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Lendo as ondas do “Movimento de Acesso à Justiça”: epistemologia ...

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66 CIDADANIA, JUSTIÇA E VIOLÊNCIA<br />

<strong>de</strong>ssa tendência em direção à justiça informal não ser nova, a <strong>de</strong>scoberta e a<br />

pesquisa sobre este tema pela aca<strong>de</strong>mia são recentes, como exemplifica a investigação<br />

sobre a arbitragem comercial na Inglaterra <strong>do</strong> século XIX <strong>de</strong>senvolvida<br />

há menos <strong>de</strong> du<strong>as</strong> décad<strong>as</strong>. 14<br />

Conforme po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s esses primeiros estu<strong>do</strong>s enfocavam<br />

qu<strong>as</strong>e exclusivamente <strong>as</strong> característic<strong>as</strong> <strong>do</strong>s clientes — ou clientes em potencial<br />

— que <strong>de</strong>sejavam fazer uso <strong>do</strong>s serviços jurídicos. Gradualmente, contu<strong>do</strong>,<br />

surgiu uma maior sofisticação meto<strong>do</strong>lógica, à medida que os pesquisa<strong>do</strong>res<br />

começaram a enten<strong>de</strong>r e contemplar a relevância <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminad<strong>as</strong><br />

barreir<strong>as</strong> para o acesso à justiça, principalmente <strong>as</strong> barreir<strong>as</strong> <strong>de</strong> caráter psicológico,<br />

com especial <strong>de</strong>staque para o me<strong>do</strong> que <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> sentem em relação<br />

aos advoga<strong>do</strong>s e ao sistema judiciário. 15 Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, o pensamento<br />

acadêmico sobre o acesso à justiça começou a transcen<strong>de</strong>r <strong>as</strong> perspectiv<strong>as</strong><br />

econômic<strong>as</strong>, surgin<strong>do</strong> nov<strong>as</strong> meto<strong>do</strong>logi<strong>as</strong> que enfocavam outros obstáculos<br />

no caminho da justiça. O meu próprio trabalho no Reino Uni<strong>do</strong>, conduzi<strong>do</strong><br />

com geógrafos, expôs a barreira da distância física ao acesso aos serviços jurídicos.<br />

16 É óbvio que esta distância representa um problema grave em qualquer<br />

região rural remota e, em especial, imagino, no Br<strong>as</strong>il, que é o quinto<br />

maior país <strong>do</strong> globo, com al<strong>de</strong>i<strong>as</strong> indígen<strong>as</strong> localizad<strong>as</strong> em espaços ainda inexplora<strong>do</strong>s<br />

e, portanto, af<strong>as</strong>tad<strong>as</strong> <strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento positivo br<strong>as</strong>ileiro em termos<br />

geográficos e culturais. No entanto, apesar <strong>de</strong> o acesso à justiça ter, certamente,<br />

uma significativa dimensão geográfica, a maioria <strong>do</strong>s primeiros estu<strong>do</strong>s sobre<br />

<strong>as</strong> “necessida<strong>de</strong>s jurídic<strong>as</strong>” <strong>de</strong>scui<strong>do</strong>u completamente <strong>de</strong>sse <strong>as</strong>pecto.<br />

Em um <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s clássicos <strong>do</strong> movimento norte-americano,<br />

“Direito e socieda<strong>de</strong>”, Marc Galanter <strong>de</strong>senvolveu uma estrutura analítica<br />

mais rigorosa e abrangente, chaman<strong>do</strong> a atenção para a importante distinção<br />

entre o que <strong>de</strong>nominou Repeat Players (RPs — joga<strong>do</strong>res habituais) e One<br />

Shotters (OSs — joga<strong>do</strong>res oc<strong>as</strong>ionais). 17 Em sua análise, Galanter contrapôs<br />

os RPs, organizações ou <strong>de</strong>mandantes comerciais com experiência regular <strong>do</strong><br />

sistema judiciário, capazes <strong>de</strong> posicioná-lo estrategicamente, aos OSs, invariavelmente<br />

consumi<strong>do</strong>res individuais com pouca, ou nenhuma, experiência regular<br />

da justiça e <strong>do</strong>s serviços jurídicos. A estes claramente faltava “competência<br />

legal” (algo mais <strong>do</strong> que o mero controle <strong>do</strong>s recursos econômicos),<br />

14 R. Ferguson, The adjudication of commercial disputes and the legal system in mo<strong>de</strong>rn England.<br />

British Journal of Law and Society, 7(141), 1980.<br />

15 Para um resumo <strong>do</strong>s obstáculos econômicos (custos da justiça), sociais (distância social) e<br />

culturais (temor <strong>de</strong> represáli<strong>as</strong>) que afetam o acesso à justiça, ver Boaventura <strong>de</strong> Sousa Santos,<br />

Introdução à sociologia da administração da justiça, in José Eduar<strong>do</strong> Faria (org.), Direito<br />

e justiça: a função social <strong>do</strong> Judiciário (São Paulo, Ática, 1988).<br />

16 Mark Blacksell, Kim Economi<strong>de</strong>s & Charles Watkins, op. cit. Ver também Kim Economi<strong>de</strong>s,<br />

Law and geography: new frontiers, in Philip A. Thom<strong>as</strong> (ed.), Legal frontiers (Al<strong>de</strong>rshot,<br />

Dartmouth, 1996).<br />

17 Marc Galanter, op. cit.

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