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da Silva Araújo, romance do cabo-verdiano Germano Almeida. Se era necessário contratar um<br />
tradutor para publicar em português um livro escrito em português, concluiu Caio Graco,<br />
estávamos diante de duas línguas diferentes. E a maneira encontrada para decifrar, para os<br />
brasileiros, os mistérios do idioma falado em Portugal foi comportar-se como se esta fosse para<br />
nós — e agora nós sabemos que é — uma língua estrangeira.<br />
A graça e o singular talento de Mario Prata, entretanto, transformaram o que poderia ser<br />
apenas mais um aborrecido dicionário em um saboroso mergulho na alma portuguesa. E<br />
também uma reportagem literária a respeito da primeira grande revolução vivida pelo país nos<br />
últimos sete séculos: a triunfal entrada de Portugal no "Primeiro Mundo" pelas portas da<br />
unificação européia. Cada um dos seiscentos verbetes vem acompanhado da lembrança de<br />
algum episódio vivido pelo autor em dois anos de exílio voluntário em Cascais. Em todos eles,<br />
sem exceção, está impressa a marca registrada de um dos mais brilhantes e criativos autores da<br />
língua brasileira.<br />
Estou certo de que todos, como eu, lerão Schifaizfavoire de uma só sentada, como se faz<br />
com um bom romance. Mas nem tudo são flores. Imagino que este livro vai se transformar num<br />
desmancha-prazeres dos defensores — entre eles o nosso luminoso ministro da Cultura, Antônio<br />
Houaiss — do pretendido "Acordo Ortográfico" com o qual alguns intelectuais portugueses e<br />
brasileiros sonham há tempos. O polêmico acordo unificaria a (não seria as?) língua falada no<br />
Brasil e em Portugual, Goa, Macau, Timor e nos chamados Palop — Países Africanos de Língua<br />
Oficial Portuguesa: Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde.<br />
Com seu proverbial bom humor, o autor certamente dirá que será mais fácil unificar nossa língua<br />
com o castelhano, com o japonês ou com o inglês. Estou certo, também, de que Mario Prata não<br />
escreveu o livro com essa intenção, mas Schifaizfavoire vai se transformar, inevitavelmente, no<br />
pesadelo do ministro.<br />
Fernando Morais é jornalista e escritor. Foi secretário de Estado da Cultura e, atualmente, é<br />
secretário de Estado da Educação de São Paulo.