino, são indicadores extremamente relevantes <strong>para</strong><br />

retratar a vulnerabilida<strong>de</strong> atual e futura dos <strong>jovens</strong> brasileiros”. (IBGE, 2012, p.72)<br />

Esses percentuais nos permitem perceber a distância que se<strong>para</strong> esses <strong>jovens</strong><br />

do reconhecimento e efetivação do direito à educação, do acesso a “certos possíveis” que o<br />

direito consagra a todos, mas que o Estado só tem consagrado a menos da meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />

contingente populacional. Ainda <strong>de</strong> acordo com o IBGE (2012),<br />

Atualmente, o ensino médio se tornou uma etapa crucial na trajetória<br />

escolar dos <strong>jovens</strong> brasileiros, pois, reflete as <strong>de</strong>ficiências acumuladas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do processo <strong>de</strong> escolarização. Esse nível <strong>de</strong> ensino<br />

representa um dos principais <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> inclusão a ser enfrentando pela<br />

educação básica e uma importante lacuna <strong>para</strong> a efetivação do direito à<br />

educação, consi<strong>de</strong>rando sua obrigatorieda<strong>de</strong> progressiva estabelecida pela<br />

Emenda Constitucional nº 59, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2009. (IBGE, 2012,<br />

p.72).<br />

A Emenda Constitucional nº 59 alterou o inciso I do art.28 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral que antes restringia a obrigatorieda<strong>de</strong> e gratuida<strong>de</strong> ao Ensino Fundamental. No<br />

inciso II <strong>de</strong>sse mesmo artigo é afirmada a progressiva universalização do Ensino Médio<br />

gratuito.<br />

No Terceiro Capítulo, discutimos sobre as percepções e perspectivas dos<br />

estudantes do Ensino Fundamental quanto ao ingresso e conclusão do Ensino Médio. Todos<br />

os entrevistados afirmaram a intenção <strong>de</strong> cursar esse nível <strong>de</strong> ensino. Os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> 8º e 9º<br />

Anos afirmaram ter a pretensão <strong>de</strong> permanecer na escola do Parque São José, uma vez<br />

que a escola oferece matrícula <strong>para</strong> Ensino Médio. Além <strong>de</strong>ssa escola, há outra unida<strong>de</strong> da<br />

Re<strong>de</strong> Estadual no bairro, mas que foi <strong>de</strong>squalificada por vários <strong>jovens</strong> durante as<br />

entrevistas. Um <strong>de</strong>les afirmou: “A outra escola era bagunçada”. (Garoto <strong>de</strong> 14 anos, 8º Ano).<br />

Desse modo, embora não exista outra opção além das duas escolas citadas, os estudantes<br />

expressaram satisfação em permanecer na unida<strong>de</strong> escolar em que já estudam.<br />

Os estudantes concluintes <strong>de</strong> EJA V da Escola Municipal do Bonsucesso<br />

<strong>de</strong>verão ser encaminhados <strong>para</strong> outras unida<strong>de</strong>s escolares próximas ao bairro, uma vez que<br />

no Bonsucesso não há nenhuma escola <strong>de</strong> Ensino Médio da Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> ensino.<br />

Durante as entrevistas e grupos focais, alguns <strong>jovens</strong> ainda não sabiam em qual escola<br />

pretendiam cursar o Ensino Médio, mas fizeram referência às Escolas: Pici das Pedreiras,<br />

Heráclito <strong>de</strong> Castro e Ubirajara Índio. Somente a primeira escola citada localiza-se <strong>de</strong>ntro<br />

dos limites geográficos oficiais do bairro e foi a mais referida pelos entrevistados, embora<br />

não constitua a melhor opção <strong>para</strong> todos, como po<strong>de</strong>mos perceber nas falas <strong>de</strong> dois <strong>jovens</strong><br />

da turma <strong>de</strong> EJA IV:


119<br />

Prefiro o Pici, lá perto da minha casa... (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV)<br />

É bem aí pra vocês... Pra mim num é não. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV<br />

Ainda que a Escola Pici das Pedreiras seja a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ensino mais acessível<br />

e <strong>de</strong>sejada pela maioria dos entrevistados do Bonsucesso, a referida escola integra a Re<strong>de</strong><br />

Pública Estadual, responsável pela oferta <strong>de</strong> Ensino Médio, mas não oferece matrícula <strong>para</strong><br />

essa etapa da Educação Básica.<br />

Os estudantes <strong>de</strong> EJA V (correspon<strong>de</strong>nte às séries finais do Ensino<br />

Fundamental - 8º e 9º Anos) passam pelo remanejamento, processo <strong>de</strong> transferência entre<br />

as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino e que é realizado por meio da articulação entre a Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />

Educação <strong>de</strong> Fortaleza – SME e a Secretaria <strong>de</strong> Educação do Ceará – SEDUC. Os<br />

estudantes apresentam 03 (opções) <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong>ntre as possibilida<strong>de</strong>s indicadas pelo<br />

Sistema <strong>de</strong> Gestão Acadêmica - SGA. De acordo com a Secretária da escola municipal do<br />

Bonsucesso, “não tem nada muito próximo”. Geralmente, esses estudantes são transferidos<br />

<strong>para</strong> escolas localizadas em bairros vizinhos como Conjunto Ceará, Jóquei Club, João XXIII<br />

e Parangaba.<br />

Tanto os <strong>jovens</strong> em situação <strong>de</strong> distorção ida<strong>de</strong>-série quanto aqueles que já se<br />

encontram no Ensino Médio, na série recomendada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong>, expressaram em suas<br />

narrativas a crença <strong>de</strong> que o Ensino Médio po<strong>de</strong> proporcionar-lhes vantagens futuras, seja<br />

pela inserção em cursos da Educação Superior ou pelo acesso ao mercado <strong>de</strong> trabalho<br />

através da conclusão <strong>de</strong> uma escolarida<strong>de</strong> básica, conforme comentamos no Capítulo<br />

anterior.<br />

Entre os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> EJA, percebemos que prevalece um sentimento <strong>de</strong><br />

“terminalida<strong>de</strong>” em relação ao Ensino Médio. Aos serem indagados sobre os motivos que os<br />

levavam a querer cursar essa etapa da Educação Básica, expressaram um sentimento <strong>de</strong><br />

que concluindo o Ensino Médio estariam concluindo “os seus estudos” e isso po<strong>de</strong>ria<br />

proporcionar-lhes melhor acesso a empregos. Apenas um dos entrevistados fez associação<br />

entre a conclusão do Ensino Médio e o acesso a uma faculda<strong>de</strong>. Os outros estudantes <strong>de</strong><br />

EJA só fizeram menção à entrada na Universida<strong>de</strong> quando as questões das entrevistas ou<br />

grupos focais fizeram referência direta a esse tema.<br />

Alguns pesquisados do Ensino Médio que ainda não eram trabalhadores,<br />

mesmo afirmando o interesse no ingresso ao Ensino Superior, estabeleceram relação entre<br />

a conclusão do Ensino Médio e a entrada <strong>para</strong> o mercado <strong>de</strong> trabalho, como po<strong>de</strong>mos<br />

perceber nessas falas:


120<br />

[...] Porque ... <strong>de</strong>pois que a gente terminar o ensino médio, é ... quando a gente vai<br />

procurar emprego. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã).<br />

Porque no caso da gente já tá no Primeiro Ano, tipo no começo da nossa vida,<br />

assim, pro mercado <strong>de</strong> trabalho. (Garota do Ensino Médio, manhã). (Garota <strong>de</strong> 15<br />

anos, 1º Ano, Tar<strong>de</strong>).<br />

Eu preciso sair da escola e ter algum trabalho, alguma coisa pra ocupar minha<br />

cabeça... Não quero ficar sem fazer nada não.... (Garota <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano,<br />

Manhã).<br />

No Brasil, o acesso à universida<strong>de</strong> manteve-se durante muitas décadas como<br />

um privilégio das camadas sociais <strong>de</strong> maior capital econômico. A pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> as<br />

profissões técnicas <strong>de</strong> nível médio representou <strong>para</strong> os membros das camadas sociais <strong>de</strong><br />

menor capital econômico e cultural a única ou a opção mais acessível no campo da<br />

educação. Direcionada ao mercado <strong>de</strong> trabalho, limitava as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso dos<br />

estudantes a carreiras profissionais <strong>de</strong> maior prestígio social, como aquelas proporcionadas<br />

pela Educação Superior.<br />

Muitas críticas foram lançadas a esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação no ensino<br />

secundário, classificado como dual, uma vez que garantia a parte do seu público o acesso a<br />

conteúdos curriculares mais acadêmicos que favoreciam a entrada nos cursos<br />

universitários, ao passo que à outra parte <strong>de</strong>sse público, oferecia-se um ensino em que as<br />

disciplinas curriculares estavam concentradas em conteúdos técnico-profissionais que não<br />

favoreciam aos processos <strong>de</strong> formação geral <strong>de</strong>sses estudantes nos aspectos humanísticos.<br />

A preocupação com o tipo <strong>de</strong> formação mais a<strong>de</strong>quada aos <strong>jovens</strong> não constitui<br />

um problema específico do nosso tempo, como po<strong>de</strong>mos perceber através da reflexão<br />

lançada por Aristóteles:<br />

[...] Não há acordo entre o que os <strong>jovens</strong> <strong>de</strong>vem apren<strong>de</strong>r, nem no que se<br />

infere à virtu<strong>de</strong> nem quanto ao necessário <strong>para</strong> uma vida melhor. Tampouco<br />

está claro se a educação <strong>de</strong>veria preocupar-se mais com a formação do<br />

intelecto ou do caráter. Do ponto <strong>de</strong> vista do sistema educativo atual, a<br />

investigação é confusa e não há certeza alguma sobre se <strong>de</strong>vem ser<br />

praticadas as disciplinas úteis <strong>para</strong> a vida ou as que ten<strong>de</strong>m à virtu<strong>de</strong>, ou as<br />

que se sobressaem do ordinário (pois todas elas têm seus partidários). No<br />

que diz respeito aos meios que conduzem à virtu<strong>de</strong>, não há acordo nenhum<br />

(<strong>de</strong> fato não honram, todos, a mesma virtu<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que diferem<br />

logicamente também sobre seu exercício). (ARISTÓTELES apud PCNEM,<br />

2002, p.61).<br />

De acordo com Ramos (2004), o ensino secundário, ao longo <strong>de</strong> sua história,<br />

esteve predominantemente centrado no mercado <strong>de</strong> trabalho, tanto <strong>para</strong> os estudantes que<br />

ingressavam no mercado logo após a conclusão <strong>de</strong>ssa etapa <strong>de</strong> ensino, quanto <strong>para</strong><br />

aqueles que ingressariam nesse mercado somente após o ensino superior. Para esse autor,<br />

a diferença estaria no momento em que seus concluintes ingressariam no mercado <strong>de</strong>


121<br />

trabalho e na posição que ocupariam na divisão social e técnica do trabalho. Desse modo, a<br />

preocupação com a formação dos <strong>jovens</strong> tinha como foco o estudo das disciplinas que<br />

melhor favorecessem a entrada no mercado em cada um <strong>de</strong>sses dois momentos, pois esta<br />

seria a principal finalida<strong>de</strong> da educação.<br />

Ramos (2004) ainda <strong>de</strong>staca que, com a crise <strong>de</strong> emprego instaurada pelas<br />

novas configurações assumidas pelo capitalismo nas últimas décadas, não seria mais<br />

possível pre<strong>para</strong>r apenas <strong>para</strong> o mercado <strong>de</strong> trabalho, mas também <strong>para</strong> a “vida”. De<br />

acordo com o autor:<br />

Essa foi a tônica adquirida pelo ensino médio a partir da atual LDB. Sob um<br />

<strong>de</strong>terminado i<strong>de</strong>ário que predominou em nossa socieda<strong>de</strong> nos anos 1990,<br />

pre<strong>para</strong>r <strong>para</strong> a vida significava <strong>de</strong>senvolver competências genéricas e<br />

flexíveis, <strong>de</strong> modo que as pessoas pu<strong>de</strong>ssem se adaptar facilmente às<br />

incertezas do mundo contemporâneo. (RAMOS, 2004, p.39).<br />

De acordo com o Art.2º do Título II da atual LDB, “A educação, <strong>de</strong>ver da família<br />

e do Estado, inspirada nos princípios <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e nos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> humana,<br />

tem por finalida<strong>de</strong> o pleno <strong>de</strong>senvolvimento do educando, seu preparo <strong>para</strong> o exercício da<br />

cidadania e sua qualificação <strong>para</strong> o trabalho”. A Lei afirma, portanto, uma dupla função <strong>para</strong><br />

a educação: pre<strong>para</strong>r <strong>para</strong> a cidadania e pre<strong>para</strong>r <strong>para</strong> o trabalho. O art.32 da mesma Lei<br />

indica as quatro finalida<strong>de</strong>s que o Ensino Médio <strong>de</strong>ve atingir: consolidação e<br />

aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental; o aprimoramento<br />

do educando através da formação ética e do <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia intelectual e do<br />

pensamento crítico e, por último, a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos<br />

dos processos produtivos. Percebemos a preocupação com a formação humanista do<br />

educando, mas, por outro lado, enfatiza-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão dos<br />

fundamentos dos processos produtivos, associados ao mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

As Diretrizes Curriculares Nacionais <strong>para</strong> o Ensino Médio procuram <strong>de</strong>stacar a<br />

<strong>de</strong>svinculação <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> uma formação específica <strong>para</strong> uma profissão<br />

técnica, (embora a LDB e as Diretrizes apontem <strong>para</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação com a<br />

profissionalização, sem prejuízo da formação básica proposta <strong>para</strong> o Ensino Médio), mas<br />

<strong>de</strong>ixa explícita a importância da construção <strong>de</strong> um perfil <strong>de</strong> saída <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> que<br />

concluem o Ensino Médio: eles precisam apresentar as competências e habilida<strong>de</strong>s<br />

requeridas <strong>para</strong> as novas relações <strong>de</strong> produção. De acordo com as DCNEM (2002):<br />

A facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acessar, selecionar e processar informações está permitindo<br />

<strong>de</strong>scobrir novas fronteiras do conhecimento, nas quais este se revela cada<br />

vez mais integrado. Integradas são também as competências e habilida<strong>de</strong>s<br />

requeridas por uma organização <strong>de</strong> produção na qual criativida<strong>de</strong>,<br />

autonomia e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solucionar problemas serão cada vez mais


122<br />

importantes, com<strong>para</strong>das à repetição <strong>de</strong> tarefas rotineiras. E mais do que<br />

nunca, há um forte anseio <strong>de</strong> inclusão e <strong>de</strong> integração sociais como<br />

antídoto à ameaça <strong>de</strong> fragmentação e segmentação. (DCENM, 2002:71).<br />

Dessa forma, o Ensino Médio tem como meta pre<strong>para</strong>r os <strong>jovens</strong> <strong>para</strong> as novas<br />

exigências colocadas pelo mercado <strong>de</strong> trabalho, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma profissão específica,<br />

exigências impostas pelas novas <strong>de</strong>mandas do tipo <strong>de</strong> organização da produção que requer<br />

trabalhadores capazes <strong>de</strong> se adaptar a novas formas <strong>de</strong> produção que, além <strong>de</strong> exigirem<br />

um domínio <strong>de</strong> certas habilida<strong>de</strong>s técnicas requeridas pelas novas tecnologias, exigem<br />

também trabalhadores “criativos e autônomos” que não se limitem à operação <strong>de</strong><br />

equipamentos, mas que estejam abertos à busca e recepção <strong>de</strong> novas informações e<br />

conhecimentos em seus campos <strong>de</strong> atuação. Assim, o mercado <strong>de</strong> trabalho constitui uma<br />

referência <strong>para</strong> os processos formativos dos <strong>jovens</strong> no atual contexto econômico, político e<br />

social brasileiro.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que há estreitas relações entre as propostas educativas <strong>de</strong> cada<br />

época e seus mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> organização social. Tal imbricação nos foi lembrada por<br />

Montesqueiu e Durkheim através <strong>de</strong> suas perguntas: “Por que a educação se esforçaria por<br />

formar um bom cidadão que participasse da <strong>de</strong>sgraça pública?” (Livro Quarto, Cap.III, p.20)<br />

ou ”De que serviria imaginar uma educação que levasse à morte a socieda<strong>de</strong> que a<br />

praticasse?” (DURKHEIM, 1979, p.37).<br />

O Ensino Médio, seja em sua vertente profissionalizante ou não, caminha na<br />

perspectiva <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> suas propostas pedagógicas às exigências do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong> que vivenciamos. Se o mercado ocupa a centralida<strong>de</strong> do atual mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong>, é a partir do mercado que são pensados os processos e práticas formativas no<br />

campo da educação.<br />

Em nossa pesquisa, percebemos que os entrevistados associam a permanência<br />

na escola com o alargamento das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho, o que<br />

nos faz enten<strong>de</strong>r que <strong>para</strong> a maioria dos nossos interlocutores essa constitui uma das<br />

justificativas <strong>para</strong> permanecerem na escola e concluírem essa etapa da educação. O Ensino<br />

Médio po<strong>de</strong> constituir uma meta <strong>para</strong> conseguir um emprego como operador (a) <strong>de</strong> telefonia<br />

ou como ven<strong>de</strong>dor (a) <strong>de</strong> uma loja <strong>de</strong> shopping, como estudantes das turmas <strong>de</strong> EJA<br />

citaram. Mas, também constitui uma via <strong>para</strong> participar <strong>de</strong> diversos mecanismos <strong>de</strong> seleção<br />

ao Ensino Superior que po<strong>de</strong>rão levá-los a outras posições <strong>de</strong>ntro do mundo do trabalho. O


123<br />

ENEM e a “Lei <strong>de</strong> cotas sociais 55 ” foram citados por alguns entrevistados da escola estadual<br />

como possibilida<strong>de</strong>s <strong>para</strong> a entrada na Universida<strong>de</strong>:<br />

Colégio público tem suas vantagens na questão <strong>de</strong> cursos, estágios, uma<br />

faculda<strong>de</strong>. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 9º Ano, tar<strong>de</strong>)<br />

Fazer o Enem e alcançar a pontuação <strong>para</strong> jornalismo. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 9º ano<br />

tar<strong>de</strong>)<br />

Mas eu acho assim ... que tem muitos alunos, até aqui na escola mesmo, saindo<br />

da escola particular, vindo pra pública, pra po<strong>de</strong>r tentar entrar na faculda<strong>de</strong><br />

pública. Isso vai tirando as chances da gente ... Porque eles são mais pre<strong>para</strong>dos<br />

que a gente porque lá não falta professor e aqui falta. Eu só acho <strong>de</strong>sigual essa<br />

parte <strong>de</strong>les saírem da escola particular pra vir pra pública. Só isso, mas o resto, eu<br />

concordo. Eu acho que vai ajudar bastante... Acho bem mais fácil hoje em dia a<br />

gente entrar na faculda<strong>de</strong> do que antigamente quando não tinha essas cotas...<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã, Grupo Focal).<br />

Percebemos que entre os <strong>jovens</strong> que ainda cursam o 8º e 9º Anos já existe essa<br />

referência ao ENEM, o que po<strong>de</strong> estar relacionado ao fato <strong>de</strong>sses estudantes conviverem<br />

cotidianamente com seus pares que estão cursando o Ensino Médio na mesma escola e o<br />

trabalho <strong>de</strong>senvolvido pela unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino em relação ao ENEM <strong>de</strong> alguma forma ser<br />

assimilado também por esses sujeitos.<br />

Na fala da terceira estudante, relacionada às cotas sociais, a jovem <strong>de</strong>staca que<br />

as cotas po<strong>de</strong>m facilitar a entrada dos estudantes <strong>de</strong> escolas públicas na faculda<strong>de</strong>, mas faz<br />

uma crítica ao fenômeno da transferência <strong>de</strong> estudantes <strong>de</strong> escolas particulares <strong>para</strong> a<br />

Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> ensino, fenômeno também relatado pela gestora da unida<strong>de</strong> escolar e por<br />

alguns entrevistados que vieram <strong>de</strong> escolas da Re<strong>de</strong> Privada.<br />

Essa transferência po<strong>de</strong> estar associada não apenas às dificulda<strong>de</strong>s financeiras<br />

da família <strong>para</strong> manter os filhos na Re<strong>de</strong> Privada, mas também às oportunida<strong>de</strong>s criadas<br />

<strong>para</strong> os estudantes que cursam todas as séries do Ensino Médio na Re<strong>de</strong> Pública que<br />

po<strong>de</strong>m ser beneficiados através da reserva <strong>de</strong> vagas <strong>para</strong> as Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong><br />

ensino.<br />

6.2.1 Escolas <strong>de</strong> Educação Profissional: “É muita burocracia pra entrar lá”?<br />

A profissionalização foi um tema colocado <strong>para</strong> todos os participantes da<br />

pesquisa, tanto nas entrevistas individuais quanto nos grupos focais. Procuramos perceber<br />

se os entrevistados apresentavam a intenção <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> cursos profissionalizantes e<br />

55 O Decreto Nº 7.824 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2012 regulamenta a Lei Nº 12.711 <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2012 que<br />

<strong>de</strong>termina a reserva <strong>de</strong> 50% das vagas das Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> ensino <strong>para</strong> estudantes que tenham cursado<br />

integralmente o ensino médio em escolas públicas e que apresente renda familiar bruta igual ou inferior a um<br />

inteiro e cinco décimos per capta.(Fonte: www.imprensaoficial.gov.br). Consulta realizada em 07/01/2013.


124<br />

também perceber o nível <strong>de</strong> acesso <strong>de</strong>sses sujeitos às informações sobre esses tipos <strong>de</strong><br />

cursos <strong>de</strong>senvolvidos no bairro ou em outras áreas da Cida<strong>de</strong>.<br />

Entre os entrevistados <strong>de</strong> EJA, mais da meta<strong>de</strong> afirmou nunca ter ouvido falar<br />

em escolas profissionalizantes. As falas das duas primeiras estudantes retratam uma prática<br />

muitas vezes realizada por empresas privadas que divulgam cursos profissionalizantes nas<br />

se<strong>de</strong>s das escolas públicas:<br />

Eu recebi um papelzinho. Aí tinha: você foi sorteado... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV,<br />

Grupo Focal). (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Só alguns que são sorteados e aí vão. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV, Grupo Focal).<br />

Não ouvi falar... No bairro, não. (garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Vi na televisão. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA V).<br />

Aqui no bairro, não. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

Apenas um jovem da turma <strong>de</strong> EJA IV afirmou participar <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong><br />

informática proporcionado pelo SINE no centro <strong>de</strong> Fortaleza.<br />

As narrativas dos entrevistados da Re<strong>de</strong> Estadual apresentaram elementos que<br />

<strong>de</strong>monstraram maior nível <strong>de</strong> informações sobre a existência <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> educação<br />

profissional mantidas pelo Governo do Estado do Ceará, como po<strong>de</strong>mos verificar nos<br />

<strong>de</strong>poimentos apresentados a seguir:<br />

Conheço o Joaquim Moreira <strong>de</strong> Sousa que é ali na Parangaba e tem muitas sendo<br />

criadas. Mas, vizinho o colégio não,... É o dia inteiro, não gosto não. (Garoto 15<br />

anos, 1º ano, manhã).<br />

Eu tava até pensando em ir, mas eu não sei se vou ... Assim, tô meio em dúvida...<br />

no Joaquim Moreira ... Eu tenho vários amigos que estudam lá, que <strong>de</strong> manhã<br />

fazem o estudo normal e a tar<strong>de</strong> é o curso... Tem que fazer uma prova (Garoto <strong>de</strong><br />

15 anos, 9º ano, tar<strong>de</strong>).<br />

Tipo tempo integral? Sei que tem uma na Parangaba... Interesse, não (Garoto <strong>de</strong><br />

16 anos, 2º ano, noite).<br />

Conheço, em Tauá. Tenho uma prima, mas não sei o curso, não lembro. (Garoto<br />

<strong>de</strong> 17 anos, 3º ano, noite)<br />

Eu acho que são boas, mas é muita burocracia pra entrar lá... Eles falam tanto <strong>de</strong><br />

campanha que vai implantar escola, mas só que a dificulda<strong>de</strong> que o aluno tem pra<br />

entrar numa escola daquela é muito gran<strong>de</strong> ... Eu mesma já tentei entrar. Tem<br />

uma seleção, tem que fazer uma prova igual no colégio particular e muitas<br />

pessoas não tem conhecimento... Eu acho que <strong>de</strong>veria ser mais fácil a entrada<br />

nessas escolas. (garota <strong>de</strong> 17 anos, 3º Ano, manhã, grupo focal)<br />

Tem, mas só que eu, assim, eu não vejo muito falando, assim. Não... Assim, eu vi<br />

a menina da nossa sala do ano passado. Ela fez ... Ela fez pra... é ... Enfermagem.<br />

Aí, ela passou. Mas, só que ela não falou nada: Gente faz. Ela não <strong>de</strong>u esse


125<br />

incentivo. Aí, ela só disse que tinha passado e ia fazer, só. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º<br />

Ano, B, manhã, Grupo focal)<br />

Uma amiga faz, também, lá... Passa o dia todinho na escola. Aí, <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> faz<br />

curso... Parece... lá no Bom Jardim. Não, é lá perto da Igreja <strong>de</strong> Fátima, por ali...<br />

Bairro <strong>de</strong> Fátima. (Garota <strong>de</strong> 2º Ano, Ensino Médio, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal)<br />

Vonta<strong>de</strong> tenho, só o que não falta... Até porque a maioria são longe. Aí, pra pegar<br />

ônibus, <strong>de</strong> manhã cedo, enfrentar essa hora do povo tá chegando pra ir<br />

trabalhar... Você acaba <strong>de</strong>sistindo... na hora (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º ano Ensino<br />

Médio, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Eu não fui estudar lá nesse ano, nessa escola profissionalizante, por conta disso,<br />

porque é realmente muito longe, tinha que acordar bem cedo e chegar tar<strong>de</strong>.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Ensino Médio, tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Meu primo estuda num colégio <strong>de</strong>sse .... Eu não sei on<strong>de</strong> ele estuda ... Ele tá<br />

fazendo um curso <strong>de</strong> técnico <strong>de</strong> segurança do trabalho... É do Estado. Ele mora<br />

no Serviluz. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal)<br />

Mas, eu acho assim... que quando chega no 3º bimestre, na verda<strong>de</strong>, já começa a<br />

trabalhar... Já sai praticamente, assim, um profissional, já sai profissional, né? Aí,<br />

ganhando bem... E já se forma... Quem tem o curso <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong> já vai se<br />

formar em contabilida<strong>de</strong>. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal)<br />

Uma das <strong>jovens</strong> do 1º Ano comentou durante grupo focal que participava <strong>de</strong> um<br />

curso <strong>de</strong> informática com duração <strong>de</strong> 02 (dois) anos cuja mensalida<strong>de</strong> seria no valor <strong>de</strong> R$<br />

160,00.<br />

Outros entrevistados <strong>de</strong>monstraram <strong>de</strong>sconhecer a existência <strong>de</strong> escolas<br />

públicas <strong>de</strong> educação profissional na Re<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Ensino. Diante das falas dos<br />

colegas durante grupo focal, um estudante manifestou interesse em obter informações sobre<br />

esse tipo <strong>de</strong> ação governamental: Como é pra entrar nesse curso aí, nessa escola, é...<br />

Precisa <strong>de</strong> quê?(Garoto <strong>de</strong> 16 anos, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).<br />

Embora muitos <strong>de</strong>sses entrevistados tenham mostrado dispor <strong>de</strong> algumas<br />

informações sobre as escolas profissionalizantes estaduais, parte <strong>de</strong>les pareceu não ter<br />

clareza quanto aos critérios <strong>para</strong> a entrada nessas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino. De acordo com a<br />

Portaria Nº 1053/2011 56 , são <strong>de</strong>stinadas 80% das vagas das escolas estaduais <strong>de</strong> educação<br />

profissional <strong>para</strong> os estudantes oriundos <strong>de</strong> escolas públicas, ficando os 20% restantes das<br />

vagas <strong>para</strong> estudantes provenientes da re<strong>de</strong> particular. Desse modo, os estudantes da re<strong>de</strong><br />

pública precisam compartilhar com outros <strong>jovens</strong>, que talvez se encontrem posição <strong>de</strong><br />

vantagem econômica e social quando com<strong>para</strong>da à situação da maioria dos que estudam<br />

em escolas públicas, o total <strong>de</strong> vagas disponibilizadas por essas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino.<br />

A atual política <strong>de</strong> escolas profissionalizantes do Governo do Estado do Ceará<br />

segue a proposta lançada pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral em 2007, através do Programa Brasil<br />

56 Portaria emanada do Gabinete da Secretaria da Educação do Ceará que estabelece as normas <strong>para</strong> matrícula<br />

<strong>de</strong> alunos nas escolas públicas estaduais <strong>para</strong> o ano <strong>de</strong> 2012.


126<br />

Profissionalizado 57 , apresentado como estratégia <strong>para</strong> expansão e mo<strong>de</strong>rnização das re<strong>de</strong>s<br />

públicas <strong>de</strong> Ensino Médio integradas à Educação Profissional. No Ceará, o funcionamento<br />

das primeiras escolas <strong>de</strong> educação profissional, sob nova perspectiva proposta em nível<br />

fe<strong>de</strong>ral, foi iniciado em 2008. Atualmente, o Governo do Ceará mantém em funcionamento<br />

90 (noventa) escolas <strong>de</strong> ensino profissionalizante, sendo 17 (<strong>de</strong>zessete) localizadas no<br />

município <strong>de</strong> Fortaleza.<br />

A seleção dos candidatos às vagas nessas escolas tem como critério a média<br />

aritmética <strong>de</strong> suas notas relativas às disciplinas cursadas no 9º Ano. A referida Portaria<br />

estabelece também os seguintes critérios em caso <strong>de</strong> empate <strong>de</strong> médias entre os<br />

candidatos: Maior média na disciplina <strong>de</strong> Língua Portuguesa; Maior média na disciplina <strong>de</strong><br />

Matemática; Comprovar maior proximida<strong>de</strong> entre a sua residência e a escola <strong>de</strong> Educação<br />

Profissional e, em último caso, terá priorida<strong>de</strong> o estudante que tiver a maior ida<strong>de</strong>.<br />

De acordo com os critérios mencionados, os candidatos não são submetidos a<br />

provas, ao contrário do que foi citado nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> dois entrevistados, indicando que<br />

esses <strong>jovens</strong>, mesmo sendo estudantes da Re<strong>de</strong> Estadual, não dispõem <strong>de</strong> informações<br />

muito precisas acerca do processo seletivo <strong>para</strong> esse tipo <strong>de</strong> escola.<br />

Outra característica que diferencia o atendimento nas escolas estaduais <strong>de</strong><br />

Educação Profissional refere-se à exigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> tempo integral <strong>de</strong> estudos nos<br />

dois turnos: manhã e tar<strong>de</strong>. Os candidatos à vaga <strong>de</strong>vem apresentar total disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

2ª a 6ª feira <strong>para</strong> uma jornada escolar que se inicia às 07h e se encerra às 17h. Para os<br />

<strong>jovens</strong> que já são trabalhadores e que <strong>de</strong>sejem uma formação técnico-profissional <strong>de</strong> nível<br />

médio, a jornada <strong>de</strong> tempo integral po<strong>de</strong> constituir um impedimento <strong>para</strong> o ingresso nessas<br />

escolas. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> transporte <strong>para</strong> <strong>de</strong>slocamento diário, quando a<br />

unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino não se localiza <strong>de</strong>ntro do bairro <strong>de</strong> residência, também po<strong>de</strong> representar<br />

uma dificulda<strong>de</strong> <strong>para</strong> o acesso dos <strong>jovens</strong> à Educação Profissional pública.<br />

A escola <strong>de</strong> Educação profissional mais citada por nossos interlocutores foi a<br />

Escola Estadual <strong>de</strong> Educação Profissional – EEEP Joaquim Moreira <strong>de</strong> Sousa que se<br />

localiza no bairro Parangaba e que integra a Região IV na divisão das escolas estaduais por<br />

território. Na Região V, on<strong>de</strong> está localizada a escola pesquisada do Parque São José, há<br />

três EEEP nos seguintes bairros: Conjunto Ceará, José Walter e Bom Jardim. No entanto,<br />

apesar <strong>de</strong> não pertencer à mesma divisão territorial, o bairro Parangaba parece ser o mais<br />

acessível aos <strong>jovens</strong> resi<strong>de</strong>ntes no Parque São José, embora exija <strong>de</strong>slocamento com uso<br />

57 O Programa Brasil Profissionalizado foi criado pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral em 2007 com o objetivo <strong>de</strong> fortalecer as<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> educação profissional e tecnológica dos estados através do repasse <strong>de</strong> recursos <strong>para</strong> os estados<br />

investirem em escolas técnicas.Fonte: www.mec.gov.br Consulta realizada em 11/03/2013.


127<br />

<strong>de</strong> transporte. Na Região III, área on<strong>de</strong> está inserida a escola municipal pesquisada, há<br />

duas escolas EEEP nos bairros Parquelândia e Dom Lustosa. Nenhum dos entrevistados <strong>de</strong><br />

EJA fez referência a essas escolas, o que po<strong>de</strong> ser explicado pelo fato <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s não<br />

se localizarem próximas ao bairro <strong>de</strong> residência <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>.<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos o número total <strong>de</strong> 119 bairros em Fortaleza, po<strong>de</strong>mos<br />

perceber que ainda é reduzida a oferta <strong>de</strong> matrícula <strong>para</strong> a Educação Profissional na Re<strong>de</strong><br />

Pública, limitando as oportunida<strong>de</strong>s daqueles que têm interesse e condição <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar<br />

integralmente a esse tipo <strong>de</strong> escola. O processo seletivo constitui um dos indicativos <strong>de</strong>ssa<br />

limitação. O fato <strong>de</strong> não serem criadas oportunida<strong>de</strong>s <strong>para</strong> todos, resulta na exclusão <strong>de</strong><br />

muitos que <strong>de</strong>sejam profissionalizar-se ainda no Ensino Médio. Mais do que “burocracia”<br />

<strong>para</strong> entrar nessas escolas, o problema está na inexistência <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> vagas que<br />

responda à real <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> matrícula colocada pelos estudantes a essas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

ensino.<br />

6.3 Adolescente e Jovem Aprendiz – “Vida Profissional começando direito”: Para<br />

quem?<br />

O incentivo ao trabalho entre os mais <strong>jovens</strong> é uma marca da cultura brasileira,<br />

herança histórica <strong>de</strong> uma Nação que se construiu com bases no trabalho escravo. Tolerado<br />

durante décadas pela própria legislação brasileira, o trabalho entre crianças e adolescentes<br />

ainda se reproduz como prática cotidiana comum entre os mais pobres, como observamos<br />

nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> vários dos nossos entrevistados. Prática que <strong>para</strong> muitos brasileiros<br />

ainda é consi<strong>de</strong>rada uma boa alternativa <strong>para</strong> que crianças e adolescentes pobres possam<br />

aproveitar bem o tempo livre e não se envolver em situações consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong>lituosas. Para<br />

o MTE (2012),<br />

Até a década <strong>de</strong> 1980, havia praticamente um consenso na socieda<strong>de</strong><br />

brasileira em torno do entendimento do trabalho como um fator positivo <strong>para</strong><br />

crianças que, dada sua situação econômica e social, viviam em condições<br />

<strong>de</strong> pobreza, <strong>de</strong> exclusão e <strong>de</strong> risco social. Tanto a elite como as classes<br />

mais pobres compartilhavam plenamente essa forma <strong>de</strong> justificar o trabalho<br />

infantil. (MTE, 2012, p.10)<br />

Consi<strong>de</strong>ramos que esse modo <strong>de</strong> pensar subjaz nos fundamentos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas políticas públicas direcionadas aos adolescentes e <strong>jovens</strong> pobres os quais são<br />

chamados a formações complementares que geralmente se encontram articuladas ao<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho. Os projetos sociais comunitários, bem como os programas<br />

governamentais citados por nossos entrevistados do Ensino Médio constituem exemplos<br />

<strong>de</strong>ssa tendência <strong>de</strong> ações que se fundam numa lógica que associa o processo <strong>de</strong> formação<br />

dos <strong>jovens</strong> a certa “utilida<strong>de</strong> econômica”.


128<br />

A Constituição brasileira <strong>de</strong> 1988 afirma o <strong>de</strong>ver da família, da socieda<strong>de</strong> e do<br />

Estado <strong>de</strong> assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à profissionalização (Art.<br />

227) e o ECA apresenta as condições legalmente autorizadas <strong>para</strong> a inserção <strong>de</strong><br />

adolescentes no mundo do trabalho e as situações em que essa inserção é proibida.<br />

Po<strong>de</strong>mos, portanto, afirmar que há um consenso na socieda<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong> que o trabalho é<br />

importante <strong>para</strong> todos os adolescentes e <strong>jovens</strong>.<br />

No entanto, dificilmente encontraremos adolescentes <strong>de</strong> 14 (catorze) anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>, oriundos <strong>de</strong> famílias com elevado volume <strong>de</strong> capital econômico, cultural e social,<br />

exercendo ativida<strong>de</strong>s em empresas na condição <strong>de</strong> aprendizes, uma vez que essa condição<br />

parece ter sido pensada, particularmente, <strong>para</strong> aqueles provenientes das camadas pobres<br />

da socieda<strong>de</strong>. O “trabalho” <strong>de</strong> adolescentes pobres – passou a ser uma condição legal que<br />

se tornou naturalizada <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> ou já constituía uma situação tão naturalizada<br />

que se tornou legal.<br />

Apesar das proteções legais às crianças, adolescentes e <strong>jovens</strong> afirmadas pela<br />

Constituição <strong>de</strong> 1988 e pelo ECA, as proteções reais que po<strong>de</strong>riam ser possibilitadas pelas<br />

políticas públicas nem sempre chegam a todos que <strong>de</strong>las necessitam. Entre os <strong>jovens</strong> das<br />

escolas pesquisadas percebemos as diferenças nas formas <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong>sses sujeitos no<br />

mundo do trabalho. Muitos entre os <strong>jovens</strong> trabalhadores entrevistados no Bonsucesso<br />

apresentavam histórico <strong>de</strong> trabalho infantil, particularmente, as garotas que haviam iniciado<br />

como empregadas domésticas ou babás entre os doze anos e treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. A<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inserir-se como aprendiz 58 , conforme o direito consagrado pelo direito aos<br />

adolescentes pelo ECA, parece não efetivar-se <strong>para</strong> todos.<br />

Conforme já mencionado neste estudo, apenas estudantes entrevistados do<br />

Ensino Médio do bairro Parque São José encontravam-se inseridos em programas <strong>de</strong><br />

Aprendizagem Profissional 59 <strong>de</strong>senvolvidos no próprio bairro por intermédio da ABEMCE,<br />

entida<strong>de</strong> não governamental inscrita no MTE como Instituição Qualificadora e com os<br />

seguintes cursos cadastrados em referido Ministério: Técnicas em Reposição <strong>de</strong><br />

Mercadorias; Auxiliar <strong>de</strong> Escritório e Atendimento ao Público; Técnica <strong>de</strong> Operação em<br />

Supermercado e Turismo e Hotelaria.<br />

58 É consi<strong>de</strong>rado Aprendiz o adolescente ou jovem na faixa-etária entre 14 e 24 anos que se encontre<br />

matriculado e frequentando a escola, caso não tenha terminado o Ensino Médio, e inscrito em Programa <strong>de</strong><br />

Aprendizagem. (Manual <strong>de</strong> Implementação do Programa Adolescente Aprendiz, 2012).<br />

59 De acordo com o Manual <strong>de</strong> Implementação do Programa Adolescente Aprendiz, a “aprendizagem profissional<br />

correspon<strong>de</strong> à formação técnico- profissional aplicada ao adolescente ou jovem segundo as diretrizes e bases da<br />

educação em vigor, implementada por meio <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> trabalho especial, <strong>de</strong>nominado contrato <strong>de</strong><br />

aprendizagem, necessariamente por escrito e com prazo <strong>de</strong>terminado, <strong>de</strong> no máximo, dois anos ou enquanto<br />

durar o curso. (Manual <strong>de</strong> Implementação do Programa Adolescente Aprendiz (Conselho Nacional do Ministério<br />

Público – CNMP, 2012, p.16).


129<br />

Nossa intenção neste estudo não se direciona à negação da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

políticas <strong>de</strong> profissionalização <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> nem à <strong>de</strong>fesa das políticas em execução, mas<br />

pensar como essas políticas alcançam nossos sujeitos pesquisados. De acordo com as<br />

exigências institucionais colocadas <strong>para</strong> participação <strong>de</strong> adolescentes e <strong>jovens</strong> nos<br />

programas <strong>de</strong> aprendizagem técnico-profissional, nossos interlocutores <strong>de</strong> EJA po<strong>de</strong>riam<br />

inserir-se nesses programas, consi<strong>de</strong>rando que aten<strong>de</strong>riam aos seguintes critérios<br />

estabelecidos <strong>para</strong> seleção <strong>de</strong> aprendizes: ida<strong>de</strong> inferior a 18 anos; renda per capta inferior<br />

a dois salários mínimos e estar cursando no mínimo o 5º Ano do Ensino Fundamental. No<br />

entanto, percebemos, pelas narrativas <strong>de</strong>sses estudantes do Bonsucesso, que eles não têm<br />

acesso a informações sobre esse tipo <strong>de</strong> programas, o que contribui <strong>para</strong> que se insiram em<br />

ocupações geradoras <strong>de</strong> renda surgidas no próprio bairro e <strong>de</strong>senvolvidas fora das<br />

exigências legais estabelecidas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral e pelo ECA.<br />

6.4 O Projovem Adolescente<br />

O Programa Nacional <strong>de</strong> Inclusão <strong>de</strong> Jovens - Projovem surgiu no Brasil em um<br />

contexto nacional <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos <strong>de</strong>sse grupo populacional representado pelos<br />

<strong>jovens</strong>, associado a outras ações governamentais que passaram a compor uma agenda que<br />

tinha como foco o público juvenil, como a Política Nacional <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> instituída a partir<br />

<strong>de</strong> 2005, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> - CONJUVE e a Secretaria Nacional <strong>de</strong><br />

Juventu<strong>de</strong>.<br />

A primeira proposta do Programa <strong>de</strong> Inclusão <strong>de</strong> Jovens - PROJOVEM foi<br />

estabelecida a partir da Medida Provisória nº 238, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005. A execução e<br />

a gestão do Programa, em nível fe<strong>de</strong>ral, ficaram sob a responsabilida<strong>de</strong> da Secretaria –<br />

Geral da Presidência da República em articulação com os Ministérios da Educação, do<br />

Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.<br />

A medida provisória que criou o PROJOVEM em 2005 foi transformada na Lei nº<br />

11.129 <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> junho do mesmo ano. O PROJOVEM apresentava como finalida<strong>de</strong>:<br />

[...] executar ações integradas <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong> brasileiros, visando a<br />

elevação do grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e a conclusão do ensino fundamental;<br />

qualificação profissional voltada a estimular a inserção produtiva e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações comunitárias com práticas <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>;<br />

exercício <strong>de</strong> cidadania e intervenção na realida<strong>de</strong> local. (OIT, 2009, p.82).<br />

A participação dos <strong>jovens</strong> no Programa estava condicionada aos seguintes<br />

critérios: situar-se na faixa-etária entre 18 e 24 anos, ter concluído no mínimo a 4ª série, não<br />

haver concluído a 8ª série e não apresentar vínculo empregatício. Os <strong>jovens</strong> participantes do<br />

Programa recebiam um ajuda financeira mensal <strong>de</strong> R$ 100,00, condicionado à freqüência <strong>de</strong><br />

75% das aulas. De acordo informações do Relatório Trabalho Decente e Juventu<strong>de</strong> – Brasil,


130<br />

elaborado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, os cursos <strong>de</strong> formação<br />

profissional oferecidos aos alunos eram <strong>de</strong>finidos pelas Prefeituras e direcionados às<br />

necessida<strong>de</strong>s apresentadas pelo mercado local.<br />

Em 2007, o PROJOVEM passou por nova reestruturação através da unificação<br />

<strong>de</strong> seis programas já em execução: PROJOVEM, Agente Jovem, Saberes da Terra,<br />

Consórcio Social da Juventu<strong>de</strong> Cidadã e Escola <strong>de</strong> Fábrica. A integração <strong>de</strong>sses programas<br />

pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral representou uma “recriação ou “reinvenção” do PROJOVEM que<br />

passou a <strong>de</strong>nominar-se PROJOVEM Unificado ou Integrado 60 e a apresentar quatro eixos <strong>de</strong><br />

atendimento: Projovem Adolescente, Projovem Urbano, Projovem Campo e Projovem<br />

Trabalhador. Uma das alterações apresentadas pela nova Lei está relacionada à ampliação<br />

da faixa etária <strong>para</strong> o atendimento dos <strong>jovens</strong>:<br />

A mudança <strong>de</strong> faixa-etária é um dos pontos fundamentais das alterações<br />

introduzidas, a qual teria sido motivada pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se adotar, no<br />

Brasil, um padrão internacional <strong>de</strong> conceituação <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>, baseado em<br />

três gran<strong>de</strong>s grupos: os adolescentes <strong>jovens</strong> (<strong>de</strong> 15 a 17 anos), os <strong>jovens</strong><strong>jovens</strong><br />

(<strong>de</strong> 18 a 24 anos) e os <strong>jovens</strong>- adultos ( <strong>de</strong> 25 a 29 anos).Essa<br />

modificação foi <strong>de</strong>fendida como forma <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r e propiciar oportunida<strong>de</strong>s<br />

<strong>para</strong> um contingente maior <strong>de</strong> cidadãos. Contudo, a ampliação da faixa<br />

etária aumenta também a heterogeneida<strong>de</strong> do público atendido e implica<br />

em novos <strong>de</strong>safios. (OIT, 2009, p.92-93).<br />

A alteração na <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>para</strong> o atendimento dos <strong>jovens</strong>, apresentada<br />

na nova versão do PROJOVEM, representou uma maneira <strong>de</strong> se a<strong>de</strong>quar a um padrão<br />

seguido por outros países e já presente na proposta do Projeto <strong>de</strong> Lei nº 4529/04 referente<br />

ao Estatuto da Juventu<strong>de</strong> que adotou esse critério internacional <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação etária <strong>para</strong><br />

o grupo social composto pelos <strong>jovens</strong>.<br />

Na nova estrutura do PROJOVEM, cada um dos eixos <strong>de</strong> atendimento ficou sob<br />

a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> um Ministério. Coube ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate<br />

à Fome a coor<strong>de</strong>nação do Projovem Adolescente; a Secretaria-Geral da Presidência da<br />

República passou a coor<strong>de</strong>nar o Projovem Urbano; o Ministério da Educação ficou com a<br />

coor<strong>de</strong>nação do Projovem Campo – Saberes da Terra e o Ministério do Trabalho e Emprego<br />

com o Projovem Trabalhador. Em 2012, a coor<strong>de</strong>nação nacional do Projovem Urbano foi<br />

transferida <strong>para</strong> o Ministério da Educação. Neste estudo nos <strong>de</strong>teremos mais<br />

especificamente no Projovem Adolescente, uma vez que é esta vertente do Projovem<br />

Integrado que está direcionada à faixa-etária do nosso público <strong>de</strong> interesse.<br />

60 O PROJOVEM Integrado foi instituído pela Medida Provisória nº 411 <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007,<br />

posteriormente, convertida na Lei nº 11.692 <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 2008.


131<br />

O Projovem Adolescente, ação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do Ministério do<br />

Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, tem como público-alvo <strong>jovens</strong> entre 15<br />

e 17 anos. Foi instituído como uma ação <strong>de</strong> caráter sócio educativo, sendo direcionada a<br />

famílias assistidas ou situadas no perfil <strong>de</strong> renda do Programa Bolsa Família; a egressos <strong>de</strong><br />

medidas sócio educativas em regime aberto, em cumprimento ou egressos <strong>de</strong> medida <strong>de</strong><br />

proteção; egressos do PETI (Programa <strong>de</strong> Erradicação do Trabalho Infantil), além daqueles<br />

que estejam vinculados ou que sejam egressos <strong>de</strong> programas relacionados ao combate ao<br />

abuso e exploração sexual. O Projovem Adolescente tem duração <strong>de</strong> 24 meses e apresenta<br />

entre seus objetivos: elevar a escolarida<strong>de</strong> e reduzir os índices <strong>de</strong> violência, uso <strong>de</strong> drogas,<br />

bem como das doenças sexualmente transmissíveis e gravi<strong>de</strong>z precoce.<br />

Esse Programa é <strong>de</strong>senvolvido mediante parceria entre Governo<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Municípios. Para que os Municípios participem, é necessário que estejam<br />

habilitados nos níveis <strong>de</strong> gestão básica ou plena do Sistema Unificado <strong>de</strong> Assistência Social<br />

– SUAS 61 ; que possuam Centros <strong>de</strong> Referência da Assistência Social (CRAS) e que<br />

apresentem uma <strong>de</strong>manda mínima <strong>de</strong> 40 (quarenta) <strong>jovens</strong> integrantes <strong>de</strong> famílias que<br />

participam do Bolsa Família.<br />

Em Fortaleza, o Projovem Adolescente está vinculado à Secretaria Municipal <strong>de</strong><br />

Assistência Social – SEMAS que é responsável pela coor<strong>de</strong>nação dos CRAS on<strong>de</strong> são<br />

<strong>de</strong>senvolvidas as ações <strong>de</strong>sse Programa. Durante as entrevistas e grupos focais, somente<br />

dois pesquisados fizeram referência à participação no Projovem Adolescente. Esses <strong>jovens</strong><br />

são estudantes do Ensino Médio na série recomendada <strong>para</strong> a ida<strong>de</strong> e afirmaram ter<br />

participado do referido Programa através <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s recreativas e grupos <strong>de</strong> dança do<br />

CRAS do Mondubim, localizado nas proximida<strong>de</strong>s da escola on<strong>de</strong> estudam, no Parque São<br />

José.<br />

De acordo com informações oficiais apresentadas no site da SEMAS 62 , nos<br />

CRAS são realizadas ativida<strong>de</strong>s socioeducativas, acompanhamento social, oficinas <strong>de</strong><br />

convivência, ativida<strong>de</strong>s lúdicas e culturais e campanhas educativas e preventivas, além <strong>de</strong><br />

outros serviços relacionados à assistência social das populações locais.<br />

61 O Sistema Único <strong>de</strong> Assistência Social (SUAS) é o sistema público que organiza, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scentralizada, os<br />

serviços socioassistenciais no Brasil. Operacionaliza-se através <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão em que há participação<br />

das três esferas <strong>de</strong> Governo: Fe<strong>de</strong>ral, Estadual e Municipal. O SUAS é coor<strong>de</strong>nado pelo Ministério do<br />

Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) com a participação do po<strong>de</strong>r público e socieda<strong>de</strong> civil. “O SUAS<br />

organiza suas ações <strong>de</strong> assistência social em dois tipos <strong>de</strong> proteção social. A primeira é a Proteção Social<br />

Básica, <strong>de</strong>stinada à prevenção <strong>de</strong> riscos sociais e pessoais, por meio da oferta <strong>de</strong> programas, projetos, serviços<br />

e benefícios a indivíduos e famílias em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social. A segunda é a Proteção Social<br />

Especial <strong>de</strong>stinada a famílias e indivíduos que já se encontram em situação <strong>de</strong> risco e que tiveram seus direitos<br />

violados ocorrência <strong>de</strong> abandono, maus-tratos, abuso sexual, uso <strong>de</strong> drogas, entre outros aspectos”. Fonte:<br />

www.mds.org.br. Consulta realizada em 17/01/2013.<br />

62 www.fortaleza.ce.gov.br/semas . Consulta realizada em 05/11/2012.


132<br />

Embora apenas dois entrevistados tenham mencionado o Projovem<br />

Adolescente, enten<strong>de</strong>mos que esse fato também po<strong>de</strong> ser indicativo dos limites do alcance<br />

<strong>de</strong>sse Programa, seja por não correspon<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas locais dos <strong>jovens</strong> resi<strong>de</strong>ntes nas<br />

áreas pesquisadas, seja pela falta <strong>de</strong> divulgação das ações <strong>de</strong>senvolvidas ou porque os<br />

locais on<strong>de</strong> essas ativida<strong>de</strong>s são realizadas não são acessíveis a um público que po<strong>de</strong>ria<br />

ser atendido, como os <strong>jovens</strong> do Bonsucesso, cujas narrativas nos mostraram as situações<br />

<strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social às quais muitos estão expostos em seu cotidiano.<br />

Entre esses entrevistados do Bonsucesso, nenhum fez referência ao Projovem<br />

Adolescente. No entanto, em relação ao Projovem Urbano, com turmas em funcionamento<br />

na escola pesquisada, esses <strong>jovens</strong> comentaram sobre a participação <strong>de</strong> irmãos mais<br />

velhos, fato já mencionado anteriormente. Desse modo, a inexistência <strong>de</strong> um CRAS no<br />

próprio bairro Bonsucesso 63 po<strong>de</strong> dificultar a aproximação <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> com as ações do<br />

Projovem Adolescente. Há outro elemento que também po<strong>de</strong>mos levar em consi<strong>de</strong>ração em<br />

nossa reflexão, como o aspecto relativo à ajuda financeira repassada pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral<br />

aos integrantes do Projovem Urbano, o que não ocorre com aqueles que participam da<br />

vertente Projovem Adolescente.<br />

Durante as investigações <strong>de</strong> campo foi realizada visita a um CRAS da Regional<br />

V. De acordo com as informações fornecidas por uma profissional daquela instituição, os<br />

<strong>jovens</strong> integrantes do Programa participavam <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> no CRAS três vezes por semana.<br />

No período da visita institucional, as ativida<strong>de</strong>s disponíveis aos <strong>jovens</strong> eram palestras e<br />

oficinas <strong>de</strong> Artesanato e Grafite. A participação dos <strong>jovens</strong> que não se encontram em<br />

cumprimento <strong>de</strong> medida sócio-educativa é voluntária. A profissional entrevistada <strong>de</strong>stacou<br />

que a procura pelas ações do Programa naquela unida<strong>de</strong> do CRAS geralmente era<br />

procurada e frequentada por <strong>jovens</strong> que se encontravam em situação <strong>de</strong> menor<br />

vulnerabilida<strong>de</strong> social, como <strong>jovens</strong> assíduos à escola e que manifestavam interesse em<br />

participar <strong>de</strong> cursos.<br />

A articulação dos <strong>jovens</strong> <strong>para</strong> as ações do Programa é realizada por meio da<br />

ação <strong>de</strong> uma profissional contratada pela SEMAS na função <strong>de</strong> mobilizadora e que atua em<br />

vários CRAS da Regional V. A mobilizadora é responsável pela busca ativa dos <strong>jovens</strong> em<br />

suas comunida<strong>de</strong>s, sendo priorizados aqueles que apresentam maior incidência <strong>de</strong> faltas<br />

escolares, situação que po<strong>de</strong> conduzir à exclusão <strong>de</strong>sses sujeitos dos programas sociais do<br />

governo fe<strong>de</strong>ral.<br />

63 Como já mencionamos neste trabalho, os CRAS em funcionamento na Regional III, território no qual o<br />

Bonsucesso encontra-se inserido, estão localizados nos bairros Bela Vista e Quintino Cunha, bairros<br />

relativamente distantes do Bonsucesso, embora pertencentes à mesma Secretaria Executiva Regional – SER.


133<br />

A profissional entrevistada 64 informou que o CRAS também encaminha os <strong>jovens</strong><br />

<strong>para</strong> outros cursos promovidos por instituições como o Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem<br />

Industrial (SENAI) e Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Comercial (SENAC). Entretanto, a<br />

nossa entrevistada enfatizou que os cursos ofertados não são planejados a partir <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mandas locais dos <strong>jovens</strong>, uma vez que são <strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> acordo com a oferta das<br />

instituições promotoras, resultando, muitas vezes, no <strong>de</strong>sinteresse dos <strong>jovens</strong> integrantes do<br />

Projovem em se inscreverem <strong>para</strong> os cursos disponíveis.<br />

Apesar do discurso do respeito à diversida<strong>de</strong> e às particularida<strong>de</strong>s juvenis que<br />

ten<strong>de</strong> a se instituir nos programas governamentais direcionados aos <strong>jovens</strong> no atual<br />

contexto brasileiro, a oferta <strong>de</strong> ações voltadas <strong>para</strong> esse público parece não levar<br />

efetivamente em consi<strong>de</strong>ração as <strong>de</strong>mandas e interesses <strong>de</strong>sses sujeitos.<br />

6.5 Políticas Públicas: O que os <strong>jovens</strong> sugerem?<br />

Falta... um bocado <strong>de</strong> coisa. Cursos... Cinema <strong>de</strong> graça <strong>de</strong> final <strong>de</strong> semana... Ia<br />

lotar! Policia direto passando. Quadra pra jogar à noite. Não tem nem re<strong>de</strong>. Diz<br />

que a bola bateu na cabeça <strong>de</strong> uma senhora ali. (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA V,<br />

Grupo Focal).<br />

A fala <strong>de</strong>sse entrevistado conseguiu reunir <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> diversas áreas sociais<br />

como: Educação, Cultura, Lazer, Segurança e Esporte. Expressa as necessida<strong>de</strong>s sentidas<br />

em seu cotidiano <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso a cursos que lhe possibilitem uma inserção<br />

qualificada no mercado <strong>de</strong> trabalho; a falta <strong>de</strong> recursos financeiros <strong>para</strong> ir ao cinema e a<br />

inexistência <strong>de</strong>sse equipamento cultural em bairros on<strong>de</strong> vivem as camadas da população<br />

que apresentam baixo volume <strong>de</strong> capital econômico; dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> transitar <strong>de</strong> forma<br />

segura <strong>de</strong>ntro do bairro e a ausência <strong>de</strong> espaços e materiais necessários <strong>para</strong> a prática <strong>de</strong><br />

esportes, problema citado por outros <strong>jovens</strong> do Bonsucesso, como po<strong>de</strong>mos observar nos<br />

<strong>de</strong>poimentos dos outros estudantes <strong>de</strong> EJA:<br />

Esporte... né? Pra <strong>jovens</strong>... A quadra aqui... a luz não é ligada... A bola vai lá pro<br />

outro lado do vizinho. (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, EJA IV)<br />

Cursos (Garota <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV)<br />

Esporte... Tinha que ter muito era futebol... É bom quando sai <strong>de</strong> ônibus... (Garoto<br />

<strong>de</strong> 16 anos, EJA V)<br />

Acho que mais um Centro Comunitário. Tem... só que poucos. No caso uns dois<br />

ou três... Apren<strong>de</strong>r mais esportes... (garoto <strong>de</strong> 16 anos, EJA IV).<br />

64 A profissional entrevistada não concordou com a gravação da entrevista, o que inviabilizou a reprodução <strong>de</strong><br />

sua fala acerca dos assuntos abordados.


134<br />

Outra entrevistada cuja família teve a casa in<strong>de</strong>nizada por conta <strong>de</strong> um projeto<br />

<strong>de</strong> urbanização nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua residência e que passará a morar no bairro<br />

Mondubim afirmou:<br />

Lá on<strong>de</strong> a gente vai morar lá, agora, lá tem vários projetos pra criança... Toda<br />

terça- feira tem passeio pra gente ir... Tem coisa pra gente jogar futebol, lá. A<br />

Prefeitura mesmo que manda o ônibus. Lá tem cozinha popular que a Prefeitura<br />

mesmo botou...<br />

A estudante, durante o grupo focal, parecia estabelecer uma com<strong>para</strong>ção entre o<br />

que existia “lá”, no novo bairro <strong>de</strong> moradia, e “cá”, no Bonsucesso. Ao <strong>de</strong>stacar os tipos <strong>de</strong><br />

serviços que teria acesso nessa nova área on<strong>de</strong> passaria a residir, a jovem também<br />

expressava a ausência <strong>de</strong>sses serviços no bairro <strong>de</strong> on<strong>de</strong> sairia.<br />

Juventu<strong>de</strong> 65<br />

Em consulta ao site da SEMAS, há indicação da existência <strong>de</strong> uma Praça da<br />

no bairro. Esse equipamento público teria sido inaugurado em setembro <strong>de</strong><br />

2012 66 contendo um total <strong>de</strong> 20 (vinte) itens, entre eles: quadra poliesportiva coberta, pista<br />

<strong>para</strong> salto triplo, pista <strong>para</strong> salto a distância, pista <strong>para</strong> caminhadas, quadra <strong>de</strong> vôlei <strong>de</strong><br />

praia, campo <strong>de</strong> futebol society, pista <strong>para</strong> skate, teatro arena com palco, <strong>de</strong>ntre outros<br />

itens. Mas, esses <strong>jovens</strong> não mencionaram a existência <strong>de</strong>sse equipamento na área.<br />

Apenas um <strong>de</strong>les comentou sobre a existência <strong>de</strong> uma praça com esse tipo <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong><br />

lazer, mas localizada no bairro Itapery, lugar on<strong>de</strong> havia residido antes do Bonsucesso. No<br />

grupo focal que esse entrevistado participou houve referência a uma praça on<strong>de</strong> os <strong>jovens</strong><br />

costumavam encontrar-se. No entanto, segundo os participantes do grupo, essa praça seria<br />

no bairro João XXIII e, pelos relatos dos <strong>jovens</strong>, não apresentaria os módulos constituintes<br />

do equipamento classificado pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral e pelo do próprio Município <strong>de</strong> Fortaleza<br />

como Praça da Juventu<strong>de</strong>.<br />

Se esses <strong>jovens</strong> do bairro <strong>de</strong>sconhecem a existência <strong>de</strong> uma Praça da<br />

Juventu<strong>de</strong> em seu próprio lugar <strong>de</strong> moradia, com toda a infraestrutura do porte acima<br />

mencionado, po<strong>de</strong>mos supor algumas possibilida<strong>de</strong>s explicativas: que esse equipamento<br />

público não esteja localizado nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> residência <strong>de</strong>sses entrevistados; que não<br />

tenha ocorrido um processo <strong>de</strong> discussão e divulgação com a comunida<strong>de</strong> acerca <strong>de</strong> sua<br />

construção ou ainda que esses entrevistados não reconheçam nesse local um espaço que<br />

65 Projeto concebido pelo Ministério do Esporte, é implementado com a participação dos governos estaduais e<br />

municipais e com a parceria do Ministério da Justiça através do Programa Nacional <strong>de</strong> Segurança Pública com<br />

Cidadania (PRONASCI). O Projeto Praça da Juventu<strong>de</strong> é direcionado às comunida<strong>de</strong>s urbanas e que<br />

apresentam reduzido ou nenhum acesso a equipamentos públicos <strong>de</strong> esporte e <strong>de</strong> lazer. Esse Projeto e o<br />

PRONASCI apresentariam objetivos complementares <strong>de</strong> educar, ressocializar e apoiar <strong>jovens</strong> em situação <strong>de</strong><br />

vulnerabilida<strong>de</strong> social.<br />

66 Nossas entrevistas e grupos focais com os <strong>jovens</strong> do Bonsucesso foram realizados nos meses <strong>de</strong> junho,<br />

outubro e novembro <strong>de</strong> 2012. Dessa forma, nesse período esses <strong>jovens</strong> já po<strong>de</strong>riam ter informações sobre o<br />

processo <strong>de</strong> construção e da inauguração <strong>de</strong>sse equipamento <strong>de</strong> esporte e lazer.


135<br />

também po<strong>de</strong> ser ocupado por eles, o que também <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> falhas no processo <strong>de</strong><br />

participação e informação <strong>de</strong>sse público juvenil sobre o Projeto.<br />

Assim como os estudantes do Bonsucesso, os estudantes da escola do Parque<br />

São José também apontaram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas ações governamentais <strong>para</strong> os<br />

<strong>jovens</strong> na área da cultura e do esporte. No entanto, em algumas narrativas, as reflexões<br />

<strong>de</strong>sses sujeitos <strong>de</strong>monstraram o entendimento <strong>de</strong> que o problema vivenciado por muitos<br />

<strong>jovens</strong> no campo da educação, por exemplo, não seria <strong>de</strong>corrente da inexistência <strong>de</strong><br />

políticas públicas, mas da ausência <strong>de</strong> força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> por parte <strong>de</strong> muitos <strong>jovens</strong>, como<br />

comentaremos a seguir.<br />

6.5.1 O que falta aos <strong>jovens</strong>: “Força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, Incentivo ou investimento do<br />

governo”?<br />

Vários entrevistados do Ensino Médio da escola do Parque São José pareceram<br />

não i<strong>de</strong>ntificar muitos problemas em relação às políticas públicas direcionadas aos <strong>jovens</strong>,<br />

como ações governamentais no campo da educação. Em suas narrativas, esses estudantes<br />

procuraram <strong>de</strong>stacar que o insucesso <strong>de</strong> alguns <strong>jovens</strong> seria <strong>de</strong>corrente da falta <strong>de</strong> esforço<br />

e <strong>de</strong> uma escolha voluntária <strong>de</strong>sses sujeitos <strong>de</strong> não quererem estudar. Esses entrevistados<br />

afirmaram:<br />

Ter tem, agora <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>les. Se eles quiser ficar, se quiser estudar, ele fica.<br />

Mas se ele não quiser... (Garoto <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal)<br />

Porque acho que é mais uma questão <strong>de</strong> força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, sabe, porque a escola<br />

tá aberta pra quem quer estudar e a escola, com certeza, não vai impedir o aluno<br />

<strong>de</strong> ter um futuro melhor. (Garota <strong>de</strong> 15 anos, 1º Ano manhã, Grupo Focal)<br />

A pessoa querendo, se esforçando.... Tem muita gente que não tem condições,<br />

mas se esforça. Até .... passa direto no jornal, na televisão, no Fantástico. Gente<br />

que é do lixão, cata lixo, cata livro, estuda e tai na vida trabalhando, faculda<strong>de</strong>,<br />

estudando, sendo professor, engenheiro, tanta coisa... É só a pessoa se esforçar.<br />

(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, tar<strong>de</strong>, grupo focal)<br />

Tem gente que tem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar e não agarra, tem condição e não<br />

quer. (Garoto <strong>de</strong> 15 anos, 2º Ano do Ensino Médio, Manhã, Grupo Focal).<br />

Está cada vez menor o número <strong>de</strong> pessoas querendo algo na vida... (Garota <strong>de</strong> 15<br />

anos, 1º Ano, manhã, Grupo Focal)<br />

Para esses entrevistados, não haveria problemas no atendimento dos <strong>jovens</strong> no<br />

campo da educação. O <strong>de</strong>sinteresse <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados <strong>jovens</strong> e a falta <strong>de</strong> esforço individual<br />

constituem, em certa medida, os fatores responsáveis pelo insucesso diante da escola e da<br />

vida.


136<br />

Elias (1994) afirma que na socieda<strong>de</strong> há espaço <strong>para</strong> as <strong>de</strong>cisões individuais e<br />

que os indivíduos dispõem <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m ser aproveitadas ou perdidas. Mas,<br />

<strong>de</strong>staca que<br />

[...] as oportunida<strong>de</strong>s entre as quais a pessoa assim se vê forçada a optar<br />

não são, em si mesmas, criadas por essa pessoa. São prescritas e limitadas<br />

pela estrutura específica <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong> e pela natureza das funções que<br />

as pessoas exercem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la. E, seja qual for a oportunida<strong>de</strong> que ela<br />

aproveite, seu ato se entremeará com os <strong>de</strong> outras pessoas; <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ará<br />

outras sequências <strong>de</strong> ações, cuja direção e resultado provisório não<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sse indivíduo, mas da distribuição do po<strong>de</strong>r e da estrutura das<br />

tensões em toda essa re<strong>de</strong> humana móvel. (ELIAS, 1994, p.48).<br />

O autor nos conduz à i<strong>de</strong>ia da existência <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>para</strong> os<br />

atores sociais. No entanto, esclarece que esse espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão é limitado pela estrutura<br />

da socieda<strong>de</strong>. As ações dos indivíduos não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m exclusivamente <strong>de</strong>les, uma vez que<br />

se encontram associadas às formas <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r da socieda<strong>de</strong> na qual eles<br />

vivem e convivem com outros indivíduos.<br />

Desse modo, enten<strong>de</strong>mos que as narrativas <strong>de</strong>sses entrevistados acenam <strong>para</strong><br />

uma responsabilização exclusiva dos <strong>jovens</strong> sobre seus <strong>de</strong>stinos tem relação com essa<br />

limitação social que, nas tramas sociais e culturais da vida, po<strong>de</strong>m constituir essa i<strong>de</strong>ia<br />

individualizante sobre os sujeitos, fazendo-os <strong>crer</strong> que são os únicos responsáveis pelas<br />

tramas pessoais nas quais se envolvem. Assim, consi<strong>de</strong>ram apenas um aspecto da<br />

questão: que há possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão por parte <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> diante das<br />

oportunida<strong>de</strong>s que lhes são socialmente apresentadas, como continuarem ou não<br />

estudando diante da oferta <strong>de</strong> vagas nas Re<strong>de</strong>s Públicas <strong>de</strong> Ensino. Porém, os outros<br />

aspectos relacionados à estrutura da socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> suas instituições não foram<br />

consi<strong>de</strong>rados por esses sujeitos em suas análises sobre as situações vividas por seus<br />

pares.<br />

Mas, encontramos nas narrativas <strong>de</strong> outros entrevistados a percepção que se<br />

afasta <strong>de</strong>ssa visão unilateral da responsabilida<strong>de</strong> do indivíduo sobre o seu <strong>de</strong>stino. Quando<br />

discutimos sobre as políticas públicas <strong>para</strong> os <strong>jovens</strong>, esses estudantes <strong>de</strong>stacaram a falta<br />

<strong>de</strong> incentivo, <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> conscientização e <strong>de</strong> informações sobre ações<br />

governamentais direcionadas a esse grupo juvenil. Também <strong>de</strong>stacaram que, mesmo<br />

quando surgem oportunida<strong>de</strong>s, a socieda<strong>de</strong> e a própria família po<strong>de</strong>m funcionar como<br />

empecilhos <strong>para</strong> que esses sujeitos aproveitem tais oportunida<strong>de</strong>s. Esses <strong>jovens</strong> afirmaram:<br />

Eu acho interessante o CUCA, né? Eu acho muito interessante porque oferece<br />

vários cursos pra pessoas mais carentes. Eu acho que isso estimula muito. Agora,<br />

eu acho que <strong>de</strong>veria ter mais, né? ... Porque tem um CUCA que tão ajeitando<br />

ainda, tão em construção e parece que já não tem mais vaga pra ninguém...


137<br />

Acaba muito rápido.... Na verda<strong>de</strong>, eu nem sabia. Só soube porque um amigo da<br />

minha vó que disse que tavam construindo.(Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã)<br />

Assim... Eles botar mais informações sobre o curso profissionalizante seria muito<br />

bom... A gente não tinha conhecimento... (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano Tar<strong>de</strong>,<br />

Grupo Focal)<br />

Mais oportunida<strong>de</strong>, como ela falou,... ter ônibus a<strong>de</strong>quado pra levar os alunos e<br />

trazer pra casa (Ensino Médio, 1º e 2º Anos Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Tipo uma conscientização, assim, que estudo leva a pessoa pra frente porque a<br />

maioria das pessoas, pelo menos que eu conheço... Eles acham que<br />

simplesmente estudar não vai adiantar <strong>de</strong> nada, vai só per<strong>de</strong>r tempo na escola. ...<br />

Aí, assim, eu acho que <strong>de</strong>via é investir mais, assim, em mostrar pras pessoas que<br />

estudar vale a pena. (Ensino Médio, 1º e 2º Anos Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal).<br />

Depen<strong>de</strong> da situação da pessoa. Às vezes, realmente, é por causa <strong>de</strong>les, eles têm<br />

toda oportunida<strong>de</strong>, mas, não vai. Ás vezes também por causa da socieda<strong>de</strong>...<br />

Que não <strong>de</strong>ixa... (Garota <strong>de</strong> 15 anos, Ensino Médio, Tar<strong>de</strong>, Grupo Focal)<br />

Muita gente, assim, tem oportunida<strong>de</strong>... Mas, os pais... Aí, faz um monte <strong>de</strong> filhos.<br />

Aí, acabam botando a mais velha pra tá cuidando do restante. Aí, não tem como<br />

conciliar escola e cuidar <strong>de</strong> um monte <strong>de</strong> comedorzinho <strong>de</strong> rapadura. (Garota <strong>de</strong><br />

17 anos, Ensino Médio, Tar<strong>de</strong>, grupo focal 1º e 2º Anos).<br />

Nem todos tem condições <strong>de</strong> tá na escola ... (Garoto <strong>de</strong> 17 anos, Ensino Médio,<br />

Manhã, Grupo Focal).<br />

Sei lá, o interesse é muito individual... Pra chegar no Ensino Médio a pessoa tem<br />

que pelos menos querer... Tendo o incentivo é muito bacana... (Garoto <strong>de</strong> 17anos,<br />

3º Ano, Ensino Médio, Noite, Grupo Focal).<br />

Embora esses <strong>de</strong>poimentos não abandonem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o indivíduo tem uma<br />

parcela <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> sobre suas escolhas, eles alargam a análise <strong>para</strong> uma esfera<br />

“exterior”, procurando <strong>de</strong>stacar as limitações na divulgação das ações governamentais <strong>para</strong><br />

os <strong>jovens</strong>, bem como das próprias vagas disponibilizadas em algumas <strong>de</strong>ssas ações, como<br />

os CUCAS e Escolas Profissionalizantes citados pelos entrevistados. A família não foi isenta<br />

<strong>de</strong> uma parcela <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> sobre a perda <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s por parte dos filhos.<br />

Apesar <strong>de</strong> não haver homogeneida<strong>de</strong> entre as narrativas dos entrevistados,<br />

observamos que predomina entre eles a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que há oferta <strong>de</strong> educação que é acessível<br />

a todos e aqueles que não se encontram mais inseridos no mundo escolar não souberam<br />

aproveitar as oportunida<strong>de</strong>s existentes.<br />

Po<strong>de</strong>mos pensar que, na percepção <strong>de</strong>sses atores sociais, eles e os outros<br />

<strong>jovens</strong> da mesma faixa-etária que ainda não alcançaram o Ensino Médio, bem como<br />

aqueles que já abandonaram a escola, estariam numa mesma posição quanto às condições<br />

<strong>de</strong> acesso e permanência no campo escolar. A partir <strong>de</strong>ssa compreensão, o afastamento <strong>de</strong><br />

muitos dos seus pares <strong>de</strong>sse campo não seria resultado <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> negação <strong>de</strong><br />

direitos ou injustiça imposta a esses sujeitos, mas <strong>de</strong> escolha individual.


138<br />

Como temos comentado, os entrevistados do Parque São José procuraram<br />

sempre, em seus <strong>de</strong>poimentos, qualificar o trabalho <strong>de</strong>senvolvido por essa unida<strong>de</strong> escolar:<br />

“Tem canto que não tem... o estudo que nós temos aqui na escola”. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º<br />

Ano, Manhã). Para esses sujeitos haveria entre os <strong>jovens</strong> do bairro certa igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

condições <strong>de</strong> acesso a um ensino que eles consi<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, como o proporcionado<br />

pela escola na qual estudam e que muitos <strong>de</strong> seus pares já abandonaram.<br />

As tramas sociais nas quais os indivíduos encontram-se envolvidos, e que<br />

contribuem <strong>para</strong> que se tornem o que são, parecem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas pela maioria <strong>de</strong>sses<br />

entrevistados. Para Elias (1994, p.31),<br />

[...] o indivíduo sempre existe, no nível mais fundamental, na relação com os<br />

outros, e essa relação tem uma estrutura particular que é específica <strong>de</strong> sua<br />

socieda<strong>de</strong>. Ele adquire sua marca individual a partir da história <strong>de</strong>ssas<br />

relações.<br />

Dessa forma, <strong>para</strong> compreen<strong>de</strong>r o indivíduo e suas escolhas é fundamental levar<br />

em consi<strong>de</strong>ração a socieda<strong>de</strong> na qual se encontra inserido. Enten<strong>de</strong>mos que o modo <strong>de</strong><br />

pensar apresentado por nossos interlocutores do Ensino Médio, em certa medida,<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rou essas tramas sociais que envolvem as condições <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong><br />

seus pares que não se encontram na mesma posição no campo escolar exatamente por<br />

estarem imbricadas nas condições sociais, econômicas e culturais que, muitas vezes,<br />

impõem representações coletivas que advogam a se<strong>para</strong>ção indivíduo e socieda<strong>de</strong>. Por se<br />

perceberem em uma comunida<strong>de</strong> em que predomina o acesso a baixos volumes <strong>de</strong> capital<br />

econômico, cultural e social entre a maioria <strong>de</strong> seus membros, os <strong>jovens</strong> do Ensino Médio<br />

talvez consi<strong>de</strong>rem que, como eles conseguiram chegar a essa etapa da Educação Básica,<br />

apesar da convivência com problemas econômicos e sociais comuns aos moradores do<br />

bairro, os outros <strong>jovens</strong> também teriam condições <strong>de</strong> alcançar essa mesma posição no<br />

campo escolar.<br />

Mas, é importante <strong>de</strong>stacar que em <strong>de</strong>terminadas situações, alguns dos<br />

entrevistados confrontaram suas condições <strong>de</strong> acesso à educação com as condições<br />

disponíveis aos estudantes da Re<strong>de</strong> Particular <strong>de</strong> Ensino que, na maioria dos casos,<br />

encontra-se em situação privilegiada na estrutura <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> capitais quando<br />

com<strong>para</strong>dos aos <strong>jovens</strong> das escolas públicas. Os entrevistados afirmaram:<br />

Os alunos... particular... Eles não ficam sem professores. A gente já fica. Só o que<br />

é <strong>de</strong>sigual. (Garota <strong>de</strong> 16 anos, 2º Ano, Manhã, Grupo Focal).<br />

Porque também às vezes <strong>para</strong> os alunos da escola pública... é um pouco mais<br />

fechado. Tipo ... um curso que a pessoa estuda em escola privada, os pais po<strong>de</strong>m<br />

pagar. Em escola pública, não é todos que po<strong>de</strong>m pagar um curso. Tipo... Quero


139<br />

entrar no Enem. Ai, tem uns que estudam em casa, tem uns que querem fazer<br />

cursinho... Uns conseguem, outros não... (Garoto do Ensino Médio, Noite).<br />

Um novo olhar se constrói. Agora, não mais direcionado ao indivíduo como o<br />

responsável por seu insucesso escolar, mas às estruturas externas que po<strong>de</strong>riam justificar o<br />

fato <strong>de</strong> uns conseguirem aprovação no ENEM e outros não. Desse modo, quando os<br />

entrevistados lançam-se a pensar sobre outro espaço social <strong>de</strong> educação, como aquele<br />

representado pelas instituições particulares <strong>de</strong> ensino básico, geralmente consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong><br />

melhor qualida<strong>de</strong> quando com<strong>para</strong>das às instituições públicas, são as condições objetivas<br />

oferecidas pelos estabelecimentos particulares que passam a ser consi<strong>de</strong>radas por esses<br />

atores.<br />

Em certa medida, é a partir do que valorizam nas escolas particulares, como<br />

“não ficarem sem professores”, que esses estudantes ensaiam uma crítica à escola pública.<br />

A crítica a essa condição da escola pública, relacionada à falta dos professores, é uma<br />

indicação <strong>de</strong> que esses <strong>jovens</strong> também compreen<strong>de</strong>m que há elementos exteriores ao<br />

indivíduo que impactam sobre seu <strong>de</strong>sempenho no campo da educação, não sendo possível<br />

esquecer a existência <strong>de</strong> uma estrutura econômica, política e social, particular <strong>de</strong> sua<br />

socieda<strong>de</strong>, que interfere nas diversas situações vividas por todos os membros <strong>de</strong>ssa<br />

socieda<strong>de</strong>.


140<br />

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A educação escolar é um elemento <strong>de</strong> diferenciação e <strong>de</strong> distinção social capaz<br />

<strong>de</strong> interferir nas posições que os sujeitos ocupam ou po<strong>de</strong>m vir a ocupar nos vários espaços<br />

da vida cotidiana. Socialmente valorizada, ela representa um tipo <strong>de</strong> conhecimento<br />

necessário <strong>para</strong> a manutenção da socieda<strong>de</strong>, mas também representa os saberes<br />

consi<strong>de</strong>rados legítimos pelos grupos sociais <strong>de</strong> prestígio e po<strong>de</strong>r em cada contexto<br />

econômico, político e social. No entanto, esses saberes e práticas viabilizados pela escola<br />

parecem constituir um tipo <strong>de</strong> “universal” cujas condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso não<br />

são igualmente distribuídas a todos.<br />

Se tomarmos o caso <strong>de</strong> alguns dos nossos interlocutores estudantes <strong>de</strong> EJA,<br />

percebemos mediante suas narrativas as impossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso a esse “universal”<br />

criadas ao longo <strong>de</strong> suas trajetórias escolares até aquele momento: dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

aprendizagem acumuladas e não solucionadas; reprovação escolar; perda do direito ao<br />

ensino diurno; transferência compulsória <strong>para</strong> turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos;<br />

não acesso ao Ensino Médio na ida<strong>de</strong> oficialmente recomendada e a perda do direito ao<br />

“não-trabalho”.<br />

Ao contrário <strong>de</strong>sses estudantes <strong>de</strong> EJA, os nossos interlocutores estudantes <strong>de</strong><br />

8º e 9º Anos, bem como os do Ensino Médio, em sua maioria, não apresentava a<br />

necessida<strong>de</strong> urgente <strong>de</strong> inserção no mundo do trabalho, embora não se encontrassem em<br />

situação econômica e social muito diversa daquela vivenciada pelos <strong>jovens</strong> <strong>de</strong> EJA. As<br />

situações <strong>de</strong> inserção no mundo produtivo i<strong>de</strong>ntificadas entre os <strong>jovens</strong> do Ensino Médio,<br />

segundo os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong>sses pesquisados, apresentavam-se <strong>de</strong>ntro das condições <strong>de</strong><br />

estágio <strong>de</strong> aprendizagem em conformida<strong>de</strong> com as exigências legais <strong>para</strong> os menores <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zoito anos, <strong>de</strong>terminadas pelo ECA. Mas, apesar <strong>de</strong> legais, essas situações <strong>de</strong> inserção<br />

em ativida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> aprendizagem também interferiam na vida escolar dos<br />

estudantes <strong>de</strong> Ensino Médio, uma vez que alguns precisavam transferir a matrícula escolar<br />

<strong>para</strong> o período noturno, consi<strong>de</strong>rado por esses mesmos <strong>jovens</strong> como um turno <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

inferior quando com<strong>para</strong>do ao período diurno.<br />

Convivendo com familiares e/ou amigos já inseridos no mundo acadêmico ou<br />

participando <strong>de</strong> projetos sociais <strong>de</strong>senvolvidos pelo po<strong>de</strong>r público, igrejas ou organizações<br />

não governamentais existentes no bairro, os pesquisados da escola estadual <strong>de</strong>monstraram<br />

que persiste entre eles o encantamento com a escola e a crença nos resultados que ela<br />

po<strong>de</strong> lhes proporcionar. As referências encontradas nesses espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> foram<br />

apontadas como um incentivo à permanência no mundo escolar e <strong>para</strong> a busca <strong>de</strong> novas


141<br />

conquistas no campo da educação, como o ingresso na Universida<strong>de</strong>. Enten<strong>de</strong>mos que<br />

esses estudantes construíram disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong>, mas também disposições <strong>para</strong> agir as<br />

quais lhes permitiram conhecer as regras do jogo que po<strong>de</strong> conduzi-los ao alcance das<br />

perspectivas que têm projetado <strong>para</strong> o futuro.<br />

Quanto aos estudantes <strong>de</strong> EJA, ainda que tenham afirmado em suas narrativas<br />

a pretensão <strong>de</strong> prosseguirem os estudos e até ingressarem no Ensino Superior,<br />

percebemos não haver entre esses <strong>jovens</strong> o senso “real” do jogo. Seus <strong>de</strong>poimentos<br />

pareciam apenas tentar não contrariar as expectativas da socieda<strong>de</strong> lançadas sobre aqueles<br />

que continuam na escola. Mesmo que os <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> não correspondam,<br />

exatamente, ao que esses <strong>jovens</strong> pensam ou fazem naquele momento, indicam que esses<br />

sujeitos procuram confirmar um valor que é socialmente atribuído à educação.<br />

As urgências do cotidiano que lançaram muitos <strong>de</strong>les ao mundo do trabalho<br />

infantil furtaram-lhes também o tempo que po<strong>de</strong>ria ter sido investido em seus processos <strong>de</strong><br />

formação escolar. A illusio social parece não se constituir entre esses estudantes <strong>de</strong> EJA<br />

com a mesma intensida<strong>de</strong> que se instaura entre os outros pesquisados, po<strong>de</strong>ndo resultar na<br />

<strong>de</strong>sistência <strong>de</strong>sse investimento escolar mesmo antes <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> alcançarem o Ensino<br />

Médio, etapa da Educação Básica na qual já <strong>de</strong>veriam ter ingressado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 15 anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>. A ausência ou ineficiência <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s estruturais socialmente disponíveis a<br />

esses sujeitos po<strong>de</strong> levá-los a <strong>de</strong>senvolver o sentimento <strong>de</strong>” auto culpa” pelos insucessos<br />

experimentados no campo escolar e em suas próprias trajetórias sociais.<br />

As falas dos entrevistados <strong>de</strong> EJA do Bonsucesso <strong>de</strong>monstraram não i<strong>de</strong>ntificar<br />

no bairro a existência <strong>de</strong> políticas públicas direcionadas aos <strong>jovens</strong>. Todas as referências a<br />

ações <strong>de</strong> instituições governamentais mencionadas por esses estudantes foram remetidas<br />

aos bairros vizinhos. Se há oficialmente ações governamentais sendo <strong>de</strong>senvolvidas<br />

naquela região da Cida<strong>de</strong>, elas não são sentidas, percebidas por esses sujeitos. As igrejas<br />

locais foram as instituições mais citadas por esses estudantes quando discutimos sobre a<br />

existência <strong>de</strong> projetos sociais direcionados aos <strong>jovens</strong> do bairro, particularmente no que se<br />

refere à atenção direcionada aos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes químicos. Desse modo, são essas<br />

instituições que parecem mais visíveis a esses estudantes e que <strong>de</strong> algum modo<br />

conseguem alcançá-los.<br />

Partimos da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os <strong>jovens</strong>, como indivíduos plurais, são atores sociais<br />

que carregam em seu “interior”, em estado dobrado, amassado, as marcas dos vários<br />

contextos experimentados na sua relação com o mundo “exterior”, marcas resultantes <strong>de</strong><br />

suas vivências na família, na escola, na comunida<strong>de</strong>, no trabalho ou na rua e que interferem


142<br />

na compreensão que constroem sobre si mesmos, sobre o seu lugar no mundo, sobre o<br />

lugar dos outros, sobre o que po<strong>de</strong>m ou não <strong>de</strong>sejar e projetar em relação ao futuro.<br />

Mas, enten<strong>de</strong>mos que as estruturas objetivas que dão suporte ao cotidiano <strong>de</strong><br />

nossos pesquisados não representam barreiras intransponíveis em suas trajetórias sociais,<br />

consi<strong>de</strong>rando que esses sujeitos po<strong>de</strong>m, nas várias cenas do cotidiano vivido, encontrar ou<br />

construir novos caminhos que possam conduzi-los aos sonhos <strong>de</strong>sejados, uma vez que<br />

esses sujeitos pensam, agem e fazem escolhas.<br />

No entanto, <strong>para</strong> que esses sujeitos façam escolhas, as oportunida<strong>de</strong>s precisam<br />

estar disponíveis a todos. Se <strong>de</strong>sejam estudar (e esse é um direito consagrado a todos) que<br />

esses <strong>jovens</strong> tenham também direito ao “não-trabalho” se o trabalho lhes impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>dicar à escola e a permanecerem estudando nos turnos <strong>de</strong> sua preferência. Se é o Ensino<br />

Profissionalizante ou o acesso à Universida<strong>de</strong> que projetam como meta <strong>de</strong> futuro, que a<br />

socieda<strong>de</strong> possa lhes garantir igualmente os meios <strong>para</strong> alcançarem essa meta.<br />

Olhando especialmente <strong>para</strong> os estudantes <strong>de</strong> EJA que foram nossos<br />

interlocutores neste estudo, atores sociais que se apresentaram como os mais afetados pela<br />

estrutura <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> capital econômico, cultural e social entre todos os<br />

entrevistados, percebemos a tendência <strong>de</strong> uma política voltada <strong>para</strong> que se realize com eles<br />

a “causalida<strong>de</strong> do provável”, contribuindo <strong>para</strong> que esses atores sociais se conservem na<br />

posição em que se encontram na estrutura social <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> capitais. A negativa por<br />

parte das escolas <strong>de</strong> inserir no ensino diurno os <strong>jovens</strong> que se encontram fora da faixaetária<br />

oficialmente recomendada parece funcionar como uma “punição escolar” àqueles que<br />

não se ajustam às disposições exigidas nesse campo.<br />

A permanência na escola parece não ter favorecido o acesso <strong>de</strong>sses estudantes<br />

da EJA à cultura socialmente consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> prestígio, tipo <strong>de</strong> cultura que po<strong>de</strong>ria facilitar a<br />

entrada futura <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> em outros espaços sociais, como campos profissionais on<strong>de</strong> a<br />

cultura escolar é valorizada e exigida como cre<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> entrada.<br />

Se as oportunida<strong>de</strong>s oferecidas a esses <strong>jovens</strong> não contribuem <strong>para</strong> o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das disposições exigidas <strong>para</strong> o ingresso no Ensino Médio, na<br />

Universida<strong>de</strong>, em cursos profissionalizantes ou outras ativida<strong>de</strong>s profissionais <strong>de</strong>sejadas por<br />

esses sujeitos, suas esperanças ten<strong>de</strong>rão a se limitar às oportunida<strong>de</strong>s disponíveis,<br />

consi<strong>de</strong>rando que não apresentam as disposições exigidas <strong>para</strong> o acesso a outras posições.<br />

Esse constitui um perigo iminente <strong>para</strong> muitos dos nossos entrevistados <strong>de</strong> EJA que já se<br />

encontram inseridos em situações e condições ina<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> trabalho <strong>para</strong> sua faixaetária,<br />

situações iniciadas por alguns já no período da infância.


143<br />

Se não são construídas as disposições exigidas <strong>para</strong> a entrada em novos<br />

espaços sociais, esses <strong>jovens</strong> terão que se adaptar aos contextos nos quais as disposições<br />

possuídas melhor se ajustam e que, no caso específico <strong>de</strong>sses estudantes <strong>de</strong> EJA, po<strong>de</strong><br />

representar a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ciclo já iniciado na adolescência como babás,<br />

costureiros/as, pintores, carregadores, entregadores <strong>de</strong> mercadinhos ou serventes <strong>de</strong><br />

pedreiros.<br />

Neste trabalho, nossa atenção esteve especialmente voltada aos <strong>jovens</strong> entre 15<br />

e 17 anos que ainda não alcançaram o Ensino Médio. Enten<strong>de</strong>mos que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das<br />

condições <strong>de</strong> permanência <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> no Ensino Fundamental, muitos provavelmente<br />

não concluirão a Educação Básica. Preocupa-nos a tendência <strong>de</strong> ajustamento <strong>de</strong>sses<br />

<strong>jovens</strong> a ocupações que talvez não lhes proporcionem no futuro condições <strong>de</strong> trabalho e<br />

salário diferentes daquelas que já vivenciam nesse momento presente, uma vez que não<br />

apresentarão as disposições exigidas <strong>para</strong> outros tipos <strong>de</strong> ocupações mais especializadas.<br />

Além <strong>de</strong>ssa tendência, consi<strong>de</strong>ramos também como problemática a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> abandonarem a escola e se inserirem em práticas sociais<br />

consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong>lituosas. Como nos foi apresentado por intermédio das narrativas dos<br />

estudantes <strong>de</strong> EJA, alguns <strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong> resi<strong>de</strong>m em uma área da comunida<strong>de</strong> em que<br />

estão próximos das práticas ligadas ao tráfico <strong>de</strong> drogas e dos conflitos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssas<br />

práticas. Desse modo, compreen<strong>de</strong>mos que a convivência nesse contexto po<strong>de</strong> torná-los<br />

mais vulneráveis ao abandono escolar, situação já vivenciada por muitos <strong>de</strong> seus colegas<br />

da mesma faixa-etária e relatada durante as entrevistas e grupos focais.<br />

As cenas do cotidiano interferem diretamente sobre os processos <strong>de</strong> formação<br />

<strong>de</strong>sses <strong>jovens</strong>. Assim, é importante que esses atores sociais tenham acesso a<br />

oportunida<strong>de</strong>s educativas capazes <strong>de</strong> conduzi-los à vivência <strong>de</strong> novas cenas que lhes<br />

permitam sonhar e projetar um futuro diferente daquele “futuro provável”.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos importante um olhar atento da socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> suas instituições<br />

<strong>para</strong> as especificida<strong>de</strong>s apresentadas por esse público juvenil que atualmente não consegue<br />

ingressar no Ensino Médio. Enten<strong>de</strong>mos que <strong>para</strong> esse público também precisam ser<br />

garantidos os meios necessários <strong>para</strong> a entrada nessa etapa da Educação Básica, meios<br />

que possibilitaram esse acesso a outros <strong>jovens</strong> da mesma faixa-etária.<br />

Compreen<strong>de</strong>mos que diversas são as <strong>de</strong>mandas colocadas pelos <strong>jovens</strong> em<br />

seus diferentes contextos <strong>de</strong> vivência, exigindo medidas diferenciadas <strong>de</strong> atendimento<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sses contextos, <strong>de</strong>mandas que extrapolam a esfera da educação. Mas, se<br />

estar fora do Ensino Médio constitui uma situação que ten<strong>de</strong> a inferiorizar esses <strong>jovens</strong>


144<br />

diante <strong>de</strong> seus pares e da socieda<strong>de</strong>, é na perspectiva da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos que<br />

precisam ser pensadas as políticas públicas que po<strong>de</strong>m favorecer o acesso <strong>de</strong>sses sujeitos<br />

ao Ensino Médio na ida<strong>de</strong> oficialmente recomendada, bem como sua permanência no<br />

campo escolar e, assim, permitir que, além <strong>de</strong> “disposições <strong>para</strong> <strong>crer</strong>”, esses <strong>jovens</strong> também<br />

tenham a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver “disposições <strong>para</strong> agir” diante <strong>de</strong> seus projetos <strong>de</strong><br />

futuro.


145<br />

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Volume 1.Tradução <strong>de</strong> Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: Editora UNB,<br />

2004.


APÊNDICES<br />

150


151<br />

APÊNDICE A<br />

Questionário utilizado com os Jovens das Turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos –<br />

EJA da Escola do Mondubim<br />

Sexo ____________<br />

Data <strong>de</strong> Nascimento __________________<br />

1. ESCOLARIDADE<br />

a. Última Série Cursada:<br />

b. Por que estuda no período noturno?<br />

c. Gostaria <strong>de</strong> estudar em outro turno? Por quê?<br />

d. Escolarida<strong>de</strong> dos pais?<br />

2. TRABALHO<br />

a. Que tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> realiza durante o dia?<br />

b. Quantas horas diárias?<br />

c. Remuneração:<br />

d. Carteira Assinada?<br />

e. Gostaria <strong>de</strong> executar outro tipo trabalho? Qual?<br />

3. FORMAÇÃO ESCOLAR, PROFISSIONALIZAÇÃO E FUTURO<br />

a. Você preten<strong>de</strong> cursar o Ensino Médio? Por quê?<br />

b. Preten<strong>de</strong> fazer algum curso <strong>de</strong> profissionalização?<br />

c. Preten<strong>de</strong> cursar uma faculda<strong>de</strong>? Qual Curso?


152<br />

APÊNDICE B<br />

Roteiro <strong>para</strong> Entrevista com os Jovens das Turmas <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos<br />

– EJA da Escola do Bonsucesso<br />

1. Informações Gerais<br />

a. Turma <strong>de</strong> EJA: I ( ) II ( ) III ( ) IV ( ) V ( )<br />

b. Data <strong>de</strong> Nascimento:<br />

c. Última série cursada no Ensino Regular:<br />

d. On<strong>de</strong> cursou as séries iniciais do Ensino Fundamental?<br />

e. Por que optou pela EJA?<br />

f. Gostaria <strong>de</strong> estudar em outro turno ou outra escola?<br />

2. Família e Moradia<br />

a. Com quem resi<strong>de</strong>?<br />

b. Casa própria? SIM ( ) Não ( ) Próxima à Escola?<br />

c. Escolarida<strong>de</strong> dos pais:<br />

d. Familiares que estudam e os que não estudam<br />

e. Renda da Família<br />

f. Ocupações dos familiares<br />

3. Trabalho<br />

a. Trabalha? SIM ( ) NÃO ( ) b. Por quê?<br />

c. On<strong>de</strong>?<br />

d. Ativida<strong>de</strong> realizada no trabalho/ Ambiente <strong>de</strong> trabalho<br />

e. Horário e número <strong>de</strong> horas trabalhadas durante o dia:<br />

f. Carteira Assinada? SIM ( ) NÃO ( ) Salário<br />

g. Ida<strong>de</strong> que começou a trabalhar<br />

4 Educação e Futuro<br />

a. Você se preocupa com o futuro?<br />

b. Por que continua estudando?<br />

c. A escola tem alguma importância <strong>para</strong> a sua vida? Qual?<br />

d. Você acha que a escola po<strong>de</strong> aumentar suas chances em relação ao futuro? Em quê ou<br />

como?<br />

e.Você preten<strong>de</strong> cursar o Ensino Médio? Por quê?<br />

f. Já tem preferência por alguma escola?<br />

g. Tem amigos que já estão no Ensino Médio? On<strong>de</strong> estudam? Que série cursam?<br />

h. Pensa em alguma profissão que pretenda seguir? O que <strong>de</strong>ve fazer <strong>para</strong> po<strong>de</strong>r exercer<br />

essa profissão?<br />

i. Já ouviu falar em escolas profissionalizantes no bairro? Tem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar em uma<br />

<strong>de</strong>las? Por quê? Sabe on<strong>de</strong> tem uma? O que é necessário <strong>para</strong> estudar nessas escolas?<br />

j. Preten<strong>de</strong> fazer uma faculda<strong>de</strong>? Qual? Sabe on<strong>de</strong> elas se localizam aqui em Fortaleza? O<br />

que é preciso fazer <strong>para</strong> cursar uma faculda<strong>de</strong>?<br />

l. Conhece alguém que fez ou está fazendo faculda<strong>de</strong>? Quem? Qual o Curso?<br />

m. Como você imagina sua vida daqui há <strong>de</strong>z anos?<br />

3 Os <strong>jovens</strong> e o Bairro<br />

a. O que costuma fazer nos finais <strong>de</strong> semana quando não está na escola?


. Gosta do bairro em que vive?<br />

c. O seu bairro é tranquilo?<br />

d. Já presenciou ou foi vítima <strong>de</strong> violência no bairro? Que tipo <strong>de</strong> violência?<br />

e. Conhece outras instituições <strong>de</strong> educação e/ou cultura existentes no bairro? Participa <strong>de</strong><br />

algum projeto fora da escola?<br />

153


154<br />

APÊNDICE C<br />

Roteiro <strong>para</strong> Entrevista com os Jovens das Turmas <strong>de</strong> 8º e 9º Anos em Situação <strong>de</strong><br />

Distorção Ida<strong>de</strong>- Série<br />

1. Informações Gerais<br />

a. Série: 8º ( ) 9º ( )<br />

b. Data <strong>de</strong> Nascimento:<br />

c. Ficou reprovado em qual série?<br />

d. Por que optou por essa escola?<br />

e. Gostaria <strong>de</strong> estudar em outro turno ou outra escola?<br />

2. Família e Moradia<br />

a. Com quem resi<strong>de</strong>?<br />

b. Casa própria? SIM ( ) Não ( ) Próxima à Escola?<br />

c. Escolarida<strong>de</strong> dos pais:<br />

d. Familiares que estudam e os que não estudam<br />

e. Renda da Família<br />

f. Ocupações dos familiares<br />

3. Trabalho<br />

a. Trabalha? SIM ( ) NÃO ( ) b. Por quê?<br />

c. On<strong>de</strong>?<br />

d. Ativida<strong>de</strong> realizada no trabalho/ Ambiente <strong>de</strong> trabalho:<br />

e. Horário e número <strong>de</strong> horas trabalhadas durante o dia:<br />

f. Começou a trabalhar com qual ida<strong>de</strong>?<br />

4. Educação e Futuro<br />

a. Você se preocupa com o futuro?<br />

b. Por que continua estudando?<br />

c. A escola tem alguma importância <strong>para</strong> a sua vida? Qual?<br />

d. Você acha que a escola po<strong>de</strong> aumentar suas chances em relação ao futuro? Em quê ou<br />

como?<br />

e.Você preten<strong>de</strong> cursar o Ensino Médio? Por quê?<br />

f. Já tem preferência por alguma escola?<br />

g. Tem amigos que já estão no Ensino Médio? On<strong>de</strong> estudam? Que série cursam?<br />

h. Pensa em alguma profissão que pretenda seguir? O que <strong>de</strong>ve fazer <strong>para</strong> po<strong>de</strong>r exercer<br />

essa profissão?<br />

i. Já ouviu falar em escolas profissionalizantes no bairro? Tem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar em uma<br />

<strong>de</strong>las? Por quê? Sabe on<strong>de</strong> tem uma? O que é necessário <strong>para</strong> estudar nessas escolas?<br />

j. Preten<strong>de</strong> fazer uma faculda<strong>de</strong>? Qual? Sabe on<strong>de</strong> elas se localizam aqui em Fortaleza? O<br />

que é preciso fazer <strong>para</strong> cursar uma faculda<strong>de</strong>?<br />

l. Conhece alguém que fez ou está fazendo faculda<strong>de</strong>? Quem? Qual o Curso?<br />

5. Os <strong>jovens</strong> e o Bairro<br />

a. O que costuma fazer nos finais <strong>de</strong> semana quando não está na escola?<br />

b. Gosta do bairro em que vive?<br />

c. O seu bairro é tranquilo?<br />

d. Já presenciou ou foi vítima <strong>de</strong> violência no bairro? Que tipo <strong>de</strong> violência?<br />

e. Conhece outras instituições <strong>de</strong> educação e/ou cultura existentes no bairro? Participa <strong>de</strong><br />

algum projeto fora da escola?


155<br />

APÊNDICE D<br />

Roteiro <strong>para</strong> Entrevista com os Jovens do Ensino Médio na Série consi<strong>de</strong>rada<br />

a<strong>de</strong>quada <strong>para</strong> a Ida<strong>de</strong><br />

1. Informações Gerais<br />

a. Série: 1ª Série ( ) 2ª Série ( ) 3ª Série ( )<br />

b. Data <strong>de</strong> Nascimento:<br />

c. Por que optou por essa escola?<br />

e. Gostaria <strong>de</strong> estudar em outro turno ou outra escola?<br />

2. Família e Moradia<br />

a. Com quem resi<strong>de</strong>?<br />

b. Casa própria? SIM ( ) Não ( ) Próxima à Escola?<br />

c. Escolarida<strong>de</strong> dos pais:<br />

d. Familiares que estudam e os que não estudam:<br />

e. Renda da Família:<br />

f. Ocupações dos familiares:<br />

3. Trabalho<br />

a. Trabalha? SIM ( ) NÃO ( ) b. Por quê?<br />

c. On<strong>de</strong>?<br />

d. Ativida<strong>de</strong> realizada no trabalho/ Ambiente <strong>de</strong> trabalho:<br />

e. Horário e número <strong>de</strong> horas trabalhadas durante o dia:<br />

f. Carteira Assinada? SIM ( ) NÃO ( ) Salário:<br />

g. Começou a trabalhar com qual ida<strong>de</strong>?<br />

4. Educação e Futuro<br />

a. Você se preocupa com o futuro?<br />

b. Por que continua estudando?<br />

c. A escola tem alguma importância <strong>para</strong> a sua vida? Qual?<br />

d. Você acha que a escola po<strong>de</strong> aumentar suas chances em relação ao futuro? Em quê ou<br />

como?<br />

e. Tem amigos da sua ida<strong>de</strong> que estudaram com você e ainda estão no Ensino<br />

Fundamental? Em sua opinião, por que eles não conseguiram ainda chegar ao Ensino<br />

Médio?<br />

f. Pensa em alguma profissão que pretenda seguir? O que <strong>de</strong>ve fazer <strong>para</strong> po<strong>de</strong>r exercer<br />

essa profissão?<br />

g. Já ouviu falar em escolas profissionalizantes no bairro? Tem vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar em uma<br />

<strong>de</strong>las? Por quê? Sabe on<strong>de</strong> tem uma? O que é necessário <strong>para</strong> estudar nessas escolas?<br />

h. Preten<strong>de</strong> fazer uma faculda<strong>de</strong>? Qual? Sabe on<strong>de</strong> elas se localizam aqui em Fortaleza? O<br />

que é preciso fazer <strong>para</strong> cursar uma faculda<strong>de</strong>?<br />

i. Conhece alguém que fez ou está fazendo faculda<strong>de</strong>? Quem? Qual o Curso?<br />

j. Sabe o que é o ENEM? Preten<strong>de</strong> fazê-lo? Sabe <strong>para</strong> que serve o PROUNI? E o SISU?<br />

5. Os <strong>jovens</strong> e o Bairro<br />

a. O que costuma fazer nos finais <strong>de</strong> semana quando não está na escola?<br />

b. Gosta do bairro em que vive?<br />

c. O seu bairro é tranquilo?<br />

d. Já presenciou ou foi vítima <strong>de</strong> violência no bairro? Que tipo <strong>de</strong> violência?<br />

e. Conhece outras instituições <strong>de</strong> educação e/ou cultura existentes no bairro? Participa <strong>de</strong><br />

algum projeto fora da escola?


156<br />

APÊNDICE E<br />

Regional I Bairro 15 anos 16 anos 17 anos total<br />

1 Alvaro Weyne 415 404 410 1229<br />

2 Barra do Ceará 1565 1443 1496 4504<br />

3 Carlito Pamplona 544 518 521 1583<br />

4 Cristo Re<strong>de</strong>ntor 503 508 457 1468<br />

5 Farias Brito 195 199 191 585<br />

6 Floresta 566 533 597 1696<br />

7 Jacarecanga 223 247 245 715<br />

8 Jardim Guanabara 269 258 248 775<br />

9 Jardim Iracema 470 381 437 1288<br />

10 Monte Castelo 198 236 233 667<br />

11 Moura Brasil 54 62 72 188<br />

12 Pirambu 384 384 323 1091<br />

13 Vila Ellery 111 136 136 383<br />

14 Vila Velha 1208 1127 1197 3532<br />

Total 6705 6436 6563 19704<br />

Regional II Bairro 15 anos 16 anos 17 anos Total<br />

1 Al<strong>de</strong>ota 533 587 611 1731<br />

2 Cais do Porto 463 464 431 1358<br />

3 Centro 544 384 443 1371<br />

4 Cida<strong>de</strong> 2000 81 91 98 270<br />

5 Coco 273 307 303 883<br />

6 Dionisio Torres 194 227 210 631<br />

Dunas (Manoel Dias<br />

7<br />

Branco) 32 30 18 80<br />

8 Luciano Cavalcante 253 261 251 765<br />

9 Guararapes 66 73 79 218<br />

10 Joaquim Tavora 309 296 329 934<br />

11 Meireles 382 407 460 1249<br />

12 Mucuripe 195 181 201 577<br />

13 Papicu 317 315 291 923<br />

14 Praia <strong>de</strong> Iracema 36 40 44 120<br />

15 Praia do Futuro I 142 128 126 396<br />

16 Praia do futuro II 246 256 213 715<br />

17 Salinas 74 71 78 223<br />

18 São João do Tuape 429 422 407 1258<br />

19 Varjota 121 122 122 365<br />

20 Vicente Pinzon 859 866 810 2535<br />

21 Bairro <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s 66 44 48 158<br />

Total 5615 5572 5573 16760<br />

Regional III Bairro 15 anos 16 anos 17 anos Total<br />

1 Ama<strong>de</strong>u Furtado 150 155 184 489<br />

2 Antonio Bezerra 449 472 482 1403<br />

3 Autran Nunes 496 453 442 1391<br />

4 Bela Vista 298 300 296 894<br />

5 Bonsucesso 780 782 802 2364


157<br />

6 Dom Lustosa 224 225 260 709<br />

7 Henrique Jorge 452 475 495 1422<br />

8 João XXIII 350 327 355 1032<br />

9 Joquei Clube 345 328 344 1017<br />

10 Padre Andra<strong>de</strong> 210 236 229 675<br />

11 Parque Araxá 113 96 101 310<br />

12 Parquelandia 213 171 207 591<br />

13 Pici 958 877 851 2686<br />

14 Presi<strong>de</strong>nte Kennedy 406 348 430 1184<br />

15 Quintino Cunha 1019 977 976 2972<br />

16 Rodolfo Teófilo 323 278 305 906<br />

Total 6786 6500 6759 20045<br />

Regional IV Bairro 15 anos 16 anos 17 anos Total<br />

1 Aeroporto 199 212 172 583<br />

2 Benfica 129 139 156 424<br />

3 Bom Futuro 91 94 96 281<br />

4 Couto Fernan<strong>de</strong>s 88 102 99 289<br />

5 Damas 149 161 155 465<br />

6 Democrito Rocha 165 167 212 544<br />

7 Den<strong>de</strong> 94 102 109 305<br />

8 Fatima 288 340 341 969<br />

9 Itaoca 206 208 209 623<br />

10 Itaperi 362 368 371 1101<br />

11 Jardim America 213 202 197 612<br />

12 Jose Bonifacio 114 132 151 397<br />

13 Montese 401 380 415 1196<br />

14 Panamericano 141 168 147 456<br />

15 Parangaba 551 501 546 1598<br />

16 Parreao 154 148 143 445<br />

17 Serrinha 535 545 583 1663<br />

18 Vila Pery 343 341 346 1030<br />

19 Vila União 231 236 263 730<br />

Total 4454 4546 4711 13711<br />

Regional V Bairros 15 anos 16 anos 17 anos Total<br />

1 Bom Jardim 821 851 788 2460<br />

2 Canin<strong>de</strong>zinho 979 868 912 2759<br />

3 Conjunto Ceará I 258 293 322 873<br />

4 Conjunto ceará II 364 347 364 1075<br />

5 Conjunto Esperança 317 309 306 932<br />

6 Genibau 921 890 827 2638<br />

7 Granja Lisboa 1188 1192 1159 3539<br />

8 Granja Portugal 874 875 780 2529<br />

9 Jardim Cearense 189 205 184 578<br />

10 Maraponga 177 160 158 495<br />

11 Mondubim 1525 1418 1446 4389<br />

12 Parque Presi<strong>de</strong>nte Vargas 189 173 149 511<br />

13 Parque Santa Rosa 269 216 239 724


158<br />

14 Parque São José 211 191 191 593<br />

15 Prefeito José Walter 590 558 595 1743<br />

16 Siqueira 841 709 670 2220<br />

17 Vila Manoel Sátiro 711 640 702 2053<br />

18 Planalto Ayrton Senna 954 902 867 2723<br />

Total 11378 10797 10659 32834<br />

Regional VI Bairros 15 anos 16 anos 17 anos Total<br />

1 Aerolandia 217 199 210 626<br />

2 Jose <strong>de</strong> Alencar 339 249 244 832<br />

3 Alto da Balança 210 209 205 624<br />

4 Ancuri 437 434 438 1309<br />

5 Barroso 656 619 627 1902<br />

6 Cajazeiras 240 289 255 784<br />

7 Cambeba 95 105 120 320<br />

8 Castelão 98 119 134 351<br />

9 Dida<strong>de</strong> dos Funcionarios 267 287 288 842<br />

10 Coaçu 174 128 132 434<br />

11 Curio 188 144 176 508<br />

12 Dias Macedo 275 219 213 707<br />

13 Edson Queiroz 395 439 400 1234<br />

14 Guajeru 119 107 130 356<br />

15 Jangurussu 1144 1035 1059 3238<br />

16 Jardim das Oliveiras 599 569 604 1772<br />

17 Lagoa Redonda 571 611 561 1743<br />

18 Mata Galinha 95 108 102 305<br />

19 Messejana 728 762 761 2251<br />

20 Parque dois Irmãos 585 556 546 1687<br />

21 Parque Iracema 120 129 119 368<br />

22 Parque Manibura 128 120 131 379<br />

23 Passaré 1059 980 1006 3045<br />

24 Paupina 295 294 312 901<br />

25 Pedras 35 24 24 83<br />

26 Sabiaguaba 47 43 52 142<br />

27 Sapiranga/Coite 703 612 632 1947<br />

28 Conjunto Palmeiras 846 765 792 2403<br />

29 São Bento 245 241 237 723<br />

Total 10910 10396 10510 31816<br />

Quadro 1: População <strong>de</strong> Jovens entre 15 e 17 anos por Bairros e Secretarias Executivas Regionais <strong>de</strong> Fortaleza<br />

<strong>de</strong> acordo com dados do IBGE/Censo 2010.


159<br />

ANEXO A<br />

Figura 2. Valor da Renda Média Pessoal por Bairros <strong>de</strong> Fortaleza - 2010.<br />

IPECE | INFORME 42: Perfil Municipal <strong>de</strong> Fortaleza.Tema VII: Distribuição Espacial da Renda Pessoal

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