Revista HUGV 2008 - Hospital Universitário Getúlio Vargas - Ufam
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evistahugv<br />
<strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
The Journal of Getulio <strong>Vargas</strong> University <strong>Hospital</strong><br />
v.7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS<br />
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS<br />
Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM<br />
Fones: (092) 3621-6582/6519 E-mail: revistahugv@ufam.edu.br<br />
UFAM<br />
FUNDADORES<br />
Ricardo Torres Santana<br />
Jorge Alberto Mendonça<br />
LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA <strong>HUGV</strong><br />
EDITOR-CHEFE<br />
Fernando Luiz Westphal Maria Augusta Bessa Rebelo Rosane Dias da Rosa<br />
Kathya Augusta Thomé Lopes<br />
Maria Lizete Guimarães Dabela<br />
LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA <strong>HUGV</strong><br />
Aluísio Miranda Leão<br />
Àngela Delfina B. Garrido<br />
Antonio Carlos Duarte Cardoso<br />
Célia Regina Simoneti Barbalho<br />
Cláudio Chaves<br />
Clemencio Cezar Campos Cortez<br />
Dagmar Keisslich<br />
David Lopes Neto<br />
Domingos Sávio Nunes de Lima<br />
Edson Sarkis Gonçalves<br />
Ermerson Silva<br />
Eucides Batista da Silva<br />
Eurico Manoel Azevedo<br />
Cristina da Melo Rocha<br />
Fernando César Façanha Fonseca<br />
Fernando Luiz Westphal<br />
Gerson Suguyama Nakajima<br />
Ione Rodrigues Brum<br />
Ivan da Costa Tramujás<br />
Jacob Cohen<br />
João Bosco L. Botelho<br />
Julio Mario de Melo e Lima<br />
Kathya Augusta Thomé de Souza<br />
Lourivaldo Rodrigues de Souza<br />
Luís Carlos de Lima<br />
Luiz Carlos de Lima Ferreira<br />
Luiz Fernando Passos<br />
José Correa Lima Netto<br />
Maria Augusta Bessa Rebelo<br />
Maria do Socorro L. Cardoso<br />
Maria Fulgência Costa L. Bandeira<br />
Maria Lizete Guimarães Dabela<br />
Mariano Brasil Terrazas<br />
Neila Falcone Bonfim<br />
Nelson Abrahim Fraiji<br />
Nikeila Chacon de O. Conde<br />
Osvaldo Antônio Palhares<br />
Ricardo Torres Santana<br />
Rosana Cristina Pereira Parente<br />
Rosane Dias da Rosa<br />
Wilson Bulbol<br />
Zânia Regina Ferreira Pereira
evistahugv<br />
<strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
The Journal of Getulio <strong>Vargas</strong> University <strong>Hospital</strong><br />
v.7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS<br />
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS<br />
Copyright© <strong>2008</strong> Universidade Federal do Amazonas/<strong>HUGV</strong><br />
REITOR DA UFAM<br />
Dr. Hidembergue Ordozgoith da Frota<br />
DIRETOR DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS<br />
Dr. Raymison Monteiro de Souza<br />
PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL: EDUA<br />
DIRETOR DA EDUA<br />
Dr. Renan Freitas Pinto<br />
DIRETORA DA REVISTA<br />
Profª Dayse Enne Botelho<br />
REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA)<br />
Sergio Luiz Pereira<br />
CAPA<br />
TIRAGEM 300 EXEMPLARES<br />
FICHA CATALOGRÁFICA<br />
Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287<br />
R454 <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong>.<br />
<strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Getúlio <strong>Vargas</strong>. V. 6, n. 1-2 (2007) / Manaus: Editora da Universidade<br />
Federal do Amazonas, 2007.<br />
82p.<br />
Semestral<br />
Título da revista em português inglês<br />
ISSN – 1677-9169<br />
1. Medicina-Periódico I. <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong> II. Universidade Federal do<br />
Amazonas.<br />
CDU 61(051)
SUMÁRIO<br />
Editorial .......................................................................................................................................<br />
Fernando Luiz Westphal<br />
9<br />
ARTIGOS ORIGINAIS<br />
1. A medicina na Grécia .....................................................................................................................<br />
2. Medicina no século 19: as bases para uma nova medicina ...............................................................<br />
3. História da medicina na Mesopotâmia ..............................................................................................<br />
4. Manejo prático da ascite ....................................................................................................................<br />
5. Prevalência dos sintomas nasais em pacientes com hanseníase acompanhados na Fundação<br />
Alfredo da Matta ...................................................................................................................................<br />
6. Achados histopatológicos em glândulas tireoideas de necrópsias de adultos jovens habitantes<br />
da região amazônica .........................................................................................................................<br />
7. Alterações gasométricas durante lavado broncoalveolar em um serviço especializado de<br />
broncoscopia de manaus ......................................................................................................................<br />
8. Estudo experimental dos efeitos do óleo-resina de copaíba e do talco (silicato de magnésio<br />
hidratado) na pleura e parênquima pulmonar de ratos .......................................................................<br />
9. Refluxo laringofaríngeo: estudo prospectivo correlacionando achados à videolaringoscopia<br />
e endoscopia digestiva alta ..............................................................................................................<br />
10. Prevenção de fatores causais de doenças osteomusculares em trabalhadores que exercem<br />
atividades na posição sentada .....................................................................................................<br />
11. Avaliação dos protocolos de higiene bucal nas unidades de terapia intensiva de hospitais<br />
públicos e privados ................................................................................................................................<br />
12. Refluxo laringofaríngeo: uma manifestação atípica da doença do refluxo gastroesofágico<br />
clássica ....................................................................................................................................................<br />
13. Rinossinusite crônica em pacientes com lúpus - eritematoso sistêmico .........................................<br />
11<br />
19<br />
23<br />
27<br />
33<br />
37<br />
43<br />
49<br />
57<br />
63<br />
69<br />
81<br />
85<br />
REVISÃO DE LITERATURA<br />
14. Ética em pesquisa clínica com seres humanos - Artigo de revisão .................................................<br />
91<br />
RELATO DE CASO<br />
15. Angiomiolipoma renal com trombo tumoral em veia cava inferior: Relato de caso ...................<br />
16. Nódulo testicular maligno submetido à cirurgia preservadora de órgão – Relato de caso e<br />
Revisão de literatura ..............................................................................................................................<br />
17. Lesão de traqueia mediastinal por arma de fogo: Relato de caso ...................................................<br />
18. Complicação tardia da cirurgia de Bentall-Debono: Relato de caso ..............................................<br />
97<br />
101<br />
107<br />
113
6<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
CONTENTS<br />
Editorial.................................................................................................................................................<br />
9<br />
ORIGINAL ARTICLES<br />
1. The medicine in greece.................................................................................................................<br />
2. Medicine in century xix: The bases for a new medicine.............................................................<br />
3. History of medicine in mesopotamia...........................................................................................<br />
4. Management of practical ascites.................................................................................................<br />
5. Prevalence of nasal symptoms in leprosy patients in follow-up at alfredo da matta<br />
foundation........................................................................................................................................<br />
6. Histopatological findigns in thyroid glands from autopsy of young adults from Amazonia<br />
7. Gasometries alterations during bronchoalveolar lavage in especialized service of Manaus..<br />
8. Evaluation of the pleuropulmonary alterations after injection of copaiba oil and talc in the<br />
pleural space of mice – an experimental study...............................................................................<br />
9. laringopharingeal reflux: Prospective study that compares videolayngoscopy and upper<br />
endoscopy finds...............................................................................................................................<br />
10. Prevention of causal factors of musculoskeletal diseases in workers engaged in activities in<br />
the sitting position............................................................................................................................<br />
11. Evaluation of the protocols of oral hygiene in the intensive care units of public and private<br />
hospitals............................................................................................................................................<br />
12. Laryngopharyngeal reflux: An atypical manifestation of classic gastroesophageal reflux<br />
disease................................................................................................................................................<br />
13. Chronic rhinosinusitis in systemic lupus – erythematosus patients.........................................<br />
11<br />
19<br />
23<br />
27<br />
33<br />
37<br />
43<br />
49<br />
57<br />
63<br />
69<br />
81<br />
85<br />
LITERATURE REVIEW<br />
14. ethics in clinical research with human beigns – revision article..............................................<br />
91<br />
CASE REPORT<br />
15. Renal angiomyolipoma with inferior vena cava tumour thrombus: Case report...................<br />
16. Malign testicular nodule underwent to organ´s preservative surgery: case report and<br />
literature review...............................................................................................................................<br />
17. Mediastinal trachea injury by firearm: Case report..................................................................<br />
18. Later complication after bentall-de bono procedure: Case report..........................................<br />
97<br />
101<br />
107<br />
113<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
EDITORIAL<br />
A <strong>Revista</strong><strong>HUGV</strong> encontra-se em seu sétimo ano de existência e a partir do ano de 2007 nós<br />
conseguimos disponibilizá-la na Internet, no sítio da Universidade Federal do Amazonas, localizado<br />
no setor de Hospitais. Este importante passo fez com que todos os artigos publicados nesta <strong>Revista</strong><br />
pudessem ser acessados na Internet, aumentando a visibilidade deste periódico.<br />
Sem dúvida, o estágio atual da <strong>Revista</strong> <strong>HUGV</strong> é considerado baixo em relação a periódicos<br />
que estão indexados na base de dados do Scielo e Medline, mas estamos indexados no ISSN. Devemos<br />
por obrigação estar permanentemente atentos, pois o conquistado pode ser facilmente perdido na<br />
ausência de trabalho focado e por desatenção. Devemos lembrar as causas para o desaparecimento<br />
das <strong>Revista</strong>s científicas, que muito provavelmente, envolve a interrupção da publicação,<br />
irregularidades na peridiocidade, má qualidade da produção publicada e ausência de artigos para<br />
serem publicados.<br />
A Coordenação de Ensino e Pesquisa editou através da Coordenação de Residência Médica a<br />
portaria que estimula o residente a publicar um artigo na <strong>Revista</strong><strong>HUGV</strong> como autor principal ou<br />
dois artigos como co-autores e, com isto ficar isento de apresentar a Monografia de conclusão do<br />
curso. Esta ação propiciou a apresentação de mais artigos ao Conselho Editorial ajudando a<br />
manutenção da <strong>Revista</strong>. Outra ação desenvolvida por esta Coordenação foi o Residente Publica, no<br />
qual um dos coordenadores realiza reuniões com os residentes ensinando-os os passos de confecção<br />
de um artigo científico, desde a pergunta ao qual se pretende responder, até a contextualização<br />
efetiva do trabalho.<br />
Um dos fatores importantes de inclusão e manutenção da <strong>Revista</strong><strong>HUGV</strong> na base de dados<br />
Qualis é a publicação de trabalhos científicos de produções realizadas em Programas de Pós-<br />
Graduações . Neste momento, faço um veemente apelo aos coordenadores dos programas de pósgraduação<br />
da Universidade Federal do Amazonas para que enviem seus trabalhos para a nossa<br />
<strong>Revista</strong>, pois sabemos da existência de diversos trabalhos de conclusão de Mestrado que ficam nas<br />
prateleiras das bibliotecas sem publicações, determinando uma diminuição na avaliação do Curso de<br />
Pós-Graduação pela CAPES.<br />
As metas a serem cumpridas por nossa <strong>Revista</strong><strong>HUGV</strong> são:<br />
1. Manter a qualidade do conteúdo: o mérito científico de um jornal é a qualidade primária<br />
considerada na seleção para indexação. Aspectos como a originalidade dos artigos, sua importância<br />
e validade dentro do campo de conhecimento, são elementos chave para a aceitação de uma revista.<br />
2. Qualidade do trabalho editorial: a revista deve mostrar características que contribuam para<br />
a objetividade, credibilidade e qualidade de seu conteúdo.<br />
3. Qualidade da produção: aspectos como a qualidade da impressão,<br />
4. Tipos de conteúdo: Diferentes tipos de jornais são avaliados para indexação no MEDLINE,<br />
tais como os que publicam pesquisas originais, observações clínicas, revisões, descrições de métodos,<br />
análises de aspectos éticos e filosóficos, etc.<br />
Um outro aspecto importante a ser ressaltado é o papel dos revisores, que não recebem<br />
remuneração e a confecção de um parecer toma tempo das suas obrigações de trabalho e, mais<br />
importante, dos seus momentos de lazer. Com freqüência uma revisão exige a consulta de bibliografia<br />
complementar e a busca ativa de artigos adicionais. A complexidade de questões metodológicas e<br />
testes estatísticos também pode exigir discussão do manuscrito com outros colegas especializados<br />
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nessas áreas. Além disso, todo esse processo deve ocorrer em tempo hábil, idealmente dentro de um<br />
mês após a primeira submissão, e de duas semanas para as demais apresentações.<br />
Ainda que alguns dos caminhos tomados ao longo dessa trajetória tenham se mostrado<br />
equivocados, o balanço final foi muito positivo. Além disso, a experiência nos ensina que devemos<br />
ser humildes para tomarmos novas rotas quando necessário.<br />
Nesta fase que se encerra, quero agradecer sinceramente a todos aqueles que vêm colaborando<br />
constantemente com a nossa publicação, atuando como revisores ou submetendo artigos para possível<br />
publicação. Não poderia ainda deixar de reconhecer o excelente trabalho exercido pelos funcionários<br />
da Coordenação de Ensino e Pesquisa e pela Editora da Universidade Federal do Amazonas. Para<br />
os próximos números espero continuar a contar com o indispensável apoio de todos vocês.<br />
Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal<br />
Coordenador de Ensino e Pesquisa do <strong>HUGV</strong><br />
Editor Chefe da <strong>Revista</strong><strong>HUGV</strong><br />
10<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO<br />
A MEDICINA NA GRÉCIA<br />
THE MEDICINE IN GREECE<br />
Rodolfo Fagionato*, Melka Franco Guimarães ** , Naiá Dantas Carvalho**,<br />
Rafael Leônidas C. Abreu**, Vângelis Basílio Rebelo **<br />
RESUMO: Sabe-se muito sobre a história e cultura gregas, nada melhor sabermos um pouco mais também sobre a<br />
Medicina na antiga Grécia. Não há dúvidas de que herdamos um grande conhecimento médico dos gregos, até<br />
porque o Pai da Medicina foi Hipócrates. Muitas teorias sobre saúde e doença surgiram durante o crescimento do<br />
conhecimento médico na Grécia, e muitos médicos e filósofos entraram em conflito sobre seus conhecimentos,<br />
como, por exemplo, o dos quatro humores. Saber da saúde e da doença sempre foi importante para as pessoas, e<br />
era por isso que médicos expunham seus conhecimentos aos leigos, tentavam não só curá-los, mas também ensinálos<br />
a se tratar e evitar doenças. Neste trabalho descreveremos os pontos mais importantes a respeito da antiga<br />
Medicina grega.<br />
ABSTRACT: We have know a lot about Greece historian and culture, nothing better know a little more also about<br />
the Medicine in ancient Greec. There is no doubt that we inherited a great medical knowledge of the Greeks, up<br />
to because the father of the Medicine was Hipocrates. Many theories about health and disease have emerged<br />
during the growth of the medical knowledge in Greece, many doctors and philosophers clashed on his knowledge,<br />
for example, the four humours. Knowledge of the health and of the disease has always been important to people,<br />
and it was therefore which doctors were exposing his knowledges to the laymen, they were not only trying to<br />
cure them, but also teach them to treat and prevent diseases. This work describes the most important points<br />
about the ancient Greek Medicine.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Como se sabe, a Grécia deixou muitos conhecimentos<br />
culturais e históricos para a população<br />
atual; não menos importante, deixou também<br />
muitas teorias a respeito da saúde e da doença e a<br />
sua relação com a natureza. Na falta de conhecimentos<br />
mais aprofundados e de técnicas de análise<br />
para diagnósticos de doenças, ficava difícil para<br />
os gregos se aprofundarem na tentativa de achar<br />
uma cura para as doenças, e era por isso que eles<br />
utilizavam a técnica do experimento em que manipulavam<br />
vários medicamentos até que achassem<br />
um que servia para a cura.<br />
Neste trabalho serão apresentados os diversos<br />
conhecimentos da época a respeito da Medicina,<br />
como os filósofos, os médicos e como as pessoas<br />
se comportavam diante de uma doença, e<br />
também a evolução do médico como uma especialização,<br />
como era visto pela população e se tinha<br />
reconhecimento para a época.<br />
1. GRÉCIA ANTIGA<br />
Costuma-se dividir didaticamente a história<br />
da Grécia em quatro períodos. Inicialmente, dos<br />
séculos 20 a 12 a.C., foi denominado de Préhomérico,<br />
onde ocorreu a invasão dos povos arianos<br />
através da península balcânica, dessa forma<br />
povoando aquela região. Aqueus, jônios, eólios e<br />
dórios chegaram à região grega em sucessivas vagas<br />
de ocupação fundando, dentre várias cidades,<br />
Trinto e Micenas. Logo após, entraram em<br />
contato com os habitantes de Creta, surgindo a<br />
*<br />
Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
** Acadêmicos do curso de Medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
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A MEDICINA NA GRÉCIA<br />
civilização creto-micênica. Por volta de 1700 a.C.,<br />
contudo, ocorreu um enorme crescimento<br />
populacional, iniciando uma expansão marítima<br />
e entrando em choque com a talassocracia<br />
cretense, da qual Creta saiu, com sua maior cidade,<br />
Cnossos, destruída.<br />
A expansão micênica continuou pelo mar<br />
Egeu, como conta a obra Ilíada, de Homero, até a<br />
chegada dos dórios os quais arrasam Micenas provocando<br />
a primeira diáspora grega em direção à<br />
Ásia Menor. As populações que passaram a viver<br />
ainda na Grécia, mesmo isoladamente, formaram<br />
grupos familiares chamados de genos, finalizando<br />
esse período.<br />
A partir daquele momento, dos séculos 12<br />
a 8 a.C., chamado de período Homérico, ocorreu<br />
uma continuidade dos genos, uma primitiva unidade<br />
econômica, social, política e religiosa dos gregos,<br />
onde toda família vivia sob autoridade do<br />
pater-familias, patriarca; os bens de produção e o<br />
trabalho eram coletivos.<br />
Nos fins desse período, famílias cresciam,<br />
mas a produção agrícola não acompanhava o mesmo<br />
ritmo, em função da falta de terras férteis e de<br />
técnicas de produção mais avançadas. Iniciou-se<br />
uma desintegração das comunidades gentílicas,<br />
onde os patres favoreciam territorialmente seus<br />
parentes mais próximos, eupátridas.<br />
Os eupátridas monopolizavam o poder político,<br />
organizando-se em grupos chamados de<br />
fratrias que futuramente originariam cidades-Estados<br />
chamadas de poleis.<br />
Já no período Arcaico, entre os séculos 8 a 6<br />
a.C., teve início uma expansão, segunda diáspora<br />
grega, que culminou com a ocupação e colonização<br />
de várias regiões da bacia do Mediterrâneo,<br />
por causa da desintegração dos genos, o crescimento<br />
da população, a busca de oportunidades e o desenvolvimento<br />
da navegação. Nesse período, Atenas<br />
e Esparta ganharam bastante importância graças<br />
às suas influências regionais.<br />
Esparta surgiu na planície da Lacônia, na<br />
península do Peloponeso. Esta cidade-Estado não<br />
diferia muito das outras gregas, ou seja,<br />
oligárquica, militarista e escravocrata. O afluxo de<br />
uma grande quantidade de escravos, propriedade<br />
estatal, foi motivado pelas conquistas da vizinhança,<br />
gerando um problema vital em Esparta: conservar<br />
a proporção entre o número de espartiatas<br />
e o de hilotas, escravos. Por isso, sua educação era<br />
baseada no laconismo e na xenofobia, a fim de evitar<br />
ideias inovadoras, consideradas subversivas<br />
para o sistema espartano.<br />
Atenas surgiu na Ática, uma península grega<br />
que se estende pelo mar Egeu. Fundada por arianos,<br />
possuía um excelente porto natural, mas não<br />
muitas terras aráveis. Dessa forma, Atenas se voltou<br />
mais para o comércio, a qual se tornou um grande<br />
centro no Mediterrâneo. Comerciantes e industriais,<br />
não-eupátridas, começaram a emancipar-se,<br />
iniciando uma oposição ao regime oligárquico,<br />
acarretando uma crise em Atenas.<br />
A fim de solucionar essa crise, foi estabelecido<br />
padrão monetário fixo, promovido um sistema<br />
de participação política com base na riqueza<br />
do indivíduo, estimulado o comércio e a indústria<br />
e abolido a escravidão por dívidas.<br />
Mesmo assim, não se conseguiu contentar<br />
todas as reivindicações populares nem atender a<br />
conservadora aristocracia; por fim, se implantou a<br />
democracia efetiva para os cidadãos, o que incluía<br />
direitos políticos a eles, ou seja, participação política<br />
direta no governo. Isso significou o início da<br />
consolidação de Atenas dentro da Hélade.<br />
Baseado nessa consolidação ateniense na<br />
Hélade e no domínio espartano no Peloponeso, inicio-se,<br />
entre os séculos 5 e 4 a.C., o período Clássico,<br />
caracterizado pela disputa da supremacia das<br />
polis sobre toda a Grécia. Essa fase foi marcada<br />
pelas hegemonias e imperialismos no mundo grego,<br />
que acabaram em uma guerra fratricida entre<br />
os próprios gregos, culminado em sua decadência.<br />
Esse imperialismo foi iniciado por Atenas,<br />
depois de ter alcançado prestígio com a vitória nas<br />
guerras médicas sobre a Pérsia, obrigaram os Estados<br />
membros da Confederação de Delos a pagarem<br />
impostos, mesmo com o fim dos conflitos, pois<br />
Atenas passava por uma crise econômica e social<br />
gerada pela guerra. Era o início da hegemonia<br />
ateniense e esplendor sobre a Hélade.<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO<br />
Atenas, contudo, desrespeitava o princípio<br />
da soberania das cidades e passou a criar uma série<br />
de inimigos. Essas cidades marginalizadas ligaram-se<br />
a Esparta e fundaram a Liga do<br />
Peloponeso, hostil à Confederação de Delos. Em<br />
431 a.C. Atenas tentou se apropriar de uma colônia<br />
de Esparta, isso culminou com a Guerra do<br />
Peloponeso que durariam 27 anos, deixando exaurida<br />
a Grécia.<br />
Apesar da decadência grega, sua cultura se<br />
perpetuou influenciando outros impérios antigos<br />
e civilizações contemporâneas. A filosofia, por<br />
exemplo, foi um dos pontos mais importantes do<br />
qual se perpetuou na Grécia, pois influenciou<br />
muitos ramos profissionais, até os dias atuais, inclusive<br />
na Medicina, já que muitos filósofos, por<br />
empirismo, acreditavam que algumas das enfermidades<br />
eram meramente psicológicas.<br />
2. A FILOSOFIA GREGA NA MEDICINA<br />
Os filósofos gregos foram os fundadores da<br />
ciência ocidental. Esse fato está diretamente relacionado<br />
à Medicina grega e à própria Medicina<br />
ocidental como sua herdeira.<br />
A ciência nasce da tentativa de explicar as<br />
coisas da natureza nela própria, sem o intermédio<br />
do mito. O pensamento racional se inicia, então,<br />
tendo a physis, ou seja, aquilo que surge de si mesmo,<br />
como modelo para explicar a “origem, ordem<br />
e transformações da Natureza”.<br />
Para entender melhor a influência do pensamento<br />
grego no surgimento da Medicina é preciso,<br />
antes, abordar o surgimento de alguns conceitos<br />
sobre os quais a Medicina hipocrática se sustenta.<br />
A Medicina se separa da filosofia como ciência<br />
no século 4 a.C. Enquanto isso, as discussões<br />
filosóficas dos períodos pré-socrático e socrático,<br />
períodos que abrangem o intervalo de tempo entre<br />
o amadurecimento do pensamento racional e o<br />
desmembramento da Medicina, são fundamentais<br />
para os conceitos médicos gregos.<br />
O período pré-socrático, também denominado<br />
cosmológico, ocorre entre o final do século 7<br />
e o final do século 5 a.C. Os filósofos desse período<br />
encontram diferentes physis e dão diferentes<br />
razões para que estas sejam o elemento primordial,<br />
eterno e imutável que está na origem das coisas.<br />
Os debates pré-socráticos são também fundamentais<br />
para o surgimento do pensamento crítico<br />
por meio da discussão de diversos pontos e opiniões<br />
sobre os assuntos.<br />
O elemento formador da natureza se encontra<br />
na própria natureza; dessa forma, para Tales<br />
de Mileto (640 a.C.), a physis era a água. Para<br />
Anaximandro (555 a.C.), esta se encontrava no ilimitado,<br />
e para Anaxímenes (535 a.C.), no ar. Já no<br />
século 5, Heráclito diz que esta era o fogo e<br />
Empédocles a água, o ar, a terra e o fogo. Dessas<br />
diferentes physis surge a divisão dos elementos terra<br />
e sólido, água e líquido, ar e gás, fogo e energia<br />
que fará parte de teorias médicas.<br />
O período socrático ou antropológico ocorre<br />
do final do século 5 até o final do século 4 a.C., e<br />
nesse período os filósofos se ocupam com as questões<br />
humanas, com a ética, a política e as técnicas,<br />
como a Medicina. Para Sócrates, a filosofia tem um<br />
fim prático e moral sendo a ciência que resolve o<br />
problema da vida. E nesse período a filosofia parte<br />
do conhecimento empírico para alcançar o intelectual,<br />
que é imutável.<br />
Durante a racionalização do pensamento, a<br />
doença passa a ser vista como resultado do<br />
desequilíbrio da natureza e separada dos fenômenos<br />
sobrenaturais. A physis entra na Medicina estabelecendo<br />
a dinâmica da existência e da essência<br />
(entre se algo é ou não é e o que é), que ocorre<br />
entre a doença e o corpo. Nisso, a saúde surge como<br />
um equilíbrio entre as forças opostas (úmido e seco,<br />
por exemplo) e a doença do domínio de uma força<br />
sobre a outra. O corpo humano, e tudo à sua volta,<br />
era, dessa forma, compreendido entre esses elementos<br />
(as diversas physis).<br />
A Medicina, já na época dos gregos, estava<br />
definida como especialização social, e no final do<br />
século 5, era conhecida e íntima do pensamento<br />
helênico. 1<br />
Os gregos, que sempre foram politeístas e<br />
extremamente religiosos, começaram a diminuir<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
13
A MEDICINA NA GRÉCIA<br />
a influência dos deuses em seus diagnósticos e curas,<br />
não pondo mais a responsabilidade de um erro<br />
ou acerto em vontades divinas. 1<br />
Já se começavam a produzir textos a fim de<br />
suprir leitores leigos e os não-leigos, sendo estes<br />
os médicos da sociedade. Os médicos, para reforçar<br />
seu valor diante da população, começaram a<br />
expor suas ideias em relação à saúde e à doença<br />
em forma de conferência e discurso preparado. 1<br />
Havia uma escola para médicos na Grécia,<br />
a Escola de Cós, onde médicos e filósofos se encontravam<br />
e discutiam sobre a Medicina; às vezes<br />
os filósofos concordavam com os médicos, mas às<br />
vezes havia séria discordância, como no caso em<br />
que a saúde e a doença são o resultado do equilíbrio<br />
ou desequilíbrio dos quatro humores dos quais<br />
éramos feitos: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis<br />
preta. Hipócrates, que era reconhecido como grande<br />
médico, discordava desse pensamento; para ele,<br />
o nosso corpo é feito de muito mais substâncias do<br />
que apenas quatro. Segundo Hipócrates, a saúde e<br />
a doença são resultados de todas as forças que atuam<br />
sobre os organismos, e havendo um<br />
desequilíbrio oposto de uma dessas forças resultaria<br />
em doença. 1<br />
Se pararmos para analisar essas afirmações,<br />
veremos que os gregos têm crédito por terem pensado<br />
isso há muito tempo, quando não havia recursos<br />
tecnológicos para pesquisas, tirando suas<br />
conclusões e teorias apenas da observação da natureza.<br />
Hoje, sabemos que realmente a nossa saúde<br />
depende de um equilíbrio complexo entre os<br />
líquidos e substâncias corporais, por exemplo: para<br />
se fazer um diagnóstico de uma infecção, analisase<br />
o sangue e verifica-se se os diferentes constituintes<br />
estão de acordo com o considerado normal<br />
para o organismo; se não estiver, significa que há<br />
um desequilíbrio entre essas substâncias e que<br />
estamos doentes, afirmando assim, de um modo<br />
generalizado, a teoria de Hipócrates sobre o equilíbrio<br />
de forças. 1<br />
A tendência do pensamento grego em agrupar<br />
em classificações gerais o conjunto e ordenar<br />
em grupos ficou exemplificado no livro Das Doenças<br />
Sagradas, de autor desconhecido. O livro estudava<br />
as manifestações patológicas das doenças que<br />
causavam alterações no comportamento, quase<br />
como quadros clínicos e sintomas das patologias. 1<br />
A Medicina grega já tinha o conhecimento<br />
do problema da multiplicidade das doenças e a<br />
possibilidade de teorizar e numerar para estabelecer<br />
o número exato dos tipos patológicos. Foram<br />
elaboradas normas para a conservação da saúde<br />
do homem. As práticas do esporte, da música e do<br />
lazer foram vinculadas como formas de tratamento.<br />
1<br />
No livro Das Epidemias, produzido pela Escola<br />
de Cós, a arte do médico consiste em eliminar<br />
o que causa dor e em sarar o homem, afastando o<br />
que o faz sofrer. Quando a natureza falha nessa<br />
missão, o médico é aquele que irá intermediar na<br />
cura. A ação médica é associada com as recomendações<br />
da qualidade e quantidade da dieta, da prática<br />
de esportes e de atividades culturais. Segundo<br />
os conceitos platônicos, o médico e o filósofo teriam<br />
a mesma função no tratamento da alma do homem,<br />
sempre na busca da harmonia plena do homem.<br />
1 Com o aparecimento da literatura médica,<br />
normas que devem ser obedecidas para a conservação<br />
da saúde foram estabelecidas. A manutenção<br />
da saúde ocorreria pela dieta adequada, pelo<br />
exercício físico contínuo e pela higiene do corpo.<br />
Os médicos passaram a atuar também no homem<br />
com objetivo educativo e profilático. 1<br />
Os hospitais construídos nesse período,<br />
como o de Epidauro, eram grandes e tinham múltiplas<br />
divisões destinadas a diferentes atividades<br />
dos médicos. Havia salas de exame, alojamentos<br />
individuais para os doentes, salas de banho coletivo,<br />
praça de esportes e anfiteatro para apresentações<br />
de teatro e música. 1<br />
Houve críticas a essas tentativas de intervenção<br />
no modo de vida das pessoas. Platão e<br />
Aristóteles diziam que havia muita gente que, embora<br />
gozasse de saúde, não poderia se considerar<br />
feliz, pois mantinham a força porque se privavam<br />
das coisas agradáveis. 1<br />
A Medicina e a filosofia gregas, entre os<br />
séculos 5 e 3, estabeleceram um sistema ordenado<br />
14<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO<br />
com o objetivo de melhorar a saúde coletiva, pelo<br />
menos entre os homens livres e desenvolveram a<br />
compreensão do papel social do médico como<br />
agente na busca da saúde. 1<br />
3. A MEDICINA E A MITOLOGIA GREGA<br />
A mitologia grega influenciou a prática<br />
médica no Ocidente durante mais de vinte séculos<br />
depois da sua elaboração. A compreensão da Medicina,<br />
como sendo de natureza sagrada, não foi<br />
diferente da babilônica e da grega. As relações<br />
médicas com as ideias e crenças religiosas se perderam<br />
no tempo. 1<br />
De acordo com a mitologia grega, a Medicina<br />
começou com Apolo, filho da união de Zeus<br />
com Leto. Nos primeiros tempos, ele era considerado<br />
como o deus protetor dos guerreiros. Posteriormente,<br />
foi identificado como Aplous, aquele que<br />
fala a verdade. Apolo atuava purificando a alma<br />
por meio das lavagens e aspersões do corpo com<br />
remédios curativos. 1 Apolo era conhecido como o<br />
deus da cura e das doenças. Pai de Asclépio ou<br />
Esculápio, era venerado junto com este em grandes<br />
templos-hospitais, onde se curavam várias<br />
doenças. 6<br />
Asclépio, filho de Apolo e da ninfa Coronis,<br />
teria sido educado pelo centauro Quirão para ser<br />
médico. 1 Zangado porque Coronis era infiel a ele,<br />
Apolo matou-a e arrancou o nascituro Asclépio de<br />
seu ventre. 8 O fato de Apolo ter tirado o filho do<br />
ventre da mãe no momento em que esta se encontrava<br />
na pira funerária, confere-lhe o simbolismo<br />
de deus da Medicina logo à nascença: a vitória da<br />
vida sobre a morte. 7 A escolha de Quirão para dirigir<br />
a educação de Asclépio foi feita porque o<br />
centauro dominava o completo conhecimento da<br />
música, magia, adivinhações, astronomia e da<br />
Medicina. Além dessas habilidades, possuía incomparável<br />
destreza e manejava com a mesma<br />
habilidade o bisturi e a lira. Foi o primeiro que plantou,<br />
na Tessália, plantas medicinais e a primeira<br />
delas foi a denominada Gentiana centaurium. 1<br />
Asclépio conquistou fama inimaginável, tinha<br />
delicadeza do tocador de harpa e a habilidade<br />
agressiva do cirurgião. Todos os doentes, que não<br />
obtinham cura em outros lugares, procuravam os<br />
serviços de Asclépio. Mais cirurgião que médico,<br />
ele criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar<br />
as feridas. Chegou a ressuscitar mortos e, por<br />
essa razão, Zeus o matou com o auxílio do raio<br />
mortal dos Ciclopes. 1 Zeus temia que Asclépio pudesse<br />
ser uma ameaça à ordem natural das coisas. 8<br />
O deus da Medicina era celebrado em grandes<br />
festas públicas, em torno do dia 18 de outubro.<br />
1 E o culto que lhe era prestado não só tinha<br />
um fim religioso, mas também terapêutico. Os santuários,<br />
dos quais o mais célebre foi Epidauro, eram<br />
instalados fora das cidades, em zonas escolhidas<br />
pela sua salubridade. Os sacerdotes transmitiam<br />
os segredos da cura de pai para filho. Um dos mais<br />
ilustres teria sido Hipócrates, que se dizia ser aparentado<br />
com o deus. Os doentes, que afluíam de<br />
todas as partes do mundo antigo e que pertenciam<br />
a todos os grupos sociais, eram alojados nas dependências<br />
do templo e, durante o seu sonho, reviam<br />
o deus, que lhes revelava o remédio para os<br />
seus males. 10 Seus segredos na arte da Medicina<br />
eram preservados nas ilhas gregas de Kós e Kithnos<br />
por sacerdotes. 9 Em várias esculturas procedentes<br />
de templos de Asclépio greco-romanos, o deus da<br />
Medicina é sempre representado segurando um<br />
bastão com uma serpente em volta, o qual se tornou<br />
o símbolo da Medicina. 11<br />
A certa altura da sua vida casou com a filha<br />
do rei de Cós, Epíone, que lhe deu dois filhos e<br />
cinco filhas. Os rapazes, Macáon e Podalírio, herdaram<br />
do seu pai o poder de curar. Fizeram-no,<br />
por exemplo, no decorrer da guerra de Troia, da<br />
qual participaram como médicos das tropas gregas.<br />
Macáon cuidou de Télefo e de Menelau e operou<br />
Filoctetes. As filhas de Asclépio também o ajudaram<br />
na sua função, particularmente Hígia, deusa<br />
da Medicina, e Panaceia, que personifica a cura<br />
de todos os males por meio das plantas. 10<br />
Muitos achados arqueológicos de agradecimentos<br />
a dádivas atribuídas pelos próprios doentes,<br />
que se consideravam curados pelo poder<br />
de Asclépio, foram encontrados. Várias escrituras<br />
contendo nomes dos doentes, as descrições das<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
15
A MEDICINA NA GRÉCIA<br />
doenças e curas obtidas. 1 A maior parte das escrituras,<br />
porém, refere-se a curas milagrosas e fantásticas,<br />
sem dúvida para impressionar outros<br />
pacientes e motivá-los em busca de cura, e tendo<br />
assim escasso valor do ponto de vista médico.<br />
Grande número de pacientes, contudo, experimentava<br />
melhoras e muitos se consideravam curados.<br />
2 Em qualquer caso, e apesar do valor que<br />
possam ter atingido os conhecimentos médicos dos<br />
sacerdotes de Asclépio e a eficiência terapêutica<br />
de sua atuação, o certo é que a iniciação da Medicina<br />
científica teve suas bases na escola filosófica e<br />
médica da antiga Grécia. 2<br />
CONCLUSÃO<br />
É interessante pensar que mesmo numa<br />
época antiga, onde não existia tecnologia disponível<br />
como hoje, os gregos fizeram grandes progressos<br />
não só em relação à ciência como também na<br />
Medicina. Sabe-se, por exemplo, que a teoria dos<br />
quatro humores na época já não era bem-aceita,<br />
mas que sua essência de que o equilíbrio ou<br />
desequilíbrio dos humores corporais em relação à<br />
saúde ou doença é bem-vista, já que o diagnóstico<br />
de uma doença feita atualmente é realizado tirando-se<br />
como base um equilíbrio entre os metabólitos<br />
do organismo.<br />
1973, para o curso de Introdução à História da<br />
Ciência, do Mestrado em Ensino, História e Filosofia<br />
das Ciências, UFBA/UEFS, 2000.<br />
5. <strong>Revista</strong> eletrônica Graecia Antiqua ISSN 1679-<br />
5709 – Breve introdução à Grécia Antiga – Wilson<br />
A. Ribeiro Jr. Disponível em: <br />
6. <br />
7. <br />
8. <br />
9. <br />
10. <br />
11. <br />
ANEXOS<br />
Ilustração 1 – Mapa da Grécia antiga<br />
REFERÊNCIAS<br />
1. BOTELHO, J. B. História da Medicina – da<br />
abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004.<br />
2. SOUSA, A. T. de. Curso de História da Medicina:<br />
das origens aos fins do século XVI. 2. a ed.<br />
Lisboa: Gulbenkian, 1996.<br />
3. CHAUI, M. S. Convite à filosofia. São Paulo:<br />
Ática, 1999.<br />
4. Resumão feito por Osvaldo Pessoa Jr. dos livros<br />
de G. E. R. Lloyd, Early Greek Science:<br />
Thales to Aristotle (EGS) e Greek Science after<br />
Aristotle (GSA). Norton, Nova Iorque, 1970 e<br />
Fonte: http// www.greeka.com/greece-maps/ancient-greece-map.htm<br />
16<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOLFO FAGIONATO, MELKA FRANCO GUIMARÃES, NAIÁ DANTAS CARVALHO, RAFAEL LEÔNIDAS C. ABREU, VÂNGELIS BASÍLIO REBELO<br />
Ilustração 2 – Apolo<br />
Ilustração 3 – Os quatro humores<br />
Fonte: http://www.accionchilena.cl/images/Apolo.gif<br />
Fonte: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/temperamento.gif<br />
Ilustração 4 – Asclépio<br />
Ilustração 5 – Hígia<br />
Fonte: http://es.geocities.com/el_verbo_crea/dioses/esculapio.jpg<br />
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/higia<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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A MEDICINA NA GRÉCIA<br />
Ilustração 6 – Prática da sangria<br />
Ilustração 7 – Devoto de Asclépio.<br />
Fonte: www.tiosam.com/enciclopedia/?q=medicina<br />
Fonte: http://www.scielo.br/img/fbpe/hcsm/v6n2/v6n2a9f6.jpg<br />
Ilustração 8 – Asclépio cuidando de um paciente.<br />
Correspondência dos autores:<br />
Contato: E-mail: melkafranco@hotmail.com ou<br />
vangelisrebelo@msn.com. Telefones: 9962-6939<br />
ou 8131-9999. Instituição: <strong>Ufam</strong> – Manaus.<br />
Fonte: http://mural.uv.es/dosagar/griega8.jpg<br />
18<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOFO FAGIONATO, ANA PAULA SOUSA DA SILVA, FERNANDO HENRIQUE DA SILVA, LYGIA DE OLIVEIRA PEREIRA, RENATO MORAIS DA SILVA<br />
MEDICINA NO SÉCULO XIX: AS BASES PARA UMA<br />
NOVA MEDICINA<br />
MEDICINE IN CENTURY XIX: THE BASES FOR A NEW MEDICINE<br />
Rodolfo Fagionato*, Ana Paula Sousa da Silva**, Fernando Henrique da Silva**,<br />
Lygia de Oliveira Pereira**, Renato Morais da Silva**<br />
RESUMO: O avanço no tratamento das doenças e a melhoria das técnicas cirúrgicas caracterizaram a Medicina do<br />
século XIX. O fato principal responsável por tudo isso foi a descoberta de quais microrganismos patogênicos eram<br />
causadores das enfermidades. Essa descoberta também propiciou a criação de vacinas, além de métodos para<br />
melhoria da saúde pública. Este artigo tem por objetivo mostrar como a Medicina era aplicada durante o século 19<br />
e o que possibilitou sua evolução.<br />
ABSTRACT: The diseases treatment advance and the surgical techniques improvement characterized the medicine<br />
of the 19 th century. The main fact responsible for all that was the discovery of pathogenic microorganisms that<br />
caused the diseases. This discovery also propitiated creation of vaccines and methods for public health<br />
improvement. This article aims to show how the medicine was applied during the 19 th century and what allowed<br />
its evolution.<br />
O século XIX foi marcado pelo desvendar das<br />
doenças infecciosas, possibilitando a modernização<br />
da Medicina<br />
No início do século XIX suspeitava-se de<br />
que doenças infecciosas eram causadas por microrganismos<br />
específicos. Essa visão das causas<br />
das doenças contagiosas, como febre tifoide, varíola<br />
e escarlatina, antes mesmo de qualquer caracterização<br />
dos microrganismos situaram Jacob<br />
Henle (1809-1885) no papel de criador da bacteriologia.<br />
Uma geração mais tarde, seu discípulo<br />
Robert Koch (1843-1910) introduziu os métodos<br />
de fixação e coloração, permitindo visualizar e<br />
analisar o bacilo do carbúnculo, caracterizando<br />
fenômeno da esporulação. Em 1882, ele descobriu<br />
o bacilo da tuberculose e em 1884 descobriu o modo<br />
de transmissão do vibrião colérico, promovendo<br />
o tratamento da água por meio da filtração. Dessa<br />
forma, “logo que foi encontrado o método adequado,<br />
as descobertas surgiram naturalmente, tal<br />
como as maçãs maduras caem da árvore” [Robert<br />
Koch (1843-1910)].<br />
Outro grande nome para o século XIX foi<br />
Louis Pauster (1822-1895), que provou a atividade<br />
fermentadora de microrganismos em bebidas e alimentos,<br />
melhorando a preservação destes. Além<br />
disso, a descoberta da fermentação derrubou a teoria<br />
da geração espontânea. Pasteur também lançou<br />
as bases da imunoterapia preventiva e curativa,<br />
e antecipou o advento dos antibióticos. A prática<br />
da vacinação aplicada à prevenção de epidemias<br />
em humanos e animais fez de Louis Pasteur<br />
um dos cientistas que, individualmente, mais contribuiu<br />
para o bem-estar do homem e o desenvolvimento<br />
da ciência médica.<br />
*<br />
Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
** Acadêmicos do curso de Medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
19
MEDICINA NO SÉCULO XIX: AS BASES PARA UMA NOVA MEDICINA<br />
Com conhecimento sobre a existência desses<br />
microrganismos patogênicos fez-se necessário<br />
precaver a contaminação por esses microrganismos.<br />
E foi o escocês Joseph Lister (1827-1912), professor<br />
de Medicina em Edinburgo, que introduziu<br />
a antissepsia na prática cirúrgica. Quando Joseph<br />
foi a Londres ensinar a importância dessa prática<br />
no <strong>Hospital</strong> St. John, foi ridicularizado e insultado<br />
por médicos, residentes e enfermeiras. Mas seu<br />
artigo “On the antiseptic principle in the pratice of<br />
surgery”, publicado em 1867 na revista Lancet,<br />
marcou o início de uma verdadeira revolução na<br />
prática cirúrgica, ao descrever como se impedia que<br />
microrganismos causassem as infecções tão frequentemente<br />
responsáveis pelo insucesso das intervenções.<br />
“A era da antissepsia foi seguida pela da<br />
assepsia. Os cirurgiões, em vez de procurar limpar<br />
os focos infectados das cirurgias, buscaram eliminar<br />
os agentes nocivos (bactérias) da sala de cirurgia<br />
(campo cirúrgico), realizando a esterilização<br />
pelo calor e substâncias químicas” (http://<br />
www.hebron.com.br/revista/n25/materia3.htm).<br />
Os cirurgiões, em pouco tempo, passaram<br />
a ter as seguintes práticas:<br />
– uso de máscaras cirúrgicas;<br />
– uso de luvas de borrachas esterilizadas<br />
após cada cirurgia, proposta por Halsted, em 1889;<br />
– esterilização dos instrumentos cirúrgicos,<br />
com uso do ácido fênico – método introduzido por<br />
Joseph Lister (1827-1912), em 1867;<br />
– isolamento das salas cirúrgicas e circulação<br />
apenas de pessoal autorizado;<br />
– lavagem permanente das áreas expostas<br />
pela cirurgia com compressas embebidas com ácido<br />
fênico por Stéphane Tarnier (1828-1897) e Just<br />
Lucas Chapionniére (1843-1913);<br />
– lavagem das mãos do pessoal médico com<br />
solução de cloreto de cálcio. O médico Ignace<br />
Semmelweis (1818-1865) adotou essa medida no<br />
manuseio genital no pós-parto numa maternidade<br />
em Viena, conseguindo reduzir a mortalidade<br />
de 27 para 0,23%.<br />
A admiração universal causada pelas novas<br />
descobertas científicas foi consequência direta<br />
no fervor das investigações científicas. Logo, governos<br />
e filantropos de vários países passaram a<br />
financiar a criação de institutos de pesquisa dedicados<br />
à aplicação da ciência em benefício da saúde<br />
pública. Alguns dos institutos criados foram: o<br />
Instituto Pasteur em Paris, o Instituto Rockefeller<br />
nos Estados Unidos ou o Instituto Butantã (São<br />
Paulo) e o Instituto Manguinhos (Rio de Janeiro).<br />
No Brasil, por exemplo, o imperador Pedro II manifestou<br />
sua admiração pelo trabalho de Pasteur,<br />
doando uma grande soma ao Instituto Pasteur. Em<br />
retribuição ao gesto, colocou-se um busto do imperador<br />
brasileiro junto à biblioteca do Instituto<br />
Pasteur, em Paris.<br />
As técnicas anestésicas e a introdução da antissepsia e<br />
assepsia foram cruciais no desenvolvimento das<br />
técnicas e avanços nas intervenções cirúrgicas.<br />
“Ao final do século XIX, os centros médicos<br />
mais importantes da Europa eram os da França,<br />
Alemanha e Inglaterra. Paris destacava-se como<br />
o centro de maior projeção internacional, para onde<br />
se dirigiam médicos do mundo inteiro em busca<br />
de novos conhecimentos e aprimoramento profissional”<br />
(http://usuarios.cultura.com.br/<br />
jmrezende/cirurgia.htm).<br />
Os cirurgiões da época tinham três preocupações<br />
principais: infecção, hemorragia e dor.<br />
Os processos infecciosos foram evitados em<br />
função dos cuidados tomados na antissepsia e<br />
assepsia, que preveniam a entrada de um microrganismo<br />
no organismo durante e após o ato cirúrgico.<br />
No século XIX muitas amputações eram realizadas,<br />
principalmente nos campos de batalha.<br />
Com a inovação de instrumentos, entretanto, que<br />
possibilitavam ampliação da ação manual, as cirurgias<br />
tornaram-se menos arriscadas, por serem<br />
menos invasivas e mais rápidas, prevenindo a contaminação<br />
por algum microrganismo. Nesse contexto,<br />
todas as hemorragias eram evitadas e os riscos<br />
pós-operatórios diminuídos.<br />
20<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOFO FAGIONATO, ANA PAULA SOUSA DA SILVA, FERNANDO HENRIQUE DA SILVA, LYGIA DE OLIVEIRA PEREIRA, RENATO MORAIS DA SILVA<br />
Alguns dos instrumentos utilizados na época<br />
são:<br />
– dreno cirúrgico lançando secreção e/ou<br />
sangue em recipientes fechados de vidro;<br />
– pinça hemostática prendendo o vaso<br />
sangrante, evitando e controlando hemorragia;<br />
– pinça com a ponta em dente de rato, imobilizando<br />
estrutura anatômica de pequeno porte;<br />
– pinça hemostática com a ponta em dente<br />
de rato possibilitando hemostasia em tecidos pouco<br />
aderentes, como a gordura;<br />
– agulhas curvas de tamanhos e espessuras<br />
variados para suturação;<br />
– afastador separando tecidos e estruturas<br />
anatômicas.<br />
Já a dor, que era um indicativo de anormalidade,<br />
era o elo entre o paciente e o médico. A<br />
ajuda médica só era procurada quando se sentia<br />
dor no intuito de diminuir o incômodo. E era no<br />
intuito de diminuir ou até cessar a dor que anestésicos<br />
passaram a ser usados.<br />
“Nenhuma outra substância específica para<br />
combater ou evitar a dor foi utilizada até 1540,<br />
quando o éter mostrou-se forte agente anestésico”<br />
(JOÃO BOSCO BOTELHO, 2004, p. 332). Seu uso<br />
pode levar, entretanto, a sérias complicações, fato<br />
que contribuiu para que o uso do éter não fosse<br />
disseminado. O éter foi primeiramente usado num<br />
paciente em 1846, no <strong>Hospital</strong> de Massachussetts,<br />
em Boston, pelo médico John Collins Warren (1773-<br />
1856).<br />
A ação anestésica do protóxido de nitrogênio<br />
ou gás hilariante é registrada desde 1799, e em<br />
1844 essa ação foi demonstrada num auditório em<br />
Boston pelo dentista Horace Wells (1815-1848). O<br />
clorofórmio foi descoberto em 1931 e usado durante<br />
o parto da rainha Victoria.<br />
Na primeira metade do século 19, no início<br />
da Revolução Industrial, com o desenvolvimento<br />
da produção fabril ocorreu uma degradação no padrão<br />
de vida da sociedade em função das condições<br />
de trabalho insalubres e desgastantes presentes<br />
nas fábricas das cidades europeias.<br />
A consequente urbanização levou os trabalhadores<br />
a morarem em aglomerados, alojamentos<br />
miseráveis e subúrbios nessas grandes cidades.<br />
Isso tudo levou à população a se tornar vítima de<br />
doenças infecciosas, como a tuberculose, contribuindo<br />
assim para o agravamento dos índices de mortalidade.<br />
Diante desse quadro, observadores,<br />
reformadores sociais e higienistas começaram a se<br />
preocupar em controlar as doenças infecto-contagiosas,<br />
e também com as frequentes epidemias de<br />
tifo, varíola e cólera que acometiam toda a população.<br />
Em 1832, foram criados os primeiros conselhos<br />
de higiene nos principais países europeus<br />
como França e Inglaterra. O arquiteto do<br />
sanitarismo foi Chadwick que, nesse mesmo ano,<br />
foi nomeado para a Royal Comission on the Poor Law.<br />
O poder público, então, por volta de 1866,<br />
implementou medidas elementares como construção<br />
de redes de esgotos, abastecimento de água<br />
potável, utilização de desinfetantes e recolhimento<br />
do lixo nas grandes aglomerações urbanas.<br />
Quanto ao problema das indústrias insalubres,<br />
foi criado em 1886, na Alemanha, o primeiro<br />
seguro de saúde denominado Krankenkassen. Esse<br />
foi responsável em instituir regras que asseguravam<br />
assistência médica aos trabalhadores e suas<br />
famílias. Em 1848, foi promulgado o primeiro Ato<br />
Público de Saúde, o Public Health Act, e em 1872<br />
este cria o verdadeiro “national public health<br />
service” e, com isso, continua a desenvolver as embrionárias<br />
estruturas de saúde pública.<br />
Em função da melhoria de fatores<br />
ambientais, como as condições de moradia, houve<br />
uma redução na mortalidade por doenças infecciosas<br />
e, com isso, percebeu-se que era mais eficiente<br />
prevenir várias doenças adotando medidas de<br />
saúde pública.<br />
CONCLUSÃO<br />
Vê-se que a Medicina sofreu diversas mudanças<br />
tanto no âmbito científico quanto no âmbito<br />
político-social. Nessa época, com a descoberta<br />
de novos métodos científicos para a pesquisa, e<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
21
MEDICINA NO SÉCULO XIX: AS BASES PARA UMA NOVA MEDICINA<br />
com a busca das razões em níveis cada vez mais<br />
moleculares, começou se a extinguir o<br />
espiritualismo e adotar o materialismo. Levando,<br />
então, a uma menor influência da Igreja no âmbito<br />
social. Logo, a saúde tornou-se um dever do Estado,<br />
pois caso houvesse uma endemia na periferia<br />
da cidade, acabaria atingindo as classes mais privilegiadas<br />
das urbes. Houve diversos avanços na<br />
bacteriologia com Louis Paster. Já no exame clínico,<br />
novas ferramentas auxiliaram na ausculta pulmonar.<br />
Houve também avanço nas doenças infecciosas<br />
e uma melhora no uso de anestésicos.<br />
REFERÊNCIAS<br />
[1] “Medicina no século XIX”, por Viviane Santos.<br />
<strong>Revista</strong> Hebron atualidades. Disponível na<br />
Internet: (http://www.hebron.com.br/revista/<br />
n25/materia3.htm).<br />
[2] Trabalho apresentado ao VI Congresso Brasileiro<br />
de História da Medicina, realizado em<br />
Barbacena, MG, de 14 a 17 de junho de 2001. Atualizado<br />
em 28/3/2005. Disponível na Internet:<br />
(http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/<br />
cirurgia.htm).<br />
[3] BOTELHO, João Bosco. História da Medicina<br />
– da abstração à materialidade. Manaus: Valer,<br />
2004.<br />
[4] As contradições da política de saúde no Brasil.<br />
O Instituto Butantã. Disponível na Internet:<br />
( h t t p : / / w w w . s c i e l o . b r /<br />
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-<br />
88392002000400011).<br />
[5] GRAÇA, L. (2000). O Progresso das Ciências e<br />
Técnicas Biomédicas na II Metade do Século<br />
XIX.º [The XIX Century Scientific Revolution in<br />
Medicine]. (http://www.ensp.unl.pt/lgraca/<br />
textos104.html).<br />
[6] “Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador”.<br />
<strong>Revista</strong> Saúde Pública, v. 25, n. 5. São Paulo:<br />
October, 1991.<br />
Correspondência dos autores:<br />
moraisrenato@hotmail.com<br />
22<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOLFO FAGINATO, DEIVIS BRITO, FLÁVIA BRAGA, MICHELLE MARTINS<br />
HISTÓRIA DA MEDICINA NA MESOPOTÂMIA<br />
HISTORY OF MEDICINE IN MESOPOTAMIA<br />
Rodolfo Fagionato*, Deivis Brito**, Flávia Braga**, Michelle Martins**<br />
RESUMO: Poucas vezes é lembrado que a Medicina, suas técnicas, suas doutrinas e sua ética começaram a ser<br />
criadas há muitos e muitos anos, na Grécia Clássica de Hipócrates de Cós e seus discípulos, ou mesmo antes, na<br />
Mesopotâmia dos assírios. Há registros, na sociedade mesopotâmica, do Tratado de Diagnósticos e Prognósticos<br />
Médicos, incluindo estudos com descrições de inúmeras doenças específicas. Por diversas vezes, porém, não são<br />
feitas traduções fidedignas com a escrita cuneiforme original, o que prejudica a utilização de tais conhecimentos.<br />
Observa-se a análise mesopotâmica a respeito dos conceitos de doença e cura, sendo esses baseados em crenças<br />
espirituais, como a existência de deuses do bem e do mal e a consequente caracterização do médico como elo<br />
entre o bem e o mal, sob a denominação de ashipu ou asu, com atribuições diferentes às suas atividades práticas.<br />
Com base nos seus conhecimentos, a sociedade mesopotâmica foi capaz de postular registros acerca da cirurgia,<br />
medicamentos e doenças em geral, com ampla contribuição e importância relevante para a Medicina atual.<br />
ABSTRACT: Rarely is remembered that the Medicine, its techniques, its doctrines and ethics began to be created<br />
for many, many years, in Classical Greece of Hippocrates of Kos and his disciples, or even before, the Assyrians<br />
of Mesopotamia. There are records in Mesopotamian society, the Treaty of medical diagnosis and prognosis,<br />
including studies with descriptions of many specific diseases. Several times, but not reliable translations are<br />
made with original cuneiform writing, which preclude the use of such knowledge. There is the analysis<br />
Mesopotamia about the concepts of disease and cure, and those based on spiritual beliefs as the existence of gods<br />
of good and evil and the consequent characterization of the doctor as the link between good and evil, under the<br />
name of ashipu or asu with different tasks to its activities. Based on your knowledge, the company was able to<br />
postulate Mesopotamian records of the surgery, drugs and diseases in general, with broad and important<br />
contribution relevant to the present Medicine.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A maior parte das informações disponíveis<br />
para estudos modernos vem de tábuas escritas<br />
com o sistema cuneiforme. Não existem representações<br />
de figuras que tenham sobrevivido na arte<br />
da antiga Mesopotâmia, nem um número significativo<br />
de esqueletos ainda a serem analisados. Infelizmente,<br />
enquanto que uma infinidade de tábuas<br />
cuneiformes chegou até nós desde aqueles<br />
tempos, muito poucas se ocupam de temas médicos.<br />
Muitas das tábuas que mencionam práticas<br />
médicas vêm da Biblioteca de Assurbanipal, o último<br />
grande rei da Assíria. A Biblioteca de<br />
Assurbanipal estava alojada no palácio do rei em<br />
Nínive e, quando o palácio foi incendiado por invasores,<br />
cerca de 20.000 tábuas de argila foram<br />
queimadas (e portanto preservadas) pelo grande<br />
incêndio. No início da década de 1920, 660 tábuas<br />
envolvendo assuntos médicos da livraria de<br />
Assurbanipal foram publicadas por Cambell<br />
Thompson. Outros textos médicos têm sido publicados<br />
mais recentemente (ver bibliografia abaixo).<br />
A grande maioria dessas tábuas são receitas,<br />
mas há uma série delas que contém entradas<br />
*<br />
Mestre e professor substituto da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
** Acadêmicos do curso de Medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
23
HISTÓRIA DA MEDICINA NA MESOPOTÂMIA<br />
que eram diretamente relacionadas umas às outras,<br />
e estas são chamadas de Tratados. O maior<br />
desses tratados médicos é conhecido como o Tratado<br />
de Diagnósticos e Prognósticos Médicos. O<br />
texto constitui 40 tábuas coletadas e estudadas por<br />
R. Labat. A cópia mais antiga deste tratado data<br />
de 1600 antes da nossa Era, mas o texto em si é<br />
uma compilação de vários séculos de conhecimento<br />
médico na Mesopotâmia. O Tratado de Diagnóstico<br />
está organizado na ordem que vai da cabeça<br />
ao pé, com subseções cobrindo doenças<br />
convulsivas, ginecologia e pediatria. É uma pena<br />
que traduções antiquadas e feitas por leigos nas<br />
ciências médicas fazem com que os textos pareçam<br />
extratos de um livro de aprendiz de feiticeiro. De<br />
fato, como pesquisas recentes têm mostrado, as<br />
descrições das doenças listadas mostram uma<br />
aguçada capacidade de observação. Virtualmente,<br />
todas as doenças esperadas podem ser encontradas<br />
na parte do diagnóstico, e há seções que estão<br />
completamente preservadas, como as de neurologia,<br />
febres, doenças venéreas e lesões de pele. Os<br />
textos médicos também são facilmente<br />
identificáveis, como no caso de tratamento de<br />
sangramentos, onde todas as plantas mencionadas<br />
são conhecidas, e as mesmas usadas em muitos tratamentos<br />
para os mesmos casos.<br />
Conceito Mesopotâmico para Doença e Cura<br />
As doenças eram causadas por espíritos:<br />
deuses, fantasmas, etc. Cada espírito, entretanto,<br />
era considerado responsável por apenas uma doença<br />
em qualquer parte do corpo. Em geral, portanto,<br />
“a Mão do(a) deus(a) X” do estômago<br />
correspondia ao que chamamos de doença estomacal.<br />
Uma série de doenças era simplesmente<br />
identificada por um nome, como Bennu, por exemplo.<br />
Os deuses podiam ser culpados num nível<br />
mais alto por causar uma doença ou o mau funcionamento<br />
de um órgão, mas em alguns casos essa<br />
era uma forma de dizer que um determinado sintoma<br />
não era independente, mas causado nesse<br />
caso por uma doença Y. Plantas eram usadas para<br />
tratar os sintomas das doenças, sendo que plantas<br />
diferentes eram usadas em rituais mágicos para<br />
aplacar o mesmo espírito. Pode-se inferir que<br />
oferendas específicas eram feitas a um deus ou espírito<br />
determinado quando se considerava que ele<br />
era a causa da doença, mas essas oferendas não<br />
estão indicadas em textos médicos, devendo ser<br />
encontradas em outros textos.<br />
Profissionais da Medicina na Mesopotâmia<br />
Por meio do exame de tábuas médicas da<br />
Mesopotâmia fica claro que havia dois tipos distintos<br />
de profissionais da Medicina no Oriente Próximo.<br />
O primeiro tipo de profissional em geral era<br />
chamado ashipu, ou ‘mago’. Um dos mais importantes<br />
papéis do ashipu era o diagnóstico da doença<br />
e determinar que deus ou demônio a estava<br />
causando. O ashipu também tentava determinar<br />
se a doença era resultado de algum erro ou pecado<br />
por parte do paciente. A frase “a Mão de...” era<br />
usada para indicar a divindade responsável pela<br />
aflição em questão, sendo que então essa divindade<br />
podia ser aplacada com oferendas e preces pelo<br />
paciente. O ashipu podia também tentar curar o<br />
paciente por simpatias e encantamentos que eram<br />
feitos para levar embora o espírito causador do mal.<br />
Ele também podia referir o paciente a um outro<br />
tipo de profissional da área médica chamado asu.<br />
O asu era um especialista em remédios à base de<br />
ervas e em Medicina tradicional mesopotâmica,<br />
sendo chamado em geral de “médico”, pois ele lidava<br />
com o que em geral pode ser descrito como<br />
aplicações empíricas de medicação. Exemplo: no<br />
tratamento de feridas, ele usava três técnicas fundamentais,<br />
como lavar a ferida, uso de compressas<br />
e bandagens. Todas estas técnicas do asu parecem<br />
ser as formas mais antigas de prática da Medicina<br />
e os registros mais antigos de uma literatura<br />
médica, a cerca de 2100 anos antes da nossa Era.<br />
O conhecimento do asu em termos de fazer<br />
compressas é bastante interessante. Muitas das<br />
compressas antigas (misturas de ingredientes medicinais<br />
aplicadas a uma ferida e mantidas no lugar<br />
por uma bandagem) parecem ser uma forma<br />
eficiente de tratamento. Por exemplo: algumas das<br />
24<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
RODOLFO FAGINATO, DEIVIS BRITO, FLÁVIA BRAGA, MICHELLE MARTINS<br />
mais complicadas compressas exigiam o aquecimento<br />
de uma resina de planta ou gordura animal<br />
com algo alcalino. Esta mistura, quando aquecida,<br />
libera sabão, que ajudaria a proteger contra infecções<br />
bacterianas. Enquanto que a relação entre o<br />
ashipu e o asu não está totalmente esclarecida, os<br />
dois tipos de profissionais parecem ter trabalhado<br />
juntos para efetivar curas. Os mais ricos pacientes<br />
provavelmente buscavam os cuidados médicos<br />
tanto do ashipu quanto do asu para curar uma<br />
doença. Parece que os dois profissionais trabalhavam<br />
em geral um cooperando com o outro no tratamento<br />
de doenças.<br />
Além de compartilhar pacientes, parece que<br />
os papéis de ambos algumas vezes se mesclavam:<br />
um asu podia ocasionalmente fazer um encanto, e<br />
um ashipu prescrever uma droga. Evidência para<br />
tanto foi encontrada na biblioteca de um ashipu<br />
que continha receitas farmacêuticas. Outra fonte<br />
de evidência com relação às habilidades dos médicos<br />
na Mesopotâmia está no Código de<br />
Hamurábi. Esta coleção não foi escrita numa tábua,<br />
mas descoberta num grande bloco negro de<br />
diorita. O Código de Hamurábi não era um código<br />
de leis como entendemos hoje, mas provavelmente<br />
uma coleção de decisões legais feitas por<br />
Hamurábi (cerca de 1700 antes da nossa Era) ao<br />
longo de sua atuação como juiz, e publicada para<br />
fazer propaganda de sua justiça.<br />
O Código de Hamurábi é uma notável, mas<br />
não única, aplicação da justiça na Mesopotâmica,<br />
e é baseado no princípio de “olho por olho, dente<br />
por dente”. Havia várias leis no Código de<br />
Hamurábi com relação aos cirurgiões. Estas leis<br />
dizem que o médico era responsável por erros e<br />
fracassos da cirurgia. É também digno de nota que,<br />
de acordo com tais leis, o pagamento do cirurgião<br />
bem-sucedido e do malsucedido era determinado<br />
pelo status do paciente. Se o cirurgião salvava a<br />
vida de um escravo, ele recebia apenas dois<br />
shekels. Se uma pessoa, entretanto, de status morresse<br />
como resultado de uma cirurgia, o cirurgião<br />
arriscava-se a ter sua mão cortada. Se um escravo<br />
morresse quando da cirurgia, o cirurgião apenas<br />
tinha de pagar para a substituição do escravo.<br />
Quanto às cirurgias, independente dos riscos,<br />
temos quatro tábuas associadas com a execução<br />
de um procedimento cirúrgico. Uma das tábuas<br />
está muito danificada, infelizmente, mas das três<br />
remanescentes, uma parece descrever um procedimento:<br />
são feitos cortes no peito de um paciente, a<br />
fim de remover pus da pleura. Os dois outros textos<br />
pertencem a uma coleção chamada Receitas para<br />
Doenças da Cabeça. Um destes textos menciona a faca<br />
do asu cortando levemente a cabeça do paciente. A<br />
tábua cirúrgica final menciona os cuidados pós-operatórios<br />
de um ferimento cirúrgico, onde é recomendada<br />
uma atadura de óleo de gergelim, que funciona<br />
como agente antibactericida.<br />
Outro ponto importante é a identificação de<br />
várias drogas mencionadas nas tábuas. Infelizmente,<br />
muitas destas drogas são difíceis ou impossíveis<br />
de serem identificadas com um alto grau de<br />
certeza. Em geral, os nomes empregados são metafóricos,<br />
como gordura de leão, lírio do tigre, etc.<br />
Das drogas que foram identificadas, a maioria era<br />
feita de extratos de plantas, resinas ou feitas com<br />
base em temperos. Muitas das plantas usadas pelo<br />
asu têm propriedades antibióticas, enquanto que<br />
resinas e temperos tinham algum valor antisséptico.<br />
Além desses benefícios, deve-se ter em mente<br />
que tanto os remédios como as ações dos médicos<br />
antigos devem ter tido um forte efeito placebo. Os<br />
pacientes sem dúvida acreditavam que os médicos<br />
eram capazes de curá-los. No mínimo, portanto,<br />
visitar o médico reforçava as noções de bemestar<br />
e saúde.<br />
Outras fontes de tratamentos de saúde podiam<br />
ser obtidas no templo de Gula. Gula, em geral<br />
visto como um cão, era um dos mais poderosos<br />
deuses da cura.<br />
Enquanto que escavações dos templos dedicados<br />
a Gula não têm revelado sinais de que os<br />
pacientes eram acomodados no templo enquanto<br />
recebiam tratamento (como no caso dos templos<br />
de Esculápio, na Grécia), estes templos podem ter<br />
sido locais para o diagnóstico de doenças.<br />
Parece claro que os templos de Gula também<br />
tinham bibliotecas dedicadas a temas de saúde.<br />
O principal centro de saúde era o lar, sendo<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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HISTÓRIA DA MEDICINA NA MESOPOTÂMIA<br />
que os cuidados aos pacientes eram fornecidos na<br />
própria casa do paciente, com a família prestando<br />
os cuidados. Fora da casa, outros importantes centros<br />
de cura situavam-se próximo aos rios. Os<br />
mesopotâmicos acreditavam que os rios podiam<br />
levar para longe substâncias e forças causadores<br />
de doenças. Algumas vezes, uma pequena cabana<br />
para a pessoa doente era erguida próxima à casa<br />
ou rio para ajudar no tratamento do paciente que<br />
estava em casa.<br />
CONCLUSÕES<br />
Se a Medicina praticada na antiga<br />
Mesopotâmia deixou um legado que, em última<br />
análise, influenciou médicos de outras civilizações,<br />
constitui uma questão que jamais será completamente<br />
respondida. Enquanto que muitos dos princípios<br />
básicos da Medicina, como o uso de ataduras<br />
e a coleta de textos sobre Medicina começou<br />
na Mesopotâmia, outras culturas também desenvolveram<br />
essas práticas de forma independente.<br />
Mesmo na própria Mesopotâmia, muitas das técnicas<br />
desapareceram depois de haver sobrevivido<br />
por milhares de anos. Foi a Medicina egípcia, entretanto,<br />
a mais influente, e sabemos desse fato por<br />
meio dos gregos.<br />
REFERÊNCIAS<br />
BOTELHO, João Bosco. História da Medicina – da<br />
abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004.<br />
ISBN: 8575121561<br />
MARGOTTA, Roberto. História Ilustrada da Medicina.<br />
São Paulo: Manole, 1998. ISBN:<br />
8520408702<br />
26<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LEONARDO SOARES DA SILVA<br />
MANEJO PRÁTIC<br />
TICO DA ASCITE<br />
MANAGEMENT OF PRACTICAL ASCITES<br />
Leonardo Soares da Silva 1<br />
RESUMO: Ascite é definida como acúmulo de líquido livre na cavidade peritoneal. Manifestação comum na<br />
hipertensão portal da cirrose hepática e seu diagnóstico ocorre por meio da paracentese, que deve ser realizada<br />
em todos os pacientes, independentemente da sua etiologia. O objetivo é padronizar o diagnóstico e o tratamento<br />
da ascite no <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong>. A metodologia utilizada foi a revisão de artigos recentes<br />
publicados com relevância no assunto abordado pelo autor. A publicação é a visão prática de uma patologia<br />
comum no cotidiano do gastroenterologista e do clínico geral.<br />
Palavras-chave: Ascite; Diagnóstico; Terapêutica.<br />
ABSTRACT: Ascites is defined as accumulation of free liquid in the peritoneal cavity. It is a common manifestation<br />
of portal hypertension in liver cirrhosis and its diagnostic occurs by paracentesis, which must be performed in all<br />
patients, regardless of its etiology. The goal is to standardize the diagnosis and treatment of ascites in University<br />
<strong>Hospital</strong> Getulio <strong>Vargas</strong>. The methodology used was the review of recent articles published with relevance in the<br />
matter raised by the author. The publication is a practical vision of a condition common in the daily lives of<br />
gastroenterologist and the general clinic.<br />
Keywords: Ascites; Diagnosis, Therapy.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Ascite é definida como acúmulo de líquido<br />
livre na cavidade peritoneal. Manifestação frequente<br />
em inúmeras patologias, sendo que o seu diagnóstico<br />
diferencial constitui um desafio intelectual<br />
para os gastroenterologistas e para os clínicos. 1,2<br />
1): 3,4<br />
ETIOLOGIA<br />
As principais etiologias da ascite (Tabela<br />
Tabela 1 – Etiologia da Ascite.<br />
Gastroenterológica<br />
Hipertensão portal: Cirrose hepática, hepatite fulminante,<br />
doença veno-oclusiva (trombose de veia porta e supra-hepáticas)<br />
Pancreática: Pancreatite aguda, pseudocisto Biliar.<br />
Cardíaca<br />
Insuficiência cardíaca, pericardite constritiva, cor pulmonale.<br />
Renal<br />
Síndrome nefrótica, Insuficiência renal crônica dialítica.<br />
Infecciosa<br />
Tuberculose, esquistossomose, fúngica, bacteriana.<br />
Neoplasia<br />
Metástase peritoneal, mesotelioma, linfoma,<br />
pseudomixoma peritoneal.<br />
Quilosa<br />
Obstrução linfática mesentérica.<br />
Ginecológica<br />
Síndrome de Meigss, endometriose, síndrome de<br />
hiperestimulação ovariana.<br />
Outras<br />
Lúpus eritematoso sistêmico, angioedema hereditário,<br />
artrite reumatoide, Doença de Whipple, mixedema,<br />
gastroenterite eosinofílica, febre familiar do Mediterrâneo,<br />
hipoalbuminemia.<br />
1<br />
Médico e especialista em Gastroenterologia. E-mail: drleonardoss@yahoo.com.br<br />
revistahugv<br />
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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MANEJO PRÁTICO DA ASCITE<br />
DIAGNÓSTICO<br />
a. Paracentese diagnóstica<br />
A paracentese com coleta de líquido ascítico<br />
para posterior estudo é uma grande arma para o<br />
diagnóstico da causa básica do derrame peritoneal.<br />
É um procedimento seguro, sem evidências que<br />
predisponham a infecção do líquido peritoneal e<br />
deve ser realizado em todos os pacientes com<br />
ascite, independentemente da suspeita clínica.<br />
Indicações:<br />
1. Pacientes internados ou ambulatoriais<br />
com ascite ao exame físico de início recente ou causa<br />
indeterminada.<br />
2. Paciente portador de doença hepática crônica,<br />
com ascite preexistente e suspeita de<br />
peritonite bacteriana espontânea (PBE). A PBE<br />
deve sempre ser suspeitada quando ocorre deterioração<br />
do quadro clínico do paciente, como: febre,<br />
dor abdominal, encefalopatia hepática, disfunção<br />
renal, leucocitose, acidose metabólica, sepse ou<br />
choque séptico. 1,5,6<br />
c. Localização: quadrante inferior esquerdo.<br />
No ponto central em uma linha imaginária<br />
entre a crista ilíaca superior e a cicatriz umbilical<br />
(afastando dos vasos epigástricos).<br />
d. Assepsia e antissepsia.<br />
e. Colocação do campo fenestrado.<br />
f. Anestesia local com lidocaína (2 a 5 ml).<br />
g. Montar o cateter intravenoso na seringa<br />
de 20 ml.<br />
h. Introdução do cateter/seringa perpendicular<br />
à pele, sempre aspirando até que a saída do<br />
líquido peritoneal.<br />
i. Retirar a agulha e coletar líquido para bioquímica,<br />
citometria, pesquisa de células<br />
neoplásicas, culturas.<br />
j. Ligar o cateter ao equipo e o coletor.<br />
l. Curativo no local da punção.<br />
3. Análise do líquido ascítico 6,7,8<br />
Os exames solicitados para análise do líquido<br />
ascítico encontram-se na Tabela 2:<br />
Tabela 2 – Exames para análise da ascite.<br />
Rotina<br />
Opcionais<br />
Não usual<br />
Raramente<br />
Procedimento:<br />
Celularidade e<br />
diferencial<br />
Glicose<br />
Citologia<br />
pH<br />
1. Material Utilizado<br />
a. Cateter intravenoso n.º 14<br />
b. Seringa n.º 20 ou 10<br />
c. Campo fenestrado estéril<br />
d. Luvas estéreis<br />
e. Pinças para pequenas cirurgias<br />
f. Frascos de vidro estéril<br />
g. Coletor de vidro ou plástico<br />
h. Equipo de soro<br />
i. Cloridrato de lidocaína a 2% sem vasoconstritor<br />
j. Substâncias para assepsia e antissepsia<br />
2. Técnica<br />
a. Realizado na beira do leito ou em local<br />
para procedimento na enfermaria, com paciente em<br />
jejum e esvaziamento prévio da bexiga.<br />
b. Em decúbito dorsal.<br />
Proteínas<br />
totais<br />
Albumina<br />
DHL<br />
Amilase<br />
Gram<br />
Cultura<br />
Triglicerídios<br />
Bilirrubinas<br />
Avaliação dos parâmetros encontrados no<br />
material coletado:<br />
a. Aparência macroscópica (Tabela 3).<br />
Tabela 3 – Macroscópica do líquido ascítico.<br />
Aparências do líquido ascítico<br />
Lactato<br />
Colesterol<br />
Fibronectina<br />
Macroscópica Etiologias<br />
Amarelo citrino (claro) Cirrose hepática sem complicações.<br />
Turvo<br />
Infecções (peritonite bacteriana<br />
espontânea ou secundária).<br />
Leitoso (quilosa) (Neoplasia ou trauma do ducto<br />
pancreático).<br />
Punção traumática.<br />
Sanguinolento<br />
Neoplasia maligna.<br />
28<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LEONARDO SOARES DA SILVA<br />
Macroscópica<br />
Sanguinolento<br />
Marronzado<br />
b. Citologia e citometria<br />
Etiologias<br />
Ascite cirrótica sanguinolenta.<br />
Tuberculose (raro).<br />
Punção inadvertida do baço<br />
(Esplenomegalia volumosa).<br />
Síndrome ictérica.<br />
Perfuração de vesícula biliar.<br />
Ulcera duodenal.<br />
A contagem de polimorfonucleares (PMN)<br />
é importante no diagnóstico da peritonite<br />
bacteriana espontânea (PBE) no paciente cirrótico,<br />
independentemente da cultura:<br />
e. Cultura<br />
Injetar no frasco de hemocultura – 10 ml de<br />
líquido ascitíco à beira do leito. Cultura para bactérias,<br />
em casos especiais para tuberculose e fungos.<br />
f. Bioquímica<br />
Glicose, pH, proteínas totais, DHL (na primeira<br />
análise: amilase, ADA).<br />
TRATAMENTO<br />
a. Repouso relativo no leito.<br />
Contagem >250 PMN: PBE<br />
c. Gradiente albumina Soro Ascite (Gasa)<br />
A dosagem do Gasa é crucial no diagnóstico<br />
da etiologia da ascite, principalmente relacionada<br />
à hipertensão portal. O Gasa é a diferença<br />
entre a albumina do soro e da albumina da ascite<br />
(dosagens devem ser colhidas simultaneamente<br />
(Tabela 4).<br />
Tabela 4 – Diagnóstico diferencial com uso do Gasa.<br />
Gasa > 1,1<br />
Hipertensão portal<br />
HP Sinusoidal (cirrose hepática):<br />
Proteínas totais (ascite) < 3,0<br />
HP Pós-sinusoidal (Insuficiência<br />
cardíaca):<br />
Proteínas totais (ascite) > 3,0<br />
d. Citologia oncótica<br />
Gasa < 1,1<br />
Doença Peritoneal<br />
Carcinomatose<br />
Tuberculose<br />
Síndrome<br />
Nefrótica<br />
Encaminhar para anatomia patológica no<br />
mesmo dia, se não colocar em álcool a 50% para<br />
melhor conservação do material. A citologia<br />
oncótica contribui para o diagnóstico diferencial<br />
das neoplasias malignas peritoneais, principalmente<br />
metastáticas (carcinomatose peritoneal).<br />
b. Restrição de sódio<br />
A dieta deve conter em torno de 2 g (88<br />
mEq) de sódio por dia.<br />
c. Restrição de líquido<br />
Restrição da ingesta de líquido apenas<br />
quando o sódio sérico for menor que 120 g/ml.<br />
d. Diuréticos<br />
A associação de dois diuréticos de ações<br />
diferentes é melhor opção no tratamento oral da<br />
ascite no paciente cirrótico. As drogas provocam<br />
efeito sinérgico, além de diminuir os efeitos deletérios,<br />
quando usados isoladamente. Inicia com<br />
furosemida 40 mg/dia e espironolactona 100 mg/<br />
dia. Aumenta progressivamente, se a resposta clínica<br />
for insuficiente após 3 a 4 dias com a terapia.<br />
A furosemida pode ser aumentada até 160 mg e a<br />
espironolactona até 400 mg. Importante: Evitar o<br />
uso de diuréticos endovenosos.<br />
O objetivo da terapia diurética é a perda de<br />
peso no máximo 1 kg/dia em pacientes com<br />
edemas de membros inferiores ou 0,5 kg/dia em<br />
pacientes sem edema de membros. Essa medida<br />
tem a intenção de diminuir a deterioração da função<br />
renal nestes pacientes.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
29
MANEJO PRÁTICO DA ASCITE<br />
e. Paracentese terapêutica<br />
Antibioticoterapia (Tabela 5).<br />
Tabela 5 – Antibióticos usados no tratamento do PBE.<br />
A paracentese está indicada no tratamento<br />
da ascite de difícil controle como:<br />
Cefatoxima 2 g EV 8/8h por 5 dias<br />
Ceftriaxona 2 g EV 1 x dia por 5 dias<br />
1. Ascite refratária ao tratamento oral com Amoxacilina + clavulanato EV 1,2 g 8/8h por 2 dias e<br />
625 mg VO 8/8 por 6 a 12 dias<br />
diuréticos;<br />
2. Ascite diurético-intratável, isto é, paciente<br />
com contraindicações ou efeitos colaterais com<br />
Ciprofloxacina EV 200 mg 12/12h por 5 dias<br />
diuréticos;<br />
Uso da Albumina na PBE<br />
3. Ascite tensa com desconforto respiratório;<br />
A albumina é administrada 1,5 g/kg/dia<br />
no primeiro dia (no máximo até 6h do diagnóstico)<br />
e 1 g/kg/dia no terceiro dia de tratamento. A<br />
Albumina humana<br />
albumina reduz a mortalidade intra-hospitalar e a<br />
A albumina humana é indicada quando<br />
deterioração da função renal.<br />
ocorre uma retirada maior que 4 litros durante o<br />
procedimento da paracentese terapêutica. A reposição<br />
intravenosa de albumina acarreta menos<br />
Paracentese de controle<br />
complicações (síndrome hepatorrenal, hipotensão)<br />
Realizar nova paracentese após 48 horas do<br />
e diminuindo o tempo de internação, menor número<br />
de readmissões e maior sobrevida dos paci-<br />
início do tratamento. O resultado esperado é uma<br />
queda mínima de 25% na contagem de PMN em<br />
entes A dose preconizada de 5 g de albumina por<br />
relação à análise inicial do líquido ascítico. Não<br />
litro retirado. A infusão da albumina ocorre<br />
ocorrendo essa diminuição, o esquema de<br />
concomitante ou logo após o procedimento, com<br />
antibioticoterapia deve ser substituído de acordo<br />
velocidade 1 ml/minuto. Lembrando que cada<br />
com o resultado da cultura e antibiograma.<br />
frasco de albumina humana a 20% possui 10 g. 4,9,10<br />
Profilaxia da PBE<br />
f. Outros tratamentos<br />
A profilaxia da PBE é uma prioridade em<br />
1. TIPS (Derivação porto-sistêmico intrahepático<br />
transjugular)<br />
todo paciente que apresentou a infecção do líquido<br />
ascítico, deve ser realizada por meio de esquema<br />
oral por tempo indeterminado (Tabela 6).<br />
TIPS é uma técnica que provoca um shunt<br />
portocava látero-lateral, descomprimindo o sistema<br />
porta. É opção de tratamento na ascite<br />
Tabela 6 – Profilaxia do PBE.<br />
Norfloxacina 400 mg VO 1 x dia<br />
retratária. A principal complicação é a encefalopatia<br />
hepática.<br />
Ciprofloxacina 750 mg /semana<br />
Sulfametaxazol + trimetropim 400/80 mg por dia<br />
2. Transplante hepático<br />
Outros: Ofloxacina, amoxacilina + clavunulato<br />
O transplante hepático é a opção definitiva<br />
da ascite de origem hepática.<br />
g. Tratamento da Peritonite bacteriana espontânea<br />
5,11,12<br />
30<br />
revistahugv<br />
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LEONARDO SOARES DA SILVA<br />
ALGORITMO DA ASCITE<br />
ASCITE<br />
PARACENTESE<br />
DIAGNÓSTICA<br />
GASA < 1,1 GASA > 1,1<br />
Proteína >3<br />
DOENÇA<br />
PERITONEAL<br />
Proteína 250<br />
PMN < 250<br />
Peritonite bacteriana<br />
espontânea<br />
Ausência de<br />
infecção<br />
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
31
MANEJO PRÁTICO DA ASCITE<br />
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Alegre (1991-2000)”. Arq Gastroenterol., vol. 39,<br />
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32<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
JONAS RIBAS, EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO<br />
PREVALÊN<br />
ALÊNCIA DOS SINTOMAS NAS<br />
ASAIS AIS EM PACIEN-<br />
TES COM HANSENÍASE ACOMP<br />
OMPANHADOS NA<br />
FUNDAÇÃ<br />
ÇÃOALFREDO DA MATT<br />
TTA<br />
PREVALENCE OF NASAL SYMPTOMS IN LEPROSY PATIENTS IN FOLLOW-UP AT ALFREDO DA<br />
MATTA FOUNDATION<br />
Jonas Ribas * , Eduardo Abram Kauffman ** , Cláudia Marina Puga Barbosa Oliveira *** , Júlio César Simas Ribeiro ****<br />
RESUMO: Introdução: O Mycobacterium leprae tem tropismo pelas partes mais frias do corpo e o nariz pode ser<br />
sede inicial de lesões. Objetivos: Relatar a prevalência das queixas nasais em pacientes com hanseníase. Pacientes<br />
e métodos: Estudo de prevalência, onde foram incluídos quarenta pacientes com hanseníase em acompanhamento<br />
na Fundação Alfredo da Matta entre agosto de 2006 e abril de 2007. Os pacientes eram inquiridos quanto<br />
às queixas nasais e, se apresentassem sintomas, eram encaminhados para avaliação clínica. Resultados: Cinquenta<br />
e sete por cento dos pacientes apresentavam sintomas nasais, sendo obstrução em 60,9% dos casos. A forma<br />
multibacilar lepromatosa foi predominante dentre os sintomáticos. Conclusão: Apesar das formas multibacilares<br />
se correlacionarem mais nitidamente com sintomas nasais, as formas paucibacilares também figuraram como<br />
importantes causadores dessas queixas.<br />
Palavras-chave: Hanseníase, sintoma nasal, multibacilar, paucibacilar.<br />
ABSTRACT: Introduction: Mycobacterium leprae has tropism to the coldest parts of the body and primary<br />
lesion may take place at the nose. Objectives: To relate prevalence of nasal symptoms in leprosy patients. Patients<br />
and methods: A prevalence study, in which were included forty leprosy patients in follow-up at Alfredo da<br />
Matta Foundation between august 2006 and april 2007. Patients were asked about nasal complaints and, if positive,<br />
they were lead to clinical evaluation. Results: Fifty-seven percent of the patients presented nasal symptons, and<br />
obstruction was in 60,9% of the cases. Leprosy multibacillary form was predominant among patients with<br />
symptoms. Conclusion: In spite of multibacillary forms may be related to nasal symptoms more obviously,<br />
paucibacillary forms also appear as important causes of these complaints.<br />
Keywords: Leprosy, nasal symptoms, multibacillary, paucibacillary.<br />
INTRODUÇÃO<br />
A hanseníase é uma doença de curso crônico<br />
causada pelo Mycobacterium leprae, cujo contágio<br />
se dá por meio da eliminação dos bacilos pelas<br />
secreções nasais, da orofaringe e soluções de continuidade<br />
da pele e/ou mucosas dos doentes atingindo<br />
áreas erosadas das mucosas nasal e/ou<br />
cutânea dos indivíduos sãos. 4<br />
Quanto ao espectro clínico, classifica-se<br />
em: Tuberculoide, com baciloscopia negativa, grande<br />
resposta celular, lesões limitadas e poucos<br />
bacilos; Lepromatosa ou Virchowiana (LL), com lesões<br />
de pele difusamente distribuídas na pele e<br />
exacerbada resposta humoral, e Borderline, instável,<br />
onde aparecem as formas BT (paucibacilar),<br />
BB e BL (multibacilares). É importante citar as<br />
formas Neural Pura (NP) e Indeterminada (I), onde<br />
*<br />
Mestre em Patologia Tropical e professor assistente da <strong>Ufam</strong>.<br />
**<br />
Mestre em Otorrinolaringologia, professor assistente da <strong>Ufam</strong>.<br />
***<br />
Acadêmica do 6.º ano de Medicina, <strong>Ufam</strong>.<br />
****<br />
Acadêmico do 6.º ano de Medicina, <strong>Ufam</strong>.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
33
PREVALÊNCIA DOS SINTOMAS NASAIS EM PACIENTES COM HANSENÍASE ACOMPANHADOS NA FUNDAÇÃO ALFREDO DA MATTA<br />
a resposta do hospedeiro é insuficientemente diferenciada,<br />
podendo evoluir para cura espontânea<br />
ou polarizar, dependendo da resposta imune<br />
celular. 6 Em localidades onde a baciloscopia não<br />
for disponível, a OMS recomenda que os pacientes<br />
sejam classificados de acordo com o número<br />
de lesões cutâneas, considerando-se<br />
paucibacilares aqueles com até cinco lesões e<br />
multibacilares aqueles com mais de cinco lesões.<br />
O Mycobacterium leprae tem tropismo pelas<br />
partes mais frias do corpo, como a pele das extremidades,<br />
os lobos das orelhas, hélix, anti-hélix,<br />
tragus, cartilagem alar, septo nasal e testículos, onde<br />
há temperatura ideal para seu desenvolvimento.<br />
Além disso, várias publicações são unânimes em<br />
afirmar que o nariz é sede inicial de lesões, precedendo<br />
inclusive as manifestações cutâneas. 1<br />
Dentre as manifestações nasais encontradas<br />
na hanseníase encontram-se obstrução,<br />
sangramento, rinorreia, crostas, dor, prurido,<br />
ressecamento, espirro, hiposmia, cacosmia e<br />
anosmia. 7 À rinoscopia anterior e posterior, as lesões<br />
da rinite leprótica configuram como infiltração,<br />
lepromas, ulcerações e perfuração.<br />
Isso põe em destaque a avaliação otorrinolaringológica<br />
como integrante do arsenal<br />
multidisciplinar diante do diagnóstico e acompanhamento<br />
do paciente hanseniano, principalmente<br />
daquele com as formas virchowiana e borderline,<br />
onde o envolvimento das vias aéreas superiores é<br />
frequente e extenso. 8<br />
OBJETIVOS<br />
Estudar a prevalência das queixas nasais em<br />
pacientes de hanseníase com qualquer uma das<br />
formas clínicas. Identificar a frequência de cada<br />
sintoma nasal em pacientes hansenianos e relacionar<br />
os sintomas nasais com a classificação clínica<br />
de hanseníase.<br />
PACIENTES E MÉTODOS<br />
O estudo é de prevalência, realizado na<br />
Fundação Alfredo da Matta, organização de referência<br />
da OMS na América Latina no estudo da<br />
Hanseníase e responsável historicamente pelo diagnóstico<br />
de aproximadamente 50% dos casos novos<br />
de hanseníase do Estado do Amazonas. 3<br />
Por meio da análise dos prontuários, foram<br />
selecionados 40 (quarenta) pacientes entre 18 e 60<br />
anos com diagnóstico definitivo de hanseníase,<br />
com qualquer uma de suas formas clínicas e em<br />
acompanhamento na Fundação Alfredo da Matta<br />
durante o período de agosto de 2006 a abril de 2007.<br />
Foram excluídos da pesquisa grávidas, menores de<br />
18 anos e maiores de 60 anos e portadores de doenças<br />
concomitantes.<br />
Os pacientes eram inquiridos quanto às<br />
queixas nasais da hanseníase na Fundação Alfredo<br />
da Matta e eram prontamente encaminhados para<br />
avaliação otorrinolaringológica se preenchessem<br />
algum dos sintomas listados na ficha padronizada<br />
de entrevista. Durante esse atendimento, eram novamente<br />
entrevistados e examinados por intermédio<br />
de rinoscopia anterior.<br />
RESULTADOS<br />
Durante o período de realização da pesquisa,<br />
de agosto de 2006 a abril de 2007, a Fundação<br />
Alfredo da Matta registrou um total de 179 casos<br />
novos de hanseníase. Foram então selecionados<br />
para a pesquisa quarenta pacientes em acompanhamento<br />
na instituição, sendo vinte e seis homens<br />
(65%) e catorze mulheres (35%).<br />
Quanto à forma clínica, em ordem decrescente<br />
de frequência, encontramos nove pacientes<br />
com a forma LL (22,5%); oito com a forma BB (20%);<br />
sete com a forma BT (17,5%); cinco com a forma<br />
BV (12,5%); quatro com a forma TT (10%); quatro<br />
com a forma I (10%); dois com forma NP (5%) e<br />
um com ENH (2,5%). Considerando os pacientes<br />
em multibacilares ou paucibacilares, houve<br />
prevalência de 55% dos primeiros.<br />
Observou-se que 57,5% dos pacientes apresentavam<br />
queixas otorrinolaringológicas referentes<br />
ao nariz e que muitos deles não relacionavam<br />
tais sintomas à hanseníase. Em 56,5% dos casos,<br />
os pacientes detinham entre dois a seis sintomas e<br />
em 57%, tal sintomatologia era referida em anos.<br />
34<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
JONAS RIBAS, EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO<br />
A queixa nasal mais frequente foi obstrução<br />
nasal, observada em 60,9% dos pacientes sintomáticos,<br />
seguida pela hiposmia (52,2%). Encontramos<br />
ainda dor nasal e ressecamento nasal, ambos<br />
em 47,8% dos casos; dispneia e alteração da<br />
fonação em 30,4%; eliminação de crostas em 26,1%;<br />
prurido e espirros em 21,7%; sangramento nasal e<br />
rinorreia em 17,4%; cacosmia em 8,7% e nenhum<br />
caso de anosmia (Tabela 1).<br />
Faz-se mister também relacionar a presença<br />
ou ausência de sintomas com a forma clínica<br />
apresentada pelos pacientes. Dentre os pacientes<br />
com a forma Neural Pura (NP), observou-se que<br />
metade tinha sintoma nasal; nos com forma<br />
Virchowiana ou Lepromatosa (LL), 77,8% era sintomático<br />
e 22,2%, assintomático; nos pacientes com<br />
forma Borderline-Virchowiana ou Borderline-<br />
Lepromatosa (BL), 66,7% apresentou queixa nasal<br />
e 33,3% não apresentou; os com forma Borderline-<br />
Borderline (BB) foram 100% assintomáticos; os<br />
pacientes com forma Borderline-Tuberculoide (BT)<br />
eram sintomáticos em 71,4% dos casos e<br />
assintomáticos em 28,6% deles; os com forma<br />
Tuberculoide-Tuberculoide (TT) eram sintomáticos<br />
em 50% dos casos; os com forma Indeterminada<br />
de hanseníase eram 100% sintomáticos e o único<br />
paciente com Eritema Nodoso Hansênico era<br />
assintomaico.<br />
Tabela 1– Sintomas nasais em ordem decrescente de<br />
prevalência.<br />
Sintomas<br />
Obstrução nasal<br />
Hiposmia<br />
Dor nasal<br />
Ressecamento nasal<br />
Dispneia<br />
Alteração da fonação<br />
Crostas<br />
Prurido<br />
Espirro<br />
Sangramento nasal<br />
Rinorreia<br />
Cacosmia<br />
Anosmia<br />
Número de Pacientes<br />
14<br />
12<br />
11<br />
11<br />
7<br />
7<br />
6<br />
5<br />
5<br />
4<br />
4<br />
2<br />
0<br />
%<br />
60,9<br />
52,2<br />
47,8<br />
47,8<br />
30,4<br />
30,4<br />
26,1<br />
21,7<br />
21,7<br />
17,4<br />
17,4<br />
8,7<br />
0<br />
DISCUSSÃO<br />
Houve predominância de homens doentes<br />
em relação às mulheres, com proporção de quase<br />
2:1, estando em consonância com a literatura especializada<br />
que explica tal fato pelas teorias de<br />
maior exposição do sexo masculino ou de maior<br />
resistência inerente à mulher. 3,5<br />
O número de casos do grupo paucibacilar<br />
foi menor do que o do multibacilar, acompanhando<br />
o panorama nacional da moléstia. 2,7 A forma<br />
clínica mais frequente tanto nos pacientes em geral<br />
quanto nos sintomáticos foi a Virchowiana (LL),<br />
sendo tal achado concordante com alguns estudos,<br />
4,5,9 seguida em ambos os casos pela forma<br />
paucibacilar Borderline-Tuberculoide (BT).<br />
O achado relevante de 57,5% de pacientes<br />
com queixas otorrinolaringológicas referentes ao<br />
nariz é compatível com o de Martins et al. (2005),<br />
onde detectou 70% de sintomáticos em sua amostra.<br />
A referência de duração da sintomatologia em<br />
anos pela maioria dos pacientes também foi encontrado<br />
por Abreu et al. (2006) e por Santos et al.<br />
(2000), onde se registrou casos de até 50 anos de<br />
evolução.<br />
A obstrução nasal, observada em 60,9% dos<br />
casos, é um dos sinais otorrinolaringológicos mais<br />
precoces da hanseníase e é reflexo da infiltração<br />
granulomatosa da mucosa. Mesmo com aparente<br />
perviedade da cavidade nasal, os pacientes podem<br />
referir obstrução, comum na rinite atrófica da<br />
hanseníase. 4<br />
Somente 22% dos sintomáticos compareceram<br />
à avaliação clínica e estes não apresentaram<br />
alterações de mucosa ao exame. Isso não condiz<br />
com o achado de alguns trabalhos, que descrevem<br />
alterações da mucosa nasal até mesmo em<br />
assintomáticos. 4 É importante salientar que esses<br />
trabalhos possuíam um arsenal de instrumentos<br />
mais eficazes para tal detecção, como a endoscopia<br />
nasal, propiciando uma visão mais detalhada da<br />
mucosa do que a rinoscopia anterior, e de biópsia<br />
nasal para se fazer diagnóstico diferencial quando<br />
necessário. 1,4<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
35
PREVALÊNCIA DOS SINTOMAS NASAIS EM PACIENTES COM HANSENÍASE ACOMPANHADOS NA FUNDAÇÃO ALFREDO DA MATTA<br />
CONCLUSÃO<br />
Destaca-se a negligência do exame da<br />
mucosa nasal por meio da rinoscopia anterior na<br />
rotina de atendimento em centros de tratamento<br />
para hanseníase.<br />
A forma clínica multibacilar Virchowiana<br />
(LL) é a que mais se relaciona com sintomas nasais,<br />
mas devemos ficar atentos com os sintomas<br />
também nas formas paucibacilares, que, apesar de<br />
menos suscetíveis à sintomatologia otorrinolaringológica<br />
que as formas multibacilares, figuraram<br />
como importantes causadores de queixas nasais.<br />
A pesquisa de lesões de mucosa nasal somente<br />
pela rinoscopia anterior, pelo espéculo nasal,<br />
pode conter falhas, sendo mais adequado o uso<br />
de métodos mais sofisticados para o diagnóstico<br />
correto dessas alterações, como endoscopia e<br />
biópsia nasal.<br />
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revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA<br />
ACHADOS HISTOP<br />
OPATOL<br />
OLÓGIC<br />
ÓGICOS EM GLÂNDULAS<br />
TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS<br />
HABITANTES ANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA<br />
HISTOPATOLOGICAL FINDIGNS IN THYROID GLANDS FROM AUTOPSY OF YOUNG ADULTS<br />
FROM AMAZONIA<br />
Lesemky Carlile Herculano Cattebeke * , Prof. Dr. L. D João Bosco Botelho ** , Prof. Dr. L. D. Onivaldo Cervantes *** , Gecildo<br />
Soriano dos Anjos **** , Rodolfo Fagionato de Freitas ***** , Helder Freitas Alagia ****** , Viviane Saldanha *******<br />
RESUMO: OBJETIVOS: Procurar alterações histopatológicas macroscópicas e microscópicas em glândulas<br />
tireoideas provenientes de necrósias de pacientes sem história prévia de doença tireoidiana. MÉTODO: As glândulas<br />
tireoideas foram retiradas, fotografadas, fixadas em formol a 10%, pesadas, medidas e avaliadas. Cortes<br />
seriados foram realizados a cada 2-3 mm da glândula e pelo menos 3 áreas em cada lobo e áreas suspeitas estudadas<br />
microscopicamente. RESULTADOS: Foram estudadas 15 glândulas tireoideas inteiras, com tecidos adjacentes<br />
provenientes de necropsias de indivíduos masculinos de 17 a 56 anos (média de 31,4 anos), procedentes e<br />
habitantes da região amazônica não litorânea, sem doença tireoidea prévia e mortos por causas acidentais ou<br />
violentas. O peso médio das glândulas estudadas foi 16,17 g, foram encontradas 6 (40%) tireoides normais, 9<br />
(60%) bócios difusos, sendo um (6,6%) Coloide, Cistos coloides em 3 (20%) e microcistos em 4 (26,66%) dos<br />
indivíduos. CONCLUSÃO: Estas alterações encontradas são características de indivíduos provenientes de área<br />
endêmica para bócio, no caso a região amazônica, provavelmente pela dieta alimentar local levando à deficiência<br />
de iodo.<br />
Descritores: 1. Tireoide. 2. Autópsia. 3. Bócio. 4. Histopatológico.<br />
ABSTRACT: OBJECTIVES: Search macroscopic and microscopic histopathological changes in thyroid glands<br />
that were collected at autopsy of subjects with no previous thyroid disease. METHODS: Thyroid glands were<br />
collected, photographed, fixed in formalin, weighed, measured and analyzed. All glands were serially sectioned<br />
at 2-3 mm intervals and at minimum 3 areas for lobe and suspected areas are microscopically examined. RESULTS:<br />
We studied 15 whole thyroid glands. All subjects are men, habitants of Amazon’s central region, had no known<br />
clinical history of thyroid disease and are dead for violent or trauma causes. Age varied from 17 to 56 years (31,4<br />
years of median age).The glands had 16,17 g of median weight, and we find 6 (40%) of normal thyroid glands, 9<br />
(60%) diffuse goiters (one of then Colloid), colloid cysts in 3 (20%) and micro cysts in 4 (26,66%) subjects.<br />
CONCLUSION: The morphologic changes are from individuals characteristically from an endemic goiter region,<br />
in the Amazon region, probably as a result of the local diet conducing to iodine deficiency.<br />
Keywords: 1. Thyroid. 2. Autopsy. 3. Goiter. 4. Histopathology.<br />
*<br />
Professor titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Clínica Cirúrgica II da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (<strong>Ufam</strong>),<br />
preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do <strong>Hospital</strong> Santa Júlia e <strong>Hospital</strong> Adriano Jorge, doutorando em Biotecnologia pela <strong>Ufam</strong>.<br />
**<br />
Professor doutor e livre-docente, ex-chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Clínica Cirúrgica II – Universidade Federal do Amazonas (<strong>Ufam</strong>).<br />
***<br />
Professor da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Universidade do Estado do Amazonas e do Centro Universitário Nilton Lins, preceptor da<br />
Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do <strong>Hospital</strong> Santa Júlia e <strong>Hospital</strong> Adriano Jorge.<br />
****<br />
Professor associado, doutor e livre-docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Unifesp – EPM<br />
*****<br />
Mestres em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, médico cirurgião assistencial do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong> – <strong>Ufam</strong> e preceptor da Residência<br />
Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do <strong>Hospital</strong> Santa Júlia e Fundação <strong>Hospital</strong> Adriano Jorge, doutorandos em Biotecnologia pela <strong>Ufam</strong><br />
******<br />
Professor do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Amazonas e médico perito legista do Instituto Médico-Legal do Amazonas<br />
*******<br />
Otorrinolaringologista, preceptora da Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia do <strong>Hospital</strong> Santa Júlia e Fundação <strong>Hospital</strong> Adriano Jorge, doutoranda em<br />
Biotecnologia pela <strong>Ufam</strong>.<br />
revistahugv<br />
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA<br />
1. INTRODUÇÃO<br />
Os diagnósticos das alterações<br />
morfológicas e funcionais da tireoide são de importância<br />
singular porque são passíveis de prevenção<br />
ou tratamento clínico ou cirúrgico. Muitos<br />
trabalhos referem anormalidades tireoideas em<br />
indivíduos assintomáticos, o que, do ponto de vista<br />
anatômico, geram os “bócios”. 1<br />
O bócio é qualquer aumento de volume da<br />
glândula tireoide, não importando a etiologia ou<br />
fisiopatologia. Sob a perspectiva da histopatologia,<br />
contudo, o bócio representa uma hipertrofia difusa<br />
do tecido tireoideo em consequência da hiperplasia<br />
das células foliculares. Quanto à fisiologia, quase<br />
sempre o bócio se acompanha de hipotireoidismo,<br />
levando a graves consequências ao metabolismo<br />
do indivíduo e mesmo ao intelecto. Associado a<br />
estas doenças benignas, ocorre uma incidência aumentada<br />
também de tumores malignos, os cânceres<br />
da glândula tireoide. A Organização Mundial<br />
de Saúde (OMS) reconhece a existência de bócio<br />
endêmico quando, em determinada área geográfica,<br />
mais de 10% da população em geral ou 20%<br />
das crianças e adolescentes, de ambos os sexos, são<br />
portadoras de bócio. 1,2,3<br />
Com as modernas técnicas de imagem, principalmente<br />
a ecografia, cada vez mais se detectam<br />
alterações na anatomia tireoidea, e até nódulos não<br />
palpáveis podem ser biopsiados por uma aspiração<br />
com agulha fina (PAAF). 4,5 Mas a sensibilidade<br />
e especificidade destes exames são limitadas,<br />
pois são dependentes da experiência do examinador<br />
e somente o exame histopatológico convencional<br />
pode dar uma maior segurança ao pesquisador.<br />
Estudos da glândula tireoide em autópsias são<br />
frequentes na literatura mundial, verificando-se<br />
que a prevalência de achados morfológicos alterados<br />
relacionam-se a diversos fatores como: o aumento<br />
da faixa etária estudada, 6 a localização geográfica<br />
da população, 7 o método da pesquisa, entre<br />
outros. 8<br />
Pesquisas post morten em jovens são importantes<br />
porque a identificação destas alterações<br />
assintomáticas pode levar a medidas preventivas<br />
na população que interrompam a evolução natural<br />
da doença e melhorem a expectativa e a qualidade<br />
de vida desses pacientes numa idade mais<br />
avançada.<br />
2. MÉTODO<br />
O presente estudo apresenta como material<br />
15 glândulas tireoideas inteiras com tecidos adjacentes<br />
provenientes de autópsias de indivíduos<br />
com as seguintes características:<br />
1. Morte por causas não relacionadas a doenças<br />
tireoideas.<br />
2. Idade compreendida entre 17 e 56 anos<br />
(média = 32,46).<br />
3. Ausência de fatores relacionados ao tipo<br />
de morte ou tempo de morte que prejudicassem o<br />
correto estudo da glândula (ferimentos, queimaduras,<br />
ação da flora cadavérica, decomposição).<br />
4. Todos procedentes e domiciliados na região<br />
amazônica, em áreas não litorâneas, sem antecedentes<br />
de moradia em outras localidades.<br />
5. Ausência de história familiar de doença<br />
tireoidea conhecida.<br />
6. Consentimento por escrito da coleta, após<br />
esclarecimento, de familiar ou responsável.<br />
1. Coleta da glândula tireoidea diante dos<br />
cadáveres segundo técnica específica padronizada,<br />
obedecendo a diretrizes da legislação médicolegal<br />
vigente no Instituto Médico-Legal. Participação<br />
ativa e consentida em conjunto com os médicos<br />
legistas da instituição. Terminada a perícia médico-legal,<br />
o cadáver foi colocado em hiperextensão<br />
cervical com um coxim de madeira sob as escápulas<br />
e iniciada a coleta da glândula tireoide. A incisão<br />
mediana é ampliada até o osso hioide e<br />
aprofundada na linha média entre a cartilagem<br />
tireoidea superiormente e os primeiros anéis<br />
traqueais inferiormente, expondo a glândula<br />
tireoide. A musculatura infra-hioidea foi afastada<br />
lateralmente e, em casos de difícil dissecção, foi<br />
seccionada transversalmente de modos a facilitar<br />
a retirada completa da glândula. Após a dissecção<br />
38<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA<br />
anterior e lateral da tireóide, procurando-se não<br />
lesar a cápsula, seguiu-se à secção dos pedículos<br />
arteriovenosos superiores e inferiores. Os nervos<br />
laríngeos recorrentes e superiores, paratireoides,<br />
gordura e linfonodos peri-tireoideos foram retirados<br />
em bloco com a peça principal. O exame<br />
macroscópico e microscópico, medição e pesagem<br />
da glândula, foram realizadas segundo técnicas<br />
preconizadas 9 pela Sociedade Brasileira de Patologia,<br />
no Departamento de Patologia da Faculdade<br />
de Ciências da Saúde da Fundação Universidade<br />
do Amazonas. Após a macroscopia, a glândula<br />
foi pesada com balança de precisão. Cortes longitudinais<br />
foram realizados a cada 2-3 mm e analisados<br />
sistematicamente com o objetivo de identificar<br />
lesões suspeitas (Figura 1). As alterações foram<br />
registradas e serviram para o exame<br />
histológico. Foram realizadas de 3 a 5 lâminas de<br />
cada lobo e istmo. Lâminas são preparadas e coradas<br />
com hematoxilina e eosina. Baseado nos dados<br />
coletados, foi calculado o coeficiente de correlação<br />
entre as variáveis peso das glândulas<br />
tireoideas versus idade dos pacientes. O resultado<br />
foi R = 0,3971, aparentemente sugerindo correlação<br />
positiva (o peso aumenta com a idade), porém<br />
o teste de Pearson mostrou com resultado r - value<br />
= 0,143, não mostrando significância estatística<br />
entre as variáveis em questão.<br />
restantes foram classificadas como bócios. Sendo<br />
que uma como bócio coloide. Não foram identificados<br />
focos de carcinoma ou tireoidite, embora<br />
houvesse focos de infiltrado linfocítico focal. A<br />
única alteração congênita encontrada foi a presença<br />
do lobo piramidal, ou pirâmide de Lalouette,<br />
em 2 pacientes, E e H (Tabela 1). Todas as glândulas<br />
encontravam-se na topografia usual e se constituíam<br />
de dois lobos principais e um istmo.<br />
Tabela 1– Achados Morfológicos em 15 tireoides provenientes<br />
de necropsias de pacientes sem doença conhecida<br />
prévia, provenientes da região amazônica, segundo<br />
a idade.<br />
Idade<br />
Indivíduos<br />
Tireoide Normal<br />
Peso Médio (g)<br />
Bócio Difuso<br />
Fibrose<br />
Congestão Vascular<br />
Infiltrado Linfocitário<br />
Hemorragias<br />
Hiperplasia Nodular<br />
Microcistos<br />
Cápsula íntegra<br />
Carcinomas<br />
Adenomas<br />
Cistos Coloides<br />
17 A 36<br />
ANOS<br />
9<br />
6<br />
14,17 g<br />
3<br />
4<br />
4<br />
2<br />
1<br />
1<br />
2<br />
9<br />
0<br />
0<br />
2<br />
37 A 56<br />
ANOS<br />
6<br />
0<br />
19,15 g<br />
6<br />
2<br />
5<br />
1<br />
2<br />
0<br />
2<br />
6<br />
0<br />
0<br />
1<br />
TOTAL %<br />
15 (100%)<br />
6 (40%)<br />
16,17 g<br />
9 (60%)<br />
6 (40%)<br />
9 (60%)<br />
3 (20%)<br />
3 (20%)<br />
1 (6,66%)<br />
4 (26,66%)<br />
100 %<br />
0<br />
0<br />
3 (20%)<br />
4. DISCUSSÃO<br />
Figura 1 – Cortes seriados a cada 2-3 mm da glândula tireoide.<br />
3. RESULTADOS<br />
A idade média dos 15 indivíduos do estudo<br />
foi de 31,4 anos, variando de 17 a 56 anos. Após<br />
a retirada dos tecidos adjacentes o peso médio foi<br />
16,17 g, variando de 9,3 a 30 g. Sete glândulas foram<br />
classificadas como normais. Oito glândulas<br />
A média de idade dos indivíduos deste estudo,<br />
de 31,4 anos, é uma das mais baixas da literatura;<br />
existe pouca informação publicada sobre o<br />
tipo e prevalência de doença tireoidea oculta em<br />
adultos jovens. 6,10<br />
Komorowski & Hanson 10 informam que há<br />
inúmeras razões para se procurar entender o tipo<br />
e a incidência de doenças tireoideas ocultas em<br />
adultos jovens. Primeiramente este estudo pode<br />
contribuir substancialmente para entendermos a<br />
prevalência e a história natural da doença de desordens<br />
tireoideas potencialmente graves. Outras<br />
razões são citadas, como em uso como grupo con-<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
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ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA<br />
trole, comparação entre áreas geográficas e exposição<br />
a elementos cancerígenos. Em uma série<br />
de 138 necropsias de adultos com idade entre 20<br />
e 40 anos eles encontraram somente 3% de carcinomas<br />
ocultos, o peso médio foi de 17,3 g em homens<br />
e 16,8 g em mulheres, adenomas foram encontrados<br />
em 10% e fibrose em 8% das glândulas.<br />
Estudos de patologia oculta de tireoide em<br />
adultos foram formulados quase exclusivamente<br />
em populações de idade avançada, refletindo a<br />
idade em que se fazem mais necropsias nos diversos<br />
centros médicos, 10 geralmente em Serviços de<br />
Verificação de Óbito (SVO) e não em Institutos<br />
Médico-Legais (IML).<br />
Outra característica encontrada é que os pacientes<br />
são todos do sexo masculino, isso em função<br />
da maior exposição deste sexo à causa de morte<br />
violenta ou acidental (10 dos 15 óbitos foram causados<br />
por ferimento por arma branca ou de fogo).<br />
Identificou-se uma alta incidência de bócio<br />
difuso em indivíduos jovens (60%), achado compatível<br />
com indivíduos habitantes em região<br />
endêmica para bócio, com fatores provavelmente<br />
relacionados à ingesta alimentar deficiente em<br />
iodo 3,11,12 ou fatores outros ainda não esclarecidos.<br />
Lima & Montandon 13 acharam uma incidência de<br />
35% de bócio e Bisi, Fernandes, Asato de Camargo,<br />
Koch, Abdo e Thales de Brito 7 de 36% em regiões<br />
do Sudeste brasileiro.<br />
O bócio endêmico é mais prevalente em áreas<br />
montanhosas como os Alpes, Andes e Himalaia,<br />
mas também podem ocorrer em regiões não montanhosas<br />
remotas do mar, mas com esta distribuição<br />
nem sempre a ingestão deficiente em iodo é a<br />
causa dominante da enfermidade. 2,5,14,15<br />
Dois estágios podem ser identificados na<br />
evolução do bócio não-tóxico difuso, sendo o primeiro<br />
estágio hiperplásico e o segundo da involução<br />
coloide. 11 No estágio de hiperplasia a glândula é moderadamente<br />
aumentada de tamanho, aumentada<br />
difusamente, simetricamente e torna-se acentuadamente<br />
hiperêmica. O aumento da massa de células<br />
é detido pelo eutireoidismo e a duração desta<br />
fase é extremamente variável. Os pacientes estavam<br />
na maior parte nesta fase.<br />
O acúmulo de coloide não é uniforme e alguns<br />
ficam muito distendidos, enquanto outros<br />
permanecem pequenos e podem mesmo reter pequenas<br />
invaginações de células hiperplásicas. O<br />
coloide acumulado produz acentuado aumento da<br />
consistência e uma superfície gelatinosa, brilhante.<br />
11 É o chamado bócio coloide. Convém lembrar<br />
que microcistos foram encontrados em 4 indivíduos<br />
(26,66%) e cistos coloides em 3 (20%).<br />
Então, o significado clínico das alterações<br />
encontradas (bócio difuso não tóxico) depende de<br />
sua capacidade de encontrar o estado de<br />
eutireoidismo. Raros pacientes são hipotireoideos<br />
e o TSH quase que invariavelmente está elevado.<br />
É provável que o principal significado do bócio<br />
difuso é que ele é o precursor de um bócio<br />
nodular. 11 Bisi, Fernandes, Asato de Camargo,<br />
Koch, Abdo & Thales de Brito, 7 examinando 300<br />
glândulas tireoideas inteiras, sendo 200 de mulheres,<br />
encontraram 6,6% de neoplasias benignas e<br />
malignas incidentais, sendo 2,33% de carcinomas,<br />
e 1% ocultos. Encontraram também 42,32% de<br />
tireoides normais e 36% de bócios, sendo 28,33%<br />
de bócios nodulares e 7% de bócios coloides<br />
difusos.<br />
Bisi, Fuggeri, Longatto Filho, Asato de<br />
Camargo, Fernandes & Abdo, 8 em artigo de revisão,<br />
procuraram lesões tireoideas neoplásicas, ou<br />
não, em seis décadas de autopsias de rotina<br />
(145,043 casos). Encontraram lesões neoplásicas<br />
insuspeitas em 425 casos (8,38%), sendo que destas<br />
68,24% eram malignas. Nessa casuística, as lesões<br />
não neoplásicas mais frequentes foram os<br />
bócios coloides adenomatosos com 3.135 casos<br />
(61,83% das lesões não neoplásicas).<br />
Lima & Montandon, 13 num estudo em cem<br />
necropsias, identificaram 21% de neoplasias benignas<br />
e malignas. Esse trabalho realizado no Triângulo<br />
Mineiro encontrou 14 carcinomas papilíferos<br />
sendo que 12 menores que 1 cm de diâmetro, os<br />
chamados microcarcinomas de tireoide (MCT).<br />
Bócio coloide foi encontrado em 35% dos casos,<br />
sendo 31 casos do tipo nodular e 4 do tipo coloide.<br />
Os carcinomas papilíferos encontrados apresenta-<br />
40<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LESEMKY CATTEBEK, JOÃO BOTELHO, ONIVALDO CERVANTES, GECILDO ANJOS, RODOLFO FREITAS, HELDER ALAGIA, VIVIANE SALDANHA<br />
vam na maioria (57,14%) padrão folicular. O peso<br />
médio das glândulas foi 23,1 g. Tireoides consideradas<br />
normais foram 43%.<br />
Enfim, analisando esta série em comparando<br />
com a literatura, verifica-se a importância de<br />
uma verificação sistemática e detalhada das glândulas<br />
tireoideas em autopsias na busca de esclarecer<br />
as vias de desenvolvimento e características<br />
dessa patologia (o bócio) na região amazônica e<br />
no restante do mundo.<br />
CONCLUSÃO<br />
Os resultados encontrados nos mostram<br />
que a maioria dos indivíduos do grupo estudado<br />
possui alterações microscópicas nas suas glândulas<br />
tireoideas. Essas alterações são características<br />
de habitantes de área endêmica para bócio por provável<br />
deficiência alimentar ou na absorção do iodo.<br />
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revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
41
ACHADOS HISTOPATOLÓGICOS EM GLÂNDULAS TIREOIDEAS DE NECRÓPSIAS DE ADULTOS JOVENS HABITANTES DA REGIÃO AMAZÔNICA<br />
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Local de realização do trabalho:<br />
Instituto Médico-Legal do Amazonas<br />
Faculdade de Medicina da Universidade Federal<br />
do Amazonas<br />
CONTATOS PARA CORRESPONDÊNCIA:<br />
Dr. Lesemky Cattebeke<br />
Rua Vila Amazonas, 488/404-B<br />
CEP: 69057240 – Manaus-AM<br />
Telefone: (92) 3236-3624<br />
e-mail: cattebeke@uol.com.br<br />
42<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA<br />
ALTERA<br />
TERAÇÕES GASOMÉTRIC<br />
ASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO<br />
ADO<br />
BRON<br />
ONCOAL<br />
ALVEOL<br />
VEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZA-<br />
DO DE BRON<br />
ONCOSC<br />
OSCOPIA OPIA DE MANAUS<br />
GASOMETRIES ALTERATIONS DURING BRONCHOALVEOLAR LAVAGE IN ESPECIALIZED<br />
SERVICE OF MANAUS<br />
Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos de Lima*, José Correa Lima Neto*, Rildo Guilherme de Oliveira Gomes**, Karina<br />
Rabelo Albuquerque de Arnez***, Sileno de Queiroz Fortes Filho****, Ana Carolina Quico Nuerza****<br />
RESUMO: Objetivo: Avaliar as alterações gasosas induzidas pelo lavado broncoalveolar (LBA) quanto à presença<br />
de hipoxemia ou possível hipercapnia por meio de gasometria arterial. Métodos: Estudo prospectivo, no qual<br />
pacientes maiores de 18 anos foram submetidos à broncoscopia com LBA no <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong>,<br />
no período de dezembro de 2004 a novembro de 2005. Foram colhidas amostras sanguíneas por intermédio de<br />
punção arterial radial em membro superior com arco palmar íntegro, para avaliação gasométrica, antes do LBA<br />
e em vários tempos após seu início, sendo feita suplementação de oxigênio concomitante. Resultados: Vinte e<br />
cinco pacientes participaram do estudo, sendo a maioria do sexo masculino (78%). A pressão parcial de oxigênio<br />
(PaO 2<br />
) antes do início do procedimento teve uma média de 85mmHg, aumentando para 128mmHg quando do<br />
início da suplementação de oxigênio e depois se estabilizando em 82mmHg após a realização do LBA, tendo<br />
decréscimo, portanto, de 3mmHg da média inicial. A pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO 2<br />
) variou de 38<br />
a 45mmHg, estabilizando em 43mmHg. Conclusão: O lavado broncoalveolar diminuiu a PaO 2<br />
significativamente,<br />
mas não chegou a provocar hipoxemia, fato provavelmente explicado pela suplementação de oxigênio feita<br />
antes do início do procedimento e durante ele. A PaCO 2<br />
estabilizou em valores considerados limítrofes após seu<br />
aumento inicial, não havendo hipercapnia.<br />
Palavras-chave: Lavagem Broncoalveolar; Gasometria; Testes de Função Pulmonar; Pressão parcial; Hipóxia;<br />
Hipercapnia.<br />
ABSTRACT: Objective: To evaluate the gaseous changes induced by bronchoalveolar lavage (BAL) for the<br />
presence of hypoxemia or possible hypercapnia using arterial blood gas. Methods: Prospective study in which<br />
patients over 18 were submitted to bronchoscopy with BAL in the University <strong>Hospital</strong> Getúlio <strong>Vargas</strong>, in the<br />
period December 2004 to November 2005. Blood samples were collected through a radial artery puncture in the<br />
upper limb with palmar arch intact, to evaluate gas before the LBA and several times after its inception, and<br />
given supplemental oxygen concurrently. Results: Twenty-five patients participated in the study, the majority<br />
being male (78%). The partial pressure of oxygen (PaO2) before the procedure took an average of 85mmHg,<br />
128mmHg when rising to the top of supplemental oxygen and then stabilized at 82mmHg after the LBA, and<br />
decrease, therefore, the average 3mmHg original. The partial pressure of carbon dioxide (PaCO2) ranged from 38<br />
to 45mmHg, stabilizing at 43mmHg. Conclusion: The bronchoalveolar lavage decreased PaO2 significantly, but did<br />
not cause hypoxemia, a fact probably explained by oxygen supplementation given before the procedure and during<br />
it. The PaCO2 stabilized at values considered borderline after its initial increase, resulting no hypercapnia.<br />
*<br />
Cirurgião Torácico.<br />
**<br />
Médico especialista em Anestesiologia.<br />
***<br />
Residente em Anestesiologia do <strong>HUGV</strong>.<br />
****<br />
Acadêmico de Medicina da Universidde Estadual de Medicina.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
43
ALTERAÇÕES GASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO BRONCOALVEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZADO DE BRONCOSCOPIA DE MANAUS<br />
INTRODUÇÃO<br />
A introdução da fibrobroncoscopia flexível<br />
para o diagnóstico e tratamento das doenças pulmonares<br />
revolucionou a abordagem dessas patologias.<br />
1 Entre as diversas técnicas que surgiram está<br />
o lavado broncoalveolar (LBA), que é um método<br />
diagnóstico minimamente invasivo, tendo por conceito<br />
básico o recolhimento de células e exsudato<br />
inflamatório presentes na superfície epitelial do<br />
alvéolo, interagindo, assim, com processos<br />
imunológicos, inflamatórios e infecciosos ali presentes.<br />
2,3 O LBA facilitou a análise microbiológica do<br />
trato respiratório inferior sem contaminação da<br />
amostra por microrganismos da orofaringe, 2 possibilitou<br />
um melhor estudo da fisiopatogênese e<br />
da avaliação da atividade das doenças que acometem<br />
o interstício pulmonar e auxiliou no diagnóstico<br />
de doenças oportunistas. 4<br />
Pacientes com HIV/aids, por exemplo,<br />
apresentam risco aumentado para infecções oportunistas<br />
respiratórias, mas por causa da ausência<br />
de especificidade nos achados clínicos e de imagem,<br />
o LBA tornou-se fundamental no diagnóstico<br />
dessas doenças, melhorando o prognóstico desses<br />
pacientes, na medida em que passou a ser feita<br />
a terapia mais adequada. 2,3,5<br />
Ao longo de décadas, a Medicina vem desenvolvendo<br />
inúmeras formas de melhor detectar<br />
e quantificar o transporte de oxigênio para avaliação<br />
da eficiência do sistema que o distribui no organismo.<br />
A gasometria arterial permite a medida<br />
da pressão parcial de oxigênio (PaO 2<br />
), da pressão<br />
parcial do dióxido de carbono (PaCO 2<br />
) e do pH, e<br />
permanece como o método mais confiável na<br />
monitorização da oxigenação e da ventilação. O<br />
controle da oxigenação durante o LBA, entretanto,<br />
é realizado mais comumente pela medida da<br />
saturação da hemoglobina pela oximetria de pulso.<br />
6,7<br />
As razões pelas quais a oximetria de pulso<br />
substituiu a gasometria arterial durante o LBA<br />
são: (1) menor risco de complicações por ser um<br />
método não-invasivo, ao contrário da gasometria,<br />
na qual há o risco de infecções, bem como a possibilidade<br />
de sangramentos; (2) monitorização das<br />
alterações do oxigênio de forma rápida e contínua,<br />
por intermédio da medida da saturação do<br />
oxigênio (SaO 2<br />
), o que implica um melhor acompanhamento<br />
durante a realização do LBA, que é<br />
considerado um método simples e rápido. 6,7<br />
A oximetria de pulso, no entanto, é consideravelmente<br />
limitada quando utilizada para estimar<br />
a PaO 2<br />
do sangue. A relação entre a PaO 2<br />
e a<br />
SaO 2<br />
(curva de dissociação da hemoglobina) sofre<br />
influências da temperatura, da PaCO 2<br />
e dos teores<br />
de 2,3 difosfoglicerato (2,3,DPG), presentes nas<br />
hemácias. Além disso, considerando a precisão da<br />
oximetria, uma SaO 2<br />
de 95% pode representar uma<br />
saturação real entre 91 e 99%. Ora, tanto a SaO 2<br />
de<br />
91% pode expressar uma PaO 2<br />
de 60mmHg como<br />
a SaO 2<br />
de 99% uma PaO 2<br />
de 160mmHg. 7<br />
Dessa forma, o presente trabalho vem mostrar<br />
as alterações das trocas gasosas durante o lavado<br />
broncoalveolar pela utilização da gasometria<br />
arterial, considerado o exame padrão-ouro para a<br />
análise correta das medidas dos gases arteriais.<br />
MÉTODOS<br />
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de<br />
Ética em Pesquisa da Fundação de Medicina Tropical<br />
do Estado do Amazonas – FMTAM.<br />
Fizeram parte do estudo todos os pacientes<br />
maiores de 18 anos de idade com indicação de<br />
broncoscopia e LBA no Serviço de Cirurgia<br />
Torácica do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
(<strong>HUGV</strong>), no período de dezembro de 2004 a novembro<br />
de 2005. Os exames foram realizados pelos<br />
médicos responsáveis pelo setor de<br />
broncoscopia e a análise das gasometrias foi feita<br />
pelo laboratório do próprio hospital.<br />
Foram excluídos do estudo os pacientes com<br />
antecedentes de doença coronariana, doença<br />
vascular periférica, insuficiência cardíaca sistólica<br />
e/ou diastólica, fístula arterio-venosa, doença pulmonar<br />
descompensada; ausência de integridade do<br />
arco palmar em ambos os membros superiores,<br />
instabilidade clínica a ponto de interromper o exa-<br />
44<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA<br />
me e aqueles que se negaram a participar do estudo.<br />
Para o preparo dos pacientes foram feitos<br />
os seguintes procedimentos: (1) venóclise no membro<br />
superior contralateral ao que seria colhida a<br />
amostra sanguínea para gasometria; (2) punção<br />
arterial em membro superior com arco palmar íntegro;<br />
(3) monitorização dos sinais vitais; (4)<br />
anestesia da via aérea, consistindo de anestesia<br />
tópica de oro e nasofaringe, além de anestesia<br />
endovenosa com midazolan 5mg e fentanil 50ìg.<br />
Com relação à técnica, o local selecionado<br />
para lavagem depende da região acometida, mas<br />
nos casos onde o comprometimento pulmonar é<br />
difuso, o lobo médio ou a língula são os preferencialmente<br />
lavados, pois o retorno de fluxo é maior<br />
pela posição pendente dos brônquios<br />
subsegmentares no paciente em posição supina. 4<br />
O broncoscópio é introduzido até atingir<br />
um brônquio compatível com seu tamanho, que<br />
geralmente é um de 3.ª à 5.ª ordens, e em seguida<br />
injetam-se quantias de 20-50ml até um total de 100-<br />
200ml (máximo de 300ml) de salina estéril, de preferência<br />
a 37ºC. 8 Após cada quantia, o líquido é<br />
aspirado manualmente ou por pressão de aspiração<br />
negativa (50-80mmHg). Desconhece-se o tempo<br />
ideal que o líquido deve ser mantido antes de<br />
ser aspirado. 2<br />
A primeira alíquota, geralmente, tem um<br />
baixo retorno de até 20%. 9 Durante o exame este<br />
valor deve subir para 40-70%, sendo o volume<br />
médio total de retorno em voluntários normais<br />
não-fumantes de 60-80% do volume injetado. Pacientes<br />
fumantes e com doenças pulmonares, principalmente<br />
DPOC, terão um retorno mais diminuído.<br />
Foram tomados os cuidados necessários na<br />
colheita das amostras sanguíneas para a gasometria<br />
arterial, as quais devem ser obtidas em condições<br />
anaeróbicas, colocadas em gelo e mantidas a 0ºC<br />
até a leitura. A presença de bolhas de ar na amostra<br />
sanguínea também influencia a leitura dos gases,<br />
com aumento da PaO 2<br />
e diminuição da PaCO 2.<br />
Os aparelhos tradicionais para medida do pH e da<br />
gasometria utilizam eletrodos especiais para a leitura<br />
do pH, do oxigênio (eletrodo de Clark) e do<br />
dióxido de carbono (eletrodo de Severinghaus), os<br />
quais necessitam de calibrações frequentes, que<br />
muitas vezes retardam a leitura das amostras. 6<br />
Foram realizadas gasometrias seriadas nos<br />
seguintes tempos:<br />
• T1 – paciente sem suplementação de oxigênio;<br />
• T2 – após 2 minutos de suplementação de<br />
oxigênio;<br />
• T3 – 1.º minuto após início da coleta do<br />
LBA;<br />
• T4 – 2.º minuto após início do LBA;<br />
• T5 – 3.º minuto após início do LBA;<br />
• T6 – 4.º minuto após início do LBA;<br />
• T7 – 5.º minuto após início do LBA.<br />
A suplementação de oxigênio foi realizada<br />
nos pacientes com máscara facial em circuito circular<br />
com absorção de CO 2<br />
, em FiO 2<br />
de 1,0. A manutenção<br />
da oxigenação foi feita com O 2<br />
nasal a<br />
4,0L/min, até o final do exame. O volume total de<br />
líquido utilizado no lavado foi de 120ml de soro<br />
fisiológico 0,9%.<br />
O método estatístico utilizado para a análise<br />
dos dados foi o descritivo, por meio da média<br />
das aferições realizadas nos tempos estudados das<br />
variáveis PaO 2<br />
e PaCO 2<br />
.<br />
RESULTADOS<br />
Participaram do estudo 25 pacientes, dos<br />
quais 72% foram do sexo masculino (n = 18) e 28%<br />
do sexo feminino (n = 7), com média de idade de<br />
51,4 anos (variação entre 28-72 anos). Somente em<br />
12 pacientes foi resgatada a principal indicação da<br />
broncoscopia com LBA, sendo cinco por infiltrado<br />
pulmonar, três por massa pulmonar, dois por<br />
bronquiectasias, um por fibrose pulmonar e outro<br />
por hemoptise.<br />
Por meio de análise descritiva foi feita, então,<br />
a distribuição das médias dos gases sanguíneos<br />
obtidos durante a gasometria arterial nos sete<br />
tempos determinados anteriormente. No caso da<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
45
ALTERAÇÕES GASOMÉTRICAS DURANTE LAVADO BRONCOALVEOLAR EM UM SERVIÇO ESPECIALIZADO DE BRONCOSCOPIA DE MANAUS<br />
PaO 2<br />
(Figura 1), a média antes da realização do<br />
procedimento foi de 85mmHg. Ocorreu um aumento<br />
da PaO 2<br />
no T2, em relação ao T1, de<br />
43mmHg, resultado esperado em função da<br />
suplementação de oxigênio. Desde o início da<br />
broncoscopia até o T3, já se observa o retorno da<br />
média das gasometrias até o seu valor inicial, mesmo<br />
com manutenção da oxigenação de 4 a 5L/min,<br />
fato que pode ser explicado pelo distúrbio na relação<br />
ventilação-perfusão provocado pelas alíquotas<br />
de salina do lavado ou ainda pelo obstáculo à passagem<br />
do ar ocasionado pelo aparelho nas vias<br />
aéreas do paciente e pela sedação realizada, componentes<br />
essenciais para o sucesso do exame. Após<br />
cinco minutos, no T7, as médias se estabilizaram<br />
em 82mmHg, mostrando uma variação discreta de<br />
3mmHg em relação a T3.<br />
Quanto à PaCO 2<br />
(Figura 2), a média das<br />
pressões parciais antes do procedimento foi de<br />
38mmHg. Observou-se alteração significativa desse<br />
valor em T3, no qual ocorreu elevação de<br />
9mmHg da média, não ultrapassando o limite normal<br />
de 45mmHg. Até cinco minutos após o início<br />
do lavado a média das pressões se manteve estável,<br />
chegando a um valor mínimo de 43mmHg.<br />
Gasometria (tempo)<br />
Figura 1 – Distribuição das médias da PaO 2<br />
nos sete tempos determinados.<br />
Gasometria (tempo)<br />
Figura 2 – Distribuição das médias da PaCO 2<br />
nos sete tempos determinados.<br />
DISCUSSÃO<br />
O valor normal da PaO 2<br />
é em média<br />
95mmHg, variando de 85 a 100mmHg. Quando<br />
este valor cai para níveis abaixo de 60mHg, está<br />
definido o estado de hipóxia, no qual há uma<br />
oxigenação inadequada dos tecidos que pode ser<br />
causada por fluxo sanguíneo inadequado e/ou baixa<br />
concentração de oxigênio no sangue. 10<br />
Dentre as causas de hipoxemia, temos quatro<br />
principais: (1) comprometimento da difusão,<br />
provocada pela presença de líquidos no interior<br />
dos alvéolos; 11 (2) shunts arterio-venosos, permitindo<br />
a passagem do sangue para o sistema arterial<br />
sistêmico sem a oxigenação prévia, por causa da<br />
inundação alveolar; (3) hipoventilação; (4) shunts<br />
aéreos, provocados pela desigualdade ventilaçãoperfusão.<br />
A possível baixa concentração de oxigênio<br />
causada pelo LBA pode estar associada às duas<br />
primeiras causas. 10,11<br />
Nesse estudo apenas um paciente teve PaO 2<br />
inferior a 60mmHg (4%), o que ocorreu em todos<br />
os seus tempos exceto no T2, mas nenhuma complicação<br />
foi observada. A possível diminuição da<br />
presença de hipoxemia em nosso trabalho provavelmente<br />
se dá pela utilização de oxigenação com<br />
máscara facial durante 5 minutos com FiO 2<br />
a 1,0<br />
antes do início do procedimento. Segundo Pugin e<br />
Suter (1992), as razões para a diminuição da<br />
oxigenação após broncoscopia com LBA não estão<br />
claramente definidas, mas o volume de líquido<br />
instilado e a presença de doenças pulmonares podem<br />
ser fatores de risco. 12<br />
Gibson et al. (1990) analisaram três diferentes<br />
grupos submetidos ao LBA. 13 O primeiro grupo<br />
realizou somente broncoscopia, enquanto o segundo<br />
fez LBA com respiração ambiente e o terceiro<br />
LBA com suplementação de oxigênio, feita<br />
com cateter nasal a 4L/min, sem oxigenação antes<br />
do procedimento. O valor da PaO 2<br />
caiu 12+/-<br />
3mmhg, 24+/-4mmHg e 32+/-5mmHg, respectivamente.<br />
Em 76% dos pacientes do segundo grupo<br />
e 25% do terceiro grupo à PaO 2<br />
diminuiu abaixo<br />
de 60mmHg, caracterizando um estado de<br />
hipoxemia.<br />
46<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, JOSÉ NETO, RILDO GOMES, KARINA ARNEZ, SILENO FILHO, ANA NUERZA<br />
Sharma et al. (1993) e Dubrawsky et al.<br />
(1975) também não demonstraram em seus estudos<br />
alteração significativa na PaCO 2<br />
, ou seja, valores<br />
maiores que 45mmHg, o que é justificado<br />
pela maior facilidade que o gás carbônico tem de<br />
atravessar a membrana alvéolo-capilar que o oxigênio.<br />
14,15<br />
O LBA é considerado um procedimento<br />
muito seguro, cuja taxa de complicações é de 0-<br />
3% comparado a 7% com a biópsia de pulmão<br />
transbrônquica e 13% quando se usa a biópsia pulmonar<br />
a céu aberto. A quantidade residual de salina<br />
presente no alvéolo pode gerar complicações,<br />
tais como: febre (2,5%), broncoespasmo (0,7%),<br />
sangramento leve (0,7%), infiltrados alveolares<br />
(0,4%) e hipoxemia. Estas complicações são de<br />
duração limitada, cedendo após 24 horas, mas em<br />
pacientes submetidos à instilação de 300-500ml<br />
de solução salina, a incidência pode aumentar<br />
para 20%. 2,3 Neste estudo não houve complicações<br />
nos pacientes submetidos ao LBA, com exceção<br />
do caso de hipoxemia citado anteriormente.<br />
Papazian et al. (1993) avaliaram os efeitos<br />
do lavado broncoalveolar em pacientes sob ventilação<br />
mecânica. 16 Notaram um decréscimo significativo<br />
na PaO 2<br />
, PaCO 2<br />
, bem como da SaO 2<br />
, após<br />
o procedimento, mas não houve alterações ou complicações<br />
significativas. Concluiu que é seguro realizar<br />
este tipo de procedimento mesmo em pacientes<br />
criticamente enfermos sob ventilação mecânica,<br />
estando alguns em choque cardiogênico<br />
ou choque séptico, fazendo uso de drogas<br />
vasopressoras para poder alcançar estabilidade<br />
hemodinâmica.<br />
Por sua vez, Klein et al. (1998), que também<br />
avaliaram esse tipo de alterações em pacientes<br />
sob ventilação mecânica, observaram deterioração<br />
da função e da mecânica pulmonar, associada<br />
a maior risco de hipoxemia e hipercapnia,<br />
além de diminuição da complacência. Segundo<br />
eles, são múltiplos os mecanismos que levam a essa<br />
deterioração, incluindo o não retorno do líquido<br />
instilado, indução de edema pulmonar e<br />
inativação ou interferência da ação do<br />
surfactante. 17<br />
Pacientes asmáticos estão sob maior risco<br />
de desenvolver complicações relacionadas ao<br />
LBA. Spanevello et al. (1998), ao estudarem os riscos<br />
e complicações inerentes ao LBA em pacientes<br />
asmáticos, verificaram que eles estão mais sujeitos<br />
à hipoxemia pela diminuição significativa<br />
da PaO 2<br />
e pouco retorno do líquido instilado, em<br />
comparação aos indivíduos saudáveis. A PaCO 2<br />
não apresentou grandes variações, mantendo-se<br />
estável. Sugerem que nessa classe de pacientes seja<br />
feita monitorização cuidadosa e rigorosa dos sinais<br />
vitais e dos gases sanguíneos para melhor contornar<br />
possíveis complicações. 18<br />
CONCLUSÃO<br />
O lavado broncoalveolar diminuiu a PaO 2<br />
significativamente, mas não chegou a provocar<br />
hipoxemia, fato provavelmente explicado pela<br />
suplementação de oxigênio feita antes do início<br />
do procedimento e durante ele. A PaCO 2<br />
estabilizou<br />
em valores considerados limítrofes após seu<br />
aumento inicial, não havendo hipercapnia.<br />
Não foram observadas complicações neste<br />
estudo, exceto um único paciente que evoluiu<br />
com hipoxemia durante o procedimento, recuperando-se<br />
depois, sem piora do seu estado.<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
47
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48<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL<br />
ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RE-<br />
SINA DE COP<br />
OPAÍB<br />
AÍBA A E DO TAL<br />
ALCO (SILICATO DE<br />
MAGNÉSIO HIDRATADO) ADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA<br />
PULMONAR DE RATOS<br />
EVALUATION OF THE PLEUROPULMONARY ALTERATIONS AFTER INJECTION OF COPAIBA OIL AND<br />
TALC IN THE PLEURAL SPACE OF MICE – AN EXPERIMENTAL STUDY<br />
Fernando Luiz Westphal * , Luiz Carlos de Lima * , Valdir Florêncio da Veiga Júnior ** , Risonilce Fernandes Silva de Souza **** ,<br />
Saulo Brasil do Couto *** , Tatiana Cortez Romero ** , Alfredo Coimbra Reichl **<br />
RESUMO: Objetivo: Identificar as alterações macroscópicas desencadeadas na pleura e parênquima pulmonar,<br />
após a injeção de óleo-resina de copaíba e talco no espaço pleural de ratos. Método: Foram utilizados 72 ratos da<br />
raça Rattus novergicus var. Wistar da mesma linhagem, machos, adultos, com peso médio de 191,6 g, randomizados<br />
em três grupos: copaíba, talco e simulação. As substâncias foram injetadas no espaço pleural direito dos animais, os<br />
quais foram mortos em 24, 48, 72 e 504h para análise macroscópica da pleura visceral e pulmão direito. Resultados:<br />
Os animais tratados com copaíba apresentaram média de reação inflamatória de grau 1,4 ± 0,27 no grupo de 24h;<br />
2,66 ± 0,68 no grupo de 48h; 3,5 ± 0,42 no grupo de 72h e 3,66 ± 0,28 no grupo de 504h. Aqueles que receberam o talco<br />
apresentaram grau 1 ± 0,44 no grupo de 24h; 0,66 ± 0,26 no grupo de 48h; 1,16 ± 0,20 no grupo de 72h e 1,83 ± 0,49 no<br />
grupo de 504h. Durante a realização do experimento, cinco animais morreram, todos tratados com copaíba e pertencentes<br />
ao tempo de 504h. No período compreendido entre a cirurgia e o sacrifício, 51,4% dos animais apresentaram<br />
perda ponderal, principalmente aqueles tratados pelo fitoterápico. Não houve relação significativa entre a perda<br />
ponderal e o óbito dos roedores. Conclusão: Constatou-se uma maior mortalidade no grupo tratado com óleoresina<br />
de copaíba, que se mostrou muito irritante para a pleura e parênquima pulmonar de ratos, e o talco, levemente<br />
irritante. Novos estudos devem ser realizados a fim de aprimorar o uso do fitoterápico como agente esclerosante.<br />
Descritores: Plantas medicinais; Fitoterapia; Pulmão; Pleura.<br />
ABSTRACT: Background: The Amazon is the largest reserve of natural products on the planet, its population<br />
uses these substance vastly, for many applications, empirically. Copaiba oil is a phitoterapic with anti-inflammatory<br />
and healing properties. There are no reports about its effects on the pleural cavity. The talc is a mineral widely<br />
used in the cosmetics industry and represents the most sclerosing agent used to promote pleural symphysis.<br />
Objective: To identify the macroscopic changes in the pleura and lung parenchyma after the injection of oil-resin<br />
of copaíba and talc in the pleural cavity of rats. Methods: 72 Rattus novergicus var. Wistar, male, with average<br />
weight of 191,6g, were used and divided in three groups: copaíba, talc and control. These substances were injected<br />
in the right pleural space of the animals, witch were sacrificed in 24, 48, 72 and 504h, them submitted to<br />
macroscopical analysis of the lung and right visceral pleura. Results: The animals treated with copaíba showed<br />
average of inflammatory reaction of 1.4 ± 0.27 degree in group of 24h; 2.66 ± 0.68 in the group of 48h; 3.5 ± 0.42 in<br />
the group of 72h; and 3, 66 ± 0,28 in the group of 504h. Those who received the talc had grade 1± 0.44 in the group<br />
24h; 0.66±0.26 in the group 48h; 1.16 ± 0.20 in the group 72h; and 1.83 ± 0.49 in the group 504h. During the<br />
experiment, five animals died, all treated with copaíba and belonging to the group of 504h. In the period between<br />
surgery and sacrifice, 51.4% of the animals showed weight loss, particularly those treated by phitoterapic. There<br />
was no significant relationship between weight loss and the death of rodents. Conclusion: There was a higher<br />
mortality in the group treated with oil-resin of copaiba, which was highly irritating to the pleura and lung<br />
*<br />
Cirurgiões torácicos do <strong>HUGV</strong>.<br />
**<br />
Acadêmicos de Medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
***<br />
Biotécnica do Inpa.<br />
****<br />
Acadêmico de Medicina da UEA.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS<br />
parenchyma of rats. Compared to copaiba, talc triggered<br />
a moderate reaction in the pleural cavity. Further studies<br />
must be conducted in order to improve the usage of<br />
copaíba oil as sclerosing agent.<br />
Keywords: Plants, Medicinal; Plant Extracts;<br />
Phytotherapy; Lung; Pleura.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O conhecimento sobre plantas medicinais<br />
simboliza muitas vezes o único recurso terapêutico<br />
de muitas comunidades e grupos étnicos. O uso<br />
de plantas no tratamento e na cura de enfermidades<br />
é tão antigo quanto à espécie humana. Ainda<br />
hoje nas regiões mais pobres do país e até mesmo<br />
nas grandes cidades brasileiras, plantas medicinais<br />
são comercializadas em feiras livres e mercados populares.<br />
1<br />
A Copaifera multijuga, pertencente à família<br />
Leguminosae – Caesalpinoideae, conhecida como<br />
copaibeira, muito utilizada na medicina popular<br />
da região amazônica, é árvore de grande porte e<br />
de cujo tronco é extraído um óleo-resina chamado<br />
óleo de copaíba. Em sua composição química, há<br />
uma mistura de sesquiterpenos e diterpenos em<br />
concentrações variadas. 2,3<br />
Esse bálsamo é utilizado empiricamente<br />
como anti-inflamatório, analgésico, anestésico, antisséptico,<br />
cicatrizante e, ainda, no tratamento de<br />
infecções broncopulmonares. 3,4 Há poucas descrições,<br />
contudo, na literatura que comprovem seus<br />
verdadeiros efeitos terapêuticos e colaterais.<br />
A introdução de um agente químico no espaço<br />
pleural, a fim de induzir um processo inflamatório,<br />
denomina-se pleurodese e tem o objetivo<br />
de conduzir à formação de colágeno e a fusão das<br />
pleuras visceral e parietal. 5,6 Os pacientes que desenvolvem<br />
pneumotórax recorrente e derrame<br />
pleural crônico podem se beneficiar pelo procedimento,<br />
aliviando os sintomas e evitando a<br />
reacumulação de líquido. Uma variedade de agentes<br />
pode ser usada para induzir pleurodese, e diversos<br />
estudos investigaram a resposta inflamatória<br />
na pleura, em experiências com animais e em<br />
seres humanos. 7,8<br />
O talco, forma hidratada do silicato de<br />
magnésio pulverizado, é um mineral ortorrômbico<br />
amplamente utilizado na indústria de cosméticos,<br />
papel, sabões, lubrificantes; na indústria farmacêutica<br />
é usado como excipiente em drágeas e comprimidos.<br />
9 Representa o agente esclerosante mais<br />
utilizado para promoção terapêutica da sínfise<br />
pleural pelo seu baixo custo, fácil manuseio e ser<br />
acessível em hospitais de todos os portes. Pode ser<br />
administrado como um aerossol ou diluído em<br />
solução salina. Diversos estudos experimentais<br />
comprovam sua eficácia. 7<br />
A escassez de estudos atualizados sobre os<br />
efeitos medicinais das plantas amazônicas e a necessidade<br />
de um agente indutor de pleurodese eficaz<br />
e com poucos efeitos colaterais tornou essencial<br />
a realização deste trabalho científico.<br />
O objetivo do presente estudo é analisar as<br />
alterações macroscópicas desencadeadas na pleura<br />
e parênquima pulmonar de ratos pelo óleo-resina<br />
de copaíba e pelo talco.<br />
MÉTODOS<br />
Este trabalho foi desenvolvido no Biotério<br />
Central do Instituto Nacional de Pesquisas da<br />
Amazônia – Inpa. O experimento foi supervisionado<br />
por zootecnista do Biotério Central do Inpa,<br />
a fim de garantir condições sanitárias adequadas,<br />
conforto e bem-estar aos animais, segundo determinações<br />
do Colégio Brasileiro de Experimentação<br />
Animal.<br />
Antes do início do experimento propriamente<br />
dito, foi desenvolvido um plano piloto com<br />
a finalidade de avaliar sua exequibilidade.<br />
Os 72 Rattus novergicus var. Wistar, machos,<br />
com peso médio 191,6g, foram distribuídos em três<br />
grupos contendo 24 ratos em cada: Grupo 1 (óleo<br />
de resina de copaíba); Grupo 2 (talco); Grupo 3 (simulação:<br />
soro fisiológico a 0,9%). Estes grupos foram<br />
subdivididos em quatro subgrupos, conforme<br />
o tempo de sacrifício dos ratos: 24, 48, 72 e 504h,<br />
de forma aleatória.<br />
Os ratos foram pesados, tricotomizados no<br />
local da incisão e submetidos à anestesia com<br />
Hidrato de Cloral a 10% na dose de 0,4 mL para<br />
cada 100 g, por via subcutânea, seguindo de uma<br />
incisão de 5mm, precedida de assepsia local com<br />
50<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL<br />
álcool iodado, na região subxifoide e injetadas as<br />
substâncias com agulha de anestesia peridural<br />
Tuohy 18G BD ® , via transdiafragmática, na cavidade<br />
pleural direita. Para uma recuperação mais<br />
rápida e um menor índice de mortalidade no pósanestésico,<br />
cada rato foi colocado numa campânula<br />
enriquecida com oxigênio, logo após a injeção, por<br />
dez minutos.<br />
O cálculo da dose ideal das substâncias foi<br />
feito com base na proporção ponderal entre um<br />
homem adulto médio de 70 kg e o rato macho médio<br />
de 200 g, sendo o produto dessa “regra de três”<br />
multiplicado por dois, por causa da cavidade<br />
pleural dupla desse animal. Determinou-se que<br />
ratos com menos de 200 g receberiam a injeção de<br />
0,35 ml das substâncias e ratos com mais de 200 g<br />
receberiam a injeção de 0,4 ml.<br />
Com relação ao talco, num homem de 70<br />
kg corresponde à injeção de 5 g. Dessa forma, num<br />
rato de 200 g corresponde à injeção de 30 mg, sendo<br />
este valor multiplicado por 2, temos 60 mg, diluído<br />
em 1 ml de solução salina.<br />
Os animais foram mortos em grupos de 18<br />
ratos com 24, 48, 72 e 504h, após a injeção da substância<br />
selecionada, pela técnica de exposição ao<br />
éter, em câmara fechada, até a parada cardiorrespiratória.<br />
Em seguida, os animais foram novamente<br />
pesados para se verificar o ganho ou a perda de<br />
peso no decorrer do experimento.<br />
Procedeu-se, então, à incisão mediana do<br />
tórax e abdome e a observação das alterações<br />
macroscópicas, as quais foram classificadas em<br />
graus, conforme descrito por Tonietto (1999), 10 de<br />
acordo com a modificação da cavidade pleural e<br />
do parênquima pulmonar:<br />
Os resultados foram avaliados por meio da<br />
análise de dados categorizados pelo teste da razão<br />
da máxima verossimilhança, com o objetivo de avaliar<br />
a existência de associação entre as substâncias<br />
e o tipo de alteração provocada por elas, no nível<br />
de significância de 5%.<br />
RESULTADOS<br />
Conforme ilustrado no Gráfico 1, após 24<br />
horas do procedimento, a copaíba desencadeou<br />
uma reação inflamatória média de grau 1,4 ± 0,27;<br />
reação maior que a provocada pelo talco na mesma<br />
variação de tempo, sendo esta de 1 ± 0,44, não<br />
havendo significância estatística (p > 0,05).<br />
p= 0,388<br />
Gráfico 1 – Comparação do grau de reação macroscópica<br />
após 24 horas entre talco e óleo de copaíba.<br />
No grupo de 48 horas (Gráfico 2), a copaíba<br />
destacou-se como agente indutor de reação (2,66 ±<br />
0,68), enquanto no grupo que recebeu o talco houve<br />
reação leve ao produto (0,66 ± 0,26), havendo<br />
significância estatística (p < 0,05).<br />
Grau 0: nenhuma alteração macroscópica;<br />
Grau 1: presença de exsudato, sem reação<br />
de fibrina ou aderências;<br />
Grau 2: presença de exsudato, com reação<br />
de fibrina leve e aderências tênues;<br />
Grau 3: presença de exsudato, com reação<br />
de fibrina leve e aderências moderadas;<br />
Grau 4: ausência de exsudato, pulmão encarcerado<br />
pela intensa reação de fibrina e inúmeras<br />
aderências.<br />
p= 0,013<br />
Gráfico 2 – Comparação do grau de reação macroscópica<br />
após 48 horas entre talco e óleo de copaíba.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS<br />
Na análise macroscópica do grupo de 72<br />
horas (Gráfico 3), a copaíba permaneceu como forte<br />
indutor de pleurodese (3,5 ± 0,42). No grupo do<br />
talco, neste mesmo tempo, o grau de reação média<br />
foi de 1,16, ± 0,20, havendo significância estatística<br />
(p < 0,05).<br />
p= 0,011<br />
Gráfico 4 – Comparação do grau de reação macroscópica<br />
após 504 horas entre talco e óleo de copaíba.<br />
p= 0,0004<br />
Gráfico 3 – Comparação do grau de reação macroscópica<br />
após 72 horas entre talco e óleo de copaíba.<br />
Na avaliação de 504 horas, houve uma elevada<br />
mortalidade no grupo copaíba. Conforme<br />
descrito na metodologia, neste grupo de 504 horas,<br />
seis animais receberam a copaíba. Apenas um<br />
sobreviveu e este se enquadrava em grau 3.<br />
Os cinco animais que morreram e participavam<br />
do grupo descrito acima, em apenas dois<br />
animais foi possível realizar classificação macroscópica.<br />
Ambos se enquadravam em grau 4. Um<br />
destes animais morreu nove dias após o experimento<br />
e o outro, 17 dias após.<br />
Os outros três animais que não resistiram<br />
até a data do sacrifício e não foi possível realizar<br />
classificação: um morreu no primeiro dia, por uma<br />
importante hemorragia intratorácica. Nos dois animais<br />
restantes não foi encontrada a causa da morte.<br />
Um veio a óbito no terceiro dia e outro no décimo<br />
quarto dia após o procedimento.<br />
Realizando a média, portanto, de reação inflamatória<br />
encontrada no grupo de 504 horas (Gráfico<br />
4), a copaíba obteve grau de 3,66, ± 0,28 e o<br />
talco grau de 1,83, ± 0,49, havendo significância<br />
estatística (p < 0,05).<br />
O grupo simulação, constituído por ratos<br />
nos quais seria instalado soro fisiológico 0,9% à<br />
temperatura aproximada de 37,5ºC, apresentou<br />
uma média escore de reação pleural macroscópica<br />
de grau 0 apenas no grupo de 24 horas. O grupo<br />
simulação, cujo sacrifício ocorreu em 48 horas após<br />
o experimento, apresentou uma média dos graus<br />
de reação pleural de 0,66 ± 0,82. O grupo de 72<br />
horas apresentou uma média de reação pleural de<br />
grau 0,5 ± 0,55. O grupo de 504 horas apresentou<br />
uma média de reação pleural de grau 1,8 ± 0,4.<br />
No período compreendido entre a cirurgia<br />
e o sacrifício, trinta e sete animais (51,4%) apresentaram<br />
perda ponderal (Tabela 1), representados<br />
principalmente pelo grupo tratado com<br />
copaíba, no qual todos os ratos que receberam a<br />
substância nos tempos 48 e 72h apresentaram tal<br />
alteração. Não houve relação significativa entre a<br />
perda ponderal e o óbito dos ratos.<br />
Tabela 1– Quantidade de animais que apresentaram<br />
perda ponderal.<br />
Reação<br />
Inflamatória<br />
24 horas<br />
48 horas<br />
72 horas<br />
504 horas<br />
Total<br />
Talco<br />
0<br />
5<br />
0<br />
3<br />
8<br />
Grupo<br />
Copaíba<br />
4<br />
6<br />
6<br />
4<br />
20<br />
Simulação<br />
0<br />
4<br />
1<br />
4<br />
9<br />
Total<br />
4<br />
15<br />
7<br />
11<br />
37<br />
52<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO WESTPHAL, LUIZ LIMA, VALDIR VEIGA JÚNIOR, RISONILCE SOUZA, SAULO COUTO, TATIANA ROMERO, ALFREDO REICHL<br />
DISCUSSÃO<br />
O derrame pleural recidivante é uma situação<br />
clínica frequente, resultante do comprometimento<br />
anatômico ou funcional dos folhetos<br />
pleurais por processos benignos ou malignos. Na<br />
atualidade, a melhor conduta para o controle do<br />
derrame pleural recidivante maligno é a<br />
pleurodese, isto é, o colabamento dos folhetos<br />
pleurais (visceral e parietal) produzindo a sínfise<br />
do espaço pleural impossibilitando o acúmulo de<br />
líquido). Historicamente, Bethune, em 1935, introduziu<br />
o talco pela primeira vez na cavidade pleural<br />
com o objetivo de colabar o espaço residual existente<br />
após ressecção pulmonar. Desde então, várias<br />
substâncias têm sido utilizadas para induzir a<br />
pleurodese, mas até o momento ainda não existe<br />
um consenso sobre o agente esclerosante ideal. 11<br />
Dentre os produtos já testados, podemos<br />
citar como exemplo a doxiciclina, que se mostrou<br />
eficaz e segura, contudo não é disponível em muitos<br />
países (inclusive no Brasil). 11<br />
O nitrato de prata, que ainda na década de<br />
1980 foi abandonado por motivos não muito claros,<br />
atualmente tem sido objeto de novos estudos<br />
que otimizaram a sua utilização. Aparentemente,<br />
o abandono de tal substância teria sido causado<br />
por aspectos ligados à sua morbidade, a qual se<br />
explicaria pelo uso de altas concentrações (1-10%).<br />
A redução da concentração do nitrato de prata tem<br />
obtido resultados mais seguros e eficazes. 11,12<br />
As copaíbas são árvores do gênero Copaifera<br />
L. (Leguminosae – Caesalpinoideae) que exsudam do<br />
seu tronco um óleo resinoso chamado de óleo de<br />
copaíba. Este gênero ocorre no norte da América<br />
do Sul, principalmente nos Estados brasileiros do<br />
Pará e Amazonas. 1<br />
Na medicina popular, especialmente na<br />
Amazônia brasileira, o óleo de copaíba é utilizado<br />
como cicatrizante, anti-inflamatório e antisséptico,<br />
antitumoral, e como agente para tratar bronquites<br />
e doenças de pele. 13<br />
Algumas atividades da copaíba já foram<br />
estudadas experimentalmente. Um ensaio demonstrou<br />
que o óleo administrado por via oral reduziu<br />
o edema induzido pela carregenina na pata de ratos<br />
e exerceu atividade analgésica ao diminuir o<br />
número de contorções abdominais nos animais<br />
após estímulo doloroso, pela injeção intraperitoneal<br />
de ácido acético. 14 Outros estudos experimentais<br />
demonstraram ainda seu efeito na cicatrização<br />
de feridas cutâneas. 15,16<br />
Um estudo experimental revelou que o produto<br />
da mesma espécie, ao ser aplicado na cavidade<br />
peritoneal, desencadeia irritação, traduzida por<br />
aderências em todos os casos estudados. 17 Levando-se<br />
em consideração que a serosa abdominal assemelha-se<br />
histologicamente à pleural, presumese<br />
que as respostas sejam similares.<br />
No presente estudo o óleo de copaíba mostrou-se<br />
bastante irritante para a cavidade pleural,<br />
com graus de reação inflamatória progressivamente<br />
maiores, nos diferentes tempos do estudo. Em<br />
concordância, Westphal et al (2007) 18 estudaram os<br />
efeitos do óleo de copaíba na pleura e parênquima<br />
pulmonar de ratos e encontrou reação inflamatória<br />
intensa, com espessamento pleural.<br />
No momento, os estudos com óleo de<br />
copaíba e sua ação indutora de pleurodese ainda<br />
são incipientes. Tappin et al (2004) 13 compilaram<br />
dados disponíveis na literatura a respeito dos diferentes<br />
efeitos farmacológicos obtidos na dependência<br />
da composição e concentração do óleo de<br />
copaíba. Por exemplo, há evidência da correlação<br />
entre a atividade anti-inflamatória com os óleos<br />
que apresentam maiores teores de ácidos<br />
diterpênicos em sua composição.<br />
Isto ilustra a gama de variáveis envolvidas<br />
na eficiência desse produto tornando-se necessárias<br />
novas pesquisas, a fim de desvendar os mecanismos<br />
pelos quais a copaíba inicia o processo inflamatório<br />
e quais as concentrações mais apropriadas<br />
buscando melhores resultados.<br />
O talco é classicamente considerado o<br />
esclerosante mais eficaz, já que apresenta diversas<br />
das características citadas de um agente ideal, como<br />
o baixo custo, ampla distribuição, fácil administração,<br />
alta eficácia e baixo índice de efeitos colaterais. 11<br />
Vários estudos têm comprovado o efeito<br />
indutor de pleurodese do talco. Randall (1999) 19<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
53
ESTUDO EXPERIMENTAL DOS EFEITOS DO ÓLEO-RESINA DE COPAÍBA E DO TALCO (SILICATO DE MAGNÉSIO HIDRATADO) NA PLEURA E PARÊNQUIMA PULMONAR DE RATOS<br />
estudou um modelo experimental de pleurodese<br />
em coelhos e constatou que o talco foi moderadamente<br />
efetivo na sua indução, o mesmo observado<br />
em outro experimento, quando comparado com<br />
o nitrato de prata. 12<br />
Há evidências, contudo, de que o talco pode<br />
induzir a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda<br />
(Sara) em até 8% dos pacientes, com mortalidade<br />
em torno de 1%. O mecanismo ainda não é conhecido,<br />
mas especula-se que resulte da absorção<br />
sistêmica de pequenas partículas do produto determinando<br />
maior risco de complicações à distância.<br />
20,21,22,23 Pode ainda estar envolvido em outras<br />
complicações menos frequentes, como: dor, febre,<br />
hipoxemia, hipotensão, arritmia cardíaca e<br />
empiema pleural. 24,25,26,27,28<br />
Neste trabalho, constatamos que o talco foi<br />
levemente irritante para a cavidade pleural, com<br />
médias de grau de reação inflamatória que variaram<br />
desde 0,66 ± 0,26 no tempo de 48 horas até<br />
resposta máxima obtida no grupo de 504 horas com<br />
média de 1,83 ± 0,49.<br />
CONCLUSÃO<br />
No presente estudo, os grupos tratados com<br />
copaíba apresentaram reação mais intensa quando<br />
comparados aos resultados obtidos com os grupos<br />
tratados pelo talco. A copaíba revelou-se uma<br />
substância esclerosante promissora por provocar<br />
fortes alterações inflamatórias. Muitos animais tratados<br />
pelo fitoterápico, entretanto, apresentaram<br />
perda ponderal e houve alta mortalidade no grupo<br />
de sacrifício em 504 horas.<br />
AGRADECIMENTOS<br />
Agradecemos ao Instituto Nacional de Pesquisas<br />
na Amazônia, Inpa, pelo fornecimento dos<br />
animais e estrutura necessária à realização do experimento.<br />
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54<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
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diagnosis & treatment. New York: McGraw-Hill,<br />
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Endereço profissional<br />
Universidade Federal do Amazonas, <strong>Hospital</strong><br />
Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong>, Serviço de Cirurgia<br />
Torácica. Rua Apurinã, 4 – Praça 14 –<br />
69010-130 – Manaus-AM – Brasil Telefone: (92)<br />
3621-6500 (ramal 6504); 9122-3356<br />
Órgão financiador da pesquisa<br />
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do<br />
Amazonas – Fapeam<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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56<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, LUIZ CARVALHO NETO, LÍVIO MARTINS TEIXEIRA, CLAUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO<br />
REFLUX<br />
UXO LARIN<br />
ARINGOF<br />
GOFARÍN<br />
ARÍNGEO: ESTUDO<br />
PROSPECTIV<br />
OSPECTIVO O CORREL<br />
ORRELACION<br />
CIONANDO ACHADOS À<br />
VIDEOLARIN<br />
ARINGOSC<br />
GOSCOPIA OPIA E ENDOSCOPIA OPIA DIGESTIV<br />
TIVA<br />
ALTA<br />
LARINGOPHARINGEAL REFLUX: PROSPECTIVE STUDY THAT COMPARES VIDEOLAYNGOSCOPY AND<br />
UPPER ENDOSCOPY FINDS<br />
Eduardo Abram Kauffman*, Luiz Carvalho Neto**, Lívio Martins Teixeira***,<br />
Claudia Marina Puga Barbosa Oliveira****, Júlio César Simas Ribeiro ****<br />
RESUMO: Introdução: A doença do refluxo gastroesofágico tem duas manifestações clínicas distintas reconhecidas:<br />
o refluxo gastroesofágico clássico e o refluxo com manifestações extraesofagianas (incluindo o refluxo laringofaríngeo).<br />
Objetivos: Estudar as alterações nas mucosas laríngea, esofágica e gástrica em pacientes com quadro<br />
clínico compatível RLF. Pacientes e métodos: Estudo prospectivo clínico não controlado, onde foram incluídos<br />
58 pacientes. Todos os pacientes realizaram a videolaringoscopia e endoscopia digestiva alta (EDA). Resultados:<br />
A avaliação videolarigoscópica evidenciou alterações em 49 (84,5%) pacientes. A EDA mostrou que 51<br />
(87,9%) pacientes tinham gastrite e 8 (13,8%) tinham esofagite. Os principais sintomas encontrados foram queimação<br />
em garganta (72,4%), globus faríngeo (67,2%) e pigarro (60,3%). Conclusão: A comparação entre as alterações<br />
esofagianas, gástricas e laríngeas permitiu sugerir que a mucosa laríngea é frequentemente mais acometida que a<br />
mucosa esofágica.<br />
Palavras-chave: Doença do refluxo gastroesofágico, refluxo laringofaríngeo, endoscopia digestiva alta,<br />
videolaringoscopia.<br />
ABSTRACT: Introduction: Gastroesophageal reflux disease has two distinct clinical forms: classical<br />
gastroesophageal reflux 9GER) and reflux with extra-esophageal manifestation (including laryngophaygeal reflux).<br />
Objective: Studying changes into laryngeal, esophageal and gastric mucosae of LPR patients. Patients and<br />
methods: Prospective uncontrolled clinical study which has includede 58 patients. All patients were submitted to<br />
videolaryngoscopy and upper endoscopy (UE). Results: Videolaryngoscopy evaluation showed changes in 49<br />
patients (84,5%). UE showed that 51 patients (87,9%) had gastritis and 8 (13,8%) had esophagitis. Main symptoms<br />
were burning throat (72,4%), globus pharyngeous (67,2%) and throat clearing (60,3%). Conclusion: The comparison<br />
between esophageal, gastric and laryngeal mucosae suggests that laryngeal mucosae is more frequently involved<br />
in LPR than esophageal mucosae.<br />
Keywords: Gastroesophageal reflux disease, laryngopharyngeal refluxo, upper endoscopy, videolaryngocopy.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Do ponto de vista clínico, definimos a Doença<br />
do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) como<br />
uma afecção crônica decorrente do refluxo de parte<br />
do conteúdo gástrico (e, por vezes, gastroduodenal)<br />
para o esôfago. Os principais sintomas da<br />
DRGE são pirose, regurgitação e dor subesternal.<br />
Deve-se ressaltar que a inexistência desses sintomas<br />
não descarta a possibilidade de DRGE, as-<br />
*<br />
Mestre em otorrinolaringologia, professor assistente da <strong>Ufam</strong>.<br />
**<br />
Médico gastroenterologista.<br />
***<br />
Médico otorrinolaringologista.<br />
****<br />
Acadêmico do 6º ano de Medicina da <strong>Ufam</strong><br />
.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
57
REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: ESTUDO PROSPECTIVO CORRELACIONANDO ACHADOS Ã VIDEOLARINGOSCOPIA E ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA<br />
sim como a sua intensidade não auxilia no diagnóstico<br />
de esofagite. O diagnóstico deve ser suspeitado<br />
de forma quase patognomônica pelos sinais<br />
e sintomas descritos, especialmente em relação<br />
à pirose e à regurgitação. Além disso, a<br />
endoscopia digestiva alta e a pHmetria de 24h<br />
(padrão ouro) devem ser solicitadas em situações<br />
específicas. 3,7,16 Entretanto, a maioria dos pacientes<br />
com sintomas sugestivos de DRGE (pirose,<br />
regurgitação ácida) não necessita de nenhum exame<br />
investigatório inicialmente, sendo o diagnóstico<br />
determinado pela prova terapêutica com uma<br />
droga inibidora da bomba de prótons (IBP), lembrando<br />
que a prova terapêutica pode ser realizada<br />
em pacientes com idade inferior a 40 anos e<br />
sem sinais de alerta. Uma resposta satisfatória<br />
praticamente sela o diagnóstico (melhora considerável<br />
dos sintomas nas primeiras 4 semanas de<br />
tratamento). 11,14<br />
Estudos recentes comprovam que a DRGE<br />
tem duas manifestações clínicas distintas: sua forma<br />
clássica que cursa com esofagite e é denominada<br />
simplesmente de Doença do Refluxo<br />
Gastroesofágico (DRGE); e sua manifestação<br />
extraesofágica, que pode cursar apenas com sintomas<br />
altos, incluindo a síndrome denominada Refluxo<br />
Laringofaríngeo (RLF), além de broncoespasmo,<br />
asma, etc. O termo laringofaríngeo, portanto,<br />
não significa que o refluxo ocorre apenas nesta região,<br />
mas sim que acomete principalmente o epitélio<br />
dessa topografia anatômica, que tem características<br />
próprias. Apenas 18% dos pacientes com<br />
sintomatologia compatível com RLF têm esofagite<br />
de refluxo. 1,5 Cerca de 80% das queixas de garganta<br />
tem refluxo associado. 17,18<br />
Os principais sinais evidenciados pela<br />
videolaringoscopia são edema e hiperemia de laringe,<br />
hiperemia e hiperplasia linfoide em parede posterior<br />
da faringe, alterações interaritenoideas, úlceras<br />
de contato na glote, granuloma laríngeo, pólipos<br />
de laringe, edema de Reinke, estenose subglótica e<br />
laringite hipertrófica. Os principais sintomas são<br />
disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro,<br />
hipersalivação, odinofagia, disfagia alta,<br />
queimação em garganta e garganta seca. 3,9,10,17<br />
O tratamento do RFL visa à eliminação dos<br />
fatores propiciadores, sugerindo ao paciente mudança<br />
nos hábitos alimentares e hábitos de vida.<br />
Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a<br />
terapia medicamentosa. O tratamento inicial deve<br />
ser feito com bloqueadores da bomba de prótons,<br />
em duas doses diárias, por no mínimo 12 semanas.<br />
1,5 O tratamento cirúrgico é indicado em casos<br />
que não responderam às medidas terapêuticas usuais<br />
e que apresentem esofagite de Barret, estenoses<br />
ou processos hemorrágicos. Casos de aspirações<br />
frequentes com rouquidão ou estenose subglótica<br />
podem também requerer intervenção cirúrgica. O<br />
tratamento cirúrgico mais utilizado é a fundoplicatura<br />
do estômago. 1,6,9,10<br />
OBJETIVOS<br />
Estudar as alterações nas mucosas<br />
esofágica, gástrica e laríngea em pacientes com<br />
quadro clínico compatível com Refluxo Laringofaríngeo<br />
(RLF), bem como descrever a<br />
sintomatologia geral desses pacientes.<br />
PACIENTES E MÉTODOS<br />
Trata-se de um estudo prospectivo clínico<br />
não controlado, onde foram incluídos 58 pacientes<br />
adultos com idade variando entre 21 e 78 anos,<br />
com média de 39,17 anos, sendo 42 mulheres e 16<br />
homens. Foram atendidos no Ambulatório Araújo<br />
Lima, da Universidade Federal do Amazonas, no<br />
período compreendido entre agosto de 2005 e maio<br />
de 2007. Os pacientes precisavam apresentar queixas<br />
crônicas (maior que três meses) sugestivas de<br />
Refluxo Laringofaríngeo (disfonia, tosse, sensação<br />
de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação,<br />
odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta<br />
e garganta seca). Esses pacientes foram encaminhados<br />
do Serviço de Gastroenterologia ou do próprio<br />
Serviço de Otorrinolaringologia para um ambulatório<br />
específico de RLF, criado para esta pesquisa.<br />
Na primeira consulta, o paciente recebia<br />
omeprazol, sendo orientado a utilizar a medicação<br />
por 4 semanas, realizando assim a prova tera-<br />
58<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
pêutica com um IBP, que é uma forma de se confirmar<br />
o diagnóstico de RGE patológico. A consulta<br />
consistia de história clínica e exame físico, juntamente<br />
com os dados pessoais do paciente. Em<br />
seguida, os pacientes eram encaminhados para<br />
realização da EDA e videolaringoscopia (realizavam<br />
os dois exames na mesma semana da primeira<br />
consulta). As endoscopias digestivas foram realizadas<br />
por diversos profissionais e todas foram<br />
fotografadas. A videolaringoscopia foi realizada<br />
com laringoscópio flexível Penthax de 3,5 mm de<br />
diâmetro acoplada à microcâmera e sistema de<br />
vídeo VHS para gravação do exame, sendo todos<br />
eles realizados pelo mesmo profissional.<br />
Os pacientes que obtiveram uma boa melhora<br />
dos sintomas nas 4 primeiras semanas de tratamento<br />
e que realizaram os dois exames complementares<br />
foram incluídos na pesquisa. Os critérios<br />
de exclusão adotados foram uma resposta<br />
insatisfatória ao teste terapêutico com omeprazol,<br />
a não realização dos dois exames complementares<br />
e os pacientes fumantes. Ao todo foram atendidos<br />
105 pacientes e, desses, apenas 58 foram incluídos<br />
na pesquisa.<br />
Todos os pacientes assinaram termo de consentimento<br />
livre a esclarecido aprovado pelo Comitê<br />
de Ética da Universidade Federal do Amazonas.<br />
Os pacientes foram tratados clinicamente,<br />
com orientações dietéticas e posturais, omeprazol<br />
(40 mg/dia, dividido em duas tomadas diárias,<br />
uma pela manhã, em jejum, e outra antes do jantar)<br />
por um período mínimo de 8 semanas. A recuperação<br />
clínica foi estabelecida pela melhora das<br />
queixas e achados laringoscópicos.<br />
RESULTADOS<br />
Dos 105 pacientes estudados, 58 foram incluídos<br />
na amostra final. A avaliação por meio da<br />
endoscopia digestiva alta mostrou que dos 58 pacientes<br />
avaliados apenas 7 (12,1%) apresentaram<br />
exame normal, ou seja, sem alterações esofágicas<br />
ou gástricas; 19 (32,7%) tinham gastrite leve; 28<br />
(48,3%) tinham gastrite moderada; e 4 (6,9%) tinham<br />
gastrite acentuada.<br />
Os resultados da EDA também mostraram<br />
que 21 (36,2%) pacientes tinham hérnia hiatal; 8<br />
(13,8%) tinham esofagite grau I de Allison; 3 (5,2%)<br />
apresentavam duodenite erosiva; 3 (5,2%) apresentavam<br />
divertículo de Zencker; 2 (3,4%) apresentavam<br />
um pseudodivertículo bulbar; 4 (6,9%) apresentavam<br />
deformidade pilórica. A biópsia da mucosa gástrica<br />
mostrou que 13 (22,4%) dos pacientes tiveram pesquisa<br />
positiva para Helicobacter pylori.<br />
A avaliação videolaringoscópica mostrou<br />
que em 49 (84,5%) pacientes foram achados sinais<br />
de edema e hiperemia da laringe posterior e/ou<br />
alterações nas cordas vocais. Em 9 (15,5%) dos pacientes<br />
não foram encontradas alterações, ou seja,<br />
o exame apresentou-se normal.<br />
Dos 49 pacientes com alterações à<br />
videolaringoscopia, 3 (6,1%) não apresentaram alterações<br />
na EDA; 39 (79,5%) apresentaram um tipo<br />
de gastrite; 20 (40,8%) apresentaram hérnia hiatal;<br />
12 (24,5%) apresentaram pesquisa positiva para<br />
Helicobacter pylori; 6 (12,2%) apresentaram<br />
esofagite; 3 (6,1%) apresentaram duodenite erosiva,<br />
2 (4,1%) apresentaram divertículo de Zencker; e 2<br />
(4,1%) apresentaram pseudodivertículo bulbar.<br />
A sintomatologia referida pelos 58 pacientes<br />
constou queimação em garganta, referida por<br />
42 (72,4%) dos pacientes; globus faríngeo, referido<br />
por 39 (67,2%) dos pacientes; tosse seca, citada por<br />
37 (63,8%) dos pacientes; disfonia, referida por 37<br />
(63,8%) dos pacientes; caseum, em 37 (63,8%) dos<br />
pacientes; pigarro, referido por 35 (60,3%) dos pacientes;<br />
sintomas dispépticos, referido por 32<br />
(55,2%) dos pacientes; hipersalivação, referida por<br />
18 (31%) dos pacientes; dor de garganta, referida<br />
por 30 (51,7%) dos pacientes; disfagia, referida por<br />
28 (48,3%) dos pacientes; glossodínia, referida por<br />
25 (43,1%) dos pacientes; halitose, em 24 (41,4%)<br />
dos pacientes; pirose, referida por 22 (38,9%) dos<br />
pacientes; aftas, em 11 (19%) dos pacientes;<br />
odinofagia, referida por 9 (15,5%) dos pacientes;<br />
problemas dento-gengivais, em 8 (13,7%) dos pacientes;<br />
e dispnéia, em 6 (10,3%) dos pacientes.<br />
O tempo médio de tratamento clínico<br />
medicamentoso foi de 3 meses, sendo que em 52<br />
(89,6%) dos pacientes houve remissão completa<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: ESTUDO PROSPECTIVO CORRELACIONANDO ACHADOS Ã VIDEOLARINGOSCOPIA E ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA<br />
dos sintomas. Apenas 6 (10,4%) dos pacientes não<br />
apresentaram remissão completa dos sintomas,<br />
mesmo sendo tratados por período superior a 4<br />
meses.<br />
O período de seguimento médio após cessar<br />
o tratamento medicamentoso por remissão do<br />
quadro foi de dois meses. Até o momento da redação<br />
deste trabalho, nenhum dos pacientes tratados<br />
clinicamente apresentou recidiva; porém todos<br />
mantêm uma certa restrição dietética e cuidados<br />
com hábitos e vícios que estimulam o refluxo.<br />
DISCUSSÃO<br />
Os achados do presente estudo sugerem que<br />
uma anamnese bem sedimentada tem grande<br />
chance de correlação com DRGE. A comparação<br />
entre alterações nas mucosas laríngea e esofágica<br />
deixa claro que, ao contrário do que sugere Eckley<br />
et al., as alterações no RLF não acometeram preferencialmente<br />
as mucosas laríngea, faríngea e cavidade<br />
oral. 9,10 Ao todo, 51 (97,9%) dos pacientes<br />
apresentaram pelo menos um tipo de alteração na<br />
EDA, ao passo que 49 (84,4%) dos pacientes apresentaram<br />
pelo menos um tipo de alteração na<br />
videolaringoscopia. De fato, não vimos um predomínio<br />
por alterações “altas”, ou seja, ao nível da<br />
região laringofaríngea. Supomos que a DRGE<br />
pode, sim, cursar com manifestações atípicas, mas<br />
há também um comprometimento clássico, ou seja,<br />
o paciente com RLF apresenta frequentemente um<br />
acometimento em nível esofágico e/ou gastroduodenal,<br />
que frequentemente é assintomático.<br />
O dano exclusivamente esofágico mostrouse<br />
presente em apenas 3 (5,1%) dos pacientes confirmando<br />
os dados da literatura, 9,10 que afirmam<br />
que a mucosa respiratória tem um epitélio bem<br />
menos afeito às agressões dos ácidos do estômago.<br />
Os pacientes com RLF geralmente têm<br />
motilidade esofágica normal ou próxima do normal,<br />
ao contrário do que ocorre com os pacientes<br />
com esofagite que apresentam desmotilidade<br />
esofágica frequente. 6,7,9,10<br />
Dentre os sintomas encontrados, destaque<br />
para queimação em garganta, referida por 72,4%<br />
dos pacientes; globus faríngeo, referido por 67,2%<br />
dos pacientes; tosse seca, citada por 63,8% dos pacientes;<br />
disfonia, referida por 63,8% dos pacientes;<br />
caseum, em 63,8% dos pacientes; e pigarro, referido<br />
por 60,3% dos pacientes. O globus faríngeo é<br />
também citado por Woo e é defendido como um<br />
sintoma inespecífico de irritação laríngea em cuja<br />
etiologia a DRGE tem grande participação. Dos 58<br />
pacientes, vimos que em 27 (50%) há mais de 6 sintomas<br />
presentes, ou seja, os sintomas dessa doença<br />
assumiram uma importância tão grande que, na<br />
maioria das situações, fazem com que os exames<br />
complementares seja meros coadjuvantes para estabelecer<br />
o diagnóstico.<br />
Os conhecimentos sobre refluxo laringofaríngeo<br />
se encontram em evolução, desde seu diagnóstico<br />
até seu tratamento. Hoje se sabe que há alterações<br />
detectadas ao exame histológico que não<br />
são revelados à endoscopia e a pHmetria de 24<br />
horas. A maioria dos autores prefere o uso empírico<br />
de drogas como teste terapêutico e ferramenta<br />
propedêutica. A transposição dessas medidas terapêuticas<br />
para o RLF ainda não está totalmente<br />
elucidada, contudo, ao não se dispor de meios adequados<br />
para uma completa investigação, o melhor<br />
é se optar pelo início do tratamento. 14<br />
Estudos mais complexos e com amostras<br />
maiores, com um grupo controle, fornecerão resultados<br />
mais fidedignos. Podemos, contudo, afirmar<br />
que pacientes com sintomas crônicos de disfonia,<br />
globus, tosse seca, hipersalivação, pigarro, disfonia<br />
e queimação em garganta devem ser objetos de<br />
investigação acurada, tendo eles a sugestiva associação<br />
com RLF.<br />
CONCLUSÃO<br />
Os resultados do presente trabalho sugerem<br />
uma forte correlação entre sintomas otorrinolaringológicos<br />
e doença do refluxo gastroesofágico, que<br />
é uma patologia do sistema digestivo muitas vezes<br />
subdiagnosticada em nosso meio. Os autores<br />
concluem que há suspeita forte para se chegar ao<br />
diagnóstico de DRGE em pessoas com manifestações<br />
tão atípicas como tosse seca, pigarro e disfonia.<br />
60<br />
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A comparação entre as alterações<br />
esofagianas e laríngeas permitiu sugerir que a<br />
mucosa laríngea é frequentemente mais acometida<br />
que a mucosa esofágica. Os pacientes com sintomas<br />
crônicos sugestivos de RLF devem ser objetos<br />
de investigação acurada.<br />
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Oct.<br />
Dados para correspondência:<br />
Eduardo Abram Kauffman<br />
Rua Franco de Sá, 3.º andar, salas 308/309,<br />
Edifício Amazon Trade Center<br />
São Francisco – Manaus-AM – CEP 69079-210<br />
Agradecimento à Fapeam.<br />
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revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO<br />
PREVENÇÃ<br />
ÇÃO DE FATORES CAUS<br />
USAIS DE DOENÇAS<br />
OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE<br />
EXERCEM ATIVID<br />
TIVIDADES NA POSIÇÃO O SENTAD<br />
ADA<br />
PREVENTION OF CAUSAL FACTORS OF MUSCULOSKELETAL DISEASES IN WORKERS ENGAGED IN<br />
ACTIVITIES IN THE SITTING POSITION<br />
Luiz Carlos de Souza Menezes * , Alessandro Magno de Figueiredo Lacerda ** , Simy Laredo **<br />
RESUMO: Várias são as causas que podem modificar a saúde do ser humano. Entre elas existem as provenientes<br />
da inter-relação com o local de trabalho. Nesse ambiente, as variáveis causais do fenômeno de adoecimento são<br />
abrangentes, pois existem diversos aspectos a serem considerados: os ruídos, as vibrações, a iluminação, os diversos<br />
tipos de escalas de turno e postura adotada pelo trabalhador que são considerados fatores estressores. Eles<br />
podem fazer com que o indivíduo desenvolva adaptações que serão responsáveis pela gênese de doenças<br />
osteomusculares e que pode surgir uma perda da eficiência da atividade juntamente com a presença de alterações<br />
posturais. Outros fatores importantes, que podem predispor o trabalhador a situações de risco para a sua saúde, são<br />
as inter-relações com o meio social onde o indivíduo está inserido. Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar a<br />
importância da prevenção dos fatores causais e individuais de doenças osteomusculares em trabalhadores que<br />
exercem suas funções na posição sentada e o papel do profissional fisioterapeuta como agente de ações preventivas<br />
de patologias relacionadas às atividades laborais.<br />
Palavras-chave: Transtornos traumáticos cumulativos. Prevenção de acidentes. Fisioterapia.<br />
ABSTRACT: There are several causes that can modify the human health. Among them exist the growing out of<br />
interrelation with the work place. In this environment, the various causes of the languish phenomenonare<br />
accomplished, because there are several aspects to be considered: the noise, the vibration, the illumination, the<br />
several kinds of shift scale and the stance adopted by the worker that are considered factors of stress. They can do<br />
whereupon the body develops adaptation that will be responsible for the genesis of musculoskeletal diseases<br />
genesis and that grow up an efficiency lost in the activity together the presence of postural alteration. Other important<br />
factors that can predispose the worker in health danger situations are the inter-relationship with the social<br />
environment where the individual is embedded. Thus, the objective of this article is to demonstrate the importance<br />
of the prevention of causal factors and musculoskeletal individual diseases in workers engaged in their duties in<br />
the sitting position and the physiotherapeutic professional enrolment as agents of preventive pathologic actions<br />
related to the laboratorial activities.<br />
Keywords: Cumulative trauma disorder. Accident prevention. Physiotherapy.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Diversas podem ser as causas que podem<br />
modificar a saúde do ser humano. Entre elas existem<br />
as provenientes da inter-relação com o local<br />
de trabalho. Nesse ambiente, o indivíduo poderá<br />
realizar atividades laborais que, para a sua execução,<br />
a posição sentada deve ser adotada. Nesse<br />
local, as variáveis causais do fenômeno de<br />
adoecimento são abrangentes, pois existem diversos<br />
aspectos a serem considerados que podem afetar<br />
a saúde, a segurança e o conforto das pessoas<br />
*<br />
Bacharel em Fisioterapia.<br />
**<br />
Professores orientadores.<br />
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA<br />
envolvidas com essas atividades. O objetivo deste<br />
artigo foi demonstrar a importância da prevenção<br />
dos fatores causais e individuais de doenças<br />
osteomusculares em trabalhadores que exercem<br />
suas funções na posição sentada e o papel do profissional<br />
fisioterapeuta como agente de ações preventivas<br />
de patologias relacionadas às atividades<br />
laborais.<br />
METODOLOGIA<br />
O método de abordagem utilizado na pesquisa<br />
foi o indutivo, com abordagem indireta de<br />
fonte secundária.<br />
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />
Com o desenvolvimento da sociedade, o<br />
homem buscou ações que levassem a sua sobrevivência.<br />
À medida que evoluía nessa atividade básica<br />
e percebendo a ampliação de suas necessidades,<br />
iniciou processos de relacionamento que resultaram<br />
na formação do trabalho, que é definido 1<br />
como uma atividade cujo objetivo principal é a<br />
produção de riqueza e que várias foram as formas<br />
históricas da formação dessa atividade, entre elas:<br />
o escravismo, o feudalismo e o capitalismo.<br />
Aliado a esse evento histórico é observada<br />
a construção de avanços tecnológicos que permitiram<br />
a instalação do processo de trabalho. Ao<br />
mesmo tempo surgiram fatores inerentes aos ambientes<br />
de trabalho que levavam a afetar a saúde,<br />
a segurança e o conforto das pessoas envolvidas<br />
com essas atividades.<br />
Atualmente, a sociedade industrial segue<br />
uma outra direção, na qual está baseada a informação.<br />
Uma das principais consequências em relação<br />
aos riscos ocupacionais é que, para determinadas<br />
categorias, ocorreu uma redução à exposição<br />
a diversos fatores que punham em risco a saúde<br />
do trabalhador. Entretanto, surgiram novas situações<br />
de risco: novos processos de produção induzem<br />
ao uso excessivo e a repetição de movimentos<br />
que afetam determinados grupos musculares,<br />
o que acaba por gerar as doenças do sistema músculo-esquelético.<br />
Outra característica pode ser qualificada<br />
numa nova definição do trabalhador: ele é<br />
considerado o homem ou a mulher que pode exercer<br />
determinada atividade para a sua manutenção<br />
e de seus dependentes, não importando sua forma<br />
de inserção no mercado de trabalho ou nos setores<br />
formais da economia. Podem receber remuneração<br />
ou não, quer trabalhe como aprendiz ou estagiário.<br />
Também são inclusos aqueles trabalhadores<br />
que estão, temporariamente ou em definitivo,<br />
afastados dos seus núcleos laborais. 2<br />
Dentro desse contexto, o homem é considerado<br />
o elemento fundamental na produção de bens<br />
e prestação de serviço na sociedade, enfrentando<br />
fatores que perturbam a sua saúde. Estes podem<br />
lhe trazer desconforto e restrição em suas atividades<br />
sociais e familiares. Entre os constantes desafios<br />
enfrentados diariamente existe o contato com<br />
riscos ocupacionais que apresentam características<br />
físico-químico-biológicas. Além dos fatores<br />
ambientais, surge o estabelecimento da organização<br />
do tempo de trabalho que, por diversas razões,<br />
começa a ser introduzida na forma de turnos de<br />
trabalho. Essa nova situação pode evoluir para um<br />
dos constituintes de fatores causais para doenças<br />
e tem sido apontado como uma contínua fonte de<br />
problema de saúde e de perturbação sociofamiliar. 3<br />
Atualmente, as vibrações, a iluminação, a temperatura<br />
e os ruídos são considerados como fatores<br />
que podem provocar alterações no ambiente de<br />
trabalho. 4-5 Com relação às posturas e os movimentos<br />
executados no decorrer das atividades, eles são<br />
determinados pelo espaço físico no qual o corpo<br />
está inserido, pelas características das informações<br />
a serem captadas e pelas ações a serem executadas.<br />
6 No ambiente de trabalho, o indivíduo poderá<br />
realizar atividades na posição sentada. Nessa<br />
posição, ele obtém uma vantagem em relação à<br />
posição de pé, pois o corpo fica mais bem apoiado<br />
em diversas superfícies: o piso, o assento, o encosto,<br />
braços da cadeira e a mesa. 4 Entretanto, estudos<br />
indicam que a posição mais danosa é a posição<br />
sentada, pois a pressão sobre o disco<br />
intervertebral da terceira vértebra lombar (L3) é<br />
menor na posição em pé, recebendo uma sobre-<br />
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LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO<br />
carga de 70 kg, enquanto que na posição sentada<br />
reta, sem suporte, chega a 100 kg e que na posição<br />
sentada a pressão intradiscal diminui quando o<br />
indivíduo senta sem apoio de tronco, mas com as<br />
costas retas e com os braços apoiados sobre as coxas.<br />
Ao se aumentar a inclinação do encosto ocorre<br />
uma diminuição da pressão discal, e que essa<br />
pressão também diminui ao se utilizar um apoio<br />
na região lombar. 7<br />
Se o indivíduo realiza atividades sentadas<br />
que mantenham uma postura incorreta por longos<br />
períodos, as alterações posturais serão<br />
potencializadas, com um aumento na pressão<br />
intradiscal de até 70%. Com isso, podem predispor<br />
maiores índices de desconforto gerais como<br />
dor, sensação de peso e parestesias em diferentes<br />
partes do corpo, podendo fazer surgir processos<br />
degenerativos, como a hérnia de disco. 8<br />
No trabalho em que não pode haver nenhuma<br />
alternância da postura, estes se tornam cansativos<br />
porque os mesmos grupos musculares estarão<br />
sempre sobre tensão. 6 Dessa forma, o homem em<br />
situação de trabalho não pode ser comparado a um<br />
modelo mecânico do tipo transformação de energia,<br />
ou a um modelo informatizado de tratamento<br />
de dados. 9 Ele não deveria ser analisado simplesmente<br />
como mais um instrumento dentro da cadeia<br />
de produção. Ele é a parte importante dentro de toda<br />
a sequência de produção, seja industrial, comercial<br />
ou de serviço público. A execução do trabalho irá<br />
exigir-lhe de alguma forma o desenvolvimento de<br />
estratégias que lhe permitam chegar ao final de sua<br />
jornada com sua cota preestabelecida alcançada.<br />
Mas é necessário observar quais foram os caminhos<br />
que buscou ou quais as condições oferecidas pelo<br />
local de trabalho que lhe permitiram chegar até a<br />
resolução dessas metas.<br />
Outro aspecto é quando se analisam variabilidades<br />
como: a idade, sua origem, sua formação<br />
profissional, suas tradições culturais. Na atualidade,<br />
é facilmente observado que fatores como alimentação,<br />
moradia, vícios sociáveis e o nível econômico<br />
também podem interferir na qualidade de<br />
serviço que o trabalhador está oferecendo à empresa<br />
na qual está ligado. Assim, o indivíduo-padrão<br />
não existe e tampouco a tarefa-padrão da ‘organização<br />
científica do trabalho’. 9<br />
Nesse contexto, surgiu uma nova visão de<br />
saúde ocupacional. Essa preocupação é evidente<br />
por meio da Norma Técnica do Instituto Nacional<br />
de Seguridade Social (INSS) pela sua Ordem de<br />
Serviço/INSS n.º 606/1998, 10 que estabelece Fatores<br />
de Risco para Doenças Osteomusculares Relacionadas<br />
ao Trabalho (Dort), que apresenta as seguintes<br />
características importantes em relação a<br />
exposição:<br />
• Região anatômica exposta aos fatores de<br />
risco;<br />
• Intensidade de fatores de risco;<br />
• Organização temporal da atividade – duração<br />
do ciclo de trabalho, distribuição das pausas<br />
ou estrutura de horários;<br />
• Tempo de exposição aos fatores de risco.<br />
A estação de trabalho passou a ser considerada,<br />
também, como uma participante dos grupos<br />
de fatores de risco, porque as suas dimensões podem<br />
induzir o trabalhador a adotar posturas ou<br />
métodos de trabalho que podem causar ou mesmo<br />
agravar lesões osteomusculares. Essas posturas inadequadas<br />
apresentam, então, três mecanismos que<br />
podem ser causadores desses distúrbios: os limites<br />
da amplitude articular, a força da gravidade que<br />
oferece uma carga suplementar sobre articulações e<br />
músculos e, também, lesões mecânicas sobre os diferentes<br />
tecidos. Também é considerado que a carga<br />
ostemuscular pode ser entendida como uma carga<br />
mecânica, que poderá levar a um estado de tensão,<br />
pressão, fricção ou irritação em determinado<br />
local do corpo. Associado a esses fatores, existe o<br />
estabelecimento de posturas estáticas pelo trabalhador<br />
durante a execução de suas atividades, a monotonia,<br />
tanto fisiológica quanto psicológica, as exigências<br />
cognitivas e os fatores organizacionais e<br />
psicossociais ligados ao trabalho. 10<br />
Para compreendermos a organização fisiológica<br />
do corpo e a gênese da instalação dos esquemas<br />
adaptativos, compensatórios e das formações<br />
das patologias que se instalam é preciso defi-<br />
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v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA<br />
nir que a estrutura corporal obedece a três leis:<br />
do equilíbrio, da economia e do conforto. No esquema<br />
fisiológico, o equilíbrio é prioritário, e as<br />
soluções adotadas são econômicas. O esquema de<br />
funcionamento, sendo fisiológico, é certamente<br />
confortável. 11<br />
O National Institute for Ocupacion Safety<br />
and Helt (NIOSH) afirma que evidências científicas<br />
mostram relação consistente entre distúrbios<br />
músculo-esqueléticos e certos fatores físicos relacionados<br />
ao trabalho, especialmente em níveis de<br />
exposição elevados. 12 Em patologias que envolvem<br />
a região do pescoço, base do crânio e dos ombros o<br />
quadro clínico é caracterizado por dores na região<br />
posterior, que piora com movimentos e tensão com<br />
irradiação para o braço. Podem ocorrer pontos de<br />
dor miofascial. A contração estática em associação<br />
com fatores estressantes, que decorre da organização<br />
do trabalho, parece exercer um papel importante<br />
na origem de dores que atingem a musculatura<br />
cervical, paravertebral e da cintura escapular. 10<br />
Para a execução de atividades na posição<br />
sentada deve-se levar em consideração que uma<br />
nova forma de posicionamento é adquirida. Se os<br />
músculos dos membros inferiores não são ativados<br />
de forma contínua, isso não significa que o trabalhador<br />
estará isento de sofrer comprometimentos<br />
na sua saúde. As cadeias musculares irão buscar<br />
novas formas de trabalho para consumar as atividades<br />
que lhes são impostas, principalmente<br />
quando o indivíduo executa atividades motoras<br />
finas e que lhe exigem a atenção visual. A movimentação<br />
constante, sem pausa ou com adaptações<br />
das amplitudes articulares, comprometendo<br />
de forma insidiosa músculos, ligamentos e articulações,<br />
provavelmente irão ocasionar o surgimento<br />
de doenças relacionadas com a postura adotada<br />
pelo trabalhador.<br />
São citados como patologias relacionadas à<br />
postura sentada: síndrome dolorosa miofascial,<br />
síndrome cervicobraquial e lombalgia. As lesões<br />
no ombro que têm relação com as alterações<br />
posturais na posição sentada: capsulite adesiva do<br />
ombro, síndrome do manguito rotatório, tendinite<br />
calcificante do ombro, bursite, entre outras. 10<br />
DISCUSSÃO<br />
Não se pode desmembrar o agente causal<br />
da patologia laboral daquele que é o principal envolvido<br />
nessa questão: o trabalhador, pois analisar<br />
a nocividade do trabalho e no trabalho é analisar<br />
a situação que a produziu, e como o trabalhador<br />
reagiu a essa situação. 9 No campo das ciências<br />
ambientais e do risco, o conceito de prevenção técnica<br />
de riscos que envolvem estratégias que visam<br />
evitar a ocorrência de determinado fato não desejável,<br />
como os acidentes ou as doenças relacionadas<br />
ao trabalho, é mais abrangente que o conceito<br />
de prevenção normalmente utilizado pelo campo<br />
da Saúde Pública, aproximando-se ao conceito<br />
amplo de promoção da saúde. 13<br />
Em função dessas considerações, torna-se<br />
necessário o oferecimento de orientações que visem<br />
à proteção aos trabalhadores e que recomendações<br />
possam ser levadas aos demais participantes<br />
da cadeia produtiva, pois, muitas vezes, o estágio<br />
de adoecimento passa por sintomatologias e<br />
sinais quase imperceptíveis na sua gênese. Para<br />
isso, faz-se necessário a observação de aspectos que<br />
estão ligados diretamente ao seu ambiente laboral,<br />
analisando e discutindo se a organização, o<br />
gerenciamento e as estratégias propostas para a efetiva<br />
função do trabalhador não irão apresentar desvios,<br />
falhas ou incoerências no seu planejamento e<br />
execução.<br />
Nesse contexto, a presença ativa do profissional<br />
fisioterapeuta como agente de prevenção<br />
de patologias relacionadas ao trabalho é perfeitamente<br />
viável, entre outros motivos pelos conhecimentos<br />
pertinentes à sua formação profissional;<br />
os conceitos de globalidade durante a fase<br />
de avaliação do indivíduo por ele tratado, no qual<br />
é observado o intrincado mecanismo associativo<br />
e causal de alterações corporais que as cadeias<br />
musculares podem acarretar; a utilização do Diagnóstico<br />
Cinesiológico Funcional – considerada<br />
a intervenção diagnóstica específica do profissional<br />
fisioterapeuta, que identifica as disfunções<br />
apresentadas pelo paciente tratado; as variadas<br />
técnicas que pode utilizar para alcançar os seus<br />
66<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LUIZ CARLOS DE SOUZA MENEZES, ALESSANDRO MAGNO DE FIGUEIREDO LACERDA, SIMY LAREDO<br />
objetivos terapêuticos e os recursos de baixo custo<br />
de que dispõe podem perfeitamente inseri-lo<br />
dentro de uma equipe profissional que busque o<br />
cuidado e atendimento ao trabalhador, transformando-o<br />
em um agente importante na saúde<br />
pública, atuando, também, na prevenção de fatores<br />
que podem causar limitação laboral e social<br />
de indivíduos que executam suas funções na posição<br />
sentada e que participam da formação de<br />
riquezas e patrimônios da sociedade.<br />
CONCLUSÃO<br />
Pode-se, assim, afirmar que indivíduos que<br />
executam atividades laborais na posição sentada<br />
podem apresentar alterações na sua normalidade<br />
estrutural em razão das atividades executadas<br />
e que os estágios de adoecimento nesses profissionais<br />
passam por sintomatologias e sinais<br />
quase imperceptíveis na sua gênese. Por isso, fazse<br />
necessário a observação de aspectos que estão<br />
ligados diretamente ao seu ambiente laboral,<br />
como a postura adotada pelo trabalhador e sua<br />
relação com os ruídos, as vibrações, a iluminação,<br />
diversos tipos de escalas de turno e a estação<br />
de trabalho, analisando e discutindo se a organização<br />
do gerenciamento e das estratégias propostas<br />
para a efetiva função do trabalhador não apresenta<br />
desvios, falhas ou incoerências no seu planejamento<br />
e execução, e que nesse contexto o profissional<br />
fisioterapeuta ta,mbém pode ser considerado<br />
como um agente de ações preventivas de<br />
patologias relacionadas ao trabalho.<br />
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10 MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Doenças<br />
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para os Serviços de Saúde. Brasília: Editora<br />
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11 BUSQUET, L. As cadeias musculares. Tronco.<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
67
PREVENÇÃO DE FATORES CAUSAIS DE DOENÇAS OSTEOMUSCULARES EM TRABALHADORES QUE EXERCEM ATIVIDADES NA POSIÇÃO SENTADA<br />
12 ASSUNÇÃO, A. A.; ALMEIDA, I. M. Doenças<br />
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13 PORTO, M. F. S.; MATTOS, U. A. O. Estratégias<br />
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68<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO<br />
AVALIA<br />
ALIAÇÃ<br />
ÇÃO DOS PROTOC<br />
OCOL<br />
OLOS OS DE HIGIENE BUCAL<br />
NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPI-<br />
TAIS PÚBLICOS E PRIVADOS<br />
*<br />
EVALUATION OF THE PROTOCOLS OF ORAL HYGIENE IN THE INTENSIVE CARE UNITS OF PUBLIC<br />
AND PRIVATE HOSPITALS<br />
Miriam Raquel Ardigó Westphal ** , Natasha da Silva Leitão ***<br />
RESUMO: Objetivo: Avaliar os protocolos preconizados para a higiene bucal de pacientes internados e intubados<br />
nas Unidades de Terapias Intensivas. Métodos: Trata-se de um estudo não-experimental descritivo que utilizou<br />
questionários, composto por perguntas fechadas e abertas. A amostra foi de 154 profissionais (55 médicos, 33<br />
enfermeiros e 66 técnicos/auxiliares) de quatro hospitais públicos e privados. Resultados: Afirmaram haver protocolo<br />
de higienização bucal para pacientes internados: 43,6% (24/55) dos médicos, 45,5% (15/33) dos enfermeiros e<br />
39,4% (26/66) dos auxiliares/técnicos, sendo 45,8% de instituições públicas e 39% privadas; e para pacientes<br />
intubados, 32,7% (18/55) dos médicos, 48,5% (16/33) dos enfermeiros e 31,8% (21/66) dos auxiliares/técnicos,<br />
sendo 34,7 e 36,6% de hospitais públicos e privados, respectivamente. A mediana da frequência de higiene bucal<br />
para todos os pacientes foi de três vezes, independente da profissão ou instituição. Os procedimentos mais usados,<br />
para pacientes internados nas instituições públicas e privadas, respectivamente, foram a escovação dental (45,5%<br />
e 28,1%), colutórios (18,2 e 21,9%), e para os pacientes intubados, foi o swab (68 e 70% ). O cloreto de cetilpiridino foi<br />
o colutório mais usado para pacientes internados (27,3 e 46,9%) e intubados (32 e 56,7%). Conclusão: Não há<br />
diferença entre a conduta de higiene bucal dos hospitais públicos e privados; e os protocolos adotados não estão de<br />
acordo com a literatura científica atual. Portanto, é essencial o desenvolvimento de programas educacionais e<br />
implementação de protocolos de higiene bucal na rotina hospitalar, visto que é um método eficaz na prevenção da<br />
pneumonia nosocomial e associada à ventilação mecânica.<br />
Palavras-chave: Higiene. Biofilme. Periodontite. Pneumonia.<br />
ABSTRACT: Objective: To evaluate the protocols recommended for oral care of patients hospitalized and intubated<br />
in the intensive care units. Methods: This is a non-experimental descriptive study that used questionnaires, consisting<br />
of closed and open questions. The sample of 154 professionals (55 doctors, 33 nurses and 66 technicians / assistants)<br />
from four public and private hospitals. Results: They said there was memorandum of oral hygiene in hospitalized<br />
patients: 43.6% (24/55) of doctors, 45.5% (15/33) of nurses and 39.4% (26/66) of assistants / technicians, and<br />
45.8% of public institutions and 39% private, and for intubated patients, 32.7% (18/55) of doctors, 48.5% (16/33) of<br />
nurses and 31.8% (21/66 ) of assistants / technicians, and 34.7 and 36.6% of public and private hospitals,<br />
respectively. The median frequency of oral hygiene for all patients was three times, regardless of profession or<br />
institution. The procedures most used for inpatients in public and private institutions, respectively, were brushing<br />
teeth (45.5% and 28.1%), colutórios (18.2 and 21.9%) and for patients intubated, was the swab (68 and 70%). The<br />
cetilpiridino chloride was used to colutório more inpatients (27.3 and 46.9%) and intubated (32 and 56.7%).<br />
Conclusion: There is no difference between the conduct of oral hygiene of public and private hospitals, and the<br />
protocols used are not in accordance with current scientific literature. Therefore, it is essential to the development of<br />
educational programs and implementation of protocols and oral hygiene in the hospital routine, since it is an<br />
effective method for prevention of nosocomial pneumonia and associated with mechanical ventilation.<br />
*<br />
Artigo elaborado com base na dissertação/tese de Miriam Raquel Ardigó Westphal, intitulada “AVALIAÇÃO DAS ATITUDES E CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS DAS<br />
UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE HIGIENE BUCAL, DOENÇA PERIODONTAL E PNEUMONIA” – Centro de Pós-Graduação/Centro de Pesquisas<br />
Odontológicas São Leopoldo Mandic, <strong>2008</strong> (154).<br />
**<br />
Especialista em Endodontia e Periodontia, Mestre em Periodontia, Professora auxiliar de Periodontia /<strong>Ufam</strong>. Rua Franco de Sá, 230, salas 406-407, Ed. Atrium, São Francisco<br />
– Manaus-AM. E-mail: mwestphal2109@hotmail.com – fone: (92) 3611-1133.<br />
***<br />
Odontóloga. Rua Via-Láctea, 1.085, sala 1.700, Ed. Palácio Adrianópolis – Conj. Morada do Sol. E-mail: natashaleitão@hotmail.com – fone: (92) 3236-2770.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
69
AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS<br />
INTRODUÇÃO<br />
À medida que se desenvolvem estudos nas<br />
diversas áreas, aumentam os conhecimentos sobre<br />
o corpo humano e as doenças que o acometem.<br />
Apesar de as pesquisas estarem em fases iniciais,<br />
surgem fortes evidências da relação entre<br />
as patologias bucais e as morbidades sistêmicas.<br />
Dentre as doenças que apresentam evidências<br />
científicas da sua relação com a higiene bucal<br />
e doenças periodontais (DP), estão as pneumonias<br />
bacterianas. 1,2,3<br />
A pneumonia é uma infecção do parênquima<br />
pulmonar causada por uma grande variedade<br />
de agentes infecciosos, incluindo bactérias,<br />
micoplasma, fungos, parasitas e vírus, sendo considerada<br />
uma infecção de risco, especialmente, nas<br />
pessoas idosas e nos pacientes imunocomprometidos.<br />
4 Usualmente, é classificada como pneumonia<br />
associada à comunidade hospitalar (PAH) ou<br />
nosocomial e associada à ventilação mecânica<br />
(PAVM). Esta determinação é importante, pois os<br />
patógenos e as medidas preventivas são diferentes<br />
para os três tipos. 2,4<br />
A pneumonia nosocomial ocorre após 48<br />
horas da admissão hospitalar, sua prevalência varia<br />
entre diferentes estudos, de 10 a 65% e 27 a 50%<br />
a taxa de mortalidade. 5 Maiores índices de óbito<br />
podem ocorrer quando causada por determinados<br />
agentes etiológicos, como P. aeruginosa, Klebsiella<br />
pneumonie, Acinetobacter sp., Escherichia coli, Serratia<br />
sp., Enterobacter sp. e Staphylococcus aureus resistentes<br />
à meticilina. 2,5,6<br />
Para o desenvolvimento da PAH há a necessidade<br />
de que os patógenos alcancem o trato<br />
respiratório inferior e sejam capazes de vencer os<br />
mecanismos de defesa do sistema respiratório, que<br />
inclui os mecânicos (reflexo glótico e da tosse, sistema<br />
de transporte mucociliar), humorais<br />
(anticorpos e complemento) e celulares (leucócitos,<br />
neutrófilos e linfócitos). 4<br />
A PAVM surge entre 48-72 horas após a<br />
intubação endotraqueal e a instituição da ventilação<br />
mecânica invasiva. Nas Unidades de Terapia<br />
Intensiva (UTI) é a infecção mais comum e sua<br />
incidência pode variar de 9 a 68%, dependendo<br />
do método de diagnóstico utilizado e da população<br />
estudada. Sua alta letalidade varia de 33 a<br />
71% e a relação entre caso e fatalidade pode atingir<br />
até 55%. 4 A prevalência é de 2,5 a 34,4 casos<br />
de pneumonia por 1.000 dias de respiração artificial<br />
e de 3,2 casos por 1.000 dias em pacientes<br />
não ventilados. 7<br />
O impacto negativo de infecções bucais, e<br />
principalmente a DP, na saúde sistêmica, é proveniente<br />
da disseminação de microrganismos e de<br />
seus subprodutos na corrente sanguínea levando<br />
a um quadro de bacteremia. 8,9 Outro fator importante<br />
no processo patogênico da DP é o ambiente<br />
inflamatório existente, que estimula a resposta de<br />
defesa do organismo induzindo a migração de<br />
leucócitos para a área afetada. Simultaneamente,<br />
ocorre a liberação de mediadores químicos inflamatórios,<br />
provenientes das próprias células de defesa<br />
ou dos tecidos danificados. Citocinas (ex.: ILs<br />
e TNF), derivados do ácido aracdônico (ex.: PGs e<br />
leucotrienos [LTs]), metaloproteinases (MMPs)<br />
(ex.: colagenases e elastases) e proteínas da fase<br />
aguda da inflamação (ex.: proteína C-reativa) são<br />
alguns dos principais mediadores químicos da inflamação.<br />
10<br />
Outras possíveis formas de contaminação<br />
são ingestão e inalação. Essas duas possibilidades<br />
foram levantadas por estudos que apontaram a<br />
cavidade bucal como possível reservatório para<br />
bactérias causadoras de pneumonias. 2,3,11<br />
A cavidade bucal sofre contínua colonização<br />
e apresenta uma microbiota muito vasta, nela<br />
se encontra praticamente a metade de todos os microrganismos<br />
presentes no corpo humano. De forma<br />
geral, é constituída de bactérias anaeróbias estritas,<br />
aeróbias facultativas e espiroquetas, com<br />
aproximadamente 500 espécies bacterianas<br />
identificadas. 12 A microbiota bucal depende de<br />
vários fatores externos como tabagismo, o uso de<br />
álcool, antibióticos ou corticosteroides; a permanência<br />
em ambiente hospitalar; o estado<br />
nutricional; e a higiene bucal do paciente. Além<br />
disso, fatores intrínsecos, como a idade, modificam<br />
a flora bucal por alteração na imunidade local e<br />
70<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO<br />
sistêmica, bem como seleção de espécies<br />
bacterianas. 13<br />
A associação entre a colonização do biofilme<br />
dental e a infecção hospitalar tem sido abordada<br />
em vários estudos e diversos mecanismos de<br />
plausibilidade biológica são propostos para justificar<br />
esta inter-relação. 2,3,11,14<br />
Scannapieco & Mylotte (1996), 14 em uma<br />
revisão de literatura, concluíram que as bactérias<br />
bucais poderiam participar da patogênese das infecções<br />
respiratórias por vários mecanismos como:<br />
a) aspiração de patógenos bucais (Porphyromonas<br />
gingivalis (Pg) e Aggregatibacter actinomycetemcomtans<br />
(Aa)) para o pulmão; b) enzimas presentes<br />
na saliva e associadas às DPs, podem modificar<br />
a superfície da mucosa e promover adesão e<br />
colonização dos patógenos respiratórios; c)<br />
enzimas associadas à DP podem destruir a película<br />
salivar sobre as bactérias patogênicas; d) as<br />
citocinas originárias dos tecidos periodontais podem<br />
alterar o epitélio respiratório e promover infecção<br />
pelos patógenos respiratórios.<br />
A DP ou a falta de higiene bucal podem resultar<br />
em uma grande concentração de patógenos<br />
bucais na saliva, e vários outros estudos têm demonstrado<br />
que os dentes e outras superfícies orais<br />
podem servir como reservatório de colonização e<br />
crescimento de patógenos respiratórios. 2,11,14,15,16<br />
Inúmeras recomendações têm sido feitas<br />
para reduzir a incidência de pneumonia<br />
nosocomial. Sendo assim, um controle rígido da<br />
infecção correspondente ao ponto crítico da prevenção.<br />
Uma vigilância sobre os patógenos potenciais,<br />
a identificação dos pacientes de risco, um<br />
grupo preparado para orientação, lavagem das<br />
mãos, uso de gorros e luvas de proteção tiveram<br />
impacto positivo na redução da incidência de PAH.<br />
Uma atenção adicional para com a higiene bucal<br />
deve ser considerada. 11,16<br />
Segundo Scannapieco (2006), 2 os métodos<br />
de higiene bucal em pacientes com respiração artificial<br />
é tão efetivo quanto à descontaminação seletiva<br />
do trato digestivo, que usa a aplicação tópica<br />
de antibióticos sobre as superfícies do trato<br />
gastrointestinal, incluindo a cavidade bucal, para<br />
reduzir a transferência de bactérias e a contaminação<br />
respiratória; e ainda tem como vantagem ser<br />
de baixo custo e diminuir o risco de resistência<br />
bacteriana. Estudos recentes indicam que o procedimento<br />
de higiene bucal é relevante na prevenção<br />
da colonização bucal pelos patógenos respiratórios<br />
potenciais. 1,2,6,11,17,18<br />
Os protocolos emitidos pela American<br />
Association of Critical Care Nurses (AACN) defenderam<br />
como cuidados bucais a utilização do<br />
swab, escovação dentária e aspiração de secreções<br />
bucais. O Centers for Disease Control and<br />
Prevention (CDC) recomenda que se desenvolvam<br />
e implementem programas de higiene bucal. 7<br />
A adoção de protocolos integrados de prevenção<br />
e tratamento multidisciplinar nos pacientes<br />
de UTI é essencial. Isso deve ocorrer especialmente<br />
em pacientes portadores de DP, por representar<br />
uma carga infecciosa e inflamatória significativa<br />
e servir de reservatório crônico para transferência<br />
de bactérias e/ou produtos do seu metabolismo.<br />
2,11 Portanto, diante das evidências científicas,<br />
a proposta do presente trabalho foi avaliar,<br />
por intermédio de questionário, a existência um<br />
programa de higiene bucal e quais os procedimentos<br />
adotados pelos profissionais da área de saúde<br />
nos serviços nas UTIs.<br />
MATERIAIS E MÉTODOS<br />
Trata-se de um estudo não-experimental<br />
descritivo com objetivo de avaliar o protocolo preconizado<br />
para a higiene bucal de pacientes internados<br />
e intubados das UTIs. Para o desenvolvimento<br />
da pesquisa foi utilizado questionários,<br />
composto por perguntas fechadas e abertas. A inclusão<br />
de questões abertas favoreceu a preservação<br />
da multiplicidade de informações, evitando o<br />
direcionamento das respostas e a distorção da real<br />
situação. Todas as questões cuja resposta foi positiva<br />
foram associadas a uma questão aberta, as<br />
quais foram posteriormente analisadas e codificadas<br />
como certas, erradas ou não-respondidas.<br />
Para que a amostra fosse estatisticamente<br />
representativa, foi utilizada uma proporção de<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
71
AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS<br />
50%, precisão de 6% e erro amostral de 10%. Portanto,<br />
a população do estudo incluiu 154 profissionais<br />
de quatro UTIs, sendo duas instituições públicas<br />
(n=72) e duas do serviço privado de saúde<br />
(n=82); divididos em três categorias assim distribuídos:<br />
55 médicos (35,7%), 33 enfermeiros (21,4%)<br />
e 66 técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%).<br />
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética<br />
em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas<br />
(<strong>Ufam</strong>) com o número 071/2006 e para sua<br />
execução pela direção das quatro UTIs estudadas.<br />
Após a seleção aleatória da população em estudo,<br />
cujas características preenchiam os critérios de inclusão<br />
e exclusão da pesquisa, foi apresentado aos<br />
participantes o termo de consentimento livre e esclarecido,<br />
conforme as especificações da Resolução<br />
n.º 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde.<br />
Todos os participantes preencheram um<br />
cadastro profissional, com informações como tempo<br />
de atividade, área de atuação e métodos de higiene<br />
bucal preconizados nas instituições de trabalho<br />
para pacientes internados nas UTIs e ventilados<br />
mecanicamente.<br />
Os dados foram apresentados por meio de<br />
tabelas de frequências, nas quais foram calculadas<br />
as frequências absolutas simples e relativas para<br />
os dados qualitativos, médias, mediana e desviopadrão<br />
para os dados quantitativos. Na análise de<br />
associação, foi utilizado o teste do qui-quadrado<br />
de Pearson ou teste exato de Fisher, e na comparação<br />
para duas médias utilizou-se o teste t, de<br />
Student, e para mais de duas médias a Análise de<br />
Variância (Anova).<br />
RESULTADOS<br />
A amostra pesquisada foi constituída 154<br />
profissionais que preenchiam os quesitos necessários<br />
para participar do estudo, sendo 55 do gênero<br />
masculino (35,7%) e 99 do gênero feminino<br />
(64,3%). A idade média foi de 35,4 ± 8,2 meses,<br />
sendo 55 médicos (35,7%), 33 enfermeiros (21,4%)<br />
e 66 técnicos/auxiliares de enfermagem (42,9%),<br />
sendo que 38 trabalhavam no <strong>Hospital</strong> Universitário<br />
Getúlio <strong>Vargas</strong> – <strong>HUGV</strong> (24,7%), 34 no <strong>Hospital</strong><br />
Pronto-Socorro 28 de Agosto – HPS (22,1%),<br />
41 no Instituto de Medicina Intensiva – IMI<br />
(26,6%) e 41 no <strong>Hospital</strong> Unimed – HU (26,6%).<br />
Quanto à formação escolar, 117 foram em instituições<br />
de ensino na rede pública (76%) e 37 em<br />
instituições privadas (24%), com tempo médio de<br />
experiência que variou de 10,2 ± 6,5.<br />
De acordo com a Tabela 1, podemos analisar<br />
que, quando inquiridos da existência de um<br />
protocolo nas instituições em que trabalham para<br />
a higiene bucal de pacientes internados nas UTIs,<br />
responderam positivamente 33 (45,8%) da rede pública<br />
e 32 (39%) da privada, sendo 24 (43,6%) médicos,<br />
15 (45,5%) enfermeiros e 26 (39,4%) técnicos/auxiliares<br />
de enfermagem. Quanto à existência<br />
de um protocolo para os pacientes intubados,<br />
podemos analisar que 25 (34,7%) servidores das<br />
instituições públicas e 30 (36,6%) dos hospitais privados<br />
responderam positivamente, no qual 24<br />
(43,6%) eram médicos, 15 (45,5%) enfermeiros e 26<br />
(39,4%) técnicos/auxiliares. Comparando-se as categorias<br />
profissionais e instituições entre si, não<br />
houve diferença estatisticamente significante.<br />
Dentre os métodos higiene bucal de pacientes<br />
internados nas UTIs e intubados encontramse<br />
escovação com creme dental, bochecho, uso do<br />
swab (gaze com espátula). Quando analisado a<br />
frequência com que a higiene era realizada nos<br />
pacientes em estudo, a mediana (3,0) foi igual para<br />
os três grupos de profissionais e entre as instituições<br />
(Tabela 2).<br />
Em relação ao tipo de colutório usado nos<br />
protocolos de higiene bucal, 57,6% dos funcionários<br />
das instituições públicas e 43,8% da rede privada<br />
não responderam a questão. Os colutórios<br />
mencionados foram: a clorexidine, bicarbonato de<br />
sódio e Cepacol, ® sendo este o mais usado entre os<br />
profissionais e nas instituições analisadas, tanto<br />
para pacientes internados (Gráfico 1) quanto para<br />
os intubados (Gráfico 2). Não houve diferença estatística<br />
entre as profissões e UTIs pesquisadas.<br />
DISCUSSÃO<br />
Tendo em vista a gravidade e peculiaridades<br />
a que o paciente internado na UTI está sujei-<br />
72<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO<br />
to e da necessidade de cuidados de excelência,<br />
ressalva-se a importância das equipes de saúde<br />
exercer suas atividades em conjunto, por meio da<br />
multidisciplinariedade. Vários estudos analisaram<br />
as atitudes e conhecimentos dos enfermeiros;<br />
11,18,19,20 técnicos de enfermagem 3,18 e fisioterapeutas<br />
19 sobre higiene bucal em pacientes hospitalizados<br />
ou institucionalizados, e como não foram<br />
encontrados dados referentes aos médicos<br />
intensivistas, decidiu-se, portanto, envolver em<br />
nosso estudo profissionais da área médica<br />
(35,7%), de enfermagem (21,4%) e técnicos/auxiliares<br />
de enfermagem (42,9%), de quatro Unidades<br />
de Saúde da cidade de Manaus-AM.<br />
Apesar do conhecimento de que o procedimento<br />
de higiene bucal são efetivos para a redução<br />
da colonização da orofaringe pelos patógenos respiratórios,<br />
1,2,6,16,17,18 a implementação de planos coordenados,<br />
que incluem intervenções de<br />
higienização bucal, não é uma prática comum nas<br />
UTIs. 6 Podemos observar em nosso estudo que 45,8%<br />
dos funcionários das unidades públicas e 39% dos<br />
hospitais privados afirmaram haver protocolo para<br />
pacientes internados e para pacientes intubados:<br />
34,7 e 36,6%, respectivamente. Estes dados são coerentes<br />
com os resultados do estudo realizado por<br />
Sole et al. (2003), 19 onde se concluiu que das 27 instituições<br />
de saúde no Reino Unido estudadas, apenas<br />
48% tinham políticas de higiene bucal.<br />
Os protocolos emitidos pela AACN preconizaram<br />
como cuidados bucais a utilização do swab,<br />
escovação dentária e aspiração de secreções bucais.<br />
Os protocolos de higiene bucal publicados<br />
recentemente incluem, além desses procedimentos,<br />
uma avaliação bucal e bochechos com<br />
colutórios em um intervalo de duas a seis horas. 21,22<br />
Entretanto, os procedimentos que estavam incluídos<br />
nos protocolos das instituições analisadas<br />
para pacientes internados nas UTIs públicas e<br />
privadas era a escovação dental (45,5 e 28,1%) e<br />
uso de colutórios (18,2 e 21,9%), para os pacientes<br />
em ventilação mecânica, o método mais usado<br />
foi o swab no qual foi citado por 68 e 70% dos<br />
entrevistados das UTIs públicas e privadas, respectivamente.<br />
Fitch et al. (1999) 21 afirmaram ser o swab,<br />
dentre as intervenções bucais, o mais comum nas<br />
UTIs. Os resultados de um estudo realizado por<br />
Cutler & Davis (2005) 23 são similares aos nossos,<br />
pois a higiene bucal era realizada principalmente<br />
por swab. Para Adams (1996) 24 e Pearson (2006), 25<br />
este método não é efetivo na remoção do biofilme<br />
dental e provavelmente não reduz risco de PAVM.<br />
Rello et al. (2007) 20 avaliaram o tipo e a<br />
frequência dos cuidados bucais nas UTIs europeias.<br />
A higiene era realizada uma vez por dia (20%),<br />
duas vezes (31%) ou três vezes (37%). O procedimento<br />
consistia na limpeza da cavidade bucal<br />
(88%), com swab (22%), escova de dente (41%),<br />
hidratantes (42%) e principalmente com<br />
clorexidina (61%). Em um estudo realizado por<br />
Grap et al. (2006), 18 75% dos profissionais afirmaram<br />
realizá-la duas ou três vezes por dia para pacientes<br />
não intubados e 72% cinco vezes por dia<br />
ou mais para pacientes intubados. A mediana obtida<br />
da frequência de higiene bucal dos pacientes<br />
internados e intubados em nosso estudo foi três<br />
vezes, independente da profissão ou instituição de<br />
trabalho.<br />
Atualmente, muitos agentes químicos estão<br />
sendo utilizados e testados em várias formulações<br />
para combater o biofilme dental, dentre eles podemos<br />
citar o peróxido de hidrogênio, 25 bicarbonato<br />
de sódio, 24 cloreto de cetilpiridino 26,27 e óleos essenciais,<br />
27 PVPI, 17 clorexidina. 1,17,27,28 Entretanto,<br />
somente dois agentes para tratamento da gengivite<br />
e controle do biofilme são aceitos pela ADA: o<br />
digluconato de clorexidina e os colutórios como a<br />
base de óleos essenciais. 29 Em nosso trabalho, o<br />
colutório mais usado nos protocolos das UTIs, para<br />
o controle do biofilme dental, foi o Cepacol. ®<br />
O bicarbonato de sódio foi referido como<br />
parte dos procedimentos de higiene bucal usados<br />
nos protocolos dos pacientes internados por 9,1 e<br />
3,1%, da rede pública e privada, respectivamente.<br />
Para os pacientes intubados é usado por 4% nas<br />
unidades públicas e 3,3% nas privadas. Entretanto,<br />
segundo Adams (1996), 24 o bicarbonato de sódio<br />
e o peróxido de hidrogênio, mesmo sendo eficazes<br />
na remoção do biofilme, podem causar quei-<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
73
AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS<br />
maduras superficiais, se não diluído adequadamente.<br />
O agente que mostrou os resultados mais<br />
positivos quanto à ação inibidora do biofilme é a<br />
clorexidina, atingindo a eficácia terapêutica preconizada<br />
pela ADA (2001), 29 sendo, portanto, considerado<br />
o padrão áureo e o antisséptico de escolha.<br />
Rello et al. (2007) 20 avaliaram o tipo dos cuidados<br />
bucais nas UTIs europeias e observaram que a<br />
clorexidina (61%) era o colutório mais usado. Em<br />
nosso estudo foi citada como parte do protocolo<br />
de higiene bucal de pacientes internados nas instituições<br />
públicas e privados por 3 e 3,1%, respectivamente.<br />
O CDC preconiza o uso de clorexidina a<br />
0,12% em duas situações: durante o período préoperatório<br />
de pacientes que foram submetidos à<br />
cirurgia cardíaca e em todos os pós-operatórios de<br />
pacientes em estado crítico de saúde e/ou pacientes<br />
com alto risco de pneumonia. 7 Vários estudos<br />
comprovaram, porém, a eficácia do antisséptico na<br />
prevenção das PHs e PAVMs. 1,5 Entretanto, a<br />
clorexidine não é utilizada nos protocolos para<br />
pacientes ventilados mecanicamente nas UTIs<br />
pesquisadas.<br />
Apesar da ineficácia do cloreto de<br />
cetilpiridino sobre bactérias gram-negativas e<br />
micobactérias, 26 e de estudos comprovarem que o<br />
colutório é um bom conservante de Mycobacterium<br />
tuberculosis; 26,30 o Cepacol ® foi o colutório mais utilizado<br />
na rede pública e privada, para a higiene<br />
bucal de pacientes internados (27,3 e 46,9%) e<br />
intubados (32 e 56,7%).<br />
Pitten & Kramer (2001) 26 descreveram que<br />
a aplicação de cloreto de cetilpiridino em uma concentração<br />
de 0,05% resulta em uma redução imediata<br />
na contagem bacteriana de 2,0 a 2,5 em uma<br />
escala logarítmica (sendo adequado para > 99%)<br />
com uma efetividade bactericida por um período<br />
de uma hora após a aplicação. Em contrapartida,<br />
a clorexidina apresenta melhores características<br />
como a substantividade de 12 horas, eficiência,<br />
estabilidade e segurança. 28 Considerando o exposto,<br />
o uso da clorexidine seria mais adequado e não<br />
o Cepacol, ® já que nos protocolos usados nas instituições<br />
avaliadas a frequência dos procedimentos<br />
de higiene bucal tem a mediana de três vezes<br />
ao dia, portanto com intervalos de oito horas.<br />
Segundo a literatura, a disponibilidade de<br />
escovas dentárias apropriadas e a qualidade dos<br />
colutórios e swab fornecidos pelos hospitais podem<br />
também influenciar no procedimento de higiene<br />
bucal em UTIs. Além desses obstáculos, as<br />
condições do hospital, tais como a falta de protocolos,<br />
equipamentos e prioridade do procedimento,<br />
afetam o tipo e a qualidade do cuidado bucal<br />
dado por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem.<br />
19 Durante o presente estudo foi observado<br />
que nas UTIs públicas e privadas os dispositivos<br />
de higiene bucal como creme dental, escova<br />
dentária e colutórios eram solicitados aos familiares<br />
dos pacientes, pois a higiene bucal não faz<br />
parte dos procedimentos prioritários das instituições<br />
e dos convênios de saúde.<br />
Diante do exposto, as administrações dos<br />
hospitais devem estar ciente da importância da<br />
formação de uma equipe multidisciplinar nas UTIs<br />
e da necessidade de implementação de programas<br />
de prevenção e promoção de saúde bucal em<br />
pacientes criticamente doentes, para que estes tenham<br />
um tratamento integral e humanizado.<br />
CONCLUSÃO<br />
Podemos concluir que não houve diferença<br />
estatística entre os profissionais e as instituições<br />
em relação ao protocolo de higiene bucal e<br />
para a frequência da execução dos procedimentos,<br />
e que ela está abaixo do preconizado na literatura.<br />
Os métodos de higiene bucal mais usados<br />
em pacientes internados foram a escovação com<br />
creme dental e bochechos; e para os pacientes<br />
submetidos à ventilação mecânica foi o uso de<br />
swab. O colutório mais utilizado é o cloreto de<br />
cetilperidino para a higiene bucal dos pacientes<br />
internados e intubados. Portanto, é essencial a<br />
implementação de protocolos de higiene bucal na<br />
rotina hospitalar, visto que é um método eficaz<br />
na prevenção da pneumonia nosocomial e associada<br />
à ventilação mecânica.<br />
74<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO<br />
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revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO<br />
Tabela 1 – Protocolo para Higienização Bucal dos Pacientes Internados e Intubados em relação à<br />
Profissão e às Instituições<br />
Profissão<br />
Instituição de Trabalho<br />
Variáveis (n=154)<br />
Aux./Tec.<br />
Pública Privada<br />
Médico Enfermeiro<br />
p*<br />
Enfermagem p* (n=117) (n=37)<br />
(n=55) (n=33)<br />
(n=66)<br />
n % n % n % n % n %<br />
Protocolo de HB em<br />
pacientes<br />
24 43,6 15 45,5 26 39,4 0,466 33 45,8 32 39,0 0,674<br />
INTERNADOS/UTI<br />
Qual (n = 65) ** **<br />
Escovação com creme<br />
dental<br />
5 20,8 11 73,4 8 30,8 15 45,5 9 28,1<br />
Bochechos 6 25,0 2 13,3 5 19,2 6 18,2 7 21,9<br />
Swab - - - - 3 11,5 2 6,1 1 3,1<br />
Escovação/Bochechos 11 45,9 2 13,3 4 15,4 5 15,1 12 37,5<br />
Não respondeu 2 8,3 - - 6 23,1 5 15,1 3 9,4<br />
Protocolo de HB em<br />
pacientes<br />
18 32,7 16 48,5 21 31,8 0,281 25 34,7 30 36,6 0,701<br />
INTUBADOS/UTI<br />
Qual (n = 57) ** **<br />
Escovação com creme 3 16,7 - - - - - - 3 10,0<br />
dental<br />
Bochechos 3 16,7 1 6,3 - - 3 12,0 1 3,3<br />
Swab 10 55,6 13 81,3 15 71,4 17 68,0 21 70,0<br />
Escovação/Bochechos 1 5,6 2 12,5 2 9,5 1 4,0 4 13,3<br />
Não respondeu 1 5,6 - - 4 19,0 4 16,0 1 3,3<br />
*p-valor em negrito itálico indica associação estatisticamente significante ao nível de 5%<br />
* *Não foi possível aplicar a Estatística de Teste pois mais de 20% dos valores esperados são menores que 5.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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AVALIAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE HIGIENE BUCAL NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA DE HOSPITAIS PÚBLICOS E PRIVADOS<br />
Tabela 2 – Frequência de Higiene Bucal em pacientes Internados e Intubados em relação à Profissão e às<br />
Instituições<br />
Profissão<br />
Instituição de Trabalho<br />
Variáveis (n=154)<br />
Freqüência HB em<br />
pacientes<br />
Médico<br />
(n=55)<br />
Enfermeiro<br />
(n=33)<br />
Aux./Tec.<br />
Enfermagem<br />
(n=66)<br />
p*<br />
Pública<br />
(n=117)<br />
Privada<br />
(n=37)<br />
0,660*** 0,804**<br />
INTERNADOS/UTI:<br />
Média ± DP 2,7 ± 0,8 2,9 ± 0,7 2,9 ± 0,6 2,8 ± 0,7<br />
2,8 ±<br />
0,6<br />
Mediana 3,0 3,0 3,0 3,0 3,0<br />
Amplitude 1 - 4 2 – 4 2 – 4 1 - 4 1 – 4<br />
p*<br />
Freqüência HB em<br />
pacientes<br />
INTUBADOS/UTI:<br />
Média ± DP 2,4 ± 1,0 3,0 ± 0,7 3,2 ± 0,4 3,1 ± 0,8<br />
2,7 ±<br />
0,7<br />
Mediana 3,0 3,0 3,0 3,0 3,0<br />
0,063***<br />
Amplitude 1 - 4 2 – 4 3 – 4 1 - 4 1 – 4<br />
*p-valor em negrito itálico indica associação estatisticamente significante ao nível de 5%<br />
Gráfico 1 – Colutórios utilizados pelos profissionais para HB de pacientes internados em UTIs em relação à<br />
profissão.<br />
78<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
MIRIAM RAQUEL ARDIGÓ WESTPHAL, NATASHA DA SILVA LEITÃO<br />
Gráfico 2 – Colutórios utilizados pelos profissionais para HB de pacientes intubados, em relação à profissão.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
79
80<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA<br />
REFLUX<br />
UXO LARIN<br />
ARINGOF<br />
GOFARÍN<br />
ARÍNGEO: UMA MANIFESTAÇÃ<br />
ÇÃO<br />
ATÍPIC<br />
TÍPICA DA DOENÇA DO REFLUX<br />
UXO<br />
GAS<br />
ASTR<br />
TROESOF<br />
OESOFÁGIC<br />
GICO CLÁSSIC<br />
ÁSSICA<br />
LARYNGOPHARYNGEAL REFLUX: AN ATYPICAL MANIFESTATION OF CLASSIC GASTROESOPHAGEAL<br />
REFLUX DISEASE<br />
Eduardo Abram Kauffman * , Júlio César Simas Ribeiro ** , Cláudia Marina Puga Barbosa Oliveira ***<br />
RESUMO: A Doença do Refluxo Gastroesofágico tem duas manifestações clínicas distintas: Refluxo Gastroesofágico<br />
patológico ou DRGE clássica e Refluxo Laringofaríngeo (RLF) com sintomas respiratórios e/ou laríngeos que<br />
acabam trazendo os pacientes à atenção do otorrinolaringologista. Os principais sintomas são disfonia, tosse,<br />
sensação de globus faríngeo, pigarro, hipersalivação, odinofagia, disfagia alta, queimação em garganta e garganta<br />
seca. O tratamento é basicamente clínico e deve buscar a eliminação dos fatores propiciadores, com mudança nos<br />
hábitos alimentares e de vida. Faz-se também necessária, na maioria dos casos, a terapia medicamentosa, inicialmente<br />
com bloqueadores da bomba de prótons. Apesar da alta frequência, uma vez que cerca de 80% das queixas de<br />
garganta têm refluxo associado; a doença laringofaríngea ainda é subdiagnosticada.<br />
Palavras-chave: Doença do Refluxo Gastroesofágico, Refluxo Laringofaríngeo, manifestação atípica.<br />
ABSTRACT: The Gastroesophageal Reflux Disease has two different clinical manifestations: the pathological<br />
Gastroesophageal Reflux or classic GERD and the Laryngopharyngeal Reflux (LPR) with respiratory and/or<br />
laryngeal symptoms which call the otorhinolaryngologist’s attention. The main symptoms are dysphonia, cough,<br />
pharyngeal globus, throat clearing, sialorrhoea, odynophagia, upper dysphagia, burning sensation in the throat<br />
and throat dryness. Treatment is basically clinical and must mind precipitation factors, changes in eating habits<br />
and in life. Medical management with proton pump inhibitors is also needed in most cases. Despite the high<br />
occurence, as around 80% of throat complaints are related to reflux, the laryngopharyngeal disease still isn’t<br />
properly detected.<br />
Keywords: Gastroesophageal Reflux Disease, Laryngopharyngeal Reflux, atypical manifestation.<br />
A porção alta do tubo digestivo é composta<br />
por boca, orofaringe, laringe, esôfago, estômago e<br />
duodeno. O alimento, ao ser ingerido, percorre<br />
sequencialmente essas regiões, utilizando como<br />
propulsão a força da gravidade e o peristaltismo.<br />
Ao chegar ao estômago e ao duodeno, sofre ação<br />
do conteúdo gástrico e duodenal, composto por<br />
enzimas e ácidos capazes de digerir os alimentos,<br />
para posteriormente serem absorvidos. 20<br />
Existem mecanismos que impedem que o<br />
alimento se movimente de maneira retrógrada por<br />
esse tubo. Os principais são os esfíncteres<br />
esofágicos inferior e superior. Quando há incompetência<br />
desses esfíncteres ocorre um fenômeno<br />
chamado refluxo alimentar, onde o conteúdo gastroduodenal,<br />
responsável pela digestão do alimento<br />
ingerido, percorre o caminho inverso, atingindo<br />
as regiões esofágica, laríngea e faríngea. 15 Esse<br />
*<br />
Mestre em Otorrinolaringologia.<br />
**<br />
Acadêmico do 6.º ano de Medicina, <strong>Ufam</strong>.<br />
***<br />
Acadêmica do 6.º ano de Medicina, <strong>Ufam</strong>.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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REFLUXO LARINGOFARÍNGEO: UMA MANIFESTAÇÃO ATÍPICA DA DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO CLÁSSICA<br />
refluxo alimentar ocorre fisiologicamente durante<br />
o dia, principalmente após refeições volumosas –<br />
quando evita a hiperdilatação do estômago – e<br />
durante o sono – quando é favorecido pela posição<br />
em decúbito. 20 Ele pode, porém, se tornar patológico<br />
quando há exposição prolongada do conteúdo<br />
ácido sobre mucosas não especializadas em<br />
recebê-lo, como no esôfago, laringe e faringe. 8,10,13<br />
Os esfíncteres esofágicos, já citados, são<br />
importantes mecanismos antirrefluxo e o esfíncter<br />
esofágico inferior (EEI), situado entre o esôfago<br />
distal e o estômago, é o principal deles. Se esse<br />
esfíncter se tornar incompetente, com tônus basal<br />
muito baixo ou com relaxamentos transitórios frequentes<br />
(mecanismo mais comum), ocorre o refluxo<br />
gastroesofágico (RGE), podendo se transformar<br />
em Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE),<br />
quando causa lesões esofágicas. 2,14,19<br />
Do ponto de vista clínico, definimos a<br />
DRGE como uma afecção crônica decorrente do<br />
refluxo de parte do conteúdo gástrico (e por vezes,<br />
gastroduodenal) para o esôfago, acarretando<br />
um espectro de sintomas esofágicos e/ou<br />
extraesofágicos, frequentemente associados a lesões<br />
teciduais (ex.: esofagite). Os principais sintomas<br />
da DRGE são pirose, regurgitação e dor<br />
subesternal. Deve-se ressaltar que a inexistência<br />
desses sintomas não descarta a possibilidade de<br />
DRGE, assim como a sua intensidade não auxilia<br />
no diagnóstico de esofagite. O diagnóstico deve ser<br />
suspeitado de forma quase patognomônica pelos<br />
sinais e sintomas descritos, especialmente em relação<br />
à pirose e à regurgitação. Além disso, a<br />
endoscopia digestiva alta e a pHmetria de 24h (padrão<br />
ouro) devem ser solicitadas em situações específicas.<br />
3,6,14,17<br />
Entretanto, a maioria dos pacientes com sintomas<br />
sugestivos de DRGE (pirose, regurgitação<br />
ácida) não necessita de nenhum exame<br />
investigatório inicialmente, sendo o diagnóstico<br />
determinado pela prova terapêutica com uma droga<br />
inibidora da bomba de prótons (IBP). Uma resposta<br />
satisfatória praticamente sela o diagnóstico<br />
(melhora considerável dos sintomas nas primeiras<br />
quatro semanas de tratamento). 11<br />
A primeira associação entre doença laríngea<br />
e refluxo gastroesofágico foi relatada por Coffin<br />
em 1903, especulando que a “eructação de gases<br />
do estômago” e hiperacidez são responsáveis por<br />
sintomas em muitos de seus pacientes com “catarro<br />
pós-nasal”. Segundo ele, este problema era negligenciado<br />
porque muitos desses pacientes não<br />
tinham sintomas gastrintestinais. Cherry e<br />
Margulus, em 1968, relataram três casos de pacientes<br />
com úlcera de contato na laringe e refluxo<br />
esofágico significante evidenciado nos estudos com<br />
bário. 7,11 Estudos subsequentes têm estimado que<br />
10% dos tossidores crônicos, 5 a 10% dos pacientes<br />
com rouquidão, 25 a 50% dos pacientes com<br />
sensação de globus, e um pequeno mas definido<br />
grupo com câncer laríngeo tem DRGE como fator<br />
etiológico primário. 18<br />
Os estudos de pesquisadores, como<br />
Kouffman e Oson, acabaram por mostrar que a<br />
DRGE, apesar de ser causada pelo mesmo mecanismo,<br />
tem duas manifestações clínicas distintas:<br />
sua forma clássica, que cursa com esofagite e é denominada<br />
simplesmente de Doença do Refluxo<br />
Gastroesofágico (DRGE); e sua manifestação<br />
atípica, que pode cursar apenas com sintomas altos,<br />
sendo denominada Refluxo Laringofaríngeo<br />
(RLF). Portanto, o termo laringofaríngeo não significa<br />
que o refluxo ocorre apenas nesta região, mas<br />
sim que acomete principalmente o epitélio dessa<br />
topografia anatômica, que tem características próprias.<br />
Neste caso, apenas 18% dos pacientes com<br />
sintomatologia compatível com RLF têm esofagite<br />
de refluxo. 1,5<br />
No início da década de 80, se o médico relatasse<br />
que o problema de garganta de seu paciente<br />
tinha origem no estômago, arrancariam risos dos<br />
colegas. O episódio é verídico e ocorreu com o pesquisador<br />
americano James Kaufman. Hoje, as pesquisas<br />
nessa área já estão bem avançadas, até mesmo<br />
no Brasil. Estatísticas mundiais mostram que o<br />
Dr. Kaufman estava certo: cerca de 80% das queixas<br />
de garganta têm refluxo associado. Apesar disso,<br />
são poucos os otorrinolaringologistas que aplicam<br />
em seus consultórios as “novas ideias”. Isso<br />
ocorre porque a forma clássica da doença sempre<br />
82<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
EDUARDO ABRAM KAUFFMAN, JÚLIO CÉSAR SIMAS RIBEIRO, CLÁUDIA MARINA PUGA BARBOSA OLIVEIRA<br />
foi diagnosticada sem dificuldades, mas nunca relacionada<br />
aos sintomas “altos”. 15<br />
A mudança na forma de enfrentar o RFL<br />
ocorreu após o acesso às fibras óticas na prática<br />
clínica, utilizada como instrumento de diagnóstico<br />
para detectar partes queimadas na garganta,<br />
principalmente na entrada do esôfago. 5,6<br />
O mecanismo patogênico nos diferentes tipos<br />
de refluxo é o mesmo: a ação química do conteúdo<br />
gástrico na mucosa laríngea; porém não é<br />
consenso que o RLF é uma manifestação atípica<br />
da DRGE. 10<br />
A prevalência de distúrbios relacionados<br />
com a sintomatologia compatível com o RLF na prática<br />
otorrinolaringológica é estimada em 4 a 10% e a<br />
prevalência de RLF em pacientes com alterações<br />
vocais e desordens laríngeas atinge 50 a 78%. 19<br />
Pacientes com RLF geralmente possuem<br />
lesões que podem ser evidenciadas por meio de<br />
videolaringoscopia (geralmente o primeiro exame<br />
solicitado), como edema e hiperemia de laringe,<br />
hiperemia e hiperplasia linfoide em parede posterior<br />
da faringe, alterações interaritenoideas (laringite<br />
posterior), úlceras de contato na glote,<br />
granuloma laríngeo, pólipos de laringe, edema de<br />
Reinke, estenose subglótica e laringite hipertrófica.<br />
Os achados mais comuns são o edema glótico e a<br />
laringite posterior. Os principais sintomas são<br />
disfonia, tosse, sensação de globus faríngeo, pigarro,<br />
hipersalivação, odinofagia, disfagia alta,<br />
queimação em garganta e garganta seca. 3,8,9,15<br />
O tratamento clínico deve buscar a eliminação<br />
dos fatores propiciadores. É sugerido ao paciente<br />
mudança nos hábitos alimentares e hábitos<br />
de vida. Faz-se também necessária, na maioria<br />
dos casos, a terapia medicamentosa. O tratamento<br />
inicial deve ser feito com bloqueadores da<br />
bomba de prótons, em duas doses diárias, por no<br />
mínimo 12 semanas. 1,5<br />
O tratamento cirúrgico é indicado quando<br />
o paciente não tem melhora significativa com o tratamento<br />
clínico e é pouco utilizado em casos que<br />
apresentam com sintomatologia laringofaríngea<br />
isolada. É indicado em casos que não responderam<br />
às medidas terapêuticas usuais e que apresentem<br />
esofagite de Barret, estenoses ou processos<br />
hemorrágicos. Casos de aspirações frequentes<br />
com rouquidão ou estenose subglótica podem<br />
também requerer intervenção cirúrgica. O tratamento<br />
cirúrgico mais utilizado é a fundoplicatura<br />
do estômago, que promove aumento na tensão<br />
do esfíncter esofágico inferior (EEI). 1,5,20<br />
Portanto, trata-se de uma enfermidade recente<br />
e ainda de difícil diagnóstico. Atualmente o<br />
que se vê de concreto é que temos uma patologia<br />
laringofaríngea frequente, porém ainda subdiagnosticada.<br />
O especialista, ao deparar-se com pacientes<br />
portadores de queixas laringológicas crônicas<br />
sem melhoras aos tratamentos médicos convencionais,<br />
deve obrigatoriamente incluir dentre<br />
suas suspeitas diagnósticas o RLF. O diagnóstico<br />
correto e precoce alertará o paciente e o médico<br />
sobre potenciais prejuízos a médio e longo prazos<br />
e a necessidade de tratamento.<br />
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revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
EDUARDO KAUFFMAN, DOMINGOS LIMA, LUIZ PASSOS, ALETÉIA ANUNCIAÇÃO, CLAUDIA OLIVEIRA, JÚLIO RIBEIRO<br />
RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM<br />
LÚPUS – ERITEMATOSO SISTÊMIC<br />
TÊMICO<br />
CHRONIC RHINOSINUSITIS IN SYSTEMIC LUPUS – ERYTHEMATOSUS PATIENTS<br />
Eduardo Abram Kauffman*, Domingos Sávio Nunes de Lima**, Luiz Fernando Passos***, Aletéia Cristina Fonseca de<br />
Anunciação****, Claudia Marina Puga Barbosa Oliveira*****, Júlio César Simas Ribeiro*****<br />
Resumo: Introdução: O manejo clínico do LES, por meio de corticoterapia, pode levar os pacientes a vários<br />
estágios de imunossupressão. A rinossinusite tem sido relatada com frequência em pacientes imunossuprimidos.<br />
Objetivos: Estudar a prevalência de rinossinusite nos pacientes portadores de LES e descrever os sinais/sintomas<br />
otorrinolaringológicos desse grupo de pacientes. Pacientes e métodos: Estudo transversal, onde foram incluídos<br />
96 pacientes com LES [critérios para a classificação do American College of Rheumatology (ACR)]. Resultados:<br />
Dentre os 96 pacientes incluídos, 25 (26%) foram diagnosticados como portadores rinossinusite crônica<br />
tendo como principais sintomas a obstrução nasal em 21 (84%), espirros em 21 (80%), anosmia em 19 (76%),<br />
cefaleia em 19 (76%) e dor facial em 6 (24%). Os 25 pacientes com LES e diagnóstico de rinossinusite faziam uso de<br />
prednisona. Conclusão: A prevalência de rinossinusite crônica foi de 26%, todos esses pacientes faziam uso de<br />
prednisona no período da consulta otorrinolaringológica.<br />
Palavras-chave: Rinossinusite, lúpus eritematoso sistêmico, prevalência.<br />
Abstract: Introduction: Systemic lupus erythematosus (SLE) clinical management throughout corticosteroid<br />
therapy may lead patients to various levels of immunesupression. Rhinosinusitis has been described frequently<br />
in immunesupressed patients. Objective: To study rhinosinusistis prevalency in SLE patients and describing<br />
otorhinolaryngological signs/symptons of these patients. Patients and Method: A transversal study, including<br />
96 SLE patients [American College of Rheumatology (ACR) classification. Results: Between 96 patients included,<br />
25 (26%) were diagnosed with chronic rhinosinusistis criteria and your most important symtoms were nasal<br />
obstrucction in 21 (41%), sneezing in 21 (80%), anosmia in 19 (76%), headache in 19 (76%) and facial pain in 6<br />
(24%). The 25 SLE patients diagnosed with chronic rhinosinusitis were using prednisone. Conclusion: The<br />
prevalency of chronic rhinosinusitis was 26%, and all patients were using prednisone at the time of<br />
otorhinolaryngological exam.<br />
Keywords: Rhisosinusitis, Systemic lupus erythematosus, Prevalency.<br />
INTRODUÇÃO<br />
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma<br />
doença inflamatória crônica, multissistêmica, de<br />
causa desconhecida e natureza autoimune, caracterizada<br />
pela presença de diversos autoanticorpos.<br />
Evolui com as mais variadas manifestações clínicas<br />
e com períodos de exacerbação e remissão. 1,17<br />
A prevalência no sexo feminino é nove vezes maior<br />
que no sexo masculino, principalmente durante<br />
a idade fértil. 1<br />
A fisiopatologia do LES caracteriza-se por<br />
formação de imunocomplexos constituídos por<br />
autoanticorpos e auto ou heteroantígenos que se<br />
depositam na parede de vasos de pequenos e médios<br />
calibres, em território e microcirculação, pro-<br />
*<br />
Mestre em otorrinolaringologia. Professor assistente da <strong>Ufam</strong>.<br />
**<br />
Médico reumatologista e doutor em medicina.<br />
***<br />
Médico reumatologista e doutor em biotecnologia.<br />
****<br />
Residente (R2) de Clínica Médica do <strong>HUGV</strong>.<br />
*****<br />
Acadêmico do 6º ano de medicina da <strong>Ufam</strong>.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
85
RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO<br />
duzindo ao final um processo de vasculite leucocitoclástica,<br />
com necrose da parede vascular e dos<br />
tecidos, gerando alterações estruturais e funcionais<br />
em vários órgãos ou sistemas, como o ósteo-articular<br />
e o renal. 1,3<br />
Em 1959, Scarpelli et al 18 publicaram o primeiro<br />
caso de envolvimento das vias aéreas relacionada<br />
ao LES. 14 Em 1976, Smith et al 19 mostraram<br />
ulcerações, estenoses e edema da articulação<br />
cricoaritenoidea em dois pacientes com LES. 15<br />
A rinossinusite é uma afecção comum entre<br />
pacientes imunossuprimidos, particularmente naqueles<br />
com imunossupressão avançada (geralmente<br />
infectados pelo HIV), 12 e temos nos pacientes portadores<br />
de LES uma população imunossuprimida,<br />
em função da corticoterapia a qual eles são submetidos<br />
para obtenção do controle da doença. 3,9,10 Pode<br />
clinicamente ser definida como uma resposta inflamatória<br />
da membrana mucosa que reveste a cavidade<br />
nasal e os seios paranasais, podendo em ocasiões<br />
entender-se para o neuroepitélio e osso<br />
subjacente. Trata-se de uma afecção relativamente<br />
comum, afetando até 20% da população, Pode ser<br />
classificada em aguda, subaguda e crônica, referindo<br />
a duração dos sintomas. 8,16<br />
O termo rinossinusite é mais utilizado atualmente<br />
já que a rinite e a sinusite são, frequentemente,<br />
doenças em continuidade. A rinite existe<br />
isoladamente, mas a sinusite sem a rinite é de ocorrência<br />
rara.<br />
A prevalência da rinossinusite crônica nos<br />
Estados Unidos é estimada em 14% da população<br />
geral. 22,23 Não existe um levantamento epidemiológico<br />
brasileiro, mas provavelmente deve ser semelhante<br />
ao americano. 5,23<br />
Uma anamnese bem detalhada, complementada<br />
com achados radiológicos e endoscópicos<br />
permite uma excelente avaliação dos pacientes com<br />
suspeita de rinossinusite. 8,16,21<br />
A alta morbidade e eventual mortalidade<br />
associadas às complicações das rinossinusites justificam<br />
a avaliação cuidadosa dos casos de<br />
sinusopatias agudas ou crônicas, assim como a<br />
pronta investigação quando a evolução clínica não<br />
é satisfatória. Tais complicações podem ser orbitárias,<br />
intracranianas ou ósseas.<br />
O manejo clínico das rinossinusites é frequentemente<br />
satisfatório. Os agentes terapêuticos<br />
incluem antibióticos, descongestionantes,<br />
mucolíticos, sprays ou irrigação nasal e corticoesteroides.<br />
O tratamento cirúrgico é indicado em casos<br />
de obstrução mecânica comprovada ou em casos<br />
onde há frequente infecção residual após um<br />
manejo clínico adequado. 8,12,20<br />
OBJETIVOS<br />
Estudar a prevalência de rinossinusite nos<br />
pacientes portadores de LES, atendidos no Ambulatório<br />
Araújo Lima da Universidade Federal do<br />
Amazonas, bem como citar os principais sinais/<br />
sintomas otorrinolaringológicos e comorbidades<br />
apresentadas por esse grupo de indivíduos.<br />
PACIENTES E MÉTODOS<br />
Estudo transversal desenvolvido no Ambulatório<br />
Araújo Lima da Universidade Federal do<br />
Amazonas, no período de agosto de 2006 a dezembro<br />
de 2007.<br />
Foram incluídos 96 pacientes com idade variando<br />
entre 18 e 61 anos, com média de 38,25 anos,<br />
sendo 90 (93,75%) mulheres e 6 (6,25%) homens.<br />
Todos os pacientes tinham no mínimo quatro critérios<br />
para a classificação de LES de acordo com o<br />
ACR.<br />
Os pacientes foram escolhidos de forma aleatória,<br />
independente de apresentarem queixas<br />
otorrinolaringológicas. A escolha dos pacientes era<br />
feita enquanto eles aguardavam atendimento no<br />
ambulatório de LES.<br />
Foram incluídos os pacientes maiores de 18<br />
anos, com no mínimo um ano de diagnóstico de<br />
LES, tendo ao final obtido pacientes com tempo<br />
de diagnóstico variando de 1 a 18 anos, com média<br />
de 6,62 anos. Foram excluídos os pacientes com<br />
menos de um ano de diagnóstico de LES e os pacientes<br />
com sintomas compatíveis com rinossinusite<br />
crônica que não realizaram a tomografia computadorizada<br />
(TC).<br />
A avaliação seguiu um protocolo preestabelecido<br />
que consistia de anamnese, exame físico<br />
86<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
EDUARDO KAUFFMAN, DOMINGOS LIMA, LUIZ PASSOS, ALETÉIA ANUNCIAÇÃO, CLAUDIA OLIVEIRA, JÚLIO RIBEIRO<br />
otorrinolaringológico (otoscopia, rinoscopia,<br />
oroscopia e palpação facial) e, em casos compatíveis<br />
com rinossinusite, tomografia computadorizada<br />
(TC).<br />
O diagnóstico de rinossinusite baseou-se<br />
nos parâmetros descritos nos Consensos Americano<br />
e Latino-americano de Rinossinusites, 19,21 ou<br />
seja, valorizados tempo de evolução, sintomas (febre,<br />
dor facial, tosse, congestão nasal e rinorreia<br />
purulenta) e tomografia computadorizada (TC).<br />
Todos os pacientes tinham dois fatores maiores<br />
(obstrução nasal, secreção nasal, cefaleia, dor ou<br />
pressão facial e distúrbio olfatório) ou um fator<br />
maior e dois menores (febre, halitose, tosse e<br />
irritabilidade) por mais de três meses e tomografia<br />
computadorizada evidenciando opacificação de<br />
um ou mais seios paranasais e do complexo óstiomeatal.<br />
Todos os pacientes assinaram termo de consentimento<br />
livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê<br />
de Ética da Universidade Federal do Amazonas.<br />
RESULTADOS<br />
Durante o período de agosto de 2006 a novembro<br />
de 2007, foram estudados 104 pacientes,<br />
sendo incluídos na amostra 96 pacientes. Os 96<br />
pacientes incluídos tinham a idade variando entre<br />
18 e 58 anos, com média de 38,25 anos, sendo 90<br />
(93,7%) mulheres e 6 (6,3%) homens. Os indivíduos<br />
excluídos não realizaram a tomografia<br />
computadorizada ou tinham menos de um ano de<br />
diagnóstico de LES.<br />
Dentre os 96 pacientes incluídos, 25 (26%)<br />
foram diagnosticados como portadores de<br />
rinossinusite crônica. A tomografia computadorizada<br />
evidenciava, em todos os pacientes,<br />
opacificação de um ou mais seios paranasais e do<br />
complexo óstio-meatal.<br />
Os sinais/sintomas encontrados nos 96 pacientes<br />
com LES, em avaliação clínica direcionada<br />
a queixas otorrinolaringológicas, foram: cefaleia<br />
em 68 (70,8%), obstrução nasal em 36 (37,5%), espirros<br />
em 33 (34,4%), caseum em 30 (31,2%), pigarro<br />
em 26 (27%), náuseas em 24 (25%), dor facial<br />
em 21 (21,9%), anosmia em 18 (18,7%), tosse em 18<br />
(18,7%), halitose em 15 (15,6%), otalgia em 13<br />
(13,5%), disfagia em 12 (12,5%), pressão nos ouvidos<br />
em 10 (10,4%), globus faríngeo em 10 (10,4%),<br />
sangramento nasal em 8 (8,3%), odinofagia em 6<br />
(6,2%), febre em 4 (6,2%) e dor dentária em 3 (6,2%).<br />
As principais comorbidades apresentadas<br />
pelos 96 pacientes foram: hipertensão arterial<br />
sistêmica (HAS) em 29 (30,2%), insuficiência renal<br />
crônica (IRC) em 12 (12,5%), dislipidemia em 9<br />
(9,3%), cardiopatia em 9 (9,3%), diabetes mellitus<br />
(DM) em 8 (8,3%), asma em 7 (7,3%), glaucoma em<br />
5 (5,2%), fibromialgia em 5 (5,2%) e acidente<br />
vascular cerebral (AVC) em 4 (4,2%).<br />
Dos 96 pacientes com LES, 66 (68,75%) estavam<br />
fazendo uso de prednisona, 24 (25%) estavam<br />
fazendo uso de cloroquina, 18 (18,75%) estavam<br />
fazendo uso de azatioprina e 15 (15,6%) faziam<br />
uso de metotrexate.<br />
Dos 25 pacientes com diagnóstico de<br />
rinossinusite crônica, 25 (100%) faziam uso de<br />
prednisona, 14 (56%) faziam uso de cloroquina, 12<br />
(48%) faziam uso de azatioprina e 2 (8%) faziam<br />
uso de metotrexate. Durante a avaliação clínica, os<br />
pacientes relatavam apenas a medicação que estavam<br />
fazendo uso no momento.<br />
DISCUSSÃO<br />
Como as prevalências de rinossinusite crônica<br />
variam conforme o estágio de imunossupressão<br />
do paciente, o grupo de pacientes com LES acaba<br />
tornando-se um grupo heterogêneo, pois as<br />
doses das drogas imunossupressoras variam conforme<br />
o estágio de exacerbação e/ou remissão da<br />
doença, lembrando que o LES apresenta períodos<br />
de atividade e inatividade. 15 A relação rinossinusite/imunossupressão<br />
pode ser melhor estabelecida<br />
em grupos homogêneos, como os pacientes transplantados.<br />
O ponto-chave é reconhecer a maior<br />
prevalência de rinossinusite crônica em pacientes<br />
imunossuprimidos e ao mesmo tempo perceber<br />
que os corticoesteroides que, por vezes, são utilizados<br />
no tratamento da rinossinusite acabam se<br />
relacionando à própria etiologia da doença.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
87
RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO<br />
Em nosso estudo encontramos uma<br />
prevalência de 26% de rinossinusite crônica entre<br />
os 96 pacientes com diagnóstico de LES. Estudos<br />
nacionais e internacionais evidenciam prevalências<br />
que variam de 8 a 72% em pacientes com doenças<br />
autoimunes, HIV ou imunossuprimidos por uso<br />
de corticoides e demais drogas imunossupressoras.<br />
3,5,13,14,33 A prevalência da rinossinusite crônica<br />
nos Estados Unidos é estimada em 14% da população<br />
geral. 31,33 Não existe um levantamento epidemiológico<br />
brasileiro, mas provavelmente deve<br />
ser semelhante ao americano. 6,33<br />
Em todos os pacientes diagnosticados com<br />
rinossinusite crônica os sintomas tinham mais de<br />
quatro meses de evolução. As dúvidas diagnósticas<br />
foram poucas, fazendo com que o diagnóstico fosse<br />
essencialmente clínico, sendo solicitado a<br />
tomografia computadorizada apenas para confirmação<br />
da hipótese diagnóstica. A tomografia<br />
computadorizada dos 25 pacientes demonstrou<br />
presença de sinusopatia, ou seja, aumento de espessura<br />
da mucosa ou áreas de opacificação nos<br />
seios acometidos. A tomografia computadoriza<br />
oferece uma avaliação objetiva, quantificando a<br />
extensão do processo nasossinusal, sendo um exame<br />
de grande valia em nossa pesquisa, apesar de<br />
dispensável como método diagnóstico.<br />
Dos 96 pacientes com LES, 66 (68,75%) estavam<br />
fazendo uso de prednisona, 24 (25%) estavam<br />
fazendo uso de cloroquina, 18 (18,75%) estavam<br />
fazendo uso de azatioprina e 15 (15,6%) faziam<br />
uso de metotrexate. Dos 25 pacientes com diagnóstico<br />
de rinossinusite crônica, 25 (100%) faziam<br />
uso de prednisona, 14 (56%) faziam uso de<br />
cloroquina, 12 faziam uso de azatioprina (48%) e 2<br />
(8%) faziam uso de metotrexate. Durante a avaliação<br />
clínica, os pacientes relatavam apenas a medicação<br />
que estavam fazendo uso no momento. Merece<br />
atenção o fato de todos os pacientes com diagnóstico<br />
de rinossinusite crônica estarem fazendo<br />
uso de prednisona, ao passo que ela é, por vezes,<br />
utilizada como tratamento das sinusopatias.<br />
Nosso estudo parece ser, até o momento, o<br />
único que avaliou a presença de rinossinusite em<br />
pacientes com LES. Talvez a terapia imunossupressora<br />
ou até mesmo uma manifestação do próprio<br />
LES seja responsável por essa prevalência de 26%<br />
de rinossinusite crônica. Interessante notarmos que<br />
embora esse tipo de avaliação não tenha sido feita<br />
por outros autores, a rinossinusite crônica traz<br />
grandes incômodos aos pacientes com LES. O médico<br />
otorrinolaringologista deve estar atento à alta<br />
prevalência de rinossinusite crônica nos pacientes<br />
com LES.<br />
CONCLUSÃO<br />
Pudemos observar a presença de rinossinusite<br />
crônica em 26% dos 96 pacientes com LES incluídos<br />
na pesquisa. Dos 25 pacientes com rinossinusite<br />
crônica, os 25 (100%) faziam uso de<br />
prednisona no período da consulta otorrinolaringológica.<br />
O médico otorrinolaringologista deve estar<br />
atento à alta prevalência de rinossinusite crônica<br />
nos pacientes com LES.<br />
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revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
89
RINOSSINUSITE CRÔNICA EM PACIENTES COM LÚPUS - ERITEMATOSO SISTÊMICO<br />
Dados para correspondência:<br />
Eduardo Abram Kauffman<br />
Rua Franco de Sá, 3.º andar, salas 308/309,<br />
Edifício Amazon Trade Center, São Francisco.<br />
Manaus-AM – CEP 69079-210<br />
Agradecimento à Fapeam.<br />
90<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM<br />
ÉTICA EM PESQUISA CLÍNICA COM SERES HUMANOS<br />
– ARTIGO DE REVISÃO<br />
ETHICS IN CLINICAL RESEARCH WITH HUMAN BEIGNS – REVISION ARTICLE<br />
Ângelo Keppe * , Helton Batista de Oliveira * , Ione Rodrigues Brum **<br />
RESUMO: O que nos leva a realizar uma pesquisa é a necessidade de respondermos a uma pergunta sob determinada<br />
situação a qual não temos conhecimento ou ainda temos dúvida. O pesquisador é intuído pela necessidade<br />
do novo, do saber do comprovar e, dessa forma, fornecer resultados à comunidade, que permitem contínua<br />
mudança no nosso dia-a-dia. Ao pretendermos realizar um trabalho de pesquisa devemos compor um cenário<br />
que compreende o objetivo da pesquisa, o objeto da pesquisa e o pesquisador. Esses cuidados permitem ajustarmos<br />
todos os componentes do trabalho e não termos por algum motivo que descontinuá-lo. Esta revisão de artigos<br />
atualizados pretende mostrar os princípios éticos da pesquisa clínica, esclarecendo especialmente dúvidas<br />
quanto ao objeto (sujeito) da pesquisa clínica e a autoria de um trabalho científico.<br />
Palavras-chave: Ética em pesquisa, autoria de trabalhos científicos, pesquisa clínica.<br />
ABSTRACT: The need to answer a question about a topic which we don’t have enough experience is what make<br />
us to perform a study. The researcher is inspired for the necessity of modifying the knowledge and provides<br />
results for the community to change our day by day. When we intend to perform a study we ought to compose<br />
scenery formed by the objective, the subjective of the study and the researcher. These procedures allow us to<br />
adjust all the study components to avoid the discontinuation of the study for any reason. This review aims to<br />
demonstrate the ethical principles of the clinical research, particularly doubts on the research subjective and the<br />
scientific research authors.<br />
Keywords: Ethics in clinical research, scientific papers authors, clinical research.<br />
Na prática clínica atual e na pesquisa clínica,<br />
a maioria dos procedimentos profiláticos, diagnósticos<br />
e terapêuticos envolve riscos e encargos.<br />
O objetivo principal da pesquisa clínica envolvendo<br />
seres humanos é melhorar os procedimentos<br />
profiláticos, diagnósticos e terapêuticos, e<br />
entender a etiologia e patogênese da doença. Até<br />
mesmo os melhores métodos profiláticos, diagnósticos<br />
e terapêuticos comprovados devem ter, continuamente,<br />
sua eficácia, eficiência, acessibilidade<br />
e qualidade testadas por meio de pesquisas. 1<br />
Pesquisa clínica é restrita por padrões éticos<br />
que promovem o respeito por todos os seres<br />
humanos e protegem sua saúde e direitos. 1 Pesquisa<br />
clínica envolvendo seres humanos inclui pesquisa<br />
com material humano identificável ou dados<br />
identificáveis. 2<br />
A autoria de projetos, artigos e livros são<br />
uma das questões éticas que mais tem gerado preocupações<br />
nos últimos tempos. A omissão de autores,<br />
a inclusão indevida e o uso indevido de material<br />
de pesquisa são fatos extremamente desagradáveis<br />
e preocupantes, porém presentes em todos<br />
os países do mundo que realizam pesquisas. 3<br />
O International Committee of Medical Journal<br />
Editors, criado em janeiro de 1978, em Vancouver,<br />
*<br />
Residentes de Ginecologia e Obstetrícia do HUFM/<strong>Ufam</strong>,<br />
**<br />
Chefe do Serviço de Tocoginecologia do HUFM/<strong>Ufam</strong>,<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
91
ÉTICA EM PESQUISA CLÍNICA COM SERES HUMANOS – ARTIGO DE REVISÃO<br />
tem por objetivo o estabelecimento de critérios comuns<br />
para a publicação de artigos científicos na<br />
área da saúde. 3<br />
No Brasil, os aspectos éticos envolvidos em<br />
atividades de pesquisa que envolva seres humanos<br />
estão regulados pelas diretrizes e normas de<br />
pesquisa em seres humanos, pela Resolução n.º<br />
196/96, do Conselho Nacional de Saúde,<br />
estabelecida em outubro de 1996. Essas diretrizes<br />
foram detalhadas para pesquisas envolvendo novos<br />
fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos<br />
por outra Resolução (n.º 251/97), de<br />
agosto de 1997. Novas resoluções estão sendo elaboradas<br />
para tratar de outras áreas temáticas especiais.<br />
4 Esta revisão de artigos atualizados pretende<br />
mostrar os princípios éticos da pesquisa clínica,<br />
esclarecendo especialmente dúvidas quanto ao<br />
objeto (sujeito) da pesquisa clínica e a autoria de<br />
um trabalho científico.<br />
AUTORIA DA PESQUISA<br />
A Lei do Direito Autoral estabelece, em seu<br />
artigo 6, que “São obras intelectuais as criações do<br />
espírito, de qualquer modo exteriorizadas, tais<br />
como: I – os livros, brochuras, folhetos, cartasmissivas<br />
e outros escritos; II – as conferências,<br />
alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza<br />
(...)”. Dessa forma, a atribuição de crédito à<br />
autoria de um trabalho independe do modo de apresentação,<br />
seja ela um artigo, livro, tema livre com<br />
apresentação oral ou em mural, ou até mesmo nas<br />
suas formas mais iniciais, como projeto de pesquisa<br />
ou carta indicando achados iniciais. O que importa<br />
é que cada um dos autores assuma a responsabilidade<br />
profissional, pública e social pela sua obra. 3<br />
Todas as pessoas designadas como autores<br />
devem estar qualificadas para tal. Cada autor, em<br />
particular, deve ter participação suficiente no trabalho<br />
para tomar a responsabilidade pública pelo<br />
seu conteúdo. Os créditos de autoria devem estar<br />
baseados somente em contribuições substanciais<br />
para (a) concepção, planejamento, análise ou interpretação<br />
dos dados; (b) redação do artigo ou sua<br />
revisão intelectual crítica; (c) responsabilidade pela<br />
aprovação final para publicação. Todas as condições<br />
(a, b e c) devem ser cumpridas. A participação<br />
apenas na obtenção de fundos ou na coleta de dados<br />
não justificam autoria. 3<br />
A não inclusão de autores é um fato corriqueiro,<br />
porém grave. Todos os autores devem sempre<br />
ser incluídos, não deve haver omissão de nenhum<br />
participante que preencha os critérios de autoria.<br />
Este é um dever moral, baseado na fidelidade<br />
que deve existir entre os membros do grupo que<br />
efetivamente realizaram o projeto de pesquisa. 3<br />
Os critérios de autoria são também abordados<br />
em vários outros Códigos de Ética de diferentes<br />
profissões de saúde. O Código de Ética Médica,<br />
5 em seu artigo 137, propõe que é vedado ao médico<br />
“publicar em seu nome trabalho científico do<br />
qual não tenha participado; atribuir-se autoria exclusiva<br />
de trabalho realizado por seus subordinados<br />
ou outros profissionais, mesmo quando executados<br />
sob sua orientação”.<br />
Segundo a Lei n.º 9.610/98, no artigo 102, o<br />
titular cuja obra seja fraudulentamente<br />
reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada,<br />
poderá requerer a apreensão dos exemplares<br />
reproduzidos ou a suspensão da divulgação,<br />
sem prejuízo da indenização cabível. 6<br />
Na área da orientação de trabalhos de pósgraduação,<br />
existem grandes controvérsias sobre a<br />
obrigatoriedade da citação do professor orientador<br />
como autor. Alguns alunos, especialmente em nível<br />
de doutorado, necessitam de tão pouco auxílio,<br />
que podem ser considerados autores únicos de<br />
seus trabalhos. Essa situação ocorre mais frequentemente<br />
na área de ciências humanas, onde a produção<br />
é mais pessoal e depende menos do trabalho<br />
realizado por uma equipe de pesquisa. Na área<br />
da pesquisa em ciências biológicas e da saúde, por<br />
exemplo, esta situação é mais difícil de ocorrer. A<br />
pesquisa nesta área é um trabalho colaborativo e<br />
cooperativo entre membros de uma equipe de pesquisa<br />
e até mesmo entre equipes de pesquisa. O<br />
importante é sempre verificar, basicamente, a adequação<br />
dos três critérios de autoria, já descritos<br />
anteriormente, ao trabalho produzido. 3<br />
92<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM<br />
Vale ressaltar que não cabe mais a caracterização<br />
indiscriminada de que o primeiro nome<br />
citado é o do autor e, que os demais citados, a partir<br />
deste, sejam denominados de coautores, como<br />
se tivessem tido uma participação secundária. Com<br />
o objetivo de preservar a justiça, o critério utilizado<br />
para estabelecer a sequência deve ser discutido<br />
pela equipe de pesquisadores e citado, no próprio<br />
trabalho, como nota de rodapé, indicando as atribuições<br />
de cada um dos autores na realização do<br />
projeto. 3 Observando-se os artigos científicos publicados<br />
em periódicos, tanto nacionais quanto estrangeiros,<br />
nota-se um número grande de autores<br />
(autor e coautores). O número de colaboradores,<br />
por artigo, vem crescendo nos últimos anos.<br />
“É mais prudente acreditar que a inflação da<br />
coautoria seja explicada pelo fortalecimento do<br />
trabalho de equipe, do que por outros motivos<br />
como, por exemplo, para hipervalorização dos<br />
serviços... ou mesmo para citação contínua do<br />
chefe de um serviço”. 7<br />
“É necessário entender que a inclusão como<br />
coautor de um artigo pressupõe envolvimento importante<br />
na sua realização, conhecimento de seu<br />
conteúdo e participação na sua redação. Por outras<br />
palavras, o coautor é corresponsável pelo trabalho<br />
e responde por ele”. 7<br />
Não existe nenhuma indicação universalmente<br />
aceita e utilizada sobre a ordem de citação<br />
dos autores. A maneira mais tradicional propõe<br />
que o primeiro autor citado é o responsável pela<br />
obra, enquanto que o último seria o orientador do<br />
trabalho como um todo. Essas regras, contudo, têm<br />
sido alteradas. Muitos autores, com tradição em<br />
pesquisa, cedem o seu lugar para assistentes e bolsistas,<br />
com o objetivo de que estes possam tornarse<br />
mais conhecidos e sentirem-se mais comprometidos<br />
com o projeto. 3<br />
A coautoria deve ser dada apenas àqueles<br />
que contribuíram intelectual e cientificamente, de<br />
maneira significativa, na execução do trabalho.<br />
Todos os autores devem participar na redação e<br />
editoração do manuscrito, receber cópia do manuscrito<br />
e concordar em compartilhar a responsabilidade<br />
pelos resultados. 7<br />
A inclusão indevida de autores é outra grave<br />
questão. Como já foi dito anteriormente, os autores<br />
planejam, executam e escrevem. Amigos, colegas,<br />
chefes, bolsistas e estagiários não se tornam<br />
autores apenas em função dessas relações. Essa tradição<br />
inadequada pode e deve ser evitada utilizando-se<br />
regras claras para o estabelecimento do critério<br />
de autoria desde o início do planejamento do<br />
projeto. 3 A autoria indevida é uma forma de fraude<br />
muito difundida. Muitas vezes pessoas são incluídas<br />
como autores sem que tenham tido nenhuma<br />
participação na pesquisa. A autoria pressupõe responsabilidade<br />
intelectual pela pesquisa. Os autores<br />
são solidariamente responsáveis pela sua produção<br />
científica assumida publicamente por intermédio<br />
da divulgação de resultados. A autoria<br />
indevida ou fraudulenta pode levar a situações extremamente<br />
desagradáveis como a de ter que retratar<br />
publicações. 7<br />
As atividades científicas, assim como todas<br />
as demais, não estão imunes a situações desonestas.<br />
A fraude pode ocorrer em várias etapas da pesquisa,<br />
desde o planejamento, execução até, principalmente,<br />
na sua divulgação. As diferentes formas<br />
de fraude em pesquisa envolvem a autoria<br />
indevida, a não citação de fontes, a coleta inadequada,<br />
o tratamento de dados feito de forma incorreta.<br />
8 Outra forma de fraude em ciência é o plágio<br />
de dados ou informações. Considera-se plágio<br />
quando uma pessoa se apropria e utiliza-se de dados<br />
ou informações de outro pesquisador, sem atribuir-lhe<br />
a autoria. O plágio pode ser sutil ou grosseiro.<br />
O mais comum é a utilização de materiais já<br />
publicados por outros autores, sem citar a fonte.<br />
Um dos plágios mais condenáveis é o realizado por<br />
uma pessoa ao ser revisor de artigos para periódicos<br />
científicos. O revisor tem acesso privilegiado<br />
aos dados e informações, antes de sua publicação<br />
e divulgação para a comunidade científica. Esse<br />
tipo de acesso já possibilitou inúmeras situações<br />
condenáveis de apropriação indevida. 8<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
93
ÉTICA EM PESQUISA CLÍNICA COM SERES HUMANOS – ARTIGO DE REVISÃO<br />
OBJETO DA PESQUISA (SUJEITO)<br />
Os princípios básicos da bioética são: a<br />
não-maleficência, a beneficência (riscos e benefícios),<br />
a justiça e, sobretudo, a autonomia (autodeterminação),<br />
respeitando-se o sigilo, a privacidade,<br />
a autoestima. 10<br />
Segundo a Resolução n.º 196/96, merecem<br />
destaque os seguintes pontos: o respeito devido à<br />
dignidade humana exige que toda pesquisa se processe<br />
após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos,<br />
indivíduos ou grupos que por si e/ou por<br />
seus representantes legais manifestem a sua<br />
anuência à participação na pesquisa; o sujeito da<br />
pesquisa tem de ser esclarecido da liberdade de se<br />
recusar a participar ou retirar seu consentimento,<br />
em qualquer fase da pesquisa, sem penalização<br />
alguma e sem prejuízo ao seu cuidado e toda pesquisa<br />
envolvendo seres humanos deverá ser submetida<br />
à apreciação de um comitê de ética em pesquisa<br />
(CEP). 10<br />
Cabe ao pesquisador apresentar o protocolo,<br />
devidamente instruído ao CEP, aguardando o<br />
pronunciamento deste, antes de se iniciar uma<br />
pesquisa. 10<br />
O consentimento informado obtido de forma<br />
correta e legítima fundamenta o ato médico ou<br />
de pesquisa como justo e unicamente correto. 11 A<br />
liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar<br />
seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa,<br />
sem penalização alguma e sem prejuízo ao<br />
seu cuidado, 10 é um fato que deve ser claramente<br />
exposto e pontuado no consentimento informado.<br />
No interesse de consolidar o uso e a prática<br />
do consentimento informado no Brasil, seria conveniente<br />
uma revitalização da classe médica nas<br />
novas dimensões éticas da profissão levantadas nas<br />
últimas décadas. Do mesmo modo, a adequada<br />
preparação e funcionamento das comissões de ética,<br />
comitês de ética hospitalar ou comitês de<br />
bioética e comitês de ética na pesquisa com seres<br />
humanos – a denominação desses organismos não<br />
é o mais importante – contribuiria eficazmente no<br />
aprimoramento dessa e de outras práticas e atitudes<br />
que enobrecem o exercício da Medicina e<br />
prestigiam a saúde de uma nação. 11 O fundamental<br />
é reconhecer que as pessoas sempre possuem<br />
dignidade, independentemente de sua idade ou capacidade,<br />
merecendo, dessa forma, todo o nosso<br />
respeito e cuidado para com as informações a elas<br />
pertinentes. 9<br />
É comum obtermos do prontuário os elementos<br />
necessários à pesquisa, nesses casos vale<br />
ressaltar que: os documentos com as informações<br />
obtidas com ou sobre o paciente são armazenados<br />
no prontuário; o prontuário é um arquivo, em papel<br />
ou informatizado, cuja finalidade é facilitar a<br />
manutenção e o acesso às informações que os pacientes<br />
fornecem, durante o atendimento, seja em<br />
uma área de internação ou ambulatorial, bem como<br />
os resultados de exames e procedimentos realizados<br />
com finalidade diagnóstica ou de tratamento;<br />
o prontuário é de propriedade do paciente. O hospital<br />
ou outra instituição de saúde detém a guarda<br />
destes documentos visando preservar o histórico<br />
de atendimento de cada paciente. 9<br />
Para as atividades de pesquisa, como já dito,<br />
o pesquisador somente pode acessar o prontuário<br />
após ter elaborado um projeto e ele ter sido aprovado<br />
pelo comitê de ética em pesquisa.<br />
No <strong>Hospital</strong> de Clínicas de Porto Alegre<br />
(RS) foi baixada uma norma específica sobre este<br />
tema, que obriga os pesquisadores a assinarem um<br />
termo de compromisso para uso de dados. Este documento<br />
formaliza o dever de preservar os dados<br />
e o anonimato dos pacientes estudados – este procedimento<br />
foi adotado, posteriormente, em outras<br />
instituições. 9<br />
CONCLUSÃO<br />
Atualmente a deontologia médica não é<br />
mais um assunto que diz respeito somente à profissão<br />
médica e sim um interesse da sociedade, já<br />
que a saúde das pessoas tem se tornado uma preocupação<br />
de cunho social. Parafraseando França:<br />
“além da questão técnica do que se pode fazer,<br />
surge a questão ética do que se deve fazer”. 12 A<br />
antiga concepção de que o médico sabe o que é<br />
melhor para o paciente vem sendo posta à prova e<br />
94<br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
ÂNGELO KEPPE, HELTON BATISTA DE OLIVEIRA, IONE RODRIGUES BRUM<br />
o paciente deseja saber o que e o porquê de tudo<br />
que nele é feito. Nesse contexto, é importante que<br />
saibamos agir sempre de acordo com os preceitos<br />
éticos vigentes e estarmos atentos às constantes<br />
transformações na sociedade que também imprimem<br />
mudanças, ao longo dos anos, na conduta<br />
ética dos profissionais médicos, principalmente no<br />
que diz respeito aos sujeitos de uma pesquisa.<br />
REFERÊNCIAS<br />
1. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet].<br />
Porto Alegre: © Goldim 1997-<strong>2008</strong>. [atualizado em<br />
28/10/<strong>2008</strong>; citado em 20/8/2007] Declaração de<br />
Helsinque. Disponível em: http://<br />
www.bioetica.org.br/legislacao/<br />
outras_diretrizes/integra. html<br />
2. Universidade Federal de São Paulo [página na<br />
Internet]. São Paulo: Unifesp © 2006-<strong>2008</strong>. [atualizado<br />
em 6/11/<strong>2008</strong>; citado em 20/8/2007] Declaração<br />
de Helsinque. Disponível em: http://<br />
www.unifesp.br/reitoria/orgaos/comites/etica/<br />
helsinque.doc<br />
3. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet].<br />
Porto Alegre: © Goldim, 1997-<strong>2008</strong>. [atualizado<br />
em 1.º/4/2007; citado em 20/8/2007] Aspectos<br />
Éticos, Legais e Morais relacionados à Autoria na<br />
Produção Cientifica. Disponível em: http://<br />
www.ufrgs.br/bioetica/autor.htm<br />
4. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet].<br />
Porto Alegre: © Goldim, 1997-<strong>2008</strong>. [atualizado<br />
em 21/8/2005; citado em 20/8/2007] Ética Aplicada<br />
à Pesquisa em Saúde. Disponível em: http:/<br />
/www.ufrgs.br/bioetica/biopesrt.htm<br />
5. Conselho Federal de Medicina – Código de Ética<br />
Médica – Resolução CFM n.º 1.246/88, 5.ª edição.<br />
Brasília, 2003.<br />
6. Brasil. Lei n.º 9.610/98, de 19/2/1998 – Regula<br />
os Direitos Autorais, e dá outras providências.<br />
7. GOLDENBERG, S. Publicação do Trabalho Científico:<br />
Compromisso Ético. São Paulo, 2001. Disponível<br />
em: http://www.metodologia.org/<br />
saul_etica.pdf<br />
8. Bioética e Ética na Ciência [página na Internet].<br />
Porto Alegre: © Goldim, 1997-<strong>2008</strong>. [atualizado<br />
em 17/1/2002; citado em 20/8/2007] Fraude em<br />
Pesquisa Científica. Disponível em: http://<br />
www.ufrgs.br/bioetica/fraude.htm<br />
9. COSTA, S. I. F.; OSELKA, G.; GARRAFA, V.<br />
Conselho Federal de Medicina. Iniciação à<br />
Bioética. Brasília, 1998, p. 302.<br />
10. Conselho Nacional de Saúde (Brasil). Resolução<br />
n.º 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova as<br />
Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas<br />
envolvendo Seres Humanos. Brasília: Diário<br />
Oficial da União, n.º 201, p. 21.082, 16 out.<br />
1996, seção 1.<br />
11. CLOTET, J. O consentimento informado nos<br />
comitês de ética em pesquisa e na prática médica:<br />
conceituação, origens e atualidade. <strong>Revista</strong><br />
Bioética [serial on Internet], 1995, v. 3 [citado<br />
em 17/2/<strong>2008</strong>]. Disponível em: http://<br />
www.portalmedico.org.br/revista/bio1v3/<br />
consentimento.html<br />
12. Medicina Legal [página na Internet] © França,<br />
2003-2006. [citado em 25/4/<strong>2008</strong>]<br />
Deontologia Médica e Bioética (2000). Disponível<br />
em: http://www.medicinalegal.com.br/a50.htm<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
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– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
CRISTIANO PAIVA, LUÍS SABINO, RODRIGO KREBS, RENATO ALBUQUERQUE, MARILISE KATSURAYAMA, CASSIO ANDREONI, VALDEMAR ORTIZ<br />
ANGIOMIOLIPOMA RENAL COM TROMB<br />
OMBO O TUMORAL<br />
EM VEIA CAVA A INFERIOR: RELATO DE CASO<br />
RENAL ANGIOMYOLIPOMA WITH INFERIOR VENA CAVA TUMOUR THROMBUS: CASE REPORT<br />
Cristiano Silveira Paiva * , Luís Alexandre Sabino ** , Rodrigo Krebs *** , Renato Sant’Ana de Albuquerque **** ,<br />
Marilise Katsurayama ***** , Cassio Andreoni ****** , Valdemar Ortiz *******<br />
RESUMO: O angiomiolipoma renal é um tumor mesenquimal benigno raro, constituído por tecido adiposo,<br />
vasos sanguíneos e células musculares que ocorre em apenas 0,3% da população geral e 40-80% dos pacientes<br />
com síndrome de esclerose tuberosa. Representa somente 2 a 6,4% de todos os tumores de rim, com nítida predominância<br />
no sexo feminino. Raros casos de angiomiolipoma envolvendo a veia renal ou veia cava inferior foram<br />
descritos. Relatamos um caso de angiomiolipoma com extensão para veia cava inferior, comportamento característico<br />
do carcinoma de células renais.<br />
Palavras-chave: Rim, angiomiolipoma, veia cava inferior, trombo.<br />
ABSTRACT: The renal angiomyolipoma is an uncommum benign mesenchymal tumor containing fatty tissue,<br />
blood vessels and muscular cells, that occurs in up 0,3% of the general population and in 40-80% patients with the<br />
tuberous sclerosis syndrome. It represents only 2 to 6,4 % of all kidney tumors, with a typical female predominance.<br />
Rare cases of angiomyolipoma involving the renal vein or inferior vena cava have been found. We report a case of<br />
angiomyolipoma extending into the inferior vena cava, a characteristic behavior of renal cell carcinoma.<br />
Keywords: Kidney, angiomyolipoma, inferior vena cava, thrombus.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Usualmente o angiomiolipoma (AML) é um<br />
tumor renal de evolução benigna e lenta taxa de<br />
crescimento, composto por diferentes proporções<br />
de tecido muscular, adiposo e vasos sanguíneos. 1-<br />
3<br />
Representa apenas 2 a 6,4% de todos os tumores<br />
renais, sua incidência variada de aproximadamente<br />
0,3% na população geral e de 40-80% nos portadores<br />
de Síndrome da Esclerose Tuberosa (SET), com<br />
nítida predominância no sexo feminino (relação<br />
4:1) e ocorre geralmente entre a 5.ª e 6.ª décadas da<br />
vida. 1,4<br />
Casos com envolvimento de veia cava inferior<br />
(VCI) por trombo são raramente descritos. 1,3<br />
Relatamos um caso de AML no rim direito com<br />
trombo tumoral invadindo a veia cava inferior que<br />
foi removido cirurgicamente com sucesso.<br />
RELATO DE CASO<br />
Paciente do sexo feminino, 43 anos, encaminhada<br />
à nossa instituição após diagnóstico de<br />
massa renal à direita compatível com AML; queixando-se<br />
de dor em flanco direito havia dois anos<br />
com piora do quadro fazia duas semanas. A paci-<br />
*<br />
Doutor em Urologia pela Escola Paulista de Medicina – EPM Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.<br />
**<br />
Ex-fellowship em Laparoscopia e Endourologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.<br />
***<br />
Fellowship em Laparoscopia e Endourologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.<br />
****<br />
Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – <strong>Ufam</strong>.<br />
*****<br />
Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – <strong>Ufam</strong>.<br />
******<br />
Professor doutor e chefe do Serviço de Laparoscopia e Cirurgia Minimamente Invasiva da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.<br />
*******<br />
Professor titular da disciplina de Urologia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
97
ANGIOMIOLIPOMA RENAL COM TROMBO TUMORAL EM VEIA CAVA INFERIOR: RELATO DE CASO<br />
ente não possuía antecedentes de doenças neurológicas,<br />
nem história pregressa ou familiar de SET.<br />
Os exames físicos e laboratoriais eram normais. A<br />
ultrassonografia (US) de abdome revelou massa<br />
sólida, volumosa e hiperecogênica em rim direito,<br />
sugestiva de AML. A tomografia computadorizada<br />
(TC) de abdome confirmou a hipótese de AML,<br />
em função da presença de uma massa (5 x 6 x 4,5<br />
cm) na porção central do rim direito com grande<br />
quantidade de tecido gorduroso (- 65 HU), além<br />
de um de trombo com as mesmas características<br />
na VCI (Figura 1), não aderido à parede vascular<br />
conforme evidenciou o color duplex.<br />
A paciente foi submetida à nefrectomia radical<br />
direita e cavotomia com remoção completa<br />
do trombo tumoral por acesso transperitoneal, a<br />
qual ocorreu sem complicações. A paciente evoluiu<br />
sem intercorrências, recebendo alta hospitalar<br />
no 4.º dia pós-operatório.<br />
No exame macroscópico do rim direito, foram<br />
confirmados os achados tomográficos (Figura<br />
2). A análise histopatológica confirmou o diagnóstico<br />
de AML com ausência de atipias, componente<br />
epitelióde perivascular ou comprometimento dos<br />
linfonodos hilares (Figura 3). Após 24 meses da cirurgia,<br />
a paciente encontrava-se assintomática e<br />
sem evidências de recorrência da lesão.<br />
DISCUSSÃO<br />
O AML é associado com carcinoma de células<br />
renais (CCR) em 2% da população em geral e<br />
em 26% de pacientes com SET. 4 Antes do<br />
surgimento do US, aproximadamente 25% apresentavam-se<br />
com surgimento de dor súbita abdominal<br />
ou em flanco em razão da ruptura espontânea<br />
do tumor e hemorragia subsequente. Sintomas<br />
foram relatados em 68 a 80% dos pacientes com<br />
tumor de até 4 cm ou maiores; destes, 20% estavam<br />
em choque hipovolêmico em sua apresentação<br />
inicial. 5 Apesar de sua natureza benigna, o<br />
AML pode invadir o tecido perirrenal, linfonodos,<br />
veia renal e veia cava por crescimento agressivo. 4<br />
Envolvimento da veia renal e VCI são raramente<br />
reportados na literatura.<br />
Se possível, a nefrectomia parcial com a máxima<br />
preservação do tecido renal é recomendada<br />
em tumores sintomáticos menores que 4 cm. 3,4<br />
Além do mais, este procedimento é realizado em<br />
tumores medindo mais que 4 cm e possuindo um<br />
risco de ruptura espontânea com possível hemorragia<br />
fatal. 4<br />
Na revisão de literatura foram encontrados<br />
27 casos de AML com extensão para VCI, incluindo<br />
este caso. Desses, 22 (81,4%) eram mulheres, 4<br />
(14,8%) eram homens, e em um caso o sexo não foi<br />
mencionado. A idade variou de 16 a 75 anos com<br />
média de 46,03 anos e a associação com SET foi<br />
encontrada em 4 casos (14,8%). Vinte pacientes<br />
(74%) apresentaram algum sintoma, onde a dor em<br />
flanco foi a mais frequente (44,4%).<br />
Em relação às características do tumor, o diâmetro<br />
médio foi de 9,2 cm, o lado direito foi o<br />
mais acometido e a posição central da massa foi a<br />
mais comumente observada. A extensão vascular<br />
do trombo foi evidenciada na veia renal, VCI infra<br />
e supradiafragmática em 2 (7,4%), 23 (85,2%) e 2<br />
(7,4%) casos, respectivamente. 3<br />
A combinação de US e TC foi a mais usada<br />
no diagnóstico. A TC detectou o trombo tumoral<br />
comprometendo a VCI em todos os casos pelo fato<br />
de o seu coeficiente de atenuação ser semelhante<br />
ao da massa renal (- 48 HU pré-contraste e 20 HU<br />
pós-contraste), indicando a natureza da lesão. 3,6<br />
A nefrectomia por acesso transperitoneal ou<br />
lombotomia associada à cavotomia e retirada do<br />
trombo foi o tratamento escolhido em 24 pacientes<br />
(88,8%), não sendo relatadas complicações ou<br />
óbitos durante o procedimento. 3<br />
Dois pacientes que possuíam SET com lesões<br />
múltiplas e bilaterais e um paciente cujo estado<br />
clínico impossibilitava a cirurgia (11,1%) foram<br />
somente acompanhados. Controle realizado (US e/<br />
ou TC) de seis meses a dois anos, após o diagnóstico,<br />
não apresentou alterações no tamanho ou extensão<br />
do trombo tumoral indicando que essa conduta<br />
pode ser utilizada em casos selecionados. 3<br />
A escolha do procedimento cirúrgico dependeu<br />
das categorias baseadas na extensão<br />
cefálica do trombo tumoral. Tradicionalmente no<br />
98<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
CRISTIANO PAIVA, LUÍS SABINO, RODRIGO KREBS, RENATO ALBUQUERQUE, MARILISE KATSURAYAMA, CASSIO ANDREONI, VALDEMAR ORTIZ<br />
trombo supra-hepático (nível IV) o bypass<br />
cardiopulmonar é usado, em trombos infra-hepáticos<br />
(níveis I, II e III) e a cirurgia é realizada sem<br />
bypass por acesso abdominal. Neste caso (nível II),<br />
o procedimento foi realizado por incisão de<br />
Chevron com isolamento abaixo da VCI, junção<br />
cavoatrial, VCI infrarrenal e a veia renal<br />
contralateral. O trombo tumoral foi removido completamente<br />
por meio de cavotomia longitudinal.<br />
A manobra de Pringle foi usada para reduzir o<br />
sangramento das veias hepáticas. A VCI foi fechada<br />
com sutura contínua. As complicações mais<br />
importantes deste tipo de cirurgia são sangramento<br />
maciço e tromboembolismo pulmonar, ambos evitados<br />
com as manobras mencionadas.<br />
Nenhuma alteração no tumor ou trombo foi<br />
detectada na TC ou US realizadas no controle de 6<br />
meses após 2 anos do diagnóstico, indicando que<br />
esse tipo de tratamento pode ser realizado em casos<br />
específicos. 4 A média do diâmetro dos tumores<br />
nessa revisão foi de 9,2 cm, sendo o lado direito<br />
o mais afetado. 3 Tamanhos maiores (acima de 9<br />
cm), localização central e do lado direito do tumor<br />
mostraram-se ser fatores contribuintes de AML<br />
envolvendo veia renal ou VCI. 4<br />
Concluímos que a presença de envolvimento<br />
venoso por trombo em decorrência de um AML<br />
é rara e normalmente não ultrapassa o nível do<br />
diafragma. Ocorrendo mais frequentemente em<br />
mulheres na 5. a década de vida e deve ser considerada<br />
nos tumores maiores que 9 cm. Apenas 15%<br />
dos casos estão associados à SET, sendo a<br />
nefrectomia com trombectomia o tratamento mais<br />
indicado.<br />
REFERÊNCIAS<br />
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pf 53 cases. Br J Urol., 83:215-218, 1999.<br />
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involvement. Med J Malaysia., 61:493-5, 2006.<br />
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in a patient with tuberous sclerosis. Urol. Radiol.,<br />
9:152-154, 1987.<br />
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:<br />
Contato: Dr. Cristiano Silveira Paiva, Rua<br />
Paraíba, 1.501/302 – Adrianópolis, 69057-020<br />
Manaus-AM,<br />
E-mail: ctpaiva@uol.com.br,<br />
Tels.: 3642-6477/ 8114-0160<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
99
100 revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL,<br />
ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS<br />
NÓDUL<br />
ÓDULO TESTICUL<br />
TICULAR MALIGNO SUBMETIDO À CI-<br />
RUR<br />
URGIA PRESERVADORA DE ÓRGÃO – RELATO DE<br />
CASO E REVISÃO DE LITERATURA<br />
TURA<br />
MALIGN TESTICULAR NODULE UNDERWENT TO ORGAN´S PRESERVATIVE SURGERY: CASE REPORT<br />
AND LITERATURE REVIEW<br />
Cristiano Paiva*, Marilise Katsurayama**, Renato Albuquerque**, Jonas Menezes***, André Mancini***, Walid Khalil*,<br />
Ítalo Cortez****, Petrus Oliva*****, Giussepe Figlioulo******, Edson Sarkis*******<br />
RESUMO: O câncer de testículo representa a malignidade de maior frequência em homens jovens, sendo os tumores<br />
de células germinativas os mais comuns. O tratamento padrão para o câncer testicular ainda é a orquiectomia<br />
radical, resultando em infertilidade e dependência de substituição androgência por toda a vida, além do estresse<br />
psicológico em função da castração numa idade jovem. Nesses casos, a cirurgia conservadora de órgão vem sendo<br />
descrita por vários grupos com a finalidade de evitar tais complicações, sendo realizada em diversos centros<br />
renomados. Relatamos um caso de seminoma clássico submetido à Cirurgia Preservadora de Órgão.<br />
Palavras-chave: Câncer de testículo, orquiectomia radical, seminoma, Cirurgia Preservadora de Órgão.<br />
ABSTRACT: Testis cancer represents the higher frequency of malignancy in young men, and the germ cell tumors<br />
of the most common. The standard treatment for testicular cancer is still the radical orchiectomy, resulting in<br />
infertility and dependence on androgen replacement for life, in addition to the psychological stress due to castration<br />
at a young age. In these cases, the organ’s conservative surgery has been described by several groups in order to<br />
avoid such complications, being held in various renowned centers. We report a case of classic seminoma submitted<br />
to Organ’s Preservative Surgery.<br />
Keywords: testis cancer, radical orchiectomy, seminoma, Organ’s Preservative Surgery<br />
INTRODUÇÃO<br />
Embora represente apenas 1% de todos os<br />
cânceres masculinos, o câncer de testículo (CaT)<br />
continua ser a malignidade mais comum na população<br />
masculina entre 15 a 35 anos e sua incidência<br />
aumentou de 3,7/100.000 homens em 1975 para<br />
5,4/100.000 em 2001, de acordo com a revisão recente<br />
do National Cancer Institutte Seer. 1,2 Os tumores<br />
de células germinativas são os mais comuns,<br />
representando 90 a 95% dos casos. A apresentação<br />
bilateral é encontrada em 2 a 3% dos casos<br />
diagnosticados de CaT. 3 Avanços terapêuticos<br />
têm resultado na melhora da sobrevida de 83%<br />
em 1970 para 96% no século 21. 4<br />
A maioria dos pacientes com CaT (61-78%)<br />
tem doença no estágio clínico I (neoplasia confinada<br />
ao testículo) com marcadores normais após<br />
orquiectomia, estes estarão livres de doença em<br />
100% dos casos após cinco anos de seguimento. 5,6<br />
Cerca de metade dos pacientes são diagnosticados<br />
com histologia de tumores seminomatosos e a outra<br />
metade pelos não-seminomatosos. 7<br />
O CaT frequentemente se apresenta como<br />
um aumento do volume testicular ocasionado por<br />
uma massa sólida, endurecida e indolor ou é des-<br />
* Doutor em urologia pela Escola Paulista de Medicina – EPM/Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP<br />
** Acadêmicos de Medicina da <strong>Ufam</strong><br />
***Residentes de Urologia do <strong>HUGV</strong><br />
****Mestre em Urologia – <strong>Hospital</strong> das Clínicas/FMUSP<br />
*****Pós-graduando (Doutorando) pela Escola Paulista de Medicina – EPM/Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP<br />
******Professor da Disciplina de Urologia da Universidade Estadual do Amazonas<br />
*******Professor Titular de Urologia da Universidade Federal do amazonas<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
101
NÓDULO TESTICULAR MALIGNO SUBMETIDO Ã PRESERVADORA DE ÓRGÃO – RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA<br />
coberto de forma incidental em um exame de ultrassonografia<br />
escrotal realizada para diagnóstico<br />
de varicocele e/ou orquialgia. A ultrassonografia<br />
de alta resolução e a ressonância magnética de<br />
bolsa testicular podem detectar pequenas massas<br />
sólidas intratesticulares; no entanto, essas lesões<br />
não podem ser distinguidas de forma segura quanto<br />
à sua natureza maligna ou benigna. 8,9,10<br />
A orquiectomia radical ainda é o tratamento<br />
padrão recomendado para o tratamento do CaT.<br />
Nos casos de CaT bilateral, a orquiectomia radical<br />
leva a um impacto negativo na qualidade de vida,<br />
pois resulta em infertilidade e dependência de<br />
substituição androgênica por toda a vida, além do<br />
estresse psicológico em decorrência da castração<br />
numa idade jovem, sendo este último considerado<br />
a maior complicação a longo prazo. Nesses casos,<br />
a cirurgia conservadora de órgãos vem sendo<br />
descrita por vários grupos com a finalidade de evitar<br />
tais complicações. 3,11<br />
RELATO DO CASO<br />
Paciente E.O.F., 17 anos, com quadro de dor<br />
testicular esquerda, havia 9 meses que evoluiu com<br />
piora da dor, acompanhada por disúria e irradiação<br />
para o testículo direito, sem outros sintomas.<br />
Ao exame físico, apresentava testículos tópicos, de<br />
volume normal, fibroelásticos, de superfície lisa e<br />
indolor. Marcadores tumorias alfafeto proteína,<br />
beta-HCG e DHL normais. Realizada ultrassonografia<br />
de bolsa testicular com doppler que revelou<br />
varicocele grau I à esquerda e imagem de aspecto<br />
nodular heterogênea com pequenos focos de<br />
calcificações de permeio, medindo 0,4 x 0,4 cm,<br />
localizada em topografia do polo inferior do testículo<br />
direito. Diante da possibilidade de neoplasia<br />
testicular foi realizada orquiectomia parcial direita<br />
com o uso de microscópio cirúrgico<br />
(magnificação de 10 vezes). O acesso cirúrgico foi<br />
realizado por meio de inguinotomia direita com<br />
isolamento do funículo espermático e do testículo,<br />
seguido de controle vascular do cordão<br />
espermático (Figuras 1A e 1B). O testículo direito<br />
foi submetido a congelamento por 10 minutos e<br />
em seguida foi realizada enucleação microcirúrgica<br />
do nódulo testicular com margens livres à congelação<br />
transoperatória (Figuras 2A e 2B). Reconstrução<br />
do testículo remanescente com<br />
orquidopexia e fechamento das incisões cirúrgicas<br />
escrotal e inguinal (Figuras 3A e 3B). A análise<br />
anatomopatológica demonstrou um nódulo testicular<br />
medindo 0,5 x 0,5 x 0,4 cm, composto por<br />
seminoma clássico e margens cirúrgicas livres.<br />
Após o 30.º DPO, os marcadores tumorais permaneceram<br />
normais e a tomografia de abdome não<br />
demonstrou linfonodomegalia retroperitoneal; o<br />
paciente foi então encaminhado para radioterapia<br />
para complementação de tratamento.<br />
DISCUSSÃO<br />
Tumores testiculares de células germinativas<br />
representam a maior frequência de tumores sólidos<br />
em homens jovens. De acordo com os registros<br />
regionais de câncer na Europa, cerca de 90%<br />
dos pacientes apresentam doença em estágio inicial<br />
(TNM estágios I-IIB). 5,6 Em um estudo realizado<br />
com 338 casos de CaT tratados no seu serviço,<br />
Cooper e colaboradores verificaram que destes 161<br />
pacientes (48,8% da amostra) eram portadores de<br />
seminoma, o mesmo tipo histológico encontrado<br />
no paciente deste relato. 12<br />
O tratamento padrão para o câncer testicular<br />
com testículo contralateral normal é a<br />
orquiectomia por acesso inguinal, a qual permite<br />
um diagnóstico histopatológico preciso. 7 Lesões<br />
intratesticulares representam um problema clínico<br />
especial. O diagnóstico exato raramente pode<br />
ser feito pelas técnicas de imagem já descritas, fazendo-se<br />
necessária a análise histopatológica para<br />
confirmação diagnóstica. Nos casos de lesões benignas,<br />
no entanto, a orquiectomia radical passa a<br />
ser um tratamento agressivo e, pelo menos em lesões<br />
intratesticulares, todo esforço deve ser feito<br />
para se realizar uma cirurgia conservadora de órgão.<br />
13 A técnica original da cirurgia preservadora<br />
de órgão foi publicada em 1995 por Weissbach,<br />
sendo então executada em pacientes portadores de<br />
tumor maligno em testículo único e que se encai-<br />
102 revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL,<br />
ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS<br />
xam nos critérios propostos pela Associação<br />
Europeia de Urologia descritos no quadro a seguir.<br />
14,15<br />
Indicações para cirurgia preservadora de órgãos 15<br />
Testículo único;<br />
Lesão com volume < 2 cm ou ~30% do volume testicular;<br />
Radioterapia adjuvante do parênquima testicular remanescente<br />
com 20 Gy;<br />
Valores pré-operatórios da testosterona sérica normais;<br />
Conhecimento do paciente e do urologista sobre os riscos<br />
e benefícios desta conduta;<br />
Conhecimento do paciente e do urologista sobre a necessidade<br />
de acompanhamento posterior do paciente;<br />
Experiência do urologista com esta técnica.<br />
A ressecção tumoral não segue os princípios<br />
da cirurgia radical, o que leva a dúvidas pelo<br />
fato de o testículo não ser um órgão vital. As maiores<br />
preocupações convergem para a recidiva local,<br />
doença residual multifocal, metástase sistêmica<br />
e extravasamento regional de células tumorais, preocupações<br />
que podem ser evitadas por cuidados<br />
técnicos especiais. O cirurgião deve estar familiarizado<br />
com os princípios oncológicos da cirurgia<br />
de CaT e ter um conhecimento profundo da anatomia<br />
vascular do testículo e conceitos básicos de<br />
microcirurgia. O controle vascular prévio do cordão<br />
espermático e um cauteloso isolamento e<br />
ressecção do tumor previnem de forma efetiva a<br />
disseminação sistêmica e extravasamento regional<br />
de células tumorais. Segundo Miller (1990), a<br />
recorrência local pode ser prevenida efetivamente<br />
com a radioterapia adjuvante no pós-operatório<br />
sobre o tecido testicular remanescente numa dose<br />
padrão de 18 Gy. Esta complementação se faz necessária<br />
baseada no fato de que esses tumores são<br />
radiossensíveis e podem estar associados à<br />
neoplasia intratubular (TIN), além da multifocalidade.<br />
16 Recentemente, alguns trabalhos demonstram<br />
que a cirurgia conservadora de órgão repre-<br />
senta uma modalidade inovadora de tratamento do<br />
CaT com vantagens endócrinas, psicológicas e de<br />
fertilidade para os pacientes. Aliado a esses fatores,<br />
a qualidade de vida tem se tornado cada vez mais<br />
importante para o paciente e para o médico. 3,17<br />
A orquiectomia parcial, portanto, é possível<br />
de ser realizada em pacientes selecionados com<br />
diagnóstico de CaT, porém a radioterapia pós-operatória<br />
é necessária para minimizar a recorrência<br />
local, sem prejuízo da produção endócrina do testículo<br />
que permanece normal em 85% dos casos.<br />
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FIGURAS<br />
1 A 1 B<br />
Figuras 1 A: Isolamento e controle vascular do funículo espermático<br />
1 B: Exposição e fixação do testículo<br />
104 revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
CRISTIANO PAIVA, MARILISE KATSURAYAMA, RENATO ALBUQUERQUE, JONAS MENEZES, ANDRÉ MANCINI, WALID KHALIL,<br />
ÍTALO CORTEZ, PETRUS OLIVA, GIUSSEPE FIGLIOULO, EDSON SARKIS<br />
2A<br />
2 B<br />
Figuras 2A e 2B: Dissecção microcirúrgica do polo inferior do testículo.<br />
3A<br />
3 B<br />
Figuras 3A e 3B: Reconstrução do testículo remanescente com orquidopexia e fechamento das incisões cirúrgicas escrotal<br />
e inguinal.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
105
106 revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO LUIZ WESTPHAL, LUIZ LIMA, MARIA DUARTE, JOSÉ NETTO, MÁRCIA SILVA, DIEGO CARVALHO, JOÃO GENU<br />
LESÃO DE TRAQUEIA MEDIASTIN<br />
TINAL POR ARMA DE<br />
FOGO: RELATO DE CASO<br />
MEDIASTINAL TRACHEA INJURY BY FIREARM: CASE REPORT<br />
Fernando Luiz Westphal * , Luiz Carlos de Lima ** , Maria Socorro Cardoso Duarte *** , José Corrêa Lima Netto **** , Márcia dos<br />
Santos da Silva ***** , Diego Monteiro de Carvalho ****** , João Marcelo Rodrigues Genu *******<br />
RESUMO: O trauma é uma das principais causas de morte e invalidez no mundo, no qual o acometimento<br />
torácico no paciente politraumatizado determina 20% dos óbitos. Dentre os traumatismos torácicos, a lesão da<br />
árvore traqueobrônquica é rara, com incidência entre 0,3 e 1%. É relatado um caso de ferimento cervical por arma<br />
de fogo na junção cérvico-torácica, transfixante em mediastino, com lesão traqueal. O paciente foi estabilizado e<br />
subsequentemente submetido à cervicotomia em colar, traqueorrafia e drenagem pleural bilateral. A evolução foi<br />
satisfatória com acompanhamento em Centro de Terapia Intensiva e alta em bom estado geral.<br />
Palavras-chaves: Traumatismo torácico; ferimento mediastinal; lesão traqueobrônquica; cervicotomia.<br />
ABSTRACT: Trauma is one of the main causes of death and disability in the world and the chest involvement<br />
determine about 20% of deaths. In this context, the association between chest trauma and injury of the<br />
tracheobronchial tree is rare, with incidence between 0.3 and 1%. It reported a case of cervical transfix injury by<br />
firearm in mediastinum with tracheal injury. The patient was stabilized and subsequently submitted to cervicotomy,<br />
tracheorhaphy and bilateral pleural drainage. The final result was satisfactory under monitoring in the Intensive<br />
Care Center and discharge in good condition.<br />
Keywords: Thoracic trauma; mediastinal injury; tracheobronchial injury; cervicotomy.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Atualmente, o trauma figura como um dos<br />
principais responsáveis por morte e invalidez no<br />
mundo, em especial na população jovem, sendo a<br />
terceira maior causa de óbito nos EUA e a primeira<br />
quando se considera a idade abaixo dos 40<br />
anos. 1,2 O acometimento do tórax no paciente<br />
politraumatizado chega a determinar 20% das<br />
mortes por trauma e mais de 30% de todos os<br />
tipos de lesão. Cerca de um terço dos pacientes<br />
com lesões graves no tórax morre antes de chegar<br />
ao hospital, enquanto outros 20% morrem<br />
tardiamente por complicações pleuro-pulmonares.<br />
1,2,3,4 É sempre importante definir as características<br />
do mecanismo traumático. Nas lesões produzidas<br />
por arma de fogo, os projéteis de massa<br />
elevada e alta velocidade produzem grande li-<br />
*<br />
Doutor em Medicina. Professor-adjunto da Disciplina de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Amazonas – <strong>Ufam</strong> – e da Universidade do Estado do Amazonas – UEA<br />
– Manaus (AM) Brasil.<br />
**<br />
Doutor em Medicina. Cirurgião torácico do Serviço de Cirurgia Torácica do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong> – <strong>HUGV</strong> – Manaus (AM), Brasil.<br />
***<br />
Doutora em Medicina. Professora-adjunta da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Amazonas – <strong>Ufam</strong> – Manaus (AM), Brasil.<br />
****<br />
Especialista em Cirurgia Torácica. Médico assistencial no Serviço de Cirurgia Torácica do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong> – <strong>HUGV</strong> – Manaus (AM), Brasil.<br />
*****<br />
Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas – <strong>Ufam</strong> – Manaus (AM), Brasil.<br />
******<br />
Acadêmico de Medicina da Universidade do Estado do Amazonas – UEA – Manaus (AM), Brasil.<br />
*******<br />
Acadêmico de Medicina do Centro Universitário Nilton Lins – UNL – Manaus (AM), Brasil.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
107
LESÃO DE TRAQUEIA MEDIASTINAL POR ARMA DE FOGO: RELATO DE CASO<br />
beração de energia cinética, a qual se dissipa nos<br />
tecidos e produz sérios danos. Além do mecanismo,<br />
as consequências clínicas dependem do local<br />
da lesão, da presença ou não de lesões associadas<br />
e de doenças subjacentes. Essas informações são<br />
úteis para caracterizar situações específicas e graves<br />
que podem estar presentes. 5,6<br />
O trauma torácico com lesão traqueobrônquica<br />
é raro e sua incidência mundial varia entre<br />
0,3 a 1%. 7 O objetivo deste relato é apresentar um<br />
caso de ferimento transfixante de mediastino com<br />
lesão traqueal.<br />
RELATO DO CASO<br />
Paciente do sexo masculino, de 35 anos,<br />
trazido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência<br />
– Samu ao <strong>Hospital</strong> Pronto-Socorro 28 de<br />
Agosto, Manaus-AM, consciente, referindo<br />
dispneia, dor cervical e torácica. Ao exame físico,<br />
foram verificados ferimentos por projétil de arma<br />
de fogo (FAF), com orifícios de entrada em região<br />
lateral esquerda da zona I do pescoço (Figura 1),<br />
escapular direita, lombar esquerda, antebraço<br />
distal esquerdo, sem orifícios de saída. Apresentava-se<br />
hipocorado (+/4+), sudoreico, com<br />
hemoptise, abdome doloroso à palpação e murmúrio<br />
vesicular diminuído à esquerda.<br />
Como conduta imediata, foi realizada aspiração<br />
de vias aéreas superiores, administração<br />
de O 2<br />
úmido, drenagem torácica fechada sob selo<br />
d’água à esquerda com dreno n.º 32, reposição<br />
de volume com Ringer Lactato (2.000 ml EV, além<br />
dos 1.000 ml EV feitos em ambulância), sondagem<br />
vesical e tentativa de sondagem nasogástrica,<br />
desencorajada após piora do quadro de insuficiência<br />
respiratória e aparecimento de enfisema subcutâneo<br />
cervical e facial. Feito ultrassom rápido<br />
(Fast) de abdome e pericárdio, negativos para presença<br />
de líquido.<br />
Paciente conduzido ao centro cirúrgico,<br />
onde foi realizada intubação orotraqueal e<br />
indicada cervicotomia em colar (Figura 2), sendo<br />
encontrada lesão transfixante em terço médio de<br />
traqueia, com orifício de entrada à esquerda e<br />
saída à direita (Figuras 3a e 3b). Realizado<br />
desbridamento da ferida, traqueorrafia com<br />
Categut cromado 3, drenagem pleural bilateral e<br />
laparotomia exploradora (sem presença de lesão<br />
de órgãos abdominais), seguido de admissão no<br />
Centro de Terapia Intensiva (CTI). Evoluiu sem<br />
complicações, com retirada de drenos no 5.º dia<br />
de pós-operatório, com alta no 17.º em bom estado<br />
geral.<br />
DISCUSSÃO<br />
A árvore traqueobrônquica possui topografia<br />
que anatomicamente lhe confere proteção natural<br />
anterior, posterior e lateralmente, pela mandíbula<br />
e esterno, pela coluna vertebral e pelas costelas,<br />
respectivamente. Dessa forma, a lesão da<br />
traqueia ou do brônquio principal torna-se algo<br />
incomum, mas potencialmente fatal que, frequentemente,<br />
não é notada ao exame inicial. 7,8<br />
A lesão da árvore traqueobrônquica possui<br />
múltiplas causas e, de acordo com o mecanismo<br />
do trauma, pode ser classificada em fechada<br />
ou penetrante, sendo a segunda a mais prevalente<br />
na traqueia cervical, em vista de sua maior exposição.<br />
Ferimentos por projéteis de arma de fogo,<br />
arma branca, estrangulamentos, queimaduras,<br />
cáusticas e iatrogênicas figuram entre as principais<br />
etiologias. 7,8,9<br />
As manifestações clínicas no trauma penetrante<br />
dependem do intervalo decorrido entre<br />
o trauma e o diagnóstico, da localização e do tamanho<br />
da ferida, da integridade da pleura<br />
mediastinal e dos tecidos adjacentes e das lesões<br />
torácicas associadas. 8,9,10 No trauma penetrante,<br />
manifestações clínicas como estridor, alteração na<br />
qualidade da voz, disfagia, taquidispneia,<br />
hemoptise e a observação de ferida na topografia<br />
da árvore respiratória podem gerar a suspeita da<br />
lesão. 8,11,12 No caso apresentado, além do quadro<br />
de insuficiência respiratória, também foram observados<br />
enfisema subcutâneo e hemoptise.<br />
A broncoscopia é o método diagnóstico de<br />
escolha para lesões traqueobrônquicas. A<br />
tomografia computadorizada (TC) e o raio X tam-<br />
108 revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
FERNANDO LUIZ WESTPHAL, LUIZ LIMA, MARIA DUARTE, JOSÉ NETTO, MÁRCIA SILVA, DIEGO CARVALHO, JOÃO GENU<br />
bém auxiliam na investigação, em especial na<br />
ocorrência de pneumotórax, hemotórax, pneumomediastino,<br />
pneumopericárdio, fraturas de ossos<br />
do tórax e enfisema subcutâneo, comumente associados<br />
nesse tipo de lesão. 13 Neste paciente, o<br />
diagnóstico e a indicação cirúrgica foram clínicos,<br />
pois não havia material necessário para realizar<br />
broncoscopia nem tampouco a TC.<br />
A abordagem inicial ao paciente<br />
traumatizado segue o protocolo proposto pelo<br />
Advanced Trauma Life Support (ATLS), o qual<br />
sugere a sistematização do atendimento por meio<br />
do ABCDE. A manutenção das vias aéreas é prioridade<br />
no atendimento inicial do paciente vítima<br />
de trauma. Quando necessário, deve-se realizar<br />
laringoscopia direta com aspiração de secreções ou<br />
corpos estranhos e acesso definitivo às vias aéreas<br />
por intermédio de intubação orotraqueal. O paciente<br />
com lesão traqueobrônquica e sinais de insuficiência<br />
respiratória deve ser intubado, quer seja<br />
para garantir vias aéreas pérvias ou para iniciar o<br />
tratamento cirúrgico. 9,12,14,15<br />
Pacientes com trauma penetrante por arma<br />
de fogo exigem uma avaliação cuidadosa de todas<br />
as estruturas adjacentes, pois há danos teciduais<br />
além das margens da lesão e maior número de<br />
anéis traqueais lesados, gerando mais complicações.<br />
11,16 Nos traumatismos que acometem a região<br />
cervical, deve-se analisar o pescoço sob o ponto de<br />
vista ântero-posterior e crânio-caudal. Lesões penetrantes<br />
do triângulo anterior que ultrapassam o<br />
músculo platisma têm maior probabilidade de<br />
comprometer órgãos e vasos aí localizados. Com<br />
base na localização em sentido crânio-caudal, o<br />
pescoço é dividido em 3 zonas horizontais, sendo<br />
as lesões da zona I (da clavícula à cartilagem<br />
cricoide) as que cursam com maior mortalidade e<br />
maior dificuldade de acesso; as da zona II (cartilagem<br />
cricoide ao ângulo da mandíbula), as mais<br />
comuns e de melhor prognóstico, e zona III (do<br />
ângulo da mandíbula à mastoide), sendo a menos<br />
comum. 11,16,17,18 As lesões da zona I podem alcançar<br />
o mediastino, como neste caso.<br />
A via de acesso para abordagem cirúrgica<br />
depende da localização da lesão e de outras que<br />
possam estar associadas, sendo individualizadas<br />
para cada paciente. A incisão cervical permite, além<br />
de uma boa visualização da traqueia, manipulação<br />
das lesões associadas com menor morbidade<br />
que a abordagem torácica, sendo a incisão em colar,<br />
utilizada neste caso, a mais comumente realizada,<br />
a incisão transversa é alternativa e ambas<br />
podem ser ampliadas longitudinalmente ao<br />
esterno para acesso de ferimentos na traqueia<br />
mediastinal em seu terço médio, carina e mesmo<br />
brônquios. A toracotomia posterolateral direita,<br />
indicada em lesões de traqueia terminal, permite<br />
acessá-la em toda sua extensão torácica, além do<br />
brônquio principal direito e a porção proximal do<br />
brônquio principal esquerdo. O sucesso do reparo<br />
depende da tensão na linha de sutura e suprimento<br />
vascular da lesão, que devem ser observados.<br />
7,8,11,12,15,16,17,18,19,20<br />
Na ocorrência de lesões associadas, é fundamental<br />
a identificação e tratamento precoces,<br />
como no caso de pneumotórax, em que o procedimento<br />
preconizado é a drenagem intercostal em<br />
selo d’água. No trauma abdominal, toda lesão por<br />
arma de fogo com violação da cavidade peritoneal<br />
tem indicação de exploração cirúrgica, uma vez que<br />
em mais de 90% dos casos existe lesão intra-abdominal<br />
significativa. 9,14<br />
Embora seja um acontecimento raro, o trauma<br />
associado à lesão traqueobrônquica, por seu<br />
alto nível de gravidade, exige do profissional médico<br />
um alto índice de suspeição em via de melhores<br />
resultados no atendimento à vítima.<br />
Além da identificação precoce, da rotina do<br />
Suporte Avançado de Vida no Trauma e de uma<br />
técnica cirúrgica adequada, o sucesso na evolução<br />
desses casos sustenta-se no acompanhamento pósoperatório<br />
em Centro de Terapia Intensiva (CTI) e<br />
em acompanhamento ambulatorial da capacidade<br />
pulmonar e função respiratória.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
109
LESÃO DE TRAQUEIA MEDIASTINAL POR ARMA DE FOGO: RELATO DE CASO<br />
ANEXOS<br />
Figura 1: Orificio de entrada do projétil de arma de fogo em<br />
região lateral esquerda da zona I do pescoço<br />
Figura 2: Cervicotomia em colar<br />
A<br />
B<br />
Figura 3: Identificação dos orifícios de entrada (a) e saída (b), respectivamente<br />
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Thoracic Surgery 2nd ed. Philadelphia: Churchill<br />
Livingstone, 2002, 8: p. 120-138.<br />
Trabalho realizado na Universidade Federal do<br />
Amazonas – <strong>Ufam</strong><br />
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA<br />
Fernando Luiz Westphal<br />
Rua Apurinã, 4 – Praça 14 de Janeiro – 69010-<br />
130<br />
Manaus, AM – Brasil. Telefone: (92) 3621-6582<br />
E-mail: f.l.westphal@uol.com.br<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
111
112 revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LUIZ LIMA, SILAS JÚNIOR, FAUSTO SANTOS, ÁLVARO SOEIRO, JAVIER PERDOMO, FERNANDO WESTPHAL, JOSÉ NETTO, INGRID LIMA<br />
COMPLIC<br />
OMPLICAÇÃ<br />
ÇÃO TARDIA DA CIRUR<br />
URGIA DE BENTALL<br />
ALL-<br />
DEBON<br />
ONO: O: RELATO DE CASO<br />
LATER COMPLICATION AFTER BENTALL-DE BONO PROCEDURE: CASE REPORT<br />
Luiz Carlos de Lima * , Silas Fernandes Avelar Júnior ** , Fausto Vieira dos Santos ** , Álvaro Bernardo Soeiro ** , Javier Cruz<br />
Perdomo ** , Fernando Luiz Westphal *** , José de Lima Netto **** , Ingrid Loureiro de Queiroz Lima *****<br />
RESUMO: Introdução: A cirurgia de Bentall-DeBono é um procedimento para substituição da valva aórtica em<br />
casos de aneurisma na aorta ascendente com ectasia valvar aórtica. Embora seja considerada uma técnica com<br />
bons resultados a longo prazo, algumas complicações podem surgir e, por esse motivo, ao longo dos anos algumas<br />
modificações surgiram tentando sanar possíveis complicações. Objetivo: Relatar uma complicação tardia da<br />
cirurgia de Bentall-DeBonno. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 62 anos, apresentou quadro de tontura<br />
e síncope repentino após pequena caminhada. Não apresenta comorbidades e, após realização de ecocardiografia<br />
e tomografia de tórax, foi constatado dilatação da aorta ascendente e sinais de dissecção distal. Informa que, há 14<br />
anos, submeteu-se a uma cirurgia de correção de aneurisma e troca de valva aórtica pela técnica de Bentall-<br />
DeBonno.<br />
Palavras-chave: Reoperação, dissecção aórtica, aneurisma.<br />
ABSTRACT: Introduction: Bentall-DeBono is a procedure for substitution of the aortic valve in cases of aneurism<br />
of the ascending aorta with aortic valve ectasia. Although been considered a safe technique with good long-term<br />
results, some complications may occur, and, as a result, some modifications were developed through the years<br />
intending to solve complications may occure. Objective: To report a long-term complication of Bentall-DeBono’s<br />
procedure. Case Report: Male, 62 years old, presented dizziness and sudden loss of conscience after short walk.<br />
No co morbidities were associated and, 14 years before, he was summit to a cardiac surgery, with Bentall-DeBono’s<br />
technique. After echocardiography and thoracic CT, an augmentation in the ascending aorta diameter and signs<br />
of distal dissection were observed. Announced that, for 14 years, submitted to surgery for correction of an aneurysm<br />
and aortic valve by the exchange of technical Bentall-DeBonno.<br />
Keywords: Re-operation, aortic dissection, aneurism.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Em 1968, Bentall e DeBono descreveram um<br />
procedimento cirúrgico para substituição completa<br />
da valva aórtica em casos de aneurisma na aorta<br />
ascendente com ectasia valvar aórtica. Em seu relato,<br />
a raiz da aorta proximal estava muito envolvida<br />
com o processo patológico. O anel da valva<br />
aórtica estava muito dilatado e a parede extremamente<br />
fina abaixo do anel, tornando impossível<br />
unir a parede aórtica acima das coronárias à prótese<br />
aórtica, optando-se então, naquele momento,<br />
suturar diretamente a prótese valvar ao tubo de<br />
Teflon. Dois orifícios foram feitos no local dos<br />
*<br />
Doutor em Medicina, cirurgia cardíaca, <strong>Hospital</strong> Português Beneficente do Amazonas.<br />
**<br />
Especialista em cirurgia cardíaca, <strong>Hospital</strong> Português Beneficente do Amazonas.<br />
***<br />
Doutor em Medicina, cirurgia torácica, <strong>Hospital</strong> Português Beneficente do Amazonas.<br />
****<br />
Especialista em Cirurgia Torácica, <strong>Hospital</strong> Português Beneficente do Amazonas.<br />
*****<br />
Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Amazonas.<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
113
COMPLICAÇÃO TARDIA DA CIRURGIA DE BENTALL-DEBONO: RELATO DE CASO<br />
óstios coronarianos, os quais foram então<br />
recanalizados, dessa vez por meio do lúmen do<br />
tubo. A parede da aorta foi suturada próximo aos<br />
orifícios no tubo de Teflon, reincorporando-se então<br />
os óstios coronários à nova aorta. 1<br />
Esse procedimento sofreu algumas modificações<br />
durante os anos, a maior parte destas relacionada<br />
à reimplantação da artéria coronária e a<br />
realização da anastomose distal, 2 podendo-se citar<br />
as modificações realizadas por Cabrol, 1981, 3 o<br />
procedimento de Piehler, 1984, 4 e a técnica do botão<br />
coronariano de Carrel, 1980. 5 O uso de condutos<br />
valvulados para aorta ascendente e valva<br />
aórtica é hoje o método mais difundido de tratamento<br />
cirúrgico e técnica de escolha para diversas<br />
condições patológicas, dentre elas dissecção da<br />
aorta ascendente com insuficiência aórtica. 2,6,7<br />
Dentre as indicações mandatórias para a<br />
cirurgia de substituição da aorta ascendente citamse<br />
condições de urgência, como a dissecção aguda<br />
do segmento ascendente da aorta e patologias associadas,<br />
ruptura espontânea e hematoma<br />
intramural, bem como a destruição do anel aórtico<br />
por endocardite infecciosa. Outras indicações ditas<br />
eletivas são a dilatação aórtica na síndrome de<br />
Marfan, dissecções crônicas e, uma causa em ascensão:<br />
aterosclerose severa na aorta ascendente. 7<br />
Mesmo sendo a técnica mais difundida no<br />
mundo e considerado método de escolha para tratar<br />
doenças na aorta ascendente e patologias associadas,<br />
observam-se complicações clássicas descritas<br />
na literatura. Dentre as mais comuns encontram-se<br />
sangramento pós-operatório aumentado e<br />
formação de pseudoaneurisma nas linhas de sutura.<br />
Procedimentos de Bentall modificados são em<br />
geral mais seguros. 8 A técnica de Cabrol facilita a<br />
anastomose entre o óstio da coronária e o enxerto<br />
por utilizar o enxerto vascular para reconstruir a<br />
artéria coronária. Esta técnica possui rota redundante<br />
para circulação coronariana, mas apresenta<br />
o risco de êmbolo na artéria coronária, 9 bem como<br />
o risco de dano na coronária esquerda, na circunflexa<br />
e oclusão destas artérias por tensão. 8<br />
As modificações à técnica clássica de Bentall<br />
e DeBonno têm como objetivo evitar esssas complicações<br />
e melhorar os resultados a curto e longo<br />
prazos. Somando-se a isso, o aumento do uso de<br />
conduto biológico como homoenxertos e<br />
autoenxertos pulmonares aumentaram significativamente<br />
o número de substituições da raiz da<br />
aorta. Consequentemente, um maior número de<br />
pacientes necessitará de reoperação da raiz aórtica<br />
com reaproximação da artéria coronária a um novo<br />
conduto. Informações disponíveis sobre essas<br />
reoperações e resultados clínicos são limitadas. 10<br />
Soma-se a isso, ainda, o grupo de pacientes<br />
acometidos pela síndrome de Marfan, que possuem<br />
como maior manifestação cardiovascular doença<br />
da aorta ascendente proximal característica<br />
de ectasia ânulo-aórtica, frequentemente complicado<br />
por dissecção aórtica, demonstrarem na literatura<br />
maior necessidade de reoperação por<br />
reesternotomia por diversas razões, incluindo<br />
pseudoaneurismas na anastomose aórtica distal ou<br />
anastomose da artéria coronária, endocardite na<br />
prótese valvar aórtica, trombose valvar e vazamento<br />
paravalvular. 11<br />
O objetivo deste trabalho é descrever uma<br />
complicação a longo prazo da cirurgia de Bentall-<br />
DeBonno.<br />
RELATO DE CASO<br />
Paciente do sexo masculino, 62 anos, procurou<br />
pronto atendimento referindo sensação de<br />
tontura e obnubilação, seguida de síncope. Possui<br />
história pregressa de cirurgia de correção de<br />
aneurisma de aorta ascendente pela técnica de<br />
Bentall-DeBonno havia 15 anos.<br />
Foi realizada tomografia computadorizada<br />
da aorta e ecocardiograma trastorácico que mostraram<br />
sinais de aneurisma da aorta ascendente e<br />
dissecção. Foi submetido a tratamento cirúrgico em<br />
24 de julho de 2007, tendo sido encontrado envolvimento<br />
da parede do aneurisma na cirurgia anterior.<br />
Após abertura, foi encontrada deiscência total<br />
da anastomose distal da aorta ascendente e óstio<br />
coronariano (Figura 1), dissecção do arco aórtico e<br />
restrição da mobilidade da prótese metálica da<br />
valva aórtica colocada anteriormente. O paciente<br />
114 revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong>
LUIZ LIMA, SILAS JÚNIOR, FAUSTO SANTOS, ÁLVARO SOEIRO, JAVIER PERDOMO, FERNANDO WESTPHAL, JOSÉ NETTO, INGRID LIMA<br />
não fazia uso de anticoagulante oral. Foi realizada<br />
substituição da aorta ascendente por tubo valvado<br />
de Dacron, reimplante dos óstios coronarianos e<br />
substituição do hemi-arco (Figura 2). Paciente evoluiu<br />
bem no pós-operatório, recebendo alta hospitalar<br />
no décimo dia, estando sob acompanhamento<br />
ambulatorial atualmente.<br />
DISCUSSÃO<br />
A cirurgia de Bentall e suas variantes foram<br />
as técnicas de escolha para colocação de enxerto<br />
composto da aorta ascendente e valva aórtica<br />
em uma variedade de condições patológicas, 8 favorecendo-se<br />
em especial os pacientes com<br />
síndrome de Marfan, que morriam prematuramente<br />
por ruptura aórtica causada tanto por ectasia<br />
ânulo aórtica como por dissecção aórtica. Esses<br />
pacientes puderam ser diagnosticados e tratados<br />
com um procedimento que lhes trouxe qualidade<br />
e expectativa de vida. 12 Contudo, dada a complexidade<br />
dos casos de paciente que a ela se submetem,<br />
é preciso considerar a existência das complicações<br />
a longo prazo.<br />
Conforme observado por Apaydin et al<br />
(2002), em um estudo com 86 pacientes<br />
no período de 1994 a 2001, houve mortalidade<br />
6,9% (6 pacientes). Dentre os fatores de risco<br />
para mortalidade a curto prazo foram descritos a<br />
presença de calcificação e estenose da valva aórtica,<br />
insuficiência renal e insuficiência cardíaca após a<br />
operação. Fatores preditivos de morbidade incluem<br />
dissecção aguda, parada circulatória, transfusão<br />
de sangue e plasma fresco em mais que duas<br />
unidades, tempo de pinçamento e circulação<br />
extracorpórea (acima de 90 e 140 min) e procedimentos<br />
associados. 8<br />
No estudo de Raanani et al (2001), foram<br />
observados no período de 1980 a 1999 um total de<br />
31 pacientes submetidos à substituição da aorta ascendente<br />
que necessitaram de reoperação. Destes,<br />
94% eram do sexo masculino, e o intervalo entre o<br />
primeiro procedimento e a reoperação foi de 61±<br />
41 meses. As indicações para reoperação foram falência<br />
da valva biológica em 17 (55%), endocardite<br />
ativa da prótese valvar em 12 (39%) e falso<br />
aneurisma em 2 (6%). A mortalidade operatória foi<br />
de 3%. 10 O paciente em questão neste relato desenvolveu<br />
deiscência total da anastomose distal e dissecção<br />
proximal do arco aórtico encontrado à exploração<br />
cirúrgica, com deiscência da anastomose<br />
dos óstios coronarianos. A capa da parede do<br />
aneurisma que envolvia o tubo de Dacron ®<br />
reconstituído na cirurgia anterior é que mantinha<br />
a integridade da aorta proximal.<br />
De acordo com Tabayashi et al (1998), as<br />
principais complicações da técnica clássica de<br />
Bentall e DeBonno são sangramento da<br />
anastomose, vazamento paravalvular e formação<br />
aneurismática da parede aórtica. Em seu estudo,<br />
20 pacientes foram submetidos à cirurgia clássica<br />
de Bentall e, destes, 3 apresentaram compressão<br />
do enxerto, dois apresentaram pseudoaneurisma<br />
de óstio coronário e um, pseudoaneurisma em linha<br />
de sutura distal.<br />
No estudo de Scafuri et al (2000), os autores<br />
consideram o procedimento de Bentall e DeBonno<br />
como de risco moderado com bons resultados.<br />
Durante o período de 1991 a 1998, 44 pacientes submetidos<br />
à cirurgia de Bentall, quatro (9%) foram a<br />
óbito, quatro apresentaram sangramento pós-operatório<br />
necessitando reoperação e, durante seguimento<br />
após dois anos, sete pacientes foram a óbito,<br />
dos quais três foram por falência cardíaca, um<br />
por acidente vascular encefálico e os outros três,<br />
morte súbita.<br />
Na análise de Silva et al (<strong>2008</strong>), com 39 pacientes,<br />
os achados clínicos cirúrgicos demonstraram<br />
a presença de aneurisma de aorta ascendente em<br />
19 (48,5%) pacientes, ectasia ânulo-aórtica em 12<br />
(31%), ectasia ânulo-aórtica associada à dissecção<br />
tipo B em um (2,5%) doente, dissecção aguda da<br />
aorta tipo A em quatro (10,5%) pacientes e dissecção<br />
tipo A associada a aneurisma da aorta descendente<br />
em dois (5%). Os mesmos autores relatam<br />
ainda a evolução a longo prazo dos doentes operados.<br />
Dos 37 pacientes que sobreviveram, quatro<br />
foram a óbito após um ano de cirurgia. Dois deles<br />
por acidente vascular cerebral, o terceiro, dissec-<br />
revistahugv<br />
– <strong>Revista</strong> do <strong>Hospital</strong> Universitário Getúlio <strong>Vargas</strong><br />
v. 7. n. 1-2 jan./dez. – <strong>2008</strong><br />
115
COMPLICAÇÃO TARDIA DA CIRURGIA DE BENTALL-DEBONO: RELATO DE CASO<br />
ção tipo B, e, ainda, um paciente apresentou formação<br />
aneurismática na aorta na porção tóracoabdominal;<br />
foi operado, mas por complicações renais<br />
foi a óbito 3 dias após a cirurgia.<br />
Kouchoukos et al (1991) descreveram uma<br />
série de 168 pacientes submetidos à cirurgia para<br />
substituição da aorta ascendente e valva aórtica em<br />
continuidade, sendo ectasia ânulo-aórtica a indicação<br />
mais comum para a cirurgia (84 pacientes).<br />
Dentre 105 pacientes operados com a técnica clássica<br />
de Bentall, em um tempo médio de 47 meses,<br />
nove desenvolveram pseudoaneurisma necessitando<br />
de reoperação, e cinco (56%) sobreviveram.<br />
Num acompanhamento dos pacientes até oito anos,<br />
nenhuma nova complicação ou presença de<br />
pseudoaneurisma na linha de sutura foi observada.<br />
Conforme descrito no estudo de David et al<br />
(2004), a substituição da raiz aórtica tornou-se uma<br />
operação comum e, consequentemente, o risco operatório<br />
diminuiu em locais com grande volume de<br />
cirurgias. Entretanto, a reoperação da substituição<br />
da raiz aórtica após uma primeira cirurgia permanece<br />
uma operação desafiadora. Nestas cirurgias<br />
deve-se considerar não apenas o que deve ser feito<br />
para corrigir o problema na raiz da aorta e outras<br />
regiões do coração, mas também a condição<br />
geral do paciente e habilidade de sustentar uma<br />
grande cirurgia. A mortalidade em geral para<br />
reoperação da substituição da raiz aórtica é descrita<br />
como sendo menor que 10% em séries<br />
publicadas, mas certamente existe uma variação<br />
na seleção dos pacientes.<br />
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