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por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Sexta-feira<br />

9 Janeiro 2009<br />

LUDOVIC CAREME/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 6856 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Nobel da Literatura 2008<br />

O <strong>mundo</strong><br />

<strong>revelado</strong><br />

<strong>por</strong> <strong>Le</strong> Clézio<br />

David Machado Paulo Nozolino Hush Arbors Jan<strong>de</strong>k B Fachada


Flash<br />

Sumário<br />

J.M.G. <strong>Le</strong> Clézio 6<br />

O <strong>mundo</strong> do último Nobel<br />

David Machado 14<br />

O talento raro <strong>de</strong> um<br />

contador <strong>de</strong> histórias<br />

Os Produtores 18<br />

Um êxito da Broadway em<br />

<strong>por</strong>tuguês e em digressão<br />

nacional<br />

Hush Arbors 22<br />

Ou Keith Wood, saltimbanco<br />

folk<br />

B Fachada 20<br />

Foi seguido <strong>por</strong> um<br />

realizador, Tiago Pereira,<br />

e o resultado é um filmemanifesto<br />

Jan<strong>de</strong>k 24<br />

Uma das personagens<br />

mais fascinantes da<br />

música contem<strong>por</strong>ânea, em<br />

Serralves<br />

Paulo Nozolino 26<br />

A primeira individual em<br />

<strong>Lisboa</strong> em oito anos<br />

Ficha Técnica<br />

Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

Editores Vasco Câmara,<br />

Joana Gorjão Henriques (adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel Coutinho,<br />

Inês Nadais, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter,<br />

Simon Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha, Jorge Guimarães,<br />

Mariana Soares<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

Porque é que Kubrick<br />

<strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> “Ayran Papers”?<br />

Instalação <strong>de</strong> Jane<br />

e Louise Wilson<br />

recupera filme<br />

perdido <strong>de</strong> Kubrick<br />

“Aryan Papers” é o nome do filme<br />

que Stanley Kubrick nunca chegou<br />

a fazer, apesar <strong>de</strong> ter trabalhado<br />

longamente nele. Parte <strong>de</strong>ssa<br />

pesquisa foi agora recuperada pelas<br />

artistas plásticas Jane e Louise<br />

Wilson, numa instalação que<br />

po<strong>de</strong>rá ser vista no British Film<br />

Institute, Londres, entre 13 <strong>de</strong><br />

Fevereiro e 19 <strong>de</strong> Abril.<br />

As duas gémeas foram convidadas a<br />

explorar os arquivos Kubrick, na<br />

University of the Arts <strong>de</strong> Londres, e<br />

o que as fascinou mais do que tudo<br />

foi esse trabalho iniciado mas<br />

nunca concluído. “Aryan Papers”<br />

adaptaria o romance “Wartime<br />

Lies”, <strong>de</strong> Louis Begley (1991),<br />

história, passada no gueto <strong>de</strong><br />

Varsóvia, <strong>de</strong> um rapaz ju<strong>de</strong>u cuja<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a tia escon<strong>de</strong>, fazendo-o<br />

passar <strong>por</strong> católico.<br />

“Sentimo-nos como crianças numa<br />

loja <strong>de</strong> doces, há tanto [nos<br />

arquivos] que podíamos facilmente<br />

passar lá dias, é incrível”, disse<br />

Louise ao “Guardian”. Mas no meio<br />

<strong>de</strong> tanto material, optaram não <strong>por</strong><br />

um dos filmes conhecidos <strong>por</strong><br />

Kubrick mas <strong>por</strong> esse projecto que<br />

o realizador acabou <strong>por</strong> abandonar.<br />

As irmãs encontraram imagens<br />

filmadas <strong>por</strong> Kubrick da actriz<br />

holan<strong>de</strong>sa Johanna ter Steege, com<br />

diferentes roupas, luzes, ângulos. A<br />

instalação que conceberam cruza<br />

essas imagens com as que elas<br />

próprias fizeram posteriormente<br />

com Ter Steege, que o realizador<br />

escolhera para o papel <strong>de</strong> Tânia,<br />

uma judia polaca que tenta salvar a<br />

família dos nazis. Ter Steege recria<br />

para as Wilson os momentos dos<br />

ensaios com o guarda-roupa que<br />

fizera para Kubrick.<br />

“É uma história amarga-doce”,<br />

explica Louise. “O filme teria sido<br />

uma coisa extraordinária para ela.<br />

Foi memorável ter conhecido<br />

Kubrick e ter trabalhado com ele.<br />

Ela teve que manter segredo<br />

Espaço<br />

Público<br />

As gémeas Jane e Louise Wilson<br />

A autora <strong>de</strong> “Pântano”, a<br />

argentina Lucrecia Martel,<br />

vem a <strong>Lisboa</strong> apresentar um<br />

ciclo <strong>de</strong>dicado à sua obra. Vai<br />

ser programado no contexto<br />

<strong>de</strong> um festival - cinema,<br />

dança, teatro, literatura -<br />

percorrido pelo “Fervor <strong>de</strong><br />

Buenos Aires”. É essa a<br />

<strong>de</strong>signação <strong>de</strong> uma iniciativa<br />

que, partindo do título da<br />

primeira recolha poética <strong>de</strong><br />

Borges, fará um panorama da<br />

criação artística que tem a<br />

cida<strong>de</strong> argentina como<br />

origem e representação. É<br />

esse o <strong>de</strong>staque do Centro<br />

Cultural <strong>de</strong> Belém entre 9 <strong>de</strong><br />

Março e 8 <strong>de</strong> Abril.<br />

De Martel veremos uma curta,<br />

“El Rey Muerto” (1995), e as<br />

longas “O Pântano” (2001), “A<br />

Rapariga Santa” (2004) e o<br />

último filme, “La Mujer sin<br />

Cabeza” (2008) - que a<br />

realizadora apresentará a 12<br />

<strong>de</strong> Março.<br />

Foi com este filme que a<br />

<strong>por</strong>tentosa Martel pôs muitos,<br />

no Festival <strong>de</strong> Cannes, a<br />

coçarem a cabeça. Alguns<br />

ficaram <strong>de</strong> cabeça perdida.<br />

Jornais tão insuspeitos, como<br />

o “Libération”, <strong>por</strong> exemplo,<br />

<strong>de</strong>ram um pontapé no filme<br />

(“não percebemos nada”),<br />

mas ele foi cair nos braços <strong>de</strong><br />

alguns apaixonados que não<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

se cansarão <strong>de</strong> apregoar (é o<br />

que faremos nestas páginas)<br />

que é uma das gran<strong>de</strong>s obras<br />

do cinema contem<strong>por</strong>âneo.<br />

Logo a seguir ao ciclo, “La<br />

Mujer sin Cabeza” estreia em<br />

sala.<br />

O que é que conta<br />

este filme,<br />

momento<br />

paroxístico do<br />

frondoso trabalho<br />

<strong>de</strong> Martel sobre<br />

a percepção?<br />

Não conta; o<br />

filme com<br />

título <strong>de</strong><br />

conto<br />

surrealista é a<br />

própria<br />

cabeça <strong>de</strong><br />

uma mulher<br />

que <strong>por</strong><br />

instantes<br />

per<strong>de</strong> a<br />

cabeça. Vai<br />

ao volante do<br />

carro, distraise<br />

e bate em<br />

algo<br />

(sentimos o<br />

impacto,<br />

vemos as<br />

marcas <strong>de</strong><br />

mãos que<br />

ficaram no<br />

automóvel). Nos dias<br />

que se seguem, Vero, é<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

“La Mujer sin Cabeza” tem <strong>de</strong>ixado meio<br />

<strong>mundo</strong> <strong>de</strong> cabeça perdida<br />

Lucrecia Martel, mulher <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

cabeça, vem a <strong>Lisboa</strong><br />

Lucrecia Martel<br />

apresentará<br />

o seu último<br />

filme no dia 12<br />

<strong>de</strong> Março no CCB<br />

o nome <strong>de</strong>la, parece um<br />

zombie. Não reconhece os<br />

sinais da realida<strong>de</strong>, ou eles é<br />

que se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>la, e<br />

ela flutua. (É como o<br />

espectador <strong>de</strong> um filme que<br />

não enten<strong>de</strong>.)<br />

Outra forma <strong>de</strong> tentar<br />

explicar o que se passa em “La<br />

Mujer Sin Cabeza” é dizer que<br />

tudo parece passar-se nos<br />

momentos que se seguem a<br />

um susto, quando ainda<br />

não nos recompusemos,<br />

quando a realida<strong>de</strong> não<br />

se reconfigurou.<br />

Vários, em Cannes,<br />

evocaram o Antonioni<br />

<strong>de</strong> “Deserto Vermelho”<br />

para tentar explicar a<br />

experiência <strong>de</strong> um<br />

estado psicológico que<br />

nos faz sentir<br />

alienígenas. (Outros,<br />

<strong>de</strong> memória ou pelo<br />

que contam os livros,<br />

lembraram-se da<br />

incompreensão gerada<br />

<strong>por</strong> “A Aventura”).<br />

Martel consi<strong>de</strong>ra <strong>de</strong><br />

facto Antonioni “um<br />

daqueles cristos que<br />

pairam sobre a cultura<br />

oci<strong>de</strong>ntal”, mas não,<br />

não foi referência<br />

específica.<br />

Atenção às cabeças...<br />

Vasco Câmara<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 3


Flash<br />

Internet<br />

Estamos online. Clique em<br />

ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

connosco.<br />

durante oito meses. Foi,<br />

obviamente, um enorme golpe o<br />

filme nunca ter acontecido”.<br />

E <strong>por</strong>que é que nunca aconteceu?<br />

Segundo o “Guardian”, uma das<br />

razões po<strong>de</strong> ter sido o facto <strong>de</strong> “A<br />

Lista <strong>de</strong> Schindler”, <strong>de</strong> Steven<br />

Spielberg, ter estreado em 1993,<br />

esvaziando o que seria outra<br />

história sobre o Holocausto. A<br />

pesquisa das irmãs Wilson levou-as<br />

a admitir outra hipótese, que<br />

Louise conta: “Tendo falado com<br />

Johanna, percebemos que ele<br />

começou a ficar muito <strong>de</strong>primido.<br />

Mergulhou tão fundo neste<br />

projecto que julgo que terá ficado<br />

muito perturbado”.<br />

Andrew Bird edita<br />

“Noble Beast” a 26 <strong>de</strong><br />

Janeiro<br />

Homem do assobio mágico e do<br />

pizzicato no violino, senhor da pop<br />

que não é pop, cantor americano<br />

que recicla swing, folk ou country<br />

em canções <strong>de</strong> marca<br />

inconfundível, Andrew Bird está <strong>de</strong><br />

volta. Dois anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

“Armchair Apocrypha”, álbum <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> relativamente a “The<br />

Mysterious Production Of Egg”, o<br />

da revelação em larga escala, chega<br />

a 26 <strong>de</strong> Janeiro “Noble Beast”. Bird<br />

está feliz. Porque o seu conterrâneo<br />

Barack Obama será o próximo<br />

presi<strong>de</strong>nte americano e ele lá<br />

estará, no clube Hi<strong>de</strong>out <strong>de</strong><br />

Chicago, a celebrar a tomada <strong>de</strong><br />

posse. Está feliz <strong>por</strong>que o Ípsilon já<br />

lhe ouviu o novo disco e ele não<br />

engana - po<strong>de</strong>m confirmar ou<br />

contestar tal opinião ouvindo<br />

“Noble Beast” no site da National<br />

Public Radio americana (www.npr.<br />

org), que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Janeiro<br />

disponibilizou o álbum para<br />

audição. É o álbum mais diverso <strong>de</strong><br />

Bird, refreando o impulso <strong>de</strong><br />

eléctrico <strong>de</strong> “Armchair Apocrypha”<br />

em favor <strong>de</strong> pop luminosa: uma<br />

majestosida<strong>de</strong> acústica construída<br />

com orquestrações e violinos<br />

rodopiantes, construída com um<br />

romantismo que se espraia até ao<br />

México ou que nos recorda que<br />

Bird é um compositor que já<br />

compôs <strong>de</strong>liciosas canções para<br />

programas infantis. O álbum terá<br />

também uma edição “<strong>de</strong>luxe”, que<br />

consistirá num segundo CD <strong>de</strong><br />

instrumentais, gravados com a<br />

companhia <strong>de</strong> Glenn Kotche,<br />

baterista dos Wilco, e do baixista<br />

Todd Sickafoose.<br />

Tudo o que queria<br />

saber sobre Hugh<br />

Hefner e os filmes<br />

A sua obsessão não é o sexo, é<br />

Hollywood. Hugh Hefner, 82 anos,<br />

patrão da “Playboy”, o homem que<br />

passa os dias em pijamas <strong>de</strong> seda, é<br />

um romântico. “A verda<strong>de</strong> é que<br />

como nunca mostraram afecto <strong>por</strong><br />

mim, escapei para um universo<br />

alternativo, aquele que vinha dos<br />

filmes. O amor para mim é<br />

exclusivamente o amor romântico<br />

tal como nos filmes da minha<br />

infância”.<br />

Este pedaço <strong>de</strong> confissão foi<br />

entregue ao “Washington Post”,<br />

que foi à Mansão Playboy conversar<br />

com Hefner. É que tanto amor ao<br />

cinema tinha <strong>de</strong> ser retribuído: está<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento um filme<br />

biográfico em que Hefner vai ser<br />

interpretado <strong>por</strong> Robert Downey<br />

Jr., produzido <strong>por</strong> Brian Grazer e<br />

realizado <strong>por</strong> Brett Ratner. Hefner,<br />

fã <strong>de</strong> Billy Wil<strong>de</strong>r e Preston Sturges,<br />

quer que “seja algo mais do que<br />

uma comédia ligeira, tenha algo a<br />

dizer e expresse algo sobre a<br />

mudança <strong>de</strong> valores socio-sexuais.<br />

Brian [Grazer] disse que eu era o<br />

único homem que tinha feito amor<br />

com milhares <strong>de</strong> mulheres e que<br />

elas ainda gostavam <strong>de</strong>le.<br />

Orgulho-me <strong>de</strong> ter<br />

ficado amigo da<br />

maioria das<br />

minhas exmulheres<br />

e exnamoradas.<br />

Sou um<br />

romântico”.<br />

Hugh Hefner será interpretado no ecrã<br />

<strong>por</strong> Robert Downey Jr. num projecto<br />

sobre a vida do Mr. Playboy<br />

E um cinéfilo. As projecções <strong>de</strong><br />

filmes são uma tradição na mansão.<br />

As sextas-feiras são <strong>de</strong>dicadas aos<br />

novos filmes e os domingos aos<br />

clássicos. As prateleiras estão<br />

cheias <strong>de</strong> livros sobre Hollywood,<br />

história em que Hefner nunca se<br />

quis meter <strong>por</strong>que preferiu ficar a<br />

ver cinema. A excepção foi quando<br />

produziu o “MacBeth” <strong>de</strong> Polanski<br />

(1971), o primeiro do realizador<br />

<strong>de</strong>pois do assassinato da mulher,<br />

Sharon Tate. O estado psicológico<br />

<strong>de</strong> Roman era errático, a<br />

companhia que segurara o filme<br />

pressionava para que o cineasta<br />

fosse <strong>de</strong>spedido. “Eu disse-lhes:<br />

‘Polanski é a razão <strong>por</strong> que fazemos<br />

este filme’, <strong>por</strong> isso<br />

<strong>de</strong>sistimos da<br />

seguradora e fui eu a<br />

garantia do filme. É<br />

um filme falhado<br />

mas fascinante.<br />

Estava<br />

directamente ligado<br />

aos assassinatos [<strong>de</strong> Sharon Tate e<br />

amigos pelo bando <strong>de</strong> Charles<br />

Manson]. Houve um momento, na<br />

rodagem <strong>de</strong> uma cena <strong>de</strong><br />

assassinato, em que ele se enganou<br />

e chamou à actriz ‘Sharon.’ Foi uma<br />

catarse. Só gostaria <strong>de</strong> ter<br />

produzido o filme que ele fez a<br />

seguir, ‘Chinatown.’”<br />

Documentário<br />

para fazer justiça aos<br />

outros Doors<br />

Um documentário sobre os Doors -<br />

“When You’re Strange” - vai estrear<br />

no dia 17 no Festival <strong>de</strong> Sundance.<br />

Escrito e realizado <strong>por</strong> Tom DiCillo,<br />

traça o percurso da carreira dos<br />

Doors <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo da banda na<br />

escola <strong>de</strong> cinema UCLA até à morte<br />

<strong>de</strong> Morrison, em 1971,<br />

apresentando imagens inéditas.<br />

“Está longe <strong>de</strong> ser uma viagem<br />

GARY FRIEDMAN<br />

nostálgica e é muito mais do que um<br />

biopic”, lê-se no site do Festival <strong>de</strong><br />

Sundance. Tom Dicillo quer separar<br />

a verda<strong>de</strong> do mito, <strong>de</strong>screver o<br />

artista e o alcoólico que era Morrison<br />

e apresentar os outros membros<br />

(Manzarek, Krieger e Densmore) que<br />

ajudaram a criar a magia do grupo. O<br />

teclista Ray Manzarek <strong>de</strong>screveu, à<br />

“Billboard”, a obra <strong>de</strong> Dicillo como<br />

uma “a resposta a Oliver Stone”. Em<br />

1991, Stone realizou “The Doors”,<br />

on<strong>de</strong> só <strong>de</strong>u atenção a Morrison (Val<br />

Kilmer), <strong>de</strong>scurando os outros<br />

Doors, na opinião do teclista, <strong>de</strong><br />

alguns críticos e dos fãs. O<br />

documentário contará, para Ray<br />

Manzarek, a verda<strong>de</strong>ira história dos<br />

Doors. A banda sonora será editada<br />

no Verão.<br />

A crise chegou à<br />

Broadway: nove<br />

produções fecharam<br />

Há nove produções que estavam<br />

em exibição na Broadway e que,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> domingo, não voltarão aos<br />

palcos. Algumas já tinham data<br />

marcada para o final, e sabem que<br />

não vão voltar, outras foram vítimas<br />

<strong>de</strong> pouca audiência em tempos <strong>de</strong><br />

crise. “Hairspray”, “Young<br />

Frankenstein”, “Boeing-Boeing”,<br />

“13” e “Grease”, <strong>por</strong> exemplo, não<br />

vão voltar a ser encenadas. “É<br />

como se abatessem um animal <strong>de</strong><br />

estimação, não <strong>por</strong>que está doente,<br />

mas <strong>por</strong>que não se tem dinheiro<br />

para a comida <strong>de</strong> cão”, <strong>de</strong>sabafou<br />

Marc Shaiman, compositor da<br />

música e co-autor das letras <strong>de</strong><br />

“Hairspray” durante a festa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spedida no clube Arena, em<br />

Nova Iorque, citado pelo “New York<br />

Times”. “Não me consigo<br />

conformar. Se o tivesse visto doente<br />

e a morrer [ao cão], talvez aceitasse<br />

melhor”, confessou. O elevado<br />

custo dos bilhetes <strong>de</strong> teatro e o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra dos espectadores<br />

para este ano foram preocupações<br />

mostradas pelos actores e<br />

produtores das peças. Allan S.<br />

Gordon, produtor <strong>de</strong> “Rent”, “Cry<br />

Baby” e “Hairspray”, disse que<br />

esperava que o <strong>mundo</strong> do teatro<br />

<strong>de</strong>batesse e encontrasse<br />

brevemente formas <strong>de</strong> baixar os<br />

preços dos bilhetes.<br />

Um filme para contrariar o que Oliver Stone fez em “The Doors”<br />

Já ouvimos o novo Andrew Bird: uma<br />

majestosida<strong>de</strong> acústica construída com<br />

orquestrações e violonos rodopiantes<br />

4 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Capa<br />

<strong>Le</strong> Clézio<br />

A revelação d<br />

Escrever é ir ao outro lado da colina. <strong>Le</strong> Clézio,<br />

e escreve como se vivesse na pele <strong>de</strong> cada um. Uma<br />

acesas na gran<strong>de</strong> história humana, das ilhas do<br />

dos vulcões do México aos bordéis <strong>de</strong> Marselha,<br />

da II Guerra, até ao apocalíptico começo do século<br />

6 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


JANERIK HENRIKSSON<br />

do<br />

Nobel da<br />

revelação<br />

Pacífico<br />

do gás<br />

XXI.<br />

<strong>mundo</strong><br />

Literatura em 2008, vai<br />

do <strong>mundo</strong>, como fogueiras<br />

às plantações do Índico,<br />

da I Guerra aos comboios<br />

Alexandra Lucas Coelho<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 7


FOTOGRAFIAS A PRETO E BRANCO RETIRADAS DO LIVRO “J.M.G. LE CLÉZIO, VÉRITÉ ET LÉGENDES”, ÉDITIONS DU CHÊNE, PARIS 1999<br />

LUDOVIC CAREME/CORBIS<br />

Imagem <strong>de</strong><br />

Saint-Martin-<br />

Vésubie, on<strong>de</strong><br />

<strong>Le</strong> Clézio<br />

viveu, sentindo<br />

partilhar<br />

o <strong>de</strong>stino<br />

dos ju<strong>de</strong>us<br />

que aí estavam<br />

acossados<br />

O “L.A. Times” nem se esforçou. “<strong>Le</strong><br />

Clézio — quem é ele?”, foi a pergunta,<br />

em título, quando se soube que o Nobel<br />

da Literatura <strong>de</strong> 2008 ia para J.M.G. <strong>Le</strong><br />

Clézio. Por baixo, o editor <strong>de</strong> livros do<br />

jornal proclamava que não só não tinha<br />

lido <strong>Le</strong> Clézio como nunca ouvira o seu<br />

nome, garantindo que o mesmo se passava<br />

com vários ilustres das letras americanas,<br />

do National Book Award ao<br />

National Endowment for the Arts.<br />

Isto num suposto contexto <strong>de</strong> guerra<br />

fria entre a Aca<strong>de</strong>mia Sueca e os escritores<br />

americanos — como era possível Philip<br />

Roth não ganhar, enquanto o Nobel<br />

ia para um tal <strong>Le</strong> Clézio quase sem livros<br />

traduzidos em inglês, provavelmente<br />

fora do mercado?<br />

Demonstração <strong>de</strong> paroquialismo americano<br />

ou dos preconceitos da Aca<strong>de</strong>mia,<br />

o <strong>de</strong>bate seguiu para quem quis. Também<br />

houve quem visse nisto uma evidência<br />

<strong>de</strong> como a obra <strong>de</strong> <strong>Le</strong> Clézio se<br />

esquiva à or<strong>de</strong>m dominante.<br />

Convocado para uma conferência <strong>de</strong><br />

imprensa, o atordoado Nobel disse que<br />

não ia per<strong>de</strong>r tempo <strong>de</strong> escrita <strong>por</strong> causa<br />

do prémio, que <strong>de</strong> resto é dinheiro, ou<br />

seja tempo <strong>de</strong> escrita. Estava a escrever<br />

um novo livro e tencionava continuar.<br />

Em Dezembro cumpriu os seus compromissos<br />

suecos com um discurso <strong>de</strong><br />

tributo a quem o fez ser quem é,<br />

incluindo, nome a nome, muitos escritores<br />

<strong>de</strong> quem o editor do “L.A. Times”<br />

e boa parte do <strong>mundo</strong> literário em geral<br />

provavelmente nunca ouviram falar. E<br />

<strong>de</strong>pois a Gallimard começou a respon<strong>de</strong>r<br />

que “Mr. <strong>Le</strong> Clézio não vai dar qualquer<br />

entrevista”, como no mail ao Ípsilon.<br />

<strong>Le</strong> Clézio é o homem que durante três<br />

anos foi viver com os índios quando se<br />

cansou <strong>de</strong> escrever livros sobre a loucura<br />

nas cida<strong>de</strong>s. Viajou <strong>por</strong> todos os continentes,<br />

entre mares <strong>de</strong> piroga e <strong>de</strong>sertos<br />

a pé. Está com 68 anos, continua a viver<br />

uns meses em Nice (o lugar on<strong>de</strong> nasceu),<br />

uns meses no Novo México (o lugar<br />

que escolheu), uns meses na Maurícia (o<br />

lugar dos avós), <strong>de</strong> vez em quando na<br />

Bretanha (o lugar dos tetravós), e ainda<br />

recentemente viajou pela Oceania, <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> trouxe o maravilhoso “Raga” (tradução<br />

na Sextante).<br />

Que não perca tempo com trivialida<strong>de</strong>s<br />

pós-Nobel, nem perca as folhas <strong>de</strong><br />

papel Revolución em que escreve à mão,<br />

é o que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sejar os seus leitores,<br />

incluindo os <strong>por</strong>tugueses, que têm boas<br />

Diego Rivera e<br />

Frida Khalo, a<br />

quem <strong>Le</strong><br />

Clézio <strong>de</strong>dicou<br />

uma<br />

apaixonante<br />

biografia<br />

8 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


“Há tanto ódio<br />

e <strong>de</strong>sespero<br />

nesta ruela,<br />

que é como se<br />

ela <strong>de</strong>scesse infindavelmente<br />

através <strong>de</strong> todos<br />

os <strong>de</strong>graus<br />

do inferno,<br />

sem nunca<br />

encontrar o<br />

fundo, sem<br />

nunca se <strong>de</strong>ter.<br />

[…] Nas suas<br />

entranhas, as<br />

raparigas são<br />

atiradas para<br />

cima dos velhos<br />

colchões cheios<br />

<strong>de</strong> nódoas, e<br />

possuídas em<br />

alguns segundos<br />

pelos homens<br />

silenciosos<br />

cujo sexo<br />

ar<strong>de</strong> como um<br />

tição”<br />

Em “Deserto”<br />

razões para não ter <strong>de</strong> perguntar “<strong>Le</strong><br />

Clézio — quem é ele?”<br />

Além do texto que Herberto Hel<strong>de</strong>r<br />

incluiu em “As Magias”, estão publicados<br />

em Portugal cinco romances, uma biografia,<br />

um livro <strong>de</strong> ensaios e um livro <strong>de</strong><br />

viagens.<br />

Não é muito, se pensarmos que o<br />

franco-maurício publicou 43 títulos<br />

(romances, ensaios, livros para crianças,<br />

livros <strong>de</strong> viagens, textos sobre cinema,<br />

aguarelas). Mas é uma escolha ampla,<br />

em que o <strong>mundo</strong> se vai revelando em<br />

partes distintas, como fogueiras momentaneamente<br />

acesas na gran<strong>de</strong> história<br />

dos homens — das metrópoles aos povos<br />

das águas, das caravanas <strong>de</strong> África às<br />

plantações do Índico, <strong>de</strong> Frida Khalo às<br />

trincheiras da I Guerra.<br />

Em “Raga” <strong>Le</strong> Clézio escreve (e talvez<br />

não fosse boa leitura <strong>de</strong> fim-<strong>de</strong>-semana<br />

para o editor do “L.A. Times”): “As socieda<strong>de</strong>s<br />

dos gran<strong>de</strong>s blocos continentais,<br />

apesar das suas religiões ‘reveladas’ e do<br />

carácter aparentemente universal das<br />

suas <strong>de</strong>mocracias, falharam a sua missão<br />

e negaram os próprios princípios sobre<br />

os quais assentavam.”<br />

Este é o gigante louro que aos 23 anos<br />

voltou costas à Paris-a-seus-pés, que<br />

estava disposta a adorá-lo como um<br />

Steve McQueen existencialista, com fotografias<br />

<strong>de</strong> Cartier-Bresson e tudo.<br />

E neste pré-apocalíptico começo do<br />

século XXI, é da Oceania que vê isto, e<br />

nos escreve: “A escravatura, a conquista,<br />

a colonização e as guerras à escala mundial<br />

puseram em evidência essa falha.<br />

Esses acontecimentos revelaram placas<br />

tectónicas cujos movimentos criaram os<br />

sismos actuais, e que ainda servem aos<br />

teóricos e aos falsos profetas dos ‘choques<br />

<strong>de</strong> civilizações’ para justificar as<br />

guerras <strong>de</strong> dominação. O fracasso <strong>de</strong>ssas<br />

gran<strong>de</strong>s socieda<strong>de</strong>s é sem dúvida a maior<br />

ameaça que o <strong>mundo</strong> hoje enfrenta.”<br />

O tetravô bretão<br />

Como é que a Bretanha vai dar à Maurícia<br />

e produz tal espécime? Segundo contou<br />

<strong>Le</strong> Clézio ao seu biógrafo Gérard <strong>de</strong><br />

Cortanze (“J.M.G. <strong>Le</strong> Clézio, vérité et<br />

légen<strong>de</strong>s”, Éditions du Chêne, Paris<br />

1999), foi uma história <strong>de</strong> cabelos compridos<br />

no meio da revolução francesa.<br />

Depois da batalha <strong>de</strong> Valmy, os combatentes<br />

bretões per<strong>de</strong>ram o direito a<br />

usar os cabelos compridos, e François<br />

Alexis <strong>Le</strong> Clézio, tetravô do escritor,<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 9


A <strong>de</strong>scoberta<br />

do <strong>de</strong>serto<br />

norte-africano<br />

aconteceu<br />

quando <strong>Le</strong><br />

Clézio viajou<br />

com a sua<br />

segunda<br />

mulher,<br />

a marroquina<br />

Jemia, que<br />

inspirou a<br />

protagonista<br />

<strong>de</strong> “Deserto”<br />

recusou-se a cortá-los. Decidiu então<br />

partir para as Índias. Mas ao fim <strong>de</strong> seis<br />

meses <strong>de</strong> viagem, exausto, ficou pelo<br />

caminho, na então Île <strong>de</strong> France, hoje<br />

Ilha Maurícia. Meteu-se em comércios e<br />

ganhou dinheiro, mas acabou <strong>por</strong> perdêlo<br />

para um corsário. Mais pru<strong>de</strong>nte se<br />

revelou a sua <strong>de</strong>scendência e no século<br />

XIX os <strong>Le</strong> Clézio ergueram uma mítica<br />

casa familiar na Maurícia a que chamaram<br />

Eureka, até a per<strong>de</strong>rem.<br />

J.M.G. nasceu <strong>de</strong>pois, mas é para<br />

conhecer essa casa — e aquele tetravô,<br />

aquele mar, aquela natureza, aquelas<br />

plantações <strong>de</strong> açúcar com capatazes e<br />

trabalhadores como escravos — que continua<br />

a escrever, como escreveu “O Caçador<br />

<strong>de</strong> Tesouros” (tradução <strong>de</strong> Ernesto<br />

Sampaio, na Assírio & Alvim), “Voyage<br />

à Rodrigues” ou “La quarentaine”.<br />

Na época <strong>de</strong> Napoleão, a Maurícia foi<br />

colonizada pelos ingleses e os <strong>Le</strong> Clézio<br />

tiveram <strong>de</strong> adoptar a cidadania britânica<br />

para po<strong>de</strong>rem ficar. A família quebrou-se<br />

em partilhas e no século XX uma parte<br />

foi para França. J.M.G., nascido em Nice<br />

em Abril <strong>de</strong> 1940, faz parte já da segunda<br />

geração em França. Mas, como a ascendência<br />

maurícia é tanto do pai como da<br />

mãe <strong>por</strong>que os seus pais eram primos<br />

direitos, na sua infância francesa “comiase<br />

maurício e contavam-se histórias maurícias”,<br />

disse ele numa <strong>de</strong> poucas entrevistas.<br />

Cresceu assim bilingue, mestiço — e<br />

filho da guerra, como dirá tantas<br />

vezes.<br />

O pai, médico, passou a II Guerra na<br />

Nigéria, mas continuava a ser cidadão<br />

britânico, e <strong>por</strong>tanto inimigo, do ponto<br />

<strong>de</strong> vista da ocupação alemã. <strong>Le</strong> Clézio,<br />

o irmão e a mãe tiveram <strong>por</strong> isso <strong>de</strong> sair<br />

<strong>de</strong> Nice para as montanhas. Ficaram a<br />

viver perto <strong>de</strong> Saint-Martin-Vésubie, um<br />

gueto ju<strong>de</strong>u.<br />

A memória da guerra há-<strong>de</strong> ser essa<br />

“opressão permanente”, aquele homem<br />

a disparar, aquele bombar<strong>de</strong>amento, e<br />

a exclusão dos ju<strong>de</strong>us, que <strong>Le</strong> Clézio<br />

sente ter vivido em paralelo — décadas<br />

mais tar<strong>de</strong>, uma menina judia <strong>de</strong> Saint-<br />

Martin-Vésubie, Esther, será a protagonista<br />

<strong>de</strong> “Estrela Errante” (Dom Quixote),<br />

o romance em que se cruzam os<br />

perseguidos que enfim chegam à terra<br />

prometida com os refugiados que <strong>de</strong>ixam<br />

<strong>de</strong> ter uma terra, no momento da<br />

criação <strong>de</strong> Israel.<br />

Finda a guerra, os <strong>Le</strong> Clézio voltam a<br />

Nice, mas o pai continua ausente. Ao seu<br />

biógrafo, o escritor <strong>de</strong>sdramatizou essa<br />

falta, dizendo que fora um período<br />

“muito fácil, sem dor”. O pai era uma<br />

espécie <strong>de</strong> tio distante a quem as crianças<br />

iam escrevendo ritualmente, sob os<br />

cuidados e carinhos da mãe.<br />

O rapazinho <strong>Le</strong> Clézio quer ser autor<br />

<strong>de</strong> bandas <strong>de</strong>senhadas. Tanto lê a<br />

“Revista do Tintim” como “As Viagens<br />

<strong>de</strong> Gulliver” e <strong>de</strong> Marco Polo, o “Dom<br />

Quixote” ilustrado, Stevenson, Conrad,<br />

a história dos gregos e aquele fabuloso<br />

“Dictionnaire <strong>de</strong> la conversation”, <strong>de</strong><br />

1858, em muitos volumes, que pertence<br />

a uma das três bibliotecas herdadas dos<br />

avós maurícios.<br />

A avó materna conta-lhe histórias. Há<br />

livros <strong>de</strong> viagens em partes misteriosas,<br />

globos, mapas, cartas do céu. No apartamento<br />

junto ao velho <strong>por</strong>to <strong>de</strong> Nice,<br />

<strong>Le</strong> Clézio cresce com o <strong>mundo</strong> a alargarse<br />

pelos livros. “<strong>Le</strong>r era a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma outra visão”, pela primeira vez<br />

a consciência <strong>de</strong> estar vivo.<br />

E ainda não fez oito anos quando inicia<br />

a sua primeira gran<strong>de</strong> viagem, que<br />

ficará como “a gran<strong>de</strong> viagem” — quando<br />

parte ao encontro do pai, lá na Nigéria.<br />

São semanas e semanas <strong>de</strong> barco.<br />

<strong>Le</strong> Clézio <strong>de</strong>scobre o que é estar num<br />

<strong>por</strong>ão, a balançar. Descobre o mar, essa<br />

liberda<strong>de</strong>, a beleza e a violência. Escreve<br />

dois romances que mais tar<strong>de</strong> per<strong>de</strong>rá<br />

(e até publicar o primeiro livro escreverá<br />

uns 30, enca<strong>de</strong>rnados e encapados pela<br />

mãe).<br />

Quando o barco chega, tem oito anos.<br />

Pisa então África, vai viver na zona do<br />

antigo Biafra. O pai trabalha incansavelmente,<br />

trata dos leprosos, dos miseráveis.<br />

É aquele homem décadas <strong>de</strong>pois<br />

evocado em dois livros não traduzidos<br />

em Portugal, “Onitsha” e “L’Africain”.<br />

De volta a Nice, com toda a família reunida,<br />

a regra <strong>de</strong>sse pai continuará a ser<br />

a parcimónia. É ele quem o põe do lado<br />

dos pobres, há-<strong>de</strong> sugerir <strong>Le</strong> Clézio, que<br />

escreverá <strong>de</strong> muitas formas sobre isto:<br />

“Detesto o dinheiro. O dinheiro é o gosto<br />

das coisas fúteis, é a possessão <strong>de</strong>rrisória,<br />

é também o medo <strong>de</strong> o per<strong>de</strong>r.”<br />

Um embrião já da i<strong>de</strong>ia índia <strong>de</strong> que<br />

é preciso viver na beleza sem a possuir.<br />

Ainda na infância, oferecem-lhe um<br />

livro sobre os aztecas, princípio <strong>de</strong> um<br />

amor irreversível. Depois lê Salinger.<br />

Desiste <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>senhador <strong>por</strong> não ser<br />

bom o bastante, mas não <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar.<br />

“Entre 1970<br />

e 1974, tive a<br />

sorte <strong>de</strong> partilhar<br />

a vida<br />

dum povo<br />

ameríndio, os<br />

Emberas, e os<br />

seus primos,<br />

os Waunanas,<br />

na província<br />

<strong>de</strong> Darién, no<br />

Panamá, experiência<br />

que<br />

mudou toda<br />

a minha vida,<br />

as minhas<br />

i<strong>de</strong>ias sobre o<br />

<strong>mundo</strong> e sobre<br />

a arte, a minha<br />

forma <strong>de</strong><br />

estar com os<br />

outros, <strong>de</strong> andar,<br />

<strong>de</strong> comer,<br />

<strong>de</strong> dormir, <strong>de</strong><br />

amar, e até os<br />

meus sonhos”<br />

Em “La fête<br />

chantée”<br />

Big bang<br />

Estudante contrafeito, indisciplinado,<br />

<strong>Le</strong> Clézio acaba <strong>por</strong> se formar em letras<br />

com uma tese sobre Henri Michaux. É o<br />

tempo da guerra na Argélia, do “Estrangeiro”<br />

<strong>de</strong> Camus, do “Nouveau Roman”<br />

nos cafés. Aos 20 anos, Jean-Marie Gustave<br />

escreve incansavelmente, casa com<br />

uma franco-polaca <strong>de</strong> quem tem a sua<br />

primeira filha e envia um romance chamado<br />

“<strong>Le</strong> Procès-verbal” (“O Processo<br />

<strong>de</strong> Adão Pollo”, na tradução <strong>por</strong>tuguesa,<br />

Europa-América) para a Gallimard, assinando<br />

como sempre fará, J.M.G. <strong>Le</strong><br />

Clézio.<br />

Big bang. Centrado na figura <strong>de</strong> um<br />

homem que se arrasta <strong>por</strong> uma cida<strong>de</strong><br />

sufocante, “<strong>Le</strong> Procès-verbal” não ganha<br />

o Gouncourt <strong>por</strong> um triz mas ganha o<br />

Renaudot. O pai ouve a notícia pela rádio<br />

e empurra o filho para Paris. <strong>Le</strong> Clézio<br />

aterra entre os “flashes”, como um totem<br />

ofuscante, fotogénico. Ele é o acontecimento<br />

— e <strong>de</strong>testa.<br />

“A notorieda<strong>de</strong> é muito aborrecida”,<br />

explicou mais tar<strong>de</strong>. “Ser <strong>de</strong>masiado<br />

solicitado, jantar fora todas as noites,<br />

conhecer <strong>de</strong>masiadas pessoas…” Custalhe<br />

falar, exprimir-se entre estranhos — e<br />

basta ver o ví<strong>de</strong>o da sua entrevista à Aca<strong>de</strong>mia<br />

sueca para perceber como isso<br />

ainda está lá.<br />

“A linguagem falada po<strong>de</strong> ser uma<br />

traição, uma exposição <strong>de</strong> nós mesmos”,<br />

apren<strong>de</strong>rá. “Os po<strong>de</strong>res do silêncio, o<br />

homem índio conhece-os <strong>de</strong> instinto.”<br />

Em 1968 faz o serviço militar como<br />

cooperante na Tailândia, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é<br />

expulso <strong>por</strong> <strong>de</strong>nunciar a prostituição<br />

infantil. Mandam-no para o México classificar<br />

fichas <strong>de</strong> biblioteca no Instituto<br />

Francês e ele aproveita para ler. É então<br />

que lê Artaud entre os Tarahumaras.<br />

Mergulha nos índios.<br />

De volta a França, continua a escrever<br />

sobre o mal nas cida<strong>de</strong>s, com elogios <strong>de</strong><br />

Foucault e Deleuze, entre pesquisas<br />

sobre Lautréamont, mas é para os índios<br />

que se quer voltar, em busca <strong>de</strong> outro<br />

saber. “Eu precisava <strong>de</strong> um choque físico.<br />

Queria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser alguém puramente<br />

cerebral.” Isso alimentaria o que estava<br />

<strong>por</strong> escrever.<br />

E então?<br />

“Entre 1970 e 1974, tive a sorte <strong>de</strong> partilhar<br />

a vida dum povo ameríndio, os<br />

Emberas, e os seus primos, os Waunanas,<br />

na província <strong>de</strong> Darién, no Panamá,<br />

experiência que mudou toda a minha<br />

10 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Uma aventura,<br />

em <strong>por</strong>tuguês<br />

Há uma espécie <strong>de</strong> “êxtase material” em <strong>Le</strong> Clézio. O autor recua para o interior,<br />

é aquilo que está a escrever, não comenta, vive. Alexandra Lucas Coelho<br />

Ele diz sempre<br />

que não precisa<br />

<strong>de</strong> um<br />

escritório<br />

para escrever.<br />

Esta é uma das<br />

mesas on<strong>de</strong><br />

escreve, em<br />

Nice<br />

É provável que <strong>Le</strong> Clézio - que fala<br />

espanhol, além <strong>de</strong> francês, inglês,<br />

dialectos ameríndios e um pouco<br />

<strong>de</strong> crioulo da Maurícia - consiga ler<br />

<strong>por</strong>tuguês. Mas quer as conheça<br />

ou não, tem razões para saudar a<br />

fortuna <strong>de</strong> algumas traduções suas<br />

em Portugal.<br />

Talvez tudo tenha começado com<br />

“Deserto”, traduzido <strong>por</strong> Fernanda<br />

Botelho (Dom Quixote, 1986).<br />

Escrito <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter viajado<br />

com a sua mulher marroquina,<br />

Jemia, pelas paisagens <strong>de</strong><br />

Saguiet el Hamra, em busca dos<br />

antepassados <strong>de</strong>la, “Deserto” tem<br />

como protagonista Lalla, uma<br />

nativa <strong>de</strong>sse outro lado que para os<br />

europeus é o Norte <strong>de</strong> África. Lalla<br />

nasce à beira-mar, numa pobreza<br />

<strong>de</strong> barracos com zinco e papel<br />

alcatroado, on<strong>de</strong> a chuva tilinta, e<br />

<strong>Le</strong> Clézio faz viver esse outro lado<br />

como se nunca tivesse conhecido<br />

vida diferente. Esta é a parte<br />

chamada “Felicida<strong>de</strong>”. Depois há a<br />

parte chamada “A vida na terra dos<br />

escravos”: Lalla na gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Marselha, que é o outro lado<br />

para os norte-africanos - imigração,<br />

humilhação, solidão, violência.<br />

Mas intercalada ao longo da<br />

história <strong>de</strong> Lalla está a caminhada<br />

dos seus antepassados no começo<br />

do século XX, os homens, mulheres<br />

e crianças que seguem Ma Al<br />

Ainine, o homem santo, <strong>de</strong>cidido a<br />

resistir ao invasor francês. Sabemos<br />

como a História acaba - todos<br />

chacinados em Agadir - mas não<br />

sabíamos o que foi essa caminhada.<br />

Como quase sempre em <strong>Le</strong><br />

Clézio - e roubando um título seu -,<br />

“Deserto” é uma espécie <strong>de</strong> “êxtase<br />

material”, em que as palavras<br />

dão o que os sentidos sentem. O<br />

autor está tão recuado no interior<br />

das personagens que ninguém<br />

Como quase sempre<br />

em <strong>Le</strong> Clézio - e<br />

roubando um título<br />

seu -, “Deserto” é uma<br />

espécie <strong>de</strong> “êxtase<br />

material”, em que as<br />

palavras dão o que os<br />

sentidos sentem.<br />

O autor está tão<br />

recuado no interior<br />

das personagens que<br />

ninguém se lembra<br />

que ele existe. O autor<br />

é aquilo que está<br />

a escrever, e <strong>por</strong>tanto<br />

não comenta, vive<br />

se lembra que ele existe. O autor<br />

é aquilo que está a escrever, e<br />

<strong>por</strong>tanto não comenta, vive. Inchalhe<br />

a língua, diz o nome nómada das<br />

estrelas, sente a água fria <strong>de</strong>pois<br />

da água quente no “hammam” das<br />

mulheres, o primeiro amante entra<br />

nele. O autor vai aos do outro lado da<br />

colina e <strong>de</strong>volve-lhes a dignida<strong>de</strong>, ao<br />

experimentar ser eles.<br />

Arte poética<br />

Do belo ensaio que <strong>Le</strong> Clézio<br />

<strong>de</strong>dicou a Henri Michaux (“Vers<br />

les icebergs”, Fata Morgana, 1978),<br />

Herberto Hel<strong>de</strong>r mudou para<br />

<strong>por</strong>tuguês “Um poema (Iniji) que<br />

não é como os outros” (“As Magias”,<br />

Assírio & Alvim, 1988) - e é toda uma<br />

arte poética.<br />

No ano seguinte, Júlio Henriques<br />

traduziu para a “Fenda” (com o título<br />

“Indio Branco”) o livro que <strong>Le</strong> Clézio<br />

trouxe da sua primeira estadia com<br />

os índios no Panamá, “Haï”, reflexão<br />

crítica do que é o encontro oci<strong>de</strong>ntal<br />

com o <strong>mundo</strong> índio - um “marchand”<br />

envia os seus caçadores e um<br />

objecto <strong>de</strong> arte torna-se uma arma.<br />

Depois, 1994 foi quase um ano <strong>Le</strong><br />

Clézio.<br />

Com tradução <strong>de</strong> Manuel Alberto<br />

saiu na Relógio d’Água “Diego e<br />

Frida”, uma biografia apaixonante<br />

e inteiramente lúcida. O mimetismo<br />

agudo <strong>de</strong> <strong>Le</strong> Clézio não tem nada<br />

<strong>de</strong> hagiográfico. Aqui está Diego,<br />

aqui está Frida, aqui está um amor<br />

monstruoso, aqui está o México.<br />

E em “Estrela Errante”, que Maria<br />

do Carmo Abreu traduziu para<br />

a Dom Quixote, é a Europa que<br />

emerge, a Europa da II Guerra, on<strong>de</strong><br />

os ju<strong>de</strong>us são menos que pessoas, e<br />

<strong>de</strong>pois a Eretz Israel que se fez com<br />

todos esses europeus que a Europa<br />

não quis - entre os árabes que já lá<br />

estavam, e passaram a não ter lugar.<br />

O livro acompanha Esther, e após<br />

o momento em que ela se cruza<br />

com a palestiniana Nejma há-<strong>de</strong><br />

acompanhar Nejma.<br />

Aqui estão os comboios do<br />

Holocausto, as fugas pelas<br />

montanhas, o frio, a morte dos velhos<br />

e dos fracos, a esperança <strong>de</strong> um<br />

barco que não seja capturado pelos<br />

ingleses até Eretz Israel, aqui estão<br />

os “kibbutz”, o país novo. E aqui está<br />

a súbita <strong>de</strong>spossessão <strong>de</strong> quem vivia<br />

das oliveiras e das cabras, e se viu<br />

arrancado ao presente e ao futuro,<br />

à espera da peste e da morte num<br />

campo <strong>de</strong> refugiados miserável,<br />

cada vez mais cheio.<br />

Como sempre em <strong>Le</strong> Clézio, o<br />

paraíso coexiste com o inferno,<br />

como um amor que <strong>de</strong>sperta no<br />

meio da guerra entre dois fugitivos<br />

que se alimentam <strong>de</strong> uma cabra a<br />

amamentar, e quando se <strong>de</strong>itam é<br />

como se mais nada existisse.<br />

Em “O Caçador <strong>de</strong> Tesouros”,<br />

ainda <strong>de</strong> 1994, também pulsam<br />

esses instantes genesíacos,<br />

momentos <strong>de</strong> Paulo e Virgínia<br />

nos primeiros tempos da criação,<br />

crianças a caminho <strong>de</strong> adultos<br />

cercados <strong>por</strong> uma natureza<br />

prodigiosa, brutal.<br />

Aqui começam <strong>por</strong> ser dois<br />

irmãos, Alexis e Laura, com mãe e<br />

pai numa casa encantada. A mãe<br />

ensina a ler, o amigo indígena<br />

ensina a andar <strong>de</strong> barco, mas<br />

tudo po<strong>de</strong> a qualquer momento<br />

ser arrancado, como o telhado<br />

da casa <strong>por</strong> um ciclone, ou a vida<br />

dos que mandam pela fúria dos<br />

que obe<strong>de</strong>cem e têm fome. Lá<br />

em cima na montanha, longe da<br />

costa, moram os “manaf”, aqueles<br />

que <strong>de</strong>itariam ouro ao mar se o<br />

encontrassem - como o anel na<br />

barriga do tubarão, que aparece<br />

em “Deserto”. Mas os oci<strong>de</strong>ntais<br />

não são assim, têm um sangue <strong>de</strong><br />

garimpeiros, e Alexis quase morrerá<br />

<strong>por</strong> causa disso. Quando não é o<br />

ouro, é a guerra, essa febre.<br />

Um dos escritores <strong>de</strong> quem <strong>Le</strong><br />

Clézio falou no seu discurso Nobel<br />

foi Wilfried Owen, e são os poemas<br />

<strong>de</strong> Wilfried Owen que ecoam nas<br />

páginas terríveis em que “O Caçador<br />

<strong>de</strong> Tesouros” revive as trincheiras<br />

da I Guerra.<br />

Recentemente, além <strong>de</strong> “Raga”<br />

(ver texto principal), saíram “O<br />

Processo <strong>de</strong> Adão Pollo” (tradução<br />

<strong>de</strong> Manuel Villaver<strong>de</strong> Cabral<br />

na Europa-América) e “A Febre”<br />

(tradução <strong>de</strong> Liberto Cruz na<br />

Ulisseia). Mais interessante para<br />

quem quiser conhecer o percurso<br />

do autor do que interessante em<br />

si, a atmosfera cerebral, sufocante<br />

<strong>de</strong>stes dois primeiros livros<br />

sobrevive mal, 45 anos <strong>de</strong>pois.<br />

<strong>Le</strong> Clézio sentia que precisava<br />

<strong>de</strong> um choque físico e foi viver<br />

com os índios. Tinha razão. A sua<br />

verda<strong>de</strong>ira aventura começou aí.<br />

Armário <strong>de</strong><br />

uma das<br />

bibliotecas<br />

que ele herdou<br />

dos avós<br />

maurícios<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 11


<strong>Le</strong> Clézio não é<br />

um viajante<br />

do improviso,<br />

prepara cuidadosamente<br />

cada viagem<br />

vida, as minhas i<strong>de</strong>ias sobre o <strong>mundo</strong><br />

e sobre a arte, a minha forma <strong>de</strong> estar<br />

com os outros, <strong>de</strong> andar, <strong>de</strong> comer, <strong>de</strong><br />

dormir, <strong>de</strong> amar, e até os meus sonhos”,<br />

escreveu em “La fête chantée”.<br />

“Esse mergulho <strong>de</strong>ixou-me mudo<br />

durante anos”, acrescentou numa<br />

entrevista. “Tinha tudo para apren<strong>de</strong>r,<br />

ou seja, a reapren<strong>de</strong>r. Como <strong>de</strong>sfazerme<br />

do meu ego, respeitar o silêncio,<br />

praticar essa espécie <strong>de</strong> recuo permanente<br />

que é a forma mais elaborada <strong>de</strong><br />

humor.”<br />

O lugar dos índios é “on<strong>de</strong> o próprio<br />

momento da criação parece ainda próximo”.<br />

Até ao fim dos anos 70, <strong>Le</strong> Clézio viaja<br />

pelo México, traduz textos sagrados<br />

maias, apren<strong>de</strong> navajo. Candidata-se a<br />

investigador do CNRS (Centre National<br />

<strong>de</strong> La Recherche Scientifique), mas<br />

recusam-no <strong>por</strong> não ter competências<br />

suficientes nas civilizações ameríndias.<br />

Só uma década mais tar<strong>de</strong> o resultado<br />

das suas pesquisas — partilhadas, <strong>por</strong><br />

exemplo em “<strong>Le</strong> rêve méxicain” — receberá<br />

um carimbo académico.<br />

E só no começo dos anos 80, com<br />

“Mondo et autres histoires” e <strong>de</strong>pois o<br />

magnífico “Deserto” (tradução <strong>de</strong> Fernanda<br />

Botelho na Dom Quixote), voltará<br />

a ter muitos leitores, o que lhe permite<br />

ter dinheiro para viajar e escrever, e<br />

sentir que não está isolado — <strong>por</strong>que,<br />

acredita ele, “a leitura é activa” e um<br />

escritor precisa <strong>de</strong> leitores.<br />

O <strong>de</strong>serto e o mar<br />

No fim dos anos 60, J.M.G. conhece a<br />

marroquina Jemia, com quem casará em<br />

1975 e continuará a sua prole <strong>de</strong> filhas.<br />

Hão-<strong>de</strong> viajar e escrever livros em conjunto.<br />

E, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, Jemia será a <strong>de</strong>scoberta<br />

<strong>de</strong> Marrocos e do <strong>de</strong>serto, em<br />

Saguiet el Hamra, terra dos seus antepassados.<br />

Eis o eixo central <strong>de</strong> “Deserto”, em<br />

que caravanas <strong>de</strong> nómadas resistentes<br />

à invasão colonial caminham tão vividamente<br />

que é possível sentir o <strong>de</strong>lírio do<br />

sol, a água suja <strong>de</strong> lama, as plantas, as<br />

pedras, o sangue nos pés, o caminho das<br />

estrelas quando chega a noite, se arma<br />

a tenda e os homens tocam música.<br />

Escrever, diz <strong>Le</strong> Clézio, “é ir ver o<br />

outro lado da colina”. Poucos escritores<br />

terão alcançado esta forma mimética<br />

<strong>de</strong> dar a ver o outro lado como se<br />

ele fosse eles — a rapariga que dá à luz<br />

num barranco <strong>de</strong> excrementos, o soldado<br />

que sente um líquido quente na<br />

cara e <strong>de</strong>scobre que <strong>por</strong> cima <strong>de</strong> si<br />

estão todos mortos, o cigano a ser atropelado<br />

<strong>por</strong> um autocarro quando ia a<br />

fugir <strong>de</strong> uns polícias numa gran<strong>de</strong><br />

cida<strong>de</strong>, a melanésia que acen<strong>de</strong> o fogo<br />

na piroga para fumar carne <strong>de</strong> <strong>por</strong>co,<br />

os cortadores <strong>de</strong> cana a atirarem um<br />

capataz para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma fornalha,<br />

as víboras que se enlaçam, o cabrito<br />

entre as bombas, um ciclone a vir do<br />

mar, a árvore a que chamamos do bem<br />

e do mal.<br />

As ruas da<br />

parte velha <strong>de</strong><br />

Nice. À<br />

direita, um<br />

dos <strong>de</strong>senhos<br />

do escritor,<br />

que quis ser<br />

autor <strong>de</strong><br />

Banda Desenhada<br />

Cada ser, cada coisa existem digna e<br />

inteiramente, no êxtase e na brutalida<strong>de</strong>.<br />

Tudo em <strong>Le</strong> Clézio é percepção extrema,<br />

humana. Nada é cínico.<br />

“Sou incapaz <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> mim mesmo<br />

<strong>de</strong> outra forma que não a ficção, <strong>por</strong>que<br />

creio que sou <strong>de</strong>masiado pessimista e<br />

tenho um <strong>de</strong>sgosto profundo pelo ‘eu’”,<br />

disse recentemente. “Ao escrever tenho<br />

a sensação que ‘eu’ não escon<strong>de</strong> nada.<br />

Então, vamos escavar, mas para escavar<br />

vamos encontrar personagens que possam<br />

substituir este ‘eu’.”<br />

A escrita é “um pouco dança”, ou o<br />

“Boléro” <strong>de</strong> Ravel que a mãe tocava ao<br />

piano em Nice, e que para <strong>Le</strong> Clézio é<br />

uma memória <strong>de</strong> guerra — aquele vazio<br />

angustiante em que a música subitamente<br />

acaba, como se o chão se tivesse<br />

abatido sob os pés, como o vazio antes<br />

da guerra.<br />

Para saber quem é, tem que sair <strong>de</strong> si,<br />

pôr-se noutras vidas. Por isso, diz, não<br />

escreverá memórias.<br />

Mas cada vez mais, nos anos 80 e 90,<br />

as suas histórias imaginadas são trabalho<br />

<strong>de</strong> memória, voltando aos pontos <strong>de</strong><br />

partida — a infância, a guerra, a viagem,<br />

a família.<br />

“Para compreen<strong>de</strong>r, para adivinhar o<br />

segredo que escon<strong>de</strong> o <strong>mundo</strong> industrial<br />

mo<strong>de</strong>rno em que estou, tenho que me<br />

virar para outro <strong>mundo</strong>. É, à vez, a Nice<br />

da guerra e a plantação <strong>de</strong> açúcar, as<br />

ilhas <strong>de</strong> açúcar sobre as quais se fundou<br />

a prosperida<strong>de</strong> da Europa.” Em Nice,<br />

quando ele era pequeno, havia uma<br />

mendiga que cantava uma “ritournelle”<br />

até lhe atirarem uma moeda. Vem daí o<br />

título do seu último romance, “Ritournelle<br />

<strong>de</strong> la faim” (que a Dom Quixote<br />

prevê editar em Julho).<br />

Em 1981, <strong>Le</strong> Clézio viajou finalmente<br />

pelas Ilhas Maurícias e teve a certeza <strong>de</strong><br />

que aquela era a sua “pequena pátria”.<br />

Mantém dupla nacionalida<strong>de</strong>, e fez questão<br />

<strong>de</strong> receber o Nobel assim. “Quando<br />

chego lá, sinto que cheguei a casa.”<br />

Chega, mas não fica, como não ficou<br />

na glória dos 23 anos. Continua a dizer<br />

que o que sente é inquietação. Em<br />

“L’Inconnu sur la terre” escreveu: “Não<br />

procuro um <strong>de</strong>us, mas um homem; não<br />

procuro um paraíso mas uma terra.”<br />

Sabe que não é a terra que pertence ao<br />

homem, mas o homem à terra.<br />

A sua forma <strong>de</strong> vida é uma espécie <strong>de</strong><br />

ser nómada. E o que um nómada faz é<br />

recomeçar.<br />

“Ali estaria<br />

sempre a nossa<br />

casa, um<br />

pouco inclinada<br />

<strong>de</strong>pois<br />

da passagem<br />

do furacão,<br />

com o telhado<br />

pintado<br />

cor <strong>de</strong> céu e<br />

as lianas que<br />

teriam invadido<br />

a varanda.<br />

O jardim<br />

seria mais<br />

selvagem, e<br />

haveria sempre,<br />

perto<br />

da ravina, a<br />

gran<strong>de</strong> árvore<br />

do bem e do<br />

mal on<strong>de</strong> as<br />

aves se juntam<br />

antes <strong>de</strong><br />

anoitecer”<br />

Em<br />

“O Caçador<br />

<strong>de</strong> Tesouros”<br />

12 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


SEX <br />

22:00 SALA 2<br />

Clássicos do jazz cantado e temas originais<br />

do novo disco do pianista André Sarbib,<br />

, em apresentação na Casa da Música<br />

<strong>por</strong> músicos <strong>de</strong> topo do jazz nacional.<br />

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DOM <br />

22:00 SALA SUGGIA<br />

cultur al<br />

encontros<br />

culti<strong>de</strong>ias ®<br />

A celebração da música popular brasileira<br />

num sabor inspirado <strong>de</strong> samba e jazz.<br />

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JAQUES MORELENBAUM <br />

RICARDO SILVEIRA <br />

BILL FRISELL <br />

VINICIUS CANTUÁRIA /<br />

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DANIEL ROCHA<br />

David Machado<br />

Livros<br />

14 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


À procura da fissura<br />

na cabeça das pessoas<br />

Dezasseis contos em que os protagonistas se colocam<br />

em situações insólitas: são as “Histórias Possíveis” <strong>de</strong><br />

David Machado, Prémio Branquinho da Fonseca e um<br />

talento raro <strong>de</strong> contador <strong>de</strong> histórias. João Bonifácio<br />

fotografia :: margarida dias | <strong>de</strong>sign :: vasco lopes<br />

Um homem que <strong>por</strong> amor procura<br />

<strong>de</strong>sesperadamente ser costurado.<br />

Uma mulher que já idosa arruína a<br />

vida com a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um prazer<br />

após uma vida inteira <strong>de</strong> ascetismo.<br />

Um rapaz que <strong>de</strong>strói a vida ao perseguir<br />

a memória do pai, esquecida <strong>por</strong><br />

insistir em respeitar a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste<br />

<strong>de</strong> não ser fotografado. Um génio da<br />

música que abandona o seu talento<br />

inato para viver sossegadamente atrás<br />

<strong>de</strong> uma secretária. Um negociante que<br />

vê o amor como um negócio, até que<br />

a falência do seu corpo lhe torna a<br />

i<strong>de</strong>ia do amor insu<strong>por</strong>tável.<br />

Estas são algumas das personagens<br />

que surgem em “Histórias Possíveis”,<br />

livro <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> David Machado que,<br />

sem nunca ser verda<strong>de</strong>iramente “fantástico”,<br />

respira essa atmosfera.<br />

Machado não gosta do termo “fantástico”<br />

mesmo que enquanto leitor aprecie<br />

o género. Ele gosta <strong>de</strong> cultores do<br />

“fantástico”, como Adolfo Bioy Casares,<br />

mas os seus escritores <strong>de</strong> eleição são<br />

mestres como Gabriel García Marquéz<br />

ou Mario Vargas Llosa. E prefere realçar<br />

que em cada um <strong>de</strong>stes contos há um<br />

acontecimento estranho.<br />

Cinco escassas páginas é a duração<br />

<strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>stas histórias, com a<br />

excepção das duas finais, que se esten<strong>de</strong>m<br />

até gigantescas nove. O uso <strong>de</strong>sta<br />

exacta dimensão - que implica contenção<br />

e compressão em cada texto - não<br />

foi ocasional, mas também não correspon<strong>de</strong>u<br />

a uma <strong>de</strong>scoberta literária da<br />

medida exacta a usar num conto.<br />

“O primeiro conto”, conta David, a<br />

comer um pastel <strong>de</strong> nata num café<br />

pacato na zona <strong>de</strong> Xabregas, <strong>Lisboa</strong>,<br />

“apareceu há uns anos quando um<br />

amigo ia fazer um suplemento para<br />

um jornal. Ele convidou-me a ocupar<br />

um espaço nesse suplemento com um<br />

conto <strong>de</strong>stas dimensões”. David escreveu-lhe<br />

“dois contos, com o mesmo<br />

tamanho”, mas <strong>de</strong>pois “o suplemento<br />

não avançou”. Só que entretanto<br />

Machado tinha gostado “bastante <strong>de</strong><br />

escrever aqueles textos”, cujas i<strong>de</strong>ias<br />

foi “buscar a um ca<strong>de</strong>rno que anda<br />

sempre comigo, em que aponto coisas”,<br />

<strong>por</strong> isso resolveu voltar com<br />

regularida<strong>de</strong> às i<strong>de</strong>ias esquecidas no<br />

ca<strong>de</strong>rno e manter a mesma passada<br />

em cada conto.<br />

É esta a génese <strong>de</strong> “Histórias Possíveis”,<br />

o livro em que David Machado se<br />

estreia nos contos. Não é, no entanto,<br />

a sua primeira obra, e apesar <strong>de</strong> novo<br />

(tem 30 anos) já teve algum reconhecimento<br />

- que <strong>de</strong>ve às crianças: ganhou<br />

o Prémio Branquinho da Fonseca (não<br />

<strong>por</strong> acaso, um contista <strong>de</strong> excepção)<br />

em 2005 com “A Noite dos Animais<br />

Inventados”, um livro infantil. Depois<br />

continuou a escrever livros para crianças<br />

enquanto tentava uma incursão<br />

pelos caminhos do fantástico, com “O<br />

Fabuloso Teatro do Gigante”, romance<br />

publicado em 2006.<br />

“O romance ven<strong>de</strong>u miseravelmente”,<br />

atira, sem ro<strong>de</strong>ios, o escritor.<br />

É um tipo <strong>de</strong> estatura média, largo <strong>de</strong><br />

ombros, com um brinco na orelha e<br />

ainda alguma cara <strong>de</strong> miúdo, que fala<br />

com relativo à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> tudo -<br />

<strong>de</strong>sempoeirado e sem peneiras, notase-lhe<br />

amor às histórias. Com facilida<strong>de</strong><br />

discorre sobre as suas i<strong>de</strong>ias<br />

“O que me interessa é<br />

como aquilo que não<br />

existe po<strong>de</strong><br />

influenciar o que<br />

existe. Como é que a<br />

cabeça das pessoas<br />

aceita aquilo que é<br />

imaginação ao ponto<br />

<strong>de</strong> acreditar nisso”<br />

literárias, como lhe surgem, como as<br />

trabalha, como <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que fazer<br />

com elas. Passa algum tempo a dizer<br />

que dá valor à estrutura, a explicar<br />

como procura “saber <strong>de</strong>finir os<br />

momentos do conto”. Não tenta dourar<br />

a pílula citando e recitando autores<br />

ou tentando mostrar erudição: nitidamente,<br />

ele tem prazer em conversar<br />

e pensa pela sua cabeça.<br />

Histórias da al<strong>de</strong>ia<br />

Passou os últimos anos a “ir falar a escolas<br />

com miúdos” e o que conta aos miúdos<br />

é esclarecedor da sua forma <strong>de</strong><br />

encarar a literatura: “Eu gosto <strong>de</strong> histórias.<br />

Quando vou falar com os miúdos<br />

começo <strong>por</strong> dizer exactamente isso:<br />

antes <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> escrever já gostava<br />

<strong>de</strong> histórias, <strong>de</strong> as ouvir, <strong>de</strong> as ver na<br />

televisão, no cinema, <strong>de</strong> as inventar<br />

para mim antes <strong>de</strong> dormir, quando era<br />

miúdo.” O melhor que a literatura lhe<br />

trouxe, foi “conseguir que as histórias<br />

dissessem mais do que eu pensava que<br />

podiam dizer”.<br />

Como foi escrito lá atrás, todas estas<br />

histórias são marcadas não <strong>por</strong> um<br />

imaginário fantástico, mas pelo menos<br />

pelo insólito: algo que as pessoas causam<br />

a si mesmas (ou às outras) sem<br />

consciência da consequência dos seus<br />

actos. “Sou muito racional e nada<br />

dado a superstições”, confessa David.<br />

“Por isso não posso dizer que o fantástico<br />

influencie a minha vida. O que<br />

me interessa é como aquilo que não<br />

existe po<strong>de</strong> influenciar o que existe.<br />

Como é que a cabeça das pessoas<br />

aceita aquilo que é imaginação ao<br />

ponto <strong>de</strong> acreditar nisso.”<br />

David dá o exemplo dos velhos nas<br />

al<strong>de</strong>ias. “As histórias que os velhos<br />

contam vão passando <strong>de</strong> gente em<br />

gente até que fazem parte da própria<br />

al<strong>de</strong>ia.” Ele pára <strong>por</strong> um pouco e continua:<br />

“Se um velho acredita em fantasmas,<br />

se calhar diz uma ladainha<br />

antes <strong>de</strong> ir para a cama. Aquilo tornouse<br />

a sua realida<strong>de</strong>.”<br />

Machado sabe do que fala quando<br />

menciona o exemplo da al<strong>de</strong>ia. O seu<br />

primeiro romance passava-se em<br />

Lagares, al<strong>de</strong>ia imaginária que agora<br />

retorna num dos contos <strong>de</strong> “Histórias<br />

Possíveis”, mas baseada em Ruivães,<br />

al<strong>de</strong>ia da avó, a que ainda regressa<br />

“pelo menos uma vez <strong>por</strong> ano, nas<br />

férias”, e on<strong>de</strong> passou “muito tempo”<br />

em miúdo, apesar <strong>de</strong> ser lisboeta. Esse<br />

universo interessa-lhe: “Tenho muitas<br />

histórias que partem <strong>de</strong> histórias que<br />

ouvi na al<strong>de</strong>ia on<strong>de</strong> a minha avó nasceu”,<br />

conta. No entanto, as histórias<br />

<strong>de</strong> “Histórias Possíveis” estão localizadas<br />

na cida<strong>de</strong>. (Embora não seja<br />

especificada, bem como o intervalo<br />

tem<strong>por</strong>al em que <strong>de</strong>correm. David<br />

também passa algum tempo a justificar<br />

estas opções, com a “liberda<strong>de</strong> do<br />

leitor para imaginar”.) Há uma boa<br />

razão para isso: “A maior parte <strong>de</strong>stas<br />

histórias surgiram <strong>de</strong> algo que me contaram<br />

ou que eu vi e tudo o que me<br />

contaram passava-se na cida<strong>de</strong>.”<br />

O que David faz neste livro é “pôr<br />

situações”. “Não precisamos <strong>de</strong> mais<br />

que uma situação para <strong>de</strong>finirmos uma<br />

faceta do ser humano”, diz, e <strong>de</strong>pois<br />

exemplifica com “A costura <strong>de</strong> Clemente”,<br />

conto em que um homem<br />

acaba a tentar ser costurado. “Eu estava<br />

na Argentina quando tive essa i<strong>de</strong>ia. Vi<br />

numa janela uma tabuleta a dizer:<br />

‘Fazem-se costuras’ e veio-me a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> um homem que ia a essa loja fazer<br />

uma costura no próprio corpo.” Neste<br />

caso: “O que é que levaria um homem<br />

a fazer uma costura no corpo?” Isto, diz<br />

David, faz a sua cabeça ir “a lugares<br />

on<strong>de</strong> normalmente não iria”.<br />

Alvos e coelhos<br />

Começar com uma imagem ou uma<br />

i<strong>de</strong>ia e <strong>de</strong>pois tentar adivinhar o que<br />

leva a essa imagem ou i<strong>de</strong>ia foi o<br />

método utilizado em cada uma <strong>de</strong>stas<br />

histórias. Depois do dois contos iniciais,<br />

David sabia que lhe interessava<br />

contá-las, <strong>por</strong>que lhe agrada a “brevida<strong>de</strong><br />

do conto”. Nos romances, diz,<br />

“<strong>por</strong> vezes nota-se que há texto a mais.<br />

No conto tem <strong>de</strong> se ser mais certeiro”.<br />

Depois pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa <strong>por</strong> já ter usado<br />

esta imagem numa entrevista antiga,<br />

mas repete-a <strong>por</strong>que lhe agrada: “O<br />

conto é acertar no alvo e o romance é<br />

caçar coelhos: po<strong>de</strong>s falhar muito<br />

tiros, im<strong>por</strong>ta é que acertes um.”<br />

O tamanho que se impôs viciou-o,<br />

ao ponto <strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acabar o livro,<br />

ter dificulda<strong>de</strong> em escrever textos<br />

mais extensos. David, note-se, é um<br />

trabalhador que se senta “à secretária<br />

todos os dias, nem que seja para escrever<br />

uma frase, nem que seja para apagar<br />

a frase” que escreveu. Ele lê “tanto<br />

romance como conto” e quer “continuar<br />

a escrever romances”, mas “se<br />

tivesse <strong>de</strong> escolher” só um género<br />

“escrevia só contos”. Infelizmente,<br />

acrescenta, “os contos não ven<strong>de</strong>m<br />

muito”, o que lhe parece estranho<br />

“<strong>por</strong>que o conto encaixa naturalmente<br />

na vida das pessoas”.<br />

A finalizar pedimos-lhe uma possível<br />

<strong>de</strong>finição do livro ou <strong>de</strong>stas gentes<br />

que o povoam. Após uma pausa ele<br />

atira-se à tarefa com requinte: “Neste<br />

livro há fissuras na cabeça das pessoas:<br />

são pessoas que num <strong>de</strong>terminado<br />

momento da sua vida têm um<br />

pensamento ou com<strong>por</strong>tamento ligeiramente<br />

diferente do que é normal.”<br />

Depois acrescenta uma frase que lida<br />

e relida diz bem mais da fragilida<strong>de</strong><br />

do ser humano do que à primeira leitura<br />

po<strong>de</strong> parecer: “As fissuras no real<br />

só existem <strong>por</strong>que a cabeça das pessoas<br />

permitem que exista.”<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros pág. 31 e segs.<br />

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P ROJECTO<br />

E DUCATIVO<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 15


Livros<br />

RUI GAUDÊNCIO<br />

Doors<br />

Rui Pedro Silva viu “Contigo torno-me real” premiado no Festival do Livro<br />

<strong>de</strong> Londres. Livro <strong>de</strong> fã, não <strong>de</strong> fanático, diz. Eduarda Sousa<br />

Não está vestido <strong>de</strong> couro preto. Também<br />

não vem com cigarro na mão. E<br />

muito menos com t-shirt dos Doors ou<br />

<strong>de</strong> Jim Morrison. Depois <strong>de</strong> ter escrito<br />

uma tese <strong>de</strong> licenciatura sobre Jim Morrison<br />

e <strong>de</strong> ter passado sete anos a investigar<br />

e a escrever um livro <strong>de</strong>dicado ao<br />

grupo, Rui Pedro Silva, 32 anos, não é<br />

o típico admirador que traz os ídolos<br />

no corpo, roupa ou gestos. Nele encontramos<br />

apenas um traço exterior que<br />

lembra Morrison: o cabelo pelos<br />

ombros, corte semelhante ao do Rei<br />

Lagarto. Não precisa <strong>de</strong> mais nada <strong>por</strong>que<br />

a banda já está gravada no seu ADN,<br />

explica ao Ípsilon.<br />

A versão nacional <strong>de</strong> “Contigo<br />

torno-me real” foi editada em 2003,<br />

pela Afrontamento. Em 2008, o autor<br />

reeditou o livro, numa versão internacional,<br />

que ganhou no mês passado<br />

menção honrosa (área não-ficção) no<br />

Festival do Livro <strong>de</strong> Londres. “Não é<br />

mais um livro sobre os Doors. É um<br />

Português à <strong>por</strong>ta dos<br />

novo livro sobre o grupo”, assegura<br />

Rui Pedro Silva que consi<strong>de</strong>ra as obras<br />

existentes <strong>de</strong>masiado centradas em<br />

Morrison.<br />

O título, inspirado na canção “You<br />

make me real” (“Morrison Hotel”,<br />

1970), preten<strong>de</strong> traduzir a sensação<br />

<strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que os Doors transmitiram<br />

a várias gerações. “Contigo tornome<br />

real”, escrito não com perspectiva<br />

<strong>de</strong> fã, mas com uma componente jornalística<br />

factual, prepara-se para ser<br />

publicado nos EUA, em versão inglesa,<br />

em 2009.<br />

Inéditos<br />

Uma simples pesquisa numa livraria<br />

online remete-nos para um conjunto<br />

interminável <strong>de</strong> livros sobre os Doors.<br />

O <strong>por</strong>tuguês não teve, contudo, muita<br />

dificulda<strong>de</strong> em encontrar espaço nessa<br />

bibliografia.<br />

A primeira e segunda parte <strong>de</strong> “Contigo<br />

torno-me real” são constituídas <strong>por</strong><br />

uma base factual extensa e testemunhos<br />

originais <strong>de</strong> dois Doors e <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s<br />

ligadas ao grupo, como<br />

Vince Treanor (“road manager”), Kathy<br />

Lisciandro (secretária dos Doors e <strong>de</strong><br />

Morrison), Bill Siddons (“manager”) ou<br />

Bruce Botnick (engenheiro <strong>de</strong> som).<br />

O livro apresenta ainda <strong>de</strong>poimentos<br />

<strong>de</strong> músicos cuja relação com os Doors<br />

era <strong>de</strong>sconhecida do gran<strong>de</strong> público:<br />

Larry Knechtel (baixista <strong>de</strong> estúdio do<br />

primeiro álbum, “The Doors”), Ray<br />

Neapolitan (baixista em “Morrison<br />

Hotel”) ou Chico Batera (baterista <strong>de</strong><br />

Chico Buarque que trabalhou com os<br />

Doors em 1972).<br />

A terceira parte é <strong>de</strong>dicada ao culto<br />

que é prestado a Morrison e à banda.<br />

Ray Manzarek, organista, escreveu<br />

para o livro um inédito: “Jim Morrison<br />

era um xamã. Ele era o Dionísio personificado<br />

numa veste do século XX”,<br />

lê-se. Já o guitarrista Robby Krieger<br />

contribui com um comentário,<br />

Ray Manzarek,<br />

organista, escreveu<br />

para o livro:<br />

“Jim Morrison<br />

era um xamã. Ele<br />

era o Dionísio<br />

personificado numa<br />

veste do século XX”<br />

abrindo uma excepção, já que não<br />

costuma participar nestes projectos.<br />

“O Jim foi o amigo mais influente e<br />

mais espectacular que alguma vez<br />

conheci”. De John Densmore, baterista,<br />

aparece um excerto da sua autobiografia,<br />

“Ri<strong>de</strong>rs on the Storm”,<br />

seleccionado <strong>por</strong> Rui Pedro Silva.<br />

Mas não é só <strong>de</strong> texto que vive “Contigo<br />

torno-me real”. Fotos novas dos<br />

três Doors acompanham os <strong>de</strong>poimentos.<br />

Elementos do “staff” original do<br />

grupo também não escaparam à objectiva<br />

<strong>de</strong> Rui Pedro Silva. Da ilustração<br />

<strong>de</strong>staca-se uma foto inédita do mítico<br />

clube “Whisky À Go-Go”, <strong>de</strong> 1966. Foi<br />

neste espaço que Jac Holzman <strong>de</strong>scobriu<br />

os Doors e assinou contrato com<br />

a banda. Um cartão <strong>de</strong> visita, raro, dos<br />

Rick and The Ravens (grupo <strong>de</strong> Manzarek<br />

que viria a dar origem aos Doors,<br />

<strong>de</strong>pois da entrada <strong>de</strong> Morrison, Densmore<br />

e Krieger), o menu <strong>de</strong> vinhos e<br />

cocktails, do Turkey Joint West, clube<br />

on<strong>de</strong> os Rick and The Ravens tocavam,<br />

são outras preciosida<strong>de</strong> do livro.<br />

Algo que se entranhou<br />

Depois <strong>de</strong> um livro com mais <strong>de</strong> 500<br />

páginas, que <strong>de</strong>morou sete anos a ser<br />

concluído, é <strong>por</strong> <strong>de</strong>mais evi<strong>de</strong>nte que<br />

não estamos perante um simples<br />

admirador. O autor realça, contudo,<br />

que a sua relação com o grupo não é<br />

<strong>de</strong> fanatismo: “Os Doors são a minha<br />

banda <strong>de</strong> eleição mas oiço outros grupos.<br />

Não acordo a pensar que tenho<br />

<strong>de</strong> ouvir Doors”. <strong>Le</strong>mbra-se <strong>de</strong> ouvir<br />

pela primeira vez os Doors aos sete<br />

anos, na festa <strong>de</strong> aniversário <strong>de</strong> um<br />

amigo. “Ninguém me <strong>de</strong>u a conhecer<br />

os Doors ou me influenciou. Foi algo<br />

que se entranhou”.<br />

O “mega processo <strong>de</strong> investigação”<br />

começou com uma tese <strong>de</strong> licenciatura<br />

sobre o contraste entre o homem Jim<br />

Morrison, e o seu mito, o Rei Lagarto.<br />

Em 2001, a Warner e a Rádio Comercial<br />

consi<strong>de</strong>raram Rui Pedro Silva o maior<br />

fã dos Doors em Portugal. O prémio?<br />

Uma viagem até Paris, a 3 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />

2001, para assistir ao 30º aniversário<br />

da morte <strong>de</strong> Morrison. A cerimónia<br />

<strong>de</strong>correu na presença <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong><br />

fãs no cemitério <strong>de</strong> Père Lachaise e<br />

houve também uma homenagem restrita<br />

na sala do teatro <strong>Le</strong>s Bouffes Du<br />

Nord on<strong>de</strong> estiveram presentes Manzarek<br />

e Danny Sugerman (biógrafo). Rui<br />

Pedro Silva não veio para casa sem mostrar<br />

a sua tese <strong>de</strong> licenciatura a Manzarek<br />

e Sugerman, que a autografaram.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, ambos pediram-lhe uma<br />

versão em inglês. O ponto <strong>de</strong> partida<br />

para o estabelecimento <strong>de</strong> uma relação<br />

com os membros dos Doors aconteceu<br />

a partir da tese.<br />

Após a viagem a Paris, surgiram<br />

convites <strong>de</strong> editoras <strong>por</strong>tuguesas para<br />

que escrevesse um livro a relatar os<br />

acontecimentos do Père Lachaise. Mas<br />

já existiam relatos na internet e, <strong>por</strong><br />

isso, Rui resolveu partir à <strong>de</strong>scoberta<br />

da “verda<strong>de</strong>ira essência dos Doors”.<br />

Fez-se à estrada e percorreu os trajectos<br />

parisienses <strong>de</strong> Morrison, entrevistou<br />

amigos do cantor e poeta, e com<br />

as informações recolhidas constituiu<br />

uma base factual precisa que se encontra<br />

narrada e ilustrada na terceira<br />

parte da obra. A viagem <strong>de</strong>correu<br />

física e virtualmente, muitas vezes<br />

pela noite <strong>de</strong>ntro, com a troca <strong>de</strong><br />

emails e faxes às quatro da manhã.<br />

Ganhou a confiança dos outros Doors.<br />

A convite <strong>de</strong> Michelle Campbell, fotógrafa<br />

que faz a cobertura dos aspectos<br />

<strong>de</strong> culto dos fãs do grupo em Paris,<br />

regressou ao Père Lachaise para celebrar<br />

o aniversário <strong>de</strong> Morrison, no dia<br />

8 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2001. Mais uma<br />

viagem, mais um conjunto <strong>de</strong> experiências,<br />

mais um capítulo no livro.<br />

Concluiu, em 2008, “Contigo tornome<br />

real”. Mas se surgir material inédito<br />

ou novos dados (poesia <strong>de</strong> Jim Morrison<br />

e outros trabalhos encontram-se<br />

retidos <strong>por</strong> entraves <strong>de</strong> copyright) não<br />

<strong>de</strong>scarta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a<br />

abrir as <strong>por</strong>tas da percepção, com a<br />

edição <strong>de</strong> um novo trabalho.<br />

16 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


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Contacto<br />

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www.fch.lisboa.ucp.pt<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

<br />

(MEMBROS REGULARES E REFORÇOS) E (REFORÇOS)<br />

DATA DA AUDIÇÃO<br />

<br />

LOCAL<br />

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Av. da Boavista, 604-610<br />

4149-071 Porto<br />

Portugal<br />

AUDIÇÃO SERÁ CONSTITUÍDA POR<br />

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<br />

A fornecer pela Casa da Música<br />

<br />

OUTRAS INFORMAÇÕES<br />

Todas as provas <strong>de</strong>verão ser com<br />

instrumentos e afinação da época.<br />

A Casa da Música disponibilizará<br />

um cravista para os dias <strong>de</strong><br />

audições. O candidato po<strong>de</strong>rá<br />

fazer a audição com cravista ou<br />

outro instrumento(s) que façam<br />

a parte <strong>de</strong> baixo continuo da sua<br />

responsabilida<strong>de</strong>.<br />

DATA LIMITE PARA CANDIDATURAS:<br />

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Carta <strong>de</strong> apresentação<br />

Curriculum Vitae<br />

<br />

Cristina Guimarães<br />

Fundação Casa da Música<br />

Av. da Boavista, 604-610<br />

4149-071 Porto<br />

Portugal<br />

ou<br />

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Um musical sobr<br />

o pior musical<br />

É um musical sobre um musical que coloca em cima do palco Hitler, numa versão muito drag q<br />

êxito da Broadway, vai andar em digressão nacional. E<br />

Teatro<br />

“Há dois tipos <strong>de</strong><br />

público em Portugal:<br />

o que vai ver os<br />

musicais <strong>de</strong> La Féria<br />

<strong>por</strong>que é o La Féria e<br />

o que simplesmente<br />

não vê musicais”, diz<br />

o produtor Gonçalo<br />

Castel-Branco<br />

“Uma carta <strong>de</strong> amor à Broadway”: foi<br />

assim que Mel Brooks <strong>de</strong>screveu “Os<br />

Produtores”, musical da Broadway que<br />

bateu recor<strong>de</strong>s <strong>de</strong> bilheteira, e que vai<br />

estrear-se em Portugal, com encenação<br />

<strong>de</strong> Claudio Hochman, no dia 6 <strong>de</strong> Fevereiro,<br />

no Teatro Tivoli, em <strong>Lisboa</strong>.<br />

Hitler, interpretado <strong>por</strong> um encenador<br />

gay, é apenas uma das personagens<br />

que promete colocar o público<br />

<strong>por</strong>tuguês a rir no musical mais premiado<br />

<strong>de</strong> sempre na Broadway. Numa<br />

pré-apresentação, o espectáculo po<strong>de</strong><br />

ser visto, no Portimão Arena, Algarve,<br />

até dia 11 <strong>de</strong> Janeiro. Seguirá <strong>de</strong>pois<br />

para <strong>Le</strong>iria, on<strong>de</strong> estará entre 28 <strong>de</strong><br />

Janeiro a 1 <strong>de</strong> Fevereiro, no Teatro José<br />

Lúcio da Silva.<br />

Em primeiro lugar, “Os Produtores”,<br />

<strong>de</strong> Mel Brooks e Thomas Meeha, não<br />

é um espectáculo comum, mas um<br />

musical sobre um musical que coloca<br />

em cima do palco Hitler, numa versão<br />

muito drag queen. Em segundo, brinca<br />

<strong>de</strong>liberadamente com todas as raças,<br />

credos e religiões. Por último, existe<br />

muito sexo à mistura, mas entre um<br />

dos protagonistas e uma carrada <strong>de</strong><br />

velhinhas entravadas que se aguentam<br />

em pé graças a umas muletas <strong>de</strong> alumínio.<br />

Um musical simplesmente à<br />

Mel Brooks, rei do politicamente incorrecto<br />

que não poupa nazis, gays e intelectuais<br />

do <strong>mundo</strong> do espectáculo<br />

norte-americano.<br />

“Há dois tipos <strong>de</strong> público em Portugal:<br />

o que vai ver os musicais <strong>de</strong> La<br />

Féria <strong>por</strong>que é o La Féria e o que simplesmente<br />

não vê musicais”, diz<br />

o produtor Gonçalo Castel-<br />

Branco que resolveu arriscar<br />

e adaptar um dos maiores<br />

êxitos da Broadway.<br />

O musical que se<br />

estreou em 2001, no<br />

St. James Theatre, é<br />

baseado no filme que<br />

Brooks escreveu e<br />

realizou, em 1968, e<br />

que tinha como protagonistas<br />

Zero Mostel<br />

e Gene Wil<strong>de</strong>r. O autor ainda recebeu<br />

um Óscar na categoria <strong>de</strong> Melhor<br />

Argumento, apesar <strong>de</strong> o filme ter sido<br />

comercialmente um fracasso. Trinta<br />

e três anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>u origem a um<br />

musical da Broadway, cujo argumento<br />

e música são também do realizador<br />

norte-americano. Ao contrário do<br />

filme, assim que se estreou o espectáculo<br />

começou a bater recor<strong>de</strong>s. No<br />

primeiro dia, a bilheteira fez três<br />

milhões <strong>de</strong> dólares (antes, nas vendas<br />

<strong>por</strong> antecipação, o musical já tinha<br />

feito 17 milhões <strong>de</strong> dólares). Em 2001<br />

dominou os Tony Awards (equivalente<br />

aos Óscares do teatro) com 15 nomeações,<br />

ganhando 12 e batendo o<br />

recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> sempre.<br />

Montar um espectáculo <strong>de</strong>sta envergadura<br />

em Portugal choca, logo no<br />

início, com muitos obstáculos. “Não<br />

existem muitos teatros capazes <strong>de</strong> acolher<br />

um espectáculo com as dimensões<br />

<strong>de</strong> ‘Os Produtores’”, aponta Gonçalo<br />

Castel-Branco, que <strong>de</strong>morou um ano<br />

até conseguir reservar o Teatro Tivoli,<br />

em <strong>Lisboa</strong>.<br />

Em termos <strong>de</strong> produção, um musical<br />

<strong>de</strong>ste género é dos mais “pesados<br />

logisticamente” e acarreta “um gran<strong>de</strong><br />

risco financeiro”.<br />

O espectáculo começou a ganhar<br />

corpo no Armazém 4, da Cherry Enter-<br />

Os protagonistas<br />

<strong>Le</strong>o<br />

Bloom,<br />

contabilista<br />

neurótico,<br />

e Max<br />

Bialystock,<br />

produtor<br />

arruinado, são<br />

interpretados<br />

<strong>por</strong> Manuel<br />

Marques e<br />

Miguel Dias.<br />

No musical<br />

ainda<br />

<strong>de</strong>sfilam<br />

outras<br />

personagens:<br />

drag queens,<br />

coristas<br />

vestidos como<br />

tropas nazis, a<br />

escultural<br />

Ulla,<br />

velhinhas<br />

entravadas...<br />

18 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


e<br />

possível<br />

g queen. A versão <strong>por</strong>tuguesa <strong>de</strong> “Os Produtores”, gran<strong>de</strong><br />

. Eduarda Sousa<br />

tainment, em <strong>Lisboa</strong>. Para um espectáculo<br />

tão gran<strong>de</strong>, que coloca em cima<br />

do palco perto <strong>de</strong> 30 actores, uma<br />

orquestra com 20 músicos e 60 pessoas<br />

na parte da produção, assistir a<br />

um ensaio <strong>de</strong> “Os Produtores” num<br />

espaço relativamente pequeno po<strong>de</strong><br />

tornar-se uma verda<strong>de</strong>ira aventura.<br />

Numa sala, os autores aquecem a voz<br />

com uma série <strong>de</strong> exercícios. Os músicos<br />

começam a ensaiar, à medida que<br />

a orquestra se vai compondo. No<br />

palco, os actores treinam alguns passos<br />

<strong>de</strong> dança, lêem pela última vez o<br />

texto, enquanto começam a <strong>de</strong>sesperar<br />

<strong>por</strong> o ensaio nunca mais começar.<br />

Pôr a máquina <strong>de</strong> engrenagem <strong>de</strong> “Os<br />

Produtores” a trabalhar leva algum<br />

tempo até se conseguir coor<strong>de</strong>nar<br />

todos os elementos que participam na<br />

peça e no “back stage”.<br />

Os protagonistas <strong>Le</strong>o Bloom e Max<br />

Bialystock são interpretados <strong>por</strong><br />

Manuel Marques e Miguel Dias, respectivamente,<br />

que não se cansam <strong>de</strong><br />

ensaiar vários passos <strong>de</strong> dança. Rita<br />

Pereira, com as atenções centradas em<br />

si, tem a missão <strong>de</strong> dar vida<br />

à sueca escultural Ulla.<br />

Pedro Pernas, Rui Mello,<br />

Rodrigo Saraiva ou Custódia<br />

Gallego são outros<br />

nomes conhecidos do<br />

gran<strong>de</strong> público que<br />

integram o elenco.<br />

Hitler é gay<br />

“Os Produtores” <strong>de</strong>corre<br />

na Primavera <strong>de</strong> 1959,<br />

em Nova Iorque. Max<br />

Bialystock é um produtor<br />

arruinado da Broadway<br />

que recebe em<br />

sua casa o contabilista<br />

neurótico <strong>Le</strong>o Bloom.<br />

Sem querer, <strong>Le</strong>o <strong>de</strong>scobre<br />

que os dois po<strong>de</strong>m<br />

ganhar mais se produzirem<br />

um espectáculo<br />

<strong>de</strong>sastroso para arrecadarem<br />

o dinheiro dos investidores,<br />

no caso um grupo <strong>de</strong> velhinhas<br />

com quem Max vai para a cama.<br />

A dupla <strong>de</strong>dica-se então a procurar a<br />

pior obra jamais escrita e os piores actores<br />

e encenador possíveis. Um musical<br />

neonazi escrito pelo louco fanático<br />

Franz Liebkind, “Primavera para<br />

Hitler”, acaba <strong>por</strong> ser a peça escolhida.<br />

Roger De Bris, um gay estereotipado,<br />

cheio <strong>de</strong> tiques e trejeitos, que aparece<br />

em palco pela primeira vez com um<br />

vestido <strong>de</strong> baile e uns sapatos <strong>de</strong> salto<br />

alto, é contratado <strong>por</strong> Max e <strong>Le</strong>o.<br />

Daqui até <strong>de</strong>scobrir os piores actores<br />

possíveis é um passo. Ulla, uma<br />

loira sueca explosiva e burra, acha que<br />

vai para o “casting” <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong><br />

produção mas torna-se secretária <strong>de</strong><br />

Max e <strong>Le</strong>o, acabando <strong>por</strong> seduzir o<br />

contabilista neurótico. Na noite <strong>de</strong><br />

estreia, Franz, que ia interpretar Hitler,<br />

parte uma perna e acaba <strong>por</strong> ser substituído<br />

<strong>por</strong> De Bris, que aproveita a<br />

o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> para realizar o sonho da<br />

sua vida. O ditador nazi é nada mais<br />

nada menos do que uma drag queen,<br />

ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> coristas vestidas como os<br />

membros das tropas nazis, em perfeita<br />

formação suástica. “Primavera para<br />

Hitler” acaba <strong>por</strong> ser, surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />

confundido pela crítica<br />

e pelo público como uma<br />

sátira genial, tornandose<br />

um sucesso estrondoso.<br />

Gonçalo Castel-Branco e<br />

Pedro Costa, o outro produtor<br />

da versão <strong>por</strong>tuguesa, não procuram,<br />

ao contrário <strong>de</strong> Max e <strong>Le</strong>o,<br />

criar um mau espectáculo e nem<br />

sequer se revêem nos protagonistas.<br />

“Nós preten<strong>de</strong>mos criar um bom<br />

espectáculo. Nenhum <strong>de</strong> nós está<br />

também acabado, como o Max, ou<br />

irritadiço, como o <strong>Le</strong>o”, diz a rir<br />

Gonçalo Castel-Branco. O riso é,<br />

aliás, um dos elementos presentes<br />

no espectáculo o tempo todo. Não<br />

são só gargalhadas dos espectadores<br />

que se ouvem, os próprios actores<br />

não conseguem controlar, durante<br />

“Não existem muitos<br />

teatros capazes <strong>de</strong><br />

acolher um<br />

espectáculo com as<br />

dimensões <strong>de</strong> ‘Os<br />

Produtores’”<br />

o ensaio, o riso pela piada das situações<br />

que criam. No intervalo, Miguel<br />

Dias <strong>de</strong>ixa escapar que já todos estão<br />

a precisar da estreia da peça.<br />

“Os Produtores” mantém o contexto<br />

da Broadway e todo o imaginário americano<br />

da época, assim como o texto<br />

e as músicas adaptadas <strong>por</strong> Rui Mello<br />

e Sílvia Baptista. Sob a direcção musical<br />

<strong>de</strong> Nuno Feist, o conjunto <strong>de</strong> músicas<br />

tocadas <strong>por</strong> uma orquestra é<br />

extenso e constitui um pilar im<strong>por</strong>tante<br />

do espectáculo.<br />

“Esperamos que esta peça represente<br />

um ponto <strong>de</strong> viragem<br />

no panorama dos musicais<br />

<strong>por</strong>tugueses. É muito diferente<br />

a nível musical, estético<br />

e conceptual dos musicais<br />

que já se produziram<br />

em Portugal”, conclui Gonçalo<br />

Castel-Branco.<br />

Em 2005, Susan Stroman<br />

realizou uma nova<br />

versão cinematográfica <strong>de</strong><br />

“Os Produtores”, colocando<br />

Uma Thurman no<br />

papel <strong>de</strong> Ulla. O musical<br />

apresentou o seu último<br />

espectáculo no St. James Theater,<br />

da Broadway, no dia 22<br />

<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007, seis anos<br />

<strong>de</strong>pois da estreia.<br />

Entre o cinema e a Broadway<br />

Depois do filme, tirado <strong>de</strong> uma peça, originada <strong>por</strong> um<br />

filme, sempre com Mel Brooks a controlar tudo, regressa-se<br />

à dimensão teatral <strong>de</strong> “Os Produtores”. Mário Jorge Torres<br />

Vários exemplos existem da<br />

transposição <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> sucesso para um musical<br />

<strong>de</strong> semelhante impacte nos palcos<br />

da Broadway. Basta lembrar<br />

os casos paradigmáticos <strong>de</strong><br />

“Ninotchka” (1939), veículo criado<br />

<strong>por</strong> Ernst Lubitsch para Greta<br />

Garbo transformado em “Silk<br />

Stockings” (1955), com Hil<strong>de</strong>gard<br />

Neff e Don Ameche nos papéis<br />

que Cyd Charisse e Fred Astaire<br />

consagrariam no filme homónimo<br />

(1958) <strong>de</strong> Rouben Mamoulian.<br />

Ou “Eva” (1950), <strong>de</strong> Mankiewicz,<br />

pensado para o ressurgimento<br />

<strong>de</strong> uma estrela em <strong>de</strong>clínio,<br />

como Bette Davis, que originou<br />

“Applause” (1970), fornecendo a<br />

Lauren Bacall a<strong>de</strong>quado meio <strong>de</strong><br />

triunfar nos domínios complexos<br />

do musical.<br />

“The Producers”/ “Os<br />

Produtores” (1968), da fase (ainda)<br />

áurea da comédia <strong>de</strong>stravada <strong>de</strong><br />

Mel Brooks, constituía material<br />

<strong>de</strong> óbvio interesse, não tanto pelo<br />

manancial cómico da prestação<br />

algo histérica <strong>de</strong> Gene Wil<strong>de</strong>r (a<br />

exibir essa histeria como marca<br />

distintiva) ou pelo inexistente<br />

“sex-appeal” <strong>de</strong> Zero Mostel, mas<br />

sobretudo pela força da peça <strong>de</strong>ntro<br />

do filme, “Springtime for Hitler”,<br />

que já incluía um bom motivo<br />

para se po<strong>de</strong>r pensar no palco:<br />

um número musical, em pastiche<br />

<strong>de</strong> Busby Berkeley, com os jovens<br />

alemães formando uma suástica.<br />

A i<strong>de</strong>ia da caricatura do<br />

nazismo, bem como dos<br />

meandros da produção teatral (e<br />

cinematográfica) prestava-se a um<br />

aproveitamento condigno, tirando<br />

partido da loucura <strong>de</strong>sbragada<br />

da relação entre o “pior produtor<br />

do <strong>mundo</strong>” e as velhinhas que<br />

o apoiavam e criando para a<br />

i<strong>de</strong>ia original uma partitura<br />

apropriada, <strong>de</strong> Mel Brooks e Glen<br />

Kelly, com letras e libreto (este em<br />

colaboração com Thomas Meehan)<br />

do primeiro.<br />

Em tempo <strong>de</strong> vacas magras,<br />

parecia uma receita <strong>de</strong> sucesso<br />

imbatível, uma vez que a carga<br />

anti politicamente correcta <strong>de</strong><br />

todo o entrecho, incluindo nazis<br />

ridicularizados, travestis, o<br />

tratamento maldoso da terceira<br />

ida<strong>de</strong> ou o puro sadismo do<br />

aproveitamento “político”<br />

do absurdo total das<br />

situações propostas,<br />

era <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a suscitar<br />

a ressurreição do<br />

material, tantos anos<br />

<strong>de</strong>pois.<br />

O resultado não<br />

podia revelar-se<br />

mais compensador:<br />

estreando na<br />

Broadway, em 19 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2001,<br />

o “show” teve uma longuíssima<br />

carreira <strong>de</strong> 2502 performances<br />

(até 22 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007), com<br />

vários “casts” alternativos, obteve<br />

um recor<strong>de</strong> absoluto <strong>de</strong> 12 Tonys,<br />

os Óscares teatrais, culminando<br />

na adaptação cinematográfica<br />

<strong>de</strong> 2005, que correu <strong>mundo</strong> e<br />

estreou em Portugal, sem gran<strong>de</strong><br />

entusiasmo, diga-se em abono da<br />

verda<strong>de</strong>.<br />

O excelente filme homónimo,<br />

“Os Produtores”, recuperava,<br />

aliás, uma parte do elenco original<br />

- Nathan Lane, no papel <strong>de</strong> Max<br />

Bialystock, e Matthew Bro<strong>de</strong>rick<br />

em <strong>Le</strong>opold “<strong>Le</strong>o” Bloom, a que<br />

acrescentava o carisma fílmico<br />

<strong>de</strong> Uma Thurman e <strong>de</strong> Will<br />

Ferrell - cabendo, inclusive, a<br />

realização à responsável pela<br />

encenação teatral, Susan Stroman.<br />

A divertidíssima banda sonora<br />

(com números imparáveis, como<br />

“I Wanna Be a Producer”, “In<br />

Old Bavaria” ou “Springtime for<br />

Hitler”) fornecia à realizadora<br />

estreante ocasião para citar<br />

os clássicos <strong>de</strong> Hollywood da<br />

época dourada, embora uma boa<br />

parte da crítica (<strong>de</strong> certo modo,<br />

injustamente) insistisse no facto<br />

<strong>de</strong> que a empresa teria necessitado<br />

<strong>de</strong> mais experimentada visão<br />

cinematográfica. A película visava<br />

sobretudo a revisita a mo<strong>de</strong>los<br />

passados, tornando o absurdo do<br />

divertimento o foco <strong>de</strong> toda a teia<br />

urdida, em volta do musical como<br />

género e como memória - tratava-se<br />

<strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> “pós-Musical”.<br />

De facto, se “Os Produtores”<br />

possuía uma forte componente<br />

teatral, tinha, <strong>por</strong> outro lado,<br />

a honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não querer<br />

enganar ninguém, não “fazendo”<br />

cinema <strong>de</strong> efeitos e mau gosto,<br />

como no caso lamentável da<br />

adaptação <strong>de</strong> “O Fantasma da<br />

Ópera” (para já nem mencionar a<br />

insu<strong>por</strong>tável partitura <strong>de</strong> Andrew<br />

Lloyd Webber).<br />

Depois do filme, tirado <strong>de</strong> uma<br />

peça, originada <strong>por</strong> um filme,<br />

sempre com Mel Brooks - após<br />

nova tentativa musical, estreada<br />

em 2007, <strong>de</strong>sta vez em torno <strong>de</strong><br />

“Young Frankenstein” - a controlar<br />

tudo (o labirinto não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

constituir, só <strong>por</strong> si, um interesse<br />

acrescido), regressa-se, entre<br />

nós, à dimensão teatral <strong>de</strong> “Os<br />

Produtores”, na esteira do que<br />

tem vindo a suce<strong>de</strong>r, um pouco<br />

<strong>por</strong> todo o <strong>mundo</strong>: da Austrália ao<br />

Japão, da Dinamarca à Itália ou à<br />

Espanha, não esquecendo a versão<br />

brasileira, que estreou no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, em Abril <strong>de</strong> 2008, com<br />

Miguel Falabella como Bialystock.<br />

A ver vamos...<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 19


Música<br />

SARA MATOS<br />

B Fachada<br />

canta a tradição<br />

entre <strong>Lisboa</strong> e Caçarelhos<br />

“B Fachada - Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea” tem uma premissa: “Desmontar a história <strong>de</strong> que<br />

a tradição é uma coisa rural. Tradição é transmissão.” Quem o diz é Tiago Pereira, realizador<br />

que seguiu B Fachada até canta<strong>de</strong>iras transmontanas. É um filme e um manifesto. Esta noite<br />

na Galeria Zé dos Bois. Mário Lopes<br />

O que temos é isto: um músico <strong>de</strong> viola<br />

em punho calcorreando <strong>Lisboa</strong>,<br />

tocando às <strong>por</strong>tas da Sé, tocando num<br />

banco <strong>de</strong> mármore enquanto uma<br />

velhota, a seu lado, acena a um conhecido<br />

que passa.<br />

O que temos é isto: esse músico <strong>de</strong><br />

viola em punho, encostado a um galinheiro<br />

em Trás Os Montes e uma<br />

mulher encurvada que limpa o galinheiro<br />

e que à saída larga um sorriso<br />

para a câmara. O que existe em “B<br />

Fachada - Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea”<br />

é um músico lisboeta transformado<br />

em andarilho. Canta as suas<br />

canções na sua cida<strong>de</strong>, viaja até às<br />

al<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Caçarelhos ou<br />

Algoso para as mostrar a quem lá vive<br />

e regressa com as músicas que ali lhe<br />

ensinaram. Em Caçarelhos ouvem-no<br />

com atenção para apren<strong>de</strong>r as novas<br />

melodias, em <strong>Lisboa</strong> acham que são<br />

<strong>de</strong>le as canções seculares que apren<strong>de</strong>u<br />

em Trás Os Montes.<br />

B Fachada, músico que conhecemos<br />

em 2008 através dos EPs “Sings The<br />

Lusitanian Blues”, “Mini CD Produzido<br />

Por Walter Benjamin” e o magnífico<br />

“Viola Braguesa”, serve como ponte<br />

entre esses dois universos. Dirá ao Ípsilon<br />

ser “como um sapateiro”: “quero<br />

fazer canções como o sapateiro faz<br />

sapatos e sei que vou passar a vida a<br />

fazer uma data <strong>de</strong> sapatos para caber<br />

nos pés das pessoas, apesar <strong>de</strong> estar<br />

sempre a fazer a minha i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

sapato”. Tiago Pereira, <strong>por</strong> sua vez, foi<br />

o realizador que construiu a ponte para<br />

Fachada, reflexo <strong>de</strong> um interesse pela<br />

exploração e reflexão sobre a tradição<br />

musical popular que contamina o seu<br />

trabalho - servem como exemplo “Onze<br />

Burros Caem <strong>de</strong> Estômago Vazio”, filmado<br />

no planalto mirandês, ou “Arritmia”,<br />

sobre o Festival Andanças.<br />

Agora, no final <strong>de</strong> “B Fachada - Tradição<br />

Oral Contem<strong>por</strong>ânea”, que<br />

estreará esta noite, pelas 23h, na Galeria<br />

Zé dos Bois, em <strong>Lisboa</strong>, vemos<br />

escrito: “Este filme nasceu a partir do<br />

momento em que, ao ouvir o trabalho<br />

<strong>de</strong> B Fachada pela primeira vez, senti<br />

uma proximida<strong>de</strong> gigante, como se<br />

toda a vida tivesse conhecido aquelas<br />

músicas. E elas<br />

fizessem também parte da tradição<br />

oral”. Tiago Pereira, que se <strong>de</strong>dica à<br />

recolha musical etnográfica há cinco<br />

anos e que escreveu há tempos um<br />

mini-manifesto intitulado “Kill Giacometti”<br />

- “tradição é transmissão e não<br />

sacralização <strong>de</strong> espaços, velhos ou<br />

re<strong>por</strong>tório”, lia-se -, <strong>de</strong>scobriu em<br />

Fachada o veículo (e cúmplice) para<br />

revelar o seu olhar sobre a tradição e<br />

a música tradicional. Ao Ípsilon, dirá<br />

que a premissa do filme é esta: “Como<br />

é que um tipo da pop, que faz música<br />

assim há um ano, consegue <strong>de</strong> repente<br />

fazer os outros acreditar que as músicas<br />

que apren<strong>de</strong>u [em Trás Os Montes]<br />

são <strong>de</strong>le?”. Ou melhor, emendará mais<br />

tar<strong>de</strong>, a premissa po<strong>de</strong> também ser a<br />

seguinte: “Desmontar a história <strong>de</strong> que<br />

a tradição é uma coisa rural. Por isso<br />

é que o filme está tanto<br />

no campo quanto na cida<strong>de</strong>. Tradição<br />

é transmissão. Não vamos andar à procura<br />

do purismo on<strong>de</strong> ele não<br />

existe”.<br />

Os “velhinhos” todos<br />

Filmado entre Agosto e Dezembro <strong>de</strong><br />

2008, com uma hora <strong>de</strong> duração, “Tradição<br />

Oral Contem<strong>por</strong>ânea” vive da<br />

música que B Fachada toca e apren<strong>de</strong>,<br />

vive dos locais e das pessoas com quem<br />

o vemos tocar. A dar à viola num comboio<br />

suburbano enquanto o sistema<br />

sonoro anuncia “próxima estação,<br />

Santo Amaro <strong>de</strong> Oeiras”. Sentado num<br />

banco <strong>de</strong> pedra do Rossio, ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong><br />

gente <strong>de</strong>le alheada enquanto interpreta<br />

“Dona Filomena”, canção que apren<strong>de</strong>ra<br />

dias antes em Trás Os Montes. E,<br />

antes disso, B Fachada em Caçarelhos<br />

trauteando uma música <strong>de</strong> verso único<br />

- “já toquei na Zé dos Bois, na Zé dos<br />

20 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


“Na biografia do<br />

Variações, Vítor Rua<br />

diz que Giacometti<br />

foi à procura<br />

dos velhinhos com um<br />

gravador, enquanto o<br />

Variações já tinha os<br />

velhinhos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le.<br />

O Fachada não tem os<br />

velhinhos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le,<br />

mas a abordagem<br />

é semelhante”<br />

Tiago Pereira<br />

Bois, na Zé dos Bois” -, ou a apren<strong>de</strong>r<br />

essa que tocará no Rossio com Adélia<br />

Garcia, a outra protagonista do filme e<br />

canta<strong>de</strong>ira que, na década <strong>de</strong> 1960,<br />

Michel Giacometti fez questão <strong>de</strong><br />

conhecer para as suas recolhas.<br />

A montagem <strong>de</strong> Tiago Pereira, viajando<br />

entre os dois universos,<br />

expondo-os em paralelo ou em sobreposição<br />

explora uma equivalência:<br />

como se, apesar das diferenças (<strong>de</strong><br />

cultura, <strong>de</strong> cenário, <strong>de</strong> experiência<br />

<strong>de</strong> vida), a música urbana e mo<strong>de</strong>rna<br />

<strong>de</strong> Fachada nascesse do mesmo<br />

impulso que a música rural e ancestral<br />

cantada <strong>por</strong> Adélia Garcia.<br />

“Aquilo que primeiro me chamou a<br />

atenção no B Fachada foram as letras.<br />

Jogavam com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> incoerência<br />

e tinham um surrealismo que faz<br />

parte da tradição popular, quer a das<br />

cantigas, quer a da [artesã barrista<br />

barcelense] Rosa Ramalho”. Continua:<br />

“Na biografia do António Variações<br />

[‘Entre Braga e <strong>Lisboa</strong>’], da<br />

Manuela Gonzaga, Vítor Rua diz que<br />

Giacometti foi à procura dos velhinhos<br />

com um gravador, enquanto o<br />

Variações já tinha os velhinhos todos<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le e, <strong>de</strong> repente, transformou<br />

aquilo tudo. O Fachada não tem<br />

os velhinhos todos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le, mas<br />

a abordagem é semelhante. A tradição<br />

oral é transmitires o que vives,<br />

passá-lo <strong>de</strong> geração em geração,<br />

alargá-lo e criar combinações infinitas”.<br />

Chegamos assim a uma canção<br />

<strong>de</strong> “Viola Braguesa”, precisamente<br />

“Tradição”, que surge como basilar<br />

em “Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea”.<br />

A transcrição que segue é longa, mas<br />

obrigamo-nos a fazê-la para melhor<br />

acompanhar o que se segue. Eis os<br />

seus primeiros versos: “Nestes dias<br />

tive tempo p’ra pensar/ Se a tradição<br />

estará mesmo para acabar / E cheguei<br />

à conclusão fundamental / Que nesta<br />

história da canção tradicional / É<br />

bonita ouvi-la vir <strong>de</strong> alheia<br />

mão / Mas mais bonito ainda é vir do<br />

próprio coração / Se <strong>de</strong>pois tem que<br />

resultar num bem comum / Isso não<br />

nos po<strong>de</strong> pôr problema algum / Que<br />

o colectivo que há em cada um <strong>de</strong> nós<br />

/ Não tem, <strong>por</strong>ra, apenas uma voz”.<br />

Foi essa canção e a gravação do<br />

ví<strong>de</strong>o que a acompanha que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou<br />

o filme. Quando Tiago o disponibilizou<br />

na net, tornou-se um fenómeno<br />

e, <strong>por</strong> ser construído a partir das<br />

52 vezes que Fachada tocou a canção<br />

em 52 locais diferentes do Andanças,<br />

foi visto como homenagem ao festival.<br />

Precisamente o contrário, explica<br />

Tiago: “A ironia era subtil e muitos não<br />

a perceberam. A verda<strong>de</strong> é que aquele<br />

é um festival igual aos outros, com a<br />

diferença <strong>de</strong> os músicos não serem<br />

pagos e não serem aceites patrocínios”.<br />

B Fachada prossegue: “Qualquer<br />

coisa serve para eu fazer uma<br />

canção. Na Flor Caveira [a editora que<br />

lançou “Viola Braguesa”] dizem que<br />

se <strong>de</strong>ve ter cuidado em ter-me como<br />

inimigo, <strong>por</strong>que sempre que tenho um<br />

problema com alguém, a chantagem<br />

é escrever uma canção. E, <strong>de</strong> facto, o<br />

Andanças parecia <strong>de</strong>sdobrar-se <strong>de</strong><br />

hora a hora em motivos para que<br />

aquela canção se fizesse. Sessões <strong>de</strong><br />

djambé às 6 da manhã, com um gajo<br />

a tentar dormir. Uma tenda cheia <strong>de</strong><br />

gente <strong>de</strong> braços no ar com a música<br />

<strong>de</strong> fusão dos Olivetree quando, ao<br />

lado, estava um grupo <strong>de</strong> gaitas galegas<br />

a tocar para ninguém”.<br />

O que a canção dizia é que a tradição<br />

não é imutável, não é “exotismo<br />

urbano” e músicas do <strong>mundo</strong>”, como<br />

diz Fachada a <strong>de</strong>terminado momento<br />

do filme. Pois bem, a partir da gravação<br />

do ví<strong>de</strong>o no Andanças, Tiago<br />

Pereira ficou “preparado” para o que<br />

viria a ser “Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea”.<br />

Antes disso, confessa, “sabia<br />

que o ia levar a ver as pessoas em Trás<br />

Os Montes e, <strong>por</strong>que as conheço,<br />

sabia o que aconteceria nesse encontro.<br />

Não sabia o resto”.<br />

O que acontece então é essa viagem<br />

em salto constante. B Fachada em<br />

Caçarelhos e no Algoso e uma cena<br />

belíssima em que acompanha Adélia<br />

Garcia à guitarra, em que outra canta<strong>de</strong>ira,<br />

Avelina, sentada ao lado<br />

<strong>de</strong>les, improvisa com duas conchas<br />

o ritmo da canção. Isso ou Fachada a<br />

mostrar a sua música a Adélia, em<br />

cenário caseiro <strong>de</strong> lareira acesa, e ela<br />

a ouvi-lo com atenção enquanto o<br />

marido corrompe a “serieda<strong>de</strong>” do<br />

momento perseguindo insectos com<br />

o mata-moscas.<br />

Sobre B Fachada, Adélia tem no<br />

filme opinião firme: “Como não querem<br />

que cante bem? É novo”. Sobre<br />

Adélia, Fachada teoriza: “Existe o<br />

conhecimento colectivo e a comunida<strong>de</strong><br />

tradicional. Depois, existem três<br />

ou quatro pessoas <strong>por</strong> geração com<br />

gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> memorizar esse<br />

conhecimento, essas canções, e <strong>de</strong> as<br />

alterar. A Adélia tem uma memória que<br />

não se encontra, que não conheço”. É<br />

a ela que Fachada resgata a supracitada<br />

“D. Filomena”, canção centenária <strong>de</strong><br />

sangue e traição, que passou a interpretar<br />

regularmente. Em “Tradição<br />

Oral Contem<strong>por</strong>ânea”, lá a ouvimos<br />

entre as suas canções lisboetas, as suas<br />

canções que referem Frank Zappa, que<br />

falam <strong>de</strong> Bagdad, que inventam aforismos<br />

<strong>por</strong>táteis para o século XXI. Este<br />

é o ponto fulcral: o que interessa a<br />

Tiago Pereira e a Fachada é a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> renovação da tradição, é<br />

recusá-la como passado imutável, é<br />

“per<strong>de</strong>r aquela arrogância urbana <strong>de</strong><br />

achar que o conhecimento tradicional<br />

é circunstancial”.<br />

Fachada: “É um vício <strong>de</strong> século XX<br />

e XXI achar que nos últimos seiscentos<br />

anos o <strong>mundo</strong> esteve sempre igual<br />

e que agora é que isto está a mudar,<br />

ou seja, que as circunstâncias que<br />

permitiram a tradição formar-se <strong>de</strong>ixaram<br />

<strong>de</strong> existir. A tradição e o<br />

conhecimento comunitário são inatos<br />

e não <strong>de</strong>saparecem <strong>por</strong> haver um<br />

TGV a ligar <strong>Lisboa</strong> ao Porto”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 21


Música<br />

Hush<br />

Arbors<br />

O saltimbanco folk que nunca abandonou<br />

os Appalaches<br />

Keith Wood, que assina como Hush Arbors, nunca abandonou a pequena cida<strong>de</strong> nos<br />

Appalaches on<strong>de</strong> nasceu. É uma voz in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte numa comunida<strong>de</strong> específica, a <strong>de</strong> Six<br />

Organs Of Admittance ou Sunburned Hand Of The Man. “Hush Arbors” é um disco <strong>de</strong> música<br />

folk. Neste sentido: pertence a um tempo e um lugar específicos. Mário Lopes<br />

A primeira coisa em que reparamos<br />

não é no discurso inteligente ou na<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> discorrer sobre fascínios<br />

musicais e literários, sobre a influência<br />

do <strong>mundo</strong> natural na música que lhe<br />

ouvimos. A primeira coisa em que<br />

reparamos quando o americano Keith<br />

Wood, ele que é os Hush Arbors, nos<br />

aten<strong>de</strong> o telefone em Londres, on<strong>de</strong><br />

vive há ano e meio, é a sua voz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho<br />

animado, qual hobbit que não<br />

Elijah Wood.<br />

Certo que a voz é uma das marcas<br />

que nos <strong>de</strong>ixa a audição do álbum<br />

homónimo que editou recentemente<br />

pela Ecstatic Peace <strong>de</strong> Thurston Moore,<br />

mas julgávamo-la uma construção do<br />

músico, algo que aprimorara para<br />

maior efeito expressivo. Nada disso.<br />

“Quando o Neil Young lançou o seu<br />

‘Unplugged’, em 1993, pensei: ‘Se<br />

aquele gajo consegue cantar, eu também<br />

consigo’. Ele foi o meu catalisador<br />

para escrever canções e seguir na<br />

música”, dir-nos-á. “Não há muita<br />

gente <strong>por</strong> aí com vozes, digamos,<br />

menos tradicionais, mas parecem estar<br />

a tornar-se mais populares actualmente.”<br />

Pega nos exemplos <strong>de</strong> Bon<br />

Iver, cantautor revelação <strong>de</strong> 2008, e<br />

<strong>de</strong> Glenn Donaldson, vocalista <strong>de</strong> uns<br />

magníficos Skygreen <strong>Le</strong>opards que<br />

hão-<strong>de</strong> ser revelação quando a justiça<br />

<strong>de</strong>scer sobre nós, e, acto contínuo, rise:<br />

“O engraçado é que cantar em falsete<br />

não é muito diferente da minha<br />

voz normal.”<br />

E isto é bonito e, ainda que <strong>de</strong> forma<br />

enviesada, diz-nos muito sobre os<br />

Hush Arbors. Porque na sua música<br />

convivem fogo e água, convivem guitarras<br />

eléctricas explodindo em pirotecnia<br />

e gentileza acústica respirando<br />

animismo. Porque todas as metáforas<br />

resgatadas ao <strong>mundo</strong> natural e os<br />

xamanismos rock’n’roll que nela ouvimos<br />

parecem, como a voz <strong>de</strong> Keith<br />

Wood, uma construção. Até que,<br />

falando com ele, compreen<strong>de</strong>mos<br />

como esta música lhe é natural, como<br />

é intuitiva e urgente - e isso, que não<br />

torna as suas canções melhores ou<br />

piores, dá-lhes outra ressonância.<br />

Octávio Paz e Gary Sny<strong>de</strong>r<br />

Vejamos: refere-nos o realismo mágico<br />

<strong>de</strong> Octávio Paz ou o beatnick etéreo<br />

Gary Sny<strong>de</strong>r como influência -<br />

enquanto estudante <strong>de</strong> poesia na Universida<strong>de</strong>,<br />

as letras eram o seu veículo<br />

expressivo predilecto -, conta-nos <strong>de</strong><br />

como durante muito tempo, enquanto<br />

gravava CDr que distribuía via correio<br />

(assim editou a maioria da sua discografia<br />

até este “Hush Arbors”), seguia<br />

à risca a máxima <strong>de</strong> Allen Ginsberg:<br />

“first thought, best thought” - ou seja,<br />

gravar ao primeiro take, sem quaisquer<br />

alterações.<br />

Percebemo-lo: Keith Wood é o<br />

músico que viajou continentes fora<br />

mas nunca abandonou realmente o<br />

sítio on<strong>de</strong> nasceu, Waynesboro, uma<br />

pequena cida<strong>de</strong> do estado da Virgínia<br />

no sopé das Montanhas Blue Ridge,<br />

nos Appalaches, fundada <strong>por</strong> imigrantes<br />

escoceses e irlan<strong>de</strong>ses e on<strong>de</strong> o avô<br />

se dividia entre a criação <strong>de</strong> cabras e<br />

a construção <strong>de</strong> dulcimers, instrumento<br />

<strong>de</strong> cordas, típico da região,<br />

cujas origens remontam ao <strong>Le</strong>ste europeu.<br />

“As fantasmagorias e a escuridão<br />

do Sul [dos Estados Unidos] são coisas<br />

que não te largam. Não po<strong>de</strong>s escolher<br />

on<strong>de</strong> nasceste, não po<strong>de</strong>s escolher<br />

on<strong>de</strong> está o teu coração.”<br />

Se po<strong>de</strong>mos chamar folk ao que faz<br />

- e po<strong>de</strong>mos, mesmo que existam ali<br />

explosões vulcânicas <strong>de</strong> psica<strong>de</strong>lismo<br />

e blues adulterado com sangue inglês<br />

-, é no sentido <strong>de</strong> ser música que, evi<strong>de</strong>nciando<br />

a sua individualida<strong>de</strong>, respira<br />

algo <strong>de</strong> comunal. Ben Chasny<br />

participa em “Hush Arbors” e a influência<br />

dos seus Six Organs Of Admittance<br />

é notória nos riffs como drone<br />

oriental. Ouvimos algo do Neil Young<br />

que Wood diz ser a sua maior referência,<br />

mas enxertado do sentido cósmico<br />

<strong>de</strong> uns Sunburned Hand Of The Man,<br />

com quem partilhou discos e palcos.<br />

Ouvimos um músico que, há alguns<br />

anos, seria atirado para o imenso e<br />

algo castrador cal<strong>de</strong>irão “free-folk”,<br />

mas que agora po<strong>de</strong>mos receber como<br />

voz in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte numa comunida<strong>de</strong><br />

específica. Expliquemo-nos.<br />

A viver em Londres há ano e meio,<br />

tendo agora como companheiro <strong>de</strong><br />

banda permanente o guitarrista inglês<br />

<strong>Le</strong>on Dufficy - aos quais se juntarão, ao<br />

vivo e no próximo álbum, Rick Tomlinson,<br />

dos Voice Of The Seven Woods, e<br />

Ben Swank, antigo baterista dos Soledad<br />

Brothers -, Keith Wood explica-nos,<br />

primeiro, que apesar <strong>de</strong> os Estados<br />

Unidos serem um país imenso, a<br />

“Quando o Neil Young<br />

lançou o seu<br />

‘Unplugged’, em 1993,<br />

pensei: ‘Se aquele<br />

gajo consegue cantar,<br />

eu também consigo’.<br />

Ele foi o meu<br />

catalisador para<br />

escrever canções<br />

e seguir na música”<br />

“comunida<strong>de</strong> musical está bastante<br />

próxima e todos tocamos uns com os<br />

outros, todos dormimos em casa uns<br />

dos outros”. Fala <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong><br />

específica, a <strong>de</strong> Sunburned Hand Of<br />

the Man, <strong>de</strong> Six Organs Of Admittance<br />

ou Woo<strong>de</strong>n Wand. Confessa <strong>de</strong>pois<br />

que, apesar <strong>de</strong> Londres ser uma cida<strong>de</strong><br />

urbana e frenética, um melting-pot <strong>de</strong><br />

músicas e culturas, sente que passa o<br />

tempo a ver e rever os amigos da<br />

“comunida<strong>de</strong>” que <strong>por</strong> ali passam em<br />

digressão: “De tempos a tempos, a<br />

minha casa transforma-se num abrigo<br />

para músicos americanos.”<br />

Olhando para o seu passado, dirnos-á<br />

que a única coisa que sente ter<br />

mudado na sua música é a procura <strong>de</strong><br />

um som mais límpido - “<strong>por</strong>que me<br />

sinto mais confiante a cantar e a gravar,<br />

<strong>por</strong>que o <strong>Le</strong>on [Dufficy] é incrível<br />

em gravação, <strong>por</strong>que agora trabalho<br />

num estúdio e não com um gravador<br />

<strong>de</strong> quatro pistas e um mau microfone”.<br />

Resume: “As canções são as mesmas,<br />

a clarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>las é que mudou.”<br />

Isso po<strong>de</strong> torná-las mais perceptíveis,<br />

mais focadas, mas não lhe apaga<br />

as fantasmagorias, não diminui a<br />

chama inquieta <strong>de</strong>sta magnífica folk<br />

que se alimenta <strong>de</strong> um tempo (o presente<br />

da sua “comunida<strong>de</strong>”) e <strong>de</strong> um<br />

lugar: o sopé das montanhas Blue<br />

Ridge on<strong>de</strong> Keith Wood não escolheu<br />

nascer e que, ainda que saltimbanco<br />

<strong>mundo</strong> fora, nunca quis realmente<br />

abandonar.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos pg. 44<br />

22 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Música<br />

Jan<strong>de</strong>k em<br />

Filadélfia,<br />

2008<br />

Quem é Jan<strong>de</strong>k? Parece uma interrogação<br />

banal, ainda que legítima,<br />

mas neste caso tem uma inesperada<br />

relevância ontológica. Isto<br />

<strong>por</strong>que Jan<strong>de</strong>k é uma personagem<br />

e um músico real. Alguém<br />

que apagou e <strong>de</strong>senhou, com<br />

uma música <strong>de</strong>rivada do blues,<br />

bem como do rock, as fronteiras<br />

que separam a arte da<br />

vida. Dirão que não é o único<br />

e aceita-se a justeza do<br />

reparo. Acontece que nunca<br />

antes a cultura popular<br />

conheceu uma narrativa<br />

assim.<br />

Voltemos à pergunta<br />

inaugural.<br />

Uma maneira (rápida)<br />

<strong>de</strong> conhecermos este<br />

músico <strong>de</strong> Houston,<br />

Texas, é ir ao seu concerto<br />

no Auditório <strong>de</strong><br />

Serralves. Em palco,<br />

para conhecedores ou<br />

não, o encontro (promovido <strong>por</strong><br />

Serralves e pela Filho Único) será<br />

mediado pela electricida<strong>de</strong> e numa<br />

actuação a solo com piano e, talvez,<br />

guitarra. Mas <strong>por</strong> trás <strong>de</strong> cada apresentação<br />

ao vivo escon<strong>de</strong>-se sempre<br />

uma história, e a <strong>de</strong> Jan<strong>de</strong>k é tão fascinante<br />

quanto incontornável. Merece,<br />

<strong>de</strong>ve ser contada.<br />

Consi<strong>de</strong>rado um dos autores mais<br />

im<strong>por</strong>tantes do un<strong>de</strong>rground americano,<br />

Jan<strong>de</strong>k representa um projecto<br />

musical iniciado em 1979 e que conta,<br />

actualmente, com mais <strong>de</strong> 50 discos.<br />

Uma das marcas que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, distinguiu<br />

a sua abordagem ao blues e ao<br />

rock foi o menosprezo disciplinado<br />

pelo saber tocar e a melodia. “Ready<br />

For The House” (1978), o primeiro<br />

trabalho, é dominado <strong>por</strong> uma guitarra<br />

e voz em <strong>de</strong>salinho completo,<br />

mas em contrapartida verte uma<br />

expressivida<strong>de</strong> que atira as letras e os<br />

sons contra a pare<strong>de</strong> para investigar<br />

um estilo próprio. E a assinatura singular<br />

<strong>de</strong> Jan<strong>de</strong>k não se <strong>de</strong>teve na<br />

música: esten<strong>de</strong>u-se, também, à imagem.<br />

Na capa do mesmo disco vemos<br />

uma fotografia pouco nítida do interior<br />

<strong>de</strong> um quarto on<strong>de</strong> se vislumbra um<br />

livro <strong>de</strong> Christopher Marlowe, poeta<br />

e dramaturgo inglês do século XVI.<br />

Tratar-se-á da casa <strong>de</strong> Jan<strong>de</strong>k? O que<br />

significa a presença da obra literária?<br />

O que há <strong>de</strong> encenação e verda<strong>de</strong><br />

nesta fotografia?<br />

Desconhecem-se, ainda hoje, as<br />

respostas. Sabe-se, apenas, que foi a<br />

partir <strong>de</strong> uma reunião inédita entre<br />

música difícil e obscura e imagens<br />

misteriosas, aparentemente anónimas,<br />

que Jan<strong>de</strong>k iniciou a sua narrativa.<br />

Um rosto <strong>de</strong>pois da música<br />

A reacção a “Ready For The House”<br />

foi quase nula, mas uma crítica<br />

Uma das marcas<br />

que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />

distinguiu<br />

a sua<br />

abordagem<br />

ao blues<br />

e ao rock foi<br />

o menosprezo<br />

disciplinado<br />

pelo saber tocar<br />

e a melodia<br />

positiva na revista<br />

<strong>de</strong> música alternativa<br />

“Op”<br />

motivou-o a<br />

continuar.<br />

Construir uma<br />

carreira,<br />

<strong>por</strong>ém, não<br />

significava aparecer<br />

publicamente e recolheu-se<br />

ao anonimato e à solidão. Desapareceu.<br />

Não <strong>de</strong>ixou <strong>por</strong> isso <strong>de</strong> fundar<br />

a sua editora<br />

(Cornwood Industries)<br />

e nos anos 80 gravou<br />

17 discos. Pelo meio foi<br />

abrindo a <strong>por</strong>ta a outros<br />

- há uma mulher chamada<br />

Nancy que canta<br />

em “Chair Besi<strong>de</strong> A Window”<br />

(1982) e ouvem-se<br />

outras vozes em “On The<br />

Way” (1988). O som manteve-se<br />

austero e seguro<br />

numa guitarra, eléctrica<br />

ou acústica, e na percussão<br />

<strong>de</strong>sregrada na tradição<br />

dos The Godz ou dos Holy<br />

Modal Roun<strong>de</strong>rs.<br />

Com o tempo, e em discos<br />

como “Follow Your<br />

Footseps”, <strong>de</strong> 1986, ou<br />

“You Walk Alone”, <strong>de</strong> 1988,<br />

foram-se reconhecendo riffs<br />

e acor<strong>de</strong>s que se aproximavam<br />

da canção tradicional<br />

Apesar <strong>de</strong> habitar um tempo paralelo,<br />

edificando aí a sua obra, Jan<strong>de</strong>k não<br />

era totalmente indiferente à história<br />

oficial do pop-rock; evocou tanto o<br />

pós-punk das Raincoats e dos Swell<br />

Maps como Bob Dylan ou Michael Hurley.<br />

E a imprensa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos<br />

EUA estava atenta: críticos como Byron<br />

Coley ou Douglas Wolk começaram a<br />

discutir apaixonadamente o seu trabalho<br />

em revistas “mainstream”.<br />

Na década seguinte continuou prolífico,<br />

secreto, inacessível (só <strong>de</strong>u uma<br />

entrevista) o que não impediu que<br />

vários lhe seguissem as pisadas. Alguns<br />

retiraram ensinamentos: os Smog dos<br />

primeiros anos “roubaram-lhe” a instrumentação<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ira, os Low inspiravam-se<br />

na forma como <strong>de</strong>ixava<br />

respirar o estúdio e os Charalambi<strong>de</strong>s<br />

(também <strong>de</strong> Houston) apren<strong>de</strong>ram<br />

com os espaços que ele criara entre a<br />

voz e a guitarra.<br />

Reconhecida a obra, faltava conhecer<br />

o artista, mas o homem (que dizem<br />

chamar-se Sterling Richard Smith) foise<br />

furtando a revelações em carne e<br />

osso. Das letras (terrível, duras, oníricas)<br />

ainda ninguém ousou dizer que<br />

têm algo <strong>de</strong> autobiográfico. Restam as<br />

capas dos discos. E é ele que vemos<br />

com ida<strong>de</strong>s, roupas e penteados diferentes,<br />

em quartos ou diante <strong>de</strong> alpendres.<br />

Há imagens que remetem para<br />

iconografias familiares (Robert Johnson,<br />

Dylan, Nick Cave, talvez Tim<br />

Buckley) e <strong>de</strong>notam um uso consciente<br />

da capa como su<strong>por</strong>te fotográfico <strong>de</strong><br />

um auto-retrato; outras mostram baterias,<br />

guitarras, espaços exteriores <strong>de</strong><br />

uma cida<strong>de</strong> (éramos capazes <strong>de</strong> jurar<br />

que cita William Eggleston). Todas<br />

parecem confluir para a construção<br />

<strong>de</strong> uma personagem.<br />

A confirmação final <strong>de</strong> que aquele<br />

era o seu rosto, e não o <strong>de</strong> uma figura<br />

inventada, aconteceu em 2004, na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Glasgow e num contexto<br />

novo: o primeiro concerto ao vivo. Jan<strong>de</strong>k<br />

quebrava assim, <strong>de</strong> forma inesperada,<br />

um isolamento <strong>de</strong> décadas para<br />

se revelar enquanto pessoa pública,<br />

performer num palco - e nos últimos<br />

quatros anos até hoje, na Europa e nos<br />

EUA, outros concertos têm sido organizados<br />

com diversos músicos e, quase<br />

sempre, feitos <strong>de</strong> material inédito.<br />

Para os fãs e para o público trata-se<br />

do momento mais bizarro da história<br />

do músico, mas também, talvez, o<br />

mais <strong>de</strong>sejado. Afinal Jan<strong>de</strong>k sempre<br />

agiu segundo os seus apetites. Tocou,<br />

gravou e mostrou-se apenas e quando<br />

quis. Po<strong>de</strong>mos imaginá-lo como um<br />

artista interessado em interrogar as<br />

nossas noções <strong>de</strong> celebrida<strong>de</strong>, autoria,<br />

ficção. Ou apenas como alguém que<br />

construiu o seu próprio palco e <strong>de</strong>le<br />

tentou a sorte. Um escritor <strong>de</strong> canções,<br />

uma personagem chamada Jan<strong>de</strong>k.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 40 e<br />

A música, o palco<br />

e a vida<br />

Amanhã no Auditório <strong>de</strong> Serralves vai estar uma das personagens mais fascinantes<br />

da música contem<strong>por</strong>ânea. Vai <strong>de</strong>ixar no palco canções (da sua) vida. José Marmeleira<br />

24 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009<br />

segundo Jan<strong>de</strong>k


Música<br />

Il Giardino Armonico, um dos mais<br />

carismáticos agrupamentos italianos<br />

especializados no repertório barroco,<br />

cumpre 25 anos em 2010, mas a rotina<br />

é palavra que não faz parte do seu vocabulário.<br />

Descoberta, experimentação<br />

e revolução são termos mais a<strong>de</strong>quados<br />

para caracterizar o percurso do multipremiado<br />

grupo dirigido pelo flautista<br />

Giovanni Antonini, on<strong>de</strong> a trepidante<br />

interpretação <strong>de</strong> “As Quatro Estações”,<br />

<strong>de</strong> Vivaldi (1994) ou o “Vivaldi Album”,<br />

com Cecilia Bartoli (1999), para citar<br />

apenas dois dos registos mais mediáticos,<br />

marcaram <strong>de</strong>finitivamente o rumo<br />

da música antiga nas últimas décadas.<br />

Falando <strong>de</strong> aniversários, em 2009<br />

assinalam-se os 250 anos da morte <strong>de</strong><br />

Han<strong>de</strong>l e os 200 anos da morte <strong>de</strong><br />

Haydn, efeméri<strong>de</strong>s que preenchem<br />

uma boa parte da agenda <strong>de</strong> Il Giardino<br />

Armonico. A gravação dos 12 “Concerti<br />

Grossi” op. 6, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l (uma caixa <strong>de</strong><br />

três CDs editada pela Decca) será lançada<br />

em Portugal no final <strong>de</strong> Janeiro,<br />

mas já no próximo domingo será possível<br />

ouvir ao vivo, no Centro Cultural<br />

<strong>de</strong> Belém, alguns <strong>de</strong>stes concertos nas<br />

versões do grupo italiano. O programa<br />

inclui ainda o famoso Concerto op. 5,<br />

nº12, “La Folia”, <strong>de</strong> Geminiani, e o<br />

Concerto em Fá Maior para flauta, cordas<br />

e baixo contínuo, <strong>de</strong> Giuseppe Sammartini.<br />

Para Giovanni Antonini, os Concertos<br />

op. 6, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, são “um monumento<br />

da música barroca, com uma im<strong>por</strong>tância<br />

comparável à dos Concertos Bran<strong>de</strong>burgueses”,<br />

<strong>de</strong> Bach, ou à colecção<br />

“L’Estro Armonico”, <strong>de</strong> Vivaldi, mas<br />

têm sido subvalorizados. “Fazem parte<br />

dos nossos programas há muitos anos,<br />

pelo que o resultado <strong>de</strong>sta gravação<br />

é como uma fotografia<br />

actual <strong>de</strong> um longo trabalho<br />

<strong>de</strong> aprofundamento interpretativo.”<br />

Antonini realça que<br />

cada concerto encerra<br />

“um <strong>mundo</strong> expressivo<br />

diferente” e que o conjunto<br />

constitui “uma espécie<br />

<strong>de</strong> enciclopédia das<br />

formas musicais barrocas”.<br />

A interpretação procura<br />

“sublinhar a componente<br />

dramática da música,<br />

diferenciando-se da abordagem<br />

da escola inglesa,<br />

que tem vincado sobretudo<br />

a vertente celebrativa e a grandiloquência”.<br />

Antonini refere que esses “são<br />

aspectos que também existem na obra<br />

<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l - <strong>por</strong> exemplo, na “Música<br />

para os Reais Fogos <strong>de</strong> Artifício” ou no<br />

“Messias” - mas que nos Concertos op.<br />

6 se distinguem <strong>por</strong> “uma ligeireza e<br />

uma exploração <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s contrastes<br />

muito próxima do espírito teatral italiano”.<br />

“Creio que essa dimensão<br />

po<strong>de</strong>rá distinguir a nossa versão <strong>de</strong><br />

outras, como a <strong>de</strong> Trevor Pinnock ou a<br />

<strong>de</strong> Christopher Hogwood, que sublinham<br />

mais uma beleza <strong>de</strong> carácter<br />

estetizante.”<br />

O sabor italiano não é <strong>de</strong> todo forçado,<br />

já que o concerto grosso é uma<br />

forma dramática baseada em contrastes,<br />

on<strong>de</strong> um pequeno grupo <strong>de</strong> solistas<br />

e um grupo orquestral maior estão em<br />

permanente confronto, imitação ou<br />

colaboração. Para Antonini “a música<br />

Han<strong>de</strong>l<br />

contra a rotina<br />

“Estamos sempre<br />

interessados em<br />

música extrema, que<br />

revele uma certa<br />

ousadia<br />

experimental”, diz<br />

Antonini<br />

Na sua recente gravação dos “Concerti Grossi”, op. 6, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l,<br />

Giovanni Antonini e Il Giardino Armonico quiseram <strong>de</strong>stacar-se<br />

das interpretações inglesas <strong>de</strong> referência e realçar a teatralida<strong>de</strong><br />

italiana. A ouvir no domingo, ao vivo, no Centro Cultural <strong>de</strong><br />

Belém, <strong>Lisboa</strong>. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l não é só dramática nas<br />

óperas, a sua teatralida<strong>de</strong> também está<br />

presente no repertório instrumental”.<br />

I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

Des<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007, que Il Giardino<br />

Armonico é o grupo barroco resi<strong>de</strong>nte<br />

do Centro Cultural Miguel Delibes <strong>de</strong><br />

Valhadolid. A colaboração com esta<br />

instituição espanhola contemplou a<br />

gravação dos Concertos op. 6 e implica<br />

vários outros projectos relacionados<br />

com Han<strong>de</strong>l e Haydn ao longo <strong>de</strong> 2009.<br />

A próxima produção será em torno das<br />

Sinfonias <strong>de</strong> Haydn do período Sturm<br />

und Drang, cujo carácter experimental<br />

vem especialmente ao encontro da<br />

linha <strong>de</strong> trabalho do grupo. “Estamos<br />

sempre interessados em música<br />

extrema, que revele uma certa ousadia<br />

experimental”, diz Antonini, lamentando<br />

que o gosto pela <strong>de</strong>scoberta se<br />

esteja a per<strong>de</strong>r. “Nos últimos 20 ou 25<br />

anos atingiu-se um nível técnico e <strong>de</strong><br />

conhecimento musical muito elevado,<br />

mas em contrapartida entrou-se na<br />

rotina interpretativa. Mas nós tentamos<br />

manter o gosto pela novida<strong>de</strong> e ir evoluindo.<br />

Não queremos ficar prisioneiros<br />

<strong>de</strong> esquemas. A música antiga entrou<br />

num sistema produtivo, que é o da<br />

música clássica em geral, muito propício<br />

ao conformismo.”<br />

Há também mudanças positivas a<br />

assinalar como o interesse das instituições<br />

e das orquestras mo<strong>de</strong>rnas pelas<br />

práticas <strong>de</strong> execução históricas. Antonini<br />

é convidado cada vez com mais<br />

frequência para dirigir agrupamentos<br />

convencionais e já chegou a actuar<br />

como flautista e maestro com a Filarmónica<br />

<strong>de</strong> Berlim. Em Março dirige a<br />

ópera “Alcina”, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, à frente da<br />

orquestra do Teatro alla scala <strong>de</strong> Milão,<br />

um feito digno <strong>de</strong> nota tendo em conta<br />

as tradições conservadoras da maior<br />

parte dos teatros italianos.<br />

O trabalho com intérpretes que<br />

tocam instrumentos mo<strong>de</strong>rnos tem<br />

sido aliciante, embora os resultados<br />

variem muito. “Depen<strong>de</strong> do interesse<br />

que os músicos têm, mas quando querem<br />

mesmo aprofundar o estilo po<strong>de</strong><br />

ser muito gratificante.”<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista prático, as maiores<br />

dificulda<strong>de</strong>s encontram-se geralmente<br />

na secção das cordas. “Tocar música<br />

barroca com um arco mo<strong>de</strong>rno é muito<br />

mais difícil <strong>por</strong>que está feito para outro<br />

tipo <strong>de</strong> técnica. O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio é em<br />

apenas dois ou três dias <strong>de</strong> ensaio comunicar<br />

conceitos estéticos, quando os<br />

meios técnicos para os pôr em prática<br />

não são os da época”, explica Antonini.<br />

“Às vezes funciona e chegamos a um<br />

terço do resultado. Não é o resultado<br />

dos instrumentos antigos nem o dos<br />

instrumentos mo<strong>de</strong>rnos, é algo intermédio,<br />

que mesmo assim po<strong>de</strong> ter uma<br />

gran<strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong>. As orquestras mo<strong>de</strong>rnas<br />

confrontam-se com um repertório<br />

que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Vivaldi aos contem<strong>por</strong>âneos<br />

e é impossível saber fazer tudo. A<br />

nossa vida musical contempla obras <strong>de</strong><br />

todas as épocas e <strong>de</strong>vemos dividirmonos,<br />

umas vezes somos antigos, outras<br />

mo<strong>de</strong>rnos! Esta é talvez a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />

nosso tempo, que no fundo acaba <strong>por</strong><br />

não ter uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria. Ou<br />

melhor, a marca do nosso tempo é ter<br />

tantas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s diferentes.”<br />

O carismático<br />

Il Giardino<br />

Armonico<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 25


Paulo Nozolino<br />

“Vivemos num <strong>mundo</strong> sujo”<br />

São 32 imagens inéditas, em pequeno formato, que parecem estar a ser consumidas pelo fogo.<br />

Não têm data, nem título, vão <strong>de</strong> 1976 até hoje. “bone lonely” é a nova exposição <strong>de</strong> Paulo<br />

Nozolino, a primeira individual em <strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há oito anos. Inaugurou ontem na Galeria<br />

Quadrado Azul. Óscar Faria<br />

Exposições<br />

Há uma solidão que chega ao osso. E<br />

nunca mais nos abandona. Atravessase<br />

o <strong>mundo</strong> e vê-se essa sombra cada<br />

vez mais vasta, <strong>por</strong>que o medo corrompe<br />

a paisagem, e a <strong>de</strong>lação contamina<br />

os humanos. “bone lonely” é a<br />

nova exposição <strong>de</strong> Paulo Nozolino,<br />

ontem inaugurada na Galeria Quadrado<br />

Azul.<br />

Uma individual que marca o<br />

regresso do fotógrafo a <strong>Lisboa</strong>,<br />

cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> já não apresentava<br />

trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001.<br />

São 32 imagens inéditas,<br />

em pequeno formato,<br />

que parecem<br />

estar a ser consumidas<br />

pelo fogo. Não datadas - o arco<br />

tem<strong>por</strong>al vem <strong>de</strong> 1976 até ao presente<br />

-, sem título, elas formam um<br />

contínuo, uma linha <strong>de</strong> escombros.<br />

Morte, i<strong>de</strong>ologia, ruína, sexo, consumo<br />

e usura são temas centrais<br />

<strong>de</strong>sta exposição, que<br />

viajará, ainda este ano, para os<br />

Encontros <strong>de</strong> Fotografia <strong>de</strong> Arles, em<br />

França. Em paralelo será lançado um<br />

livro, editado pela alemã Steidl, com<br />

poemas em inglês <strong>de</strong> Rui Baião.<br />

Qual é o tempo que abarcam as<br />

imagens na exposição?<br />

Esta série não tem data, nem título,<br />

nem localização. Estou farto que<br />

olhem para as minhas imagens e as<br />

reduzam a questões <strong>de</strong> tamanho e <strong>de</strong><br />

técnica. As fotografias vão <strong>de</strong> 1976 a<br />

2008: são provas únicas, todas verticais<br />

e <strong>de</strong> pequena dimensão - têm<br />

como objectivo fazer com que o<br />

espectador vá perto <strong>de</strong>las e<br />

tente <strong>de</strong>cifrar o que lá está.<br />

Nozolino, à<br />

esquerda,<br />

reveu todas as<br />

provas <strong>de</strong><br />

contacto<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973<br />

para escolher<br />

as fotografias:<br />

“Acabo<br />

sempre <strong>por</strong><br />

voltar aos<br />

escombros da<br />

II Guerra<br />

Mundial, que é<br />

o ponto <strong>de</strong><br />

partida da<br />

exposição”<br />

THOMAS CANET


O fundamental nesta exposição é a<br />

sequência das imagens.<br />

As fotografias são todas inéditas.<br />

Por que razão só agora são<br />

reveladas?<br />

Faço uma exposição quando sinto que<br />

tenho alguma coisa para dizer. Esta é<br />

a primeira mostra individual em <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, trabalhei nela<br />

durante mais <strong>de</strong> um ano para tentar<br />

respon<strong>de</strong>r a uma questão que me atormenta:<br />

como se vive hoje?<br />

Para obter a resposta foi<br />

necessário rever um percurso,<br />

olhar novamente para imagens<br />

<strong>por</strong>ventura esquecidas.<br />

Durante o processo <strong>de</strong> escolha<br />

das fotografias houve algum<br />

sentimento que prevaleceu?<br />

Mais do que numa exposição, estou<br />

sempre a pensar num livro e impus,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio, que elas seriam verticais.<br />

Esta já é uma restrição que <strong>de</strong><br />

uma certa maneira ajuda a rever o<br />

passado. Para esta mostra revi todas<br />

as provas <strong>de</strong> contacto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973 e<br />

fui escolhendo fotografias que fossem<br />

<strong>de</strong> alguma maneira notas musicais<br />

para uma espécie <strong>de</strong> melodia que<br />

estava a tentar com<strong>por</strong>. Tinha uma<br />

noção muito certa qual era o tempo,<br />

no sentido musical, qual era a cadência,<br />

o peso, a ressonância que as imagens<br />

tinham <strong>de</strong> ter.<br />

O confronto com tantas provas<br />

possibilitou certamente uma<br />

reflexão acerca do próprio modo<br />

<strong>de</strong> fotografar. Que diferenças há<br />

entre uma imagem captada há 30<br />

anos e outra em 2008?<br />

Um olhar retrospectivo é sempre<br />

mais distante, <strong>por</strong>que o tempo faz<br />

isso. É agradável ver que essas imagens<br />

existem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1976. O sentimento<br />

que me move agora já me<br />

movia nessa altura.<br />

Há <strong>por</strong>tanto um fio condutor...<br />

Sempre houve.<br />

É capaz <strong>de</strong> o <strong>de</strong>screver?<br />

Parte <strong>de</strong> uma pergunta algo filosófica:<br />

o que é que estou aqui a fazer? Qual<br />

é o meu lugar neste <strong>mundo</strong>? No<br />

fundo, trata-se <strong>de</strong> saber quem sou eu,<br />

como vivo e como vejo: tudo isto reunido<br />

dá fotografias, que po<strong>de</strong>m ficar<br />

esquecidas ou latentes em provas <strong>de</strong><br />

contacto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixas, durante<br />

anos. Até que <strong>de</strong>pois são revistas e<br />

lhes é atribuído um outro significado.<br />

Neste momento, quase não im<strong>por</strong>ta<br />

aquilo que fotografo, a essência está<br />

na carga dada àquilo que foi fotografado.<br />

As imagens estão cada vez mais<br />

simples, a preocupação estética é<br />

cada vez menor.<br />

O que quer dizer com<br />

preocupação estética?<br />

É fazer uma fotografia que seja “agradável.”<br />

Alguma vez o moveu fazer uma<br />

imagem <strong>de</strong>sse tipo?<br />

No início, isso move qualquer fotógrafo:<br />

uma imagem feita para agradar<br />

aos outros. O que me move agora é<br />

não agradar aos outros, o que faz com<br />

que talvez agra<strong>de</strong> a alguns, mas<br />

sobretudo a mim. Obviamente, o<br />

facto <strong>de</strong> ter começado a escolher imagens<br />

e a ampliá-las <strong>de</strong>sta forma um<br />

bocado <strong>de</strong>sleixada e suja - o papel é<br />

velado, mal fixado -, criou em mim<br />

uma apetência <strong>por</strong> produzir coisas<br />

imperfeitas.<br />

Percebe-se nesta exposição que,<br />

<strong>de</strong> facto, houve essa vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> agir directamente sobre as<br />

imagens, “sujando-as”...<br />

Por um lado, vivemos num <strong>mundo</strong><br />

sujo, que muitos não querem ver,<br />

<strong>por</strong> outro, vivemos ro<strong>de</strong>ados <strong>de</strong> imagens<br />

limpas, assépticas, a cores,<br />

coladas em su<strong>por</strong>tes plásticos, em<br />

gran<strong>de</strong>s formatos, coisas que me dão<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vomitar. Isto é uma reacção<br />

contra o <strong>mundo</strong> que me ro<strong>de</strong>ia:<br />

o da arte e o da vida real. Quando<br />

saio para a rua vejo pessoas com<br />

fome, bolor, prédios a caírem aos<br />

bocados. Vejo tudo a esmorecer à<br />

minha volta, algo que correspon<strong>de</strong><br />

ao meu estado <strong>de</strong> alma.<br />

“A exposição é um<br />

trabalho sobre um ser<br />

só que olha para os<br />

escombros, alguém<br />

que já não tem ilusões<br />

<strong>de</strong> que está a viver<br />

num <strong>mundo</strong> regido<br />

<strong>por</strong> falanges<br />

cinzentas e on<strong>de</strong><br />

reina a <strong>de</strong>lação e o<br />

pânico. Este homem<br />

vai produzindo<br />

imagens surdas sobre<br />

o bolor, a fome e o<br />

frio”<br />

A sua biografia foi também<br />

im<strong>por</strong>tante para a construção <strong>de</strong><br />

“bone lonely”?<br />

Se o momento fosse diferente não<br />

haveriam imagens, <strong>por</strong>que isso significava<br />

que estaria a ter prazer naquilo<br />

que vivo e faço. O prazer é a completa<br />

antítese do <strong>de</strong>sejo. O <strong>de</strong>sejo motivado<br />

pela paixão é o motor da criação. Se<br />

estivesse a ter prazer não fazia estas<br />

imagens, nem as escolhia.<br />

Quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> realizar uma<br />

imagem é possível precisar a<br />

sensação que o habita?<br />

Ela significar algo <strong>de</strong> profundo para<br />

mim. É fundamental que estejam ligadas<br />

à minha vida, <strong>por</strong>que se não estaria<br />

a contribuir para a feira das vaida<strong>de</strong>s<br />

e para o mercado das inutilida<strong>de</strong>s.<br />

Faço isto para mim, para me<br />

certificar que há um equivalente<br />

visual para aquilo que sinto. A exposição<br />

é um trabalho sobre um ser só<br />

que olha para os escombros, alguém<br />

que já não tem ilusões <strong>de</strong> que está a<br />

viver num <strong>mundo</strong> regido <strong>por</strong> falanges<br />

cinzentas e on<strong>de</strong> reina a <strong>de</strong>lação e o<br />

pânico. Este homem vai produzindo<br />

imagens surdas sobre o bolor, a fome<br />

e o frio. “bone lonely” é mais um trabalho<br />

<strong>de</strong> dissidência em relação à<br />

hipocrisia global que tenta ven<strong>de</strong>r a<br />

imagem da felicida<strong>de</strong> às pessoas.<br />

Sinto-me só, sinto-me <strong>de</strong>siludido,<br />

mas <strong>por</strong> outro lado há uma espécie<br />

<strong>de</strong> serenida<strong>de</strong> interior <strong>por</strong> ter chegado<br />

a estas conclusões.<br />

Não há uma vitalida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong> fazer<br />

e <strong>de</strong> ex<strong>por</strong>, que acompanha essa<br />

solidão?<br />

Tenho sempre a sensação que a<br />

doença, a angústia está lá. Po<strong>de</strong><br />

tomar-se um ansiolítico para a tirar,<br />

mas ela volta sempre. Po<strong>de</strong> fazer-se<br />

uma exposição, um livro, po<strong>de</strong><br />

mesmo ter-se a ilusão <strong>de</strong> que essa partilha<br />

é boa, contudo, já não dou muito<br />

valor a isto. A única coisa re<strong>de</strong>ntora<br />

em continuar a trabalhar é saber que<br />

as imagens po<strong>de</strong>rão ser intem<strong>por</strong>ais.<br />

As fotografias têm <strong>de</strong> sobreviver in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> mim, como uma<br />

espécie <strong>de</strong> legado do meu tempo.<br />

A sequência das fotografias é<br />

cronológica?<br />

Não, <strong>por</strong>que a cronologia pouco interessa<br />

aqui. As fotografias têm uma<br />

história subjacente que está encriptada.<br />

Ela só será totalmente <strong>de</strong>cifrada<br />

<strong>por</strong> pessoas que conhecem o meu<br />

trabalho e têm preocupações comuns.<br />

Esta é uma exposição para pessoas<br />

que querem tentar perceber aquelas<br />

imagens.<br />

O livro que acompanha esta<br />

exposição tem poemas <strong>de</strong> Rui<br />

Baião. Como <strong>de</strong>correu esta<br />

colaboração?<br />

“bone lonely” é feito durante quase<br />

um ano e meio. De uma certa maneira,<br />

os poemas que o Rui Baião me entregou<br />

no Verão <strong>de</strong> 2007, numa forma<br />

ainda muito ru<strong>de</strong>, activaram em mim<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar nas coisas uma<br />

vez mais. Entretanto, os poemas foram<br />

evoluindo e as fotografias tomando<br />

forma. Foi um trabalho muito intenso<br />

e <strong>de</strong> <strong>de</strong>puração feito a dois.<br />

Há alguma equivalência entre<br />

imagens e textos?<br />

A fotografia não age como ilustração<br />

e vice-versa. Estamos ambos com a<br />

mesma ida<strong>de</strong>, a viver praticamente a<br />

500 metros um do outro, em <strong>Lisboa</strong>,<br />

e a vermo-nos quase todos os dias.<br />

Esta proximida<strong>de</strong> provoca uma reflexão<br />

muito mais aguda do que se cada<br />

um estivesse a trabalhar para seu lado.<br />

O livro arranca com 32 imagens, suce<strong>de</strong>m-se<br />

outros tantos poemas em<br />

inglês. São duas maneiras <strong>de</strong> olhar<br />

para o <strong>mundo</strong> com muitos pontos em<br />

comum. A mistura é eficaz.<br />

A exposição marca também uma<br />

nova fase da sua vida: o regresso<br />

a <strong>Lisboa</strong>, a sua cida<strong>de</strong> natal,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> oito anos a<br />

viver no Porto. O que sobreviveu<br />

<strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>?<br />

Sobrevive pouco. Foi um período<br />

intenso da minha vida, no qual vivi<br />

muito feliz e tive uma exposição antológica<br />

em Serralves. Depois seguiu-se<br />

o inevitável período <strong>de</strong> tédio com a<br />

pequenez do lugar. E as incontornáveis<br />

querelas intelectuais com as pessoas<br />

próximas e a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> uma<br />

certa hipocrisia. Isso foi uma espécie<br />

<strong>de</strong> surpresa, mas tratou-se <strong>de</strong> uma<br />

fase da minha vida, que passou.<br />

“bone lonely” reflecte esse<br />

tédio?<br />

Não. Sempre achei que a arte era uma<br />

espécie <strong>de</strong> antevisão da vida. Em<br />

todos os trabalhos que tenho feito<br />

sinto que estou a trabalhar em algo<br />

que vou viver mais tar<strong>de</strong>. Não é uma<br />

reacção, é uma espécie <strong>de</strong> premonição<br />

das coisas que irão acontecer.<br />

Quando começo a trabalhar na<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 27


As imagens<br />

também<br />

po<strong>de</strong>m ser<br />

entendidas<br />

como uma<br />

reflexão sobre<br />

o pós-11 <strong>de</strong><br />

Setembro<br />

exposição é quase a sentir que há<br />

uma felicida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sfazer-se, há um<br />

local que para mim começa a per<strong>de</strong>r<br />

interesse e finalmente só po<strong>de</strong>mos<br />

ter alguma verda<strong>de</strong> neste trabalho se<br />

o levarmos até às últimas consequências.<br />

O que <strong>de</strong>pois acontece à nossa<br />

vida já é indiferente.<br />

As fotografias po<strong>de</strong>m ser<br />

agrupadas tematicamente:<br />

morte, i<strong>de</strong>ologia, ruína, sexo<br />

e consumo são alguns dos<br />

assuntos abordados pelas<br />

imagens. Há, contudo, um<br />

que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar-se, até pela<br />

relação possível <strong>de</strong> estabelecer<br />

com alguns poemas <strong>de</strong> Ezra<br />

Pound, que é o da usura...<br />

Acabo sempre <strong>por</strong> voltar aos escombros<br />

da II Guerra Mundial, que é o<br />

ponto <strong>de</strong> partida da exposição. On<strong>de</strong><br />

estamos <strong>de</strong>pois do que aconteceu em<br />

1945? É pensar não só na reconstrução<br />

da Europa, mas também nas falhas<br />

dos sistemas, quer o capitalista, quer<br />

o comunista. Voltar a passar pelo<br />

genocídio da Bósnia e chegar à conclusão<br />

<strong>de</strong> que o crime perdura. A<br />

reconstrução não se vê. Há edifícios<br />

inacabados, cassetes que pingam sangue,<br />

i<strong>de</strong>ologias sem sentido. Sexo em<br />

casas <strong>de</strong> alterne, homens que discutem<br />

em bares. O neo-fascismo em que<br />

vivemos. O medo e o pânico. O terror<br />

global. No fundo, sermos prisioneiros<br />

da liberda<strong>de</strong> que nos tentaram ven<strong>de</strong>r<br />

e pela qual pagámos caro.<br />

Po<strong>de</strong>m ser estas imagens também<br />

entendidas como uma reflexão<br />

acerca do pós-11 <strong>de</strong> Setembro?<br />

Sem dúvida. O 11 <strong>de</strong> Setembro<br />

mudou tudo. É inevitável termos <strong>de</strong><br />

pensar que estamos num <strong>mundo</strong> no<br />

qual a procura da “felicida<strong>de</strong>” - que<br />

fez pessoas endividarem-se e comprarem<br />

viagens para irem para o Brasil<br />

<strong>de</strong>itarem-se <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> coqueiros<br />

a pensar ser era essa a solução - po<strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong>struída <strong>por</strong> um indivíduo com<br />

uma botija <strong>de</strong> gás e um <strong>de</strong>spertador,<br />

a viver algures, num apartamento<br />

sórdido. Nós tentamos viver, essa pessoa<br />

quer morrer. Como se po<strong>de</strong><br />

ganhar a luta contra tal tenacida<strong>de</strong>?<br />

Numa das fotografias da<br />

exposição há um puzzle on<strong>de</strong> se<br />

vê uma paisagem a que falta uma<br />

peça. Que peça é esta?<br />

Sou eu. O <strong>mundo</strong> é como é e, embora<br />

não consiga mudar a paisagem do<br />

puzzle, aquilo que ainda posso fazer<br />

é não me encaixar nela.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> exposições pág. 29<br />

28 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Exposições<br />

“Bone Lonley”, Paulo Nozolino<br />

Contra<br />

mundum<br />

Trinta e duas imagens<br />

<strong>de</strong> resistência ao <strong>mundo</strong>.<br />

Óscar Faria<br />

Bone Lonely<br />

De Paulo Nozolino.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Quadrado Azul - <strong>Lisboa</strong>. Largo dos<br />

Stephens, 4. Tel.: 213476280. Até 21/02. 3ª a Sáb. das<br />

13h às 20h.<br />

Fotografia.<br />

mmmmm<br />

<strong>Le</strong>mbremos a frase <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong><br />

“Quel Che Resta di Auschwitz”, livro<br />

escrito em 1998 <strong>por</strong> Giorgio Agamben:<br />

“Num campo, uma das razões para<br />

sobreviver, é a <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>mos<br />

tornarmo-nos uma testemunha.” O<br />

poeta Yitskhok Katzenelson, um dos<br />

gaseados nesse lugar infame, <strong>de</strong>ixounos<br />

em herança um texto intitulado<br />

“O Canto do Povo Ju<strong>de</strong>u Assassinado”,<br />

composto <strong>por</strong> versos escritos em<br />

yiddish, numa prisão para<br />

“personalida<strong>de</strong>s” situada em Vittel,<br />

entre 3 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1943 e 18 <strong>de</strong><br />

Janeiro <strong>de</strong> 1944. “Exterminaram-nos a<br />

todos sobre esta terra, do mais<br />

pequeno ao mais/ gran<strong>de</strong>,<br />

assassinaram-nos a todos” lê-se na<br />

última parte do poema (XV, “Depois<br />

do Fim”), que termina assim: “Não se<br />

amontoem numa bola <strong>de</strong> matéria para<br />

aniquilar os maus <strong>de</strong>ste <strong>mundo</strong>,<br />

<strong>de</strong>ixem-nos <strong>de</strong>struírem-se a eles<br />

próprios sobre esta terra!”<br />

Os escombros da II Guerra Mundial<br />

são o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> “bone<br />

lonely”. A viagem proposta na<br />

exposição <strong>de</strong> Paulo Nozolino traduz o<br />

estado <strong>de</strong> incerteza que hoje se vive,<br />

mas essa inquietu<strong>de</strong> tem uma origem<br />

e essa é a do mal absoluto,<br />

simbolizado <strong>por</strong> Auschwitz - e no<br />

momento presente pelos<br />

acontecimentos em Gaza.<br />

Ninguém<br />

sobreviveu<br />

àquele lugar:<br />

cada um <strong>de</strong><br />

nós vive<br />

recluso <strong>de</strong><br />

uma época<br />

sem fim, na<br />

qual a barbárie<br />

continua a ditar,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o campo<br />

<strong>de</strong> concentração,<br />

a lei. Homens<br />

sós, resta-nos<br />

olhar e<br />

testemunhar esse<br />

crime sem legenda<br />

possível: <strong>por</strong> isso as<br />

imagens surgemnos<br />

na penumbra,<br />

numa linha<br />

contínua, sem data,<br />

nem geografia, ao<br />

contrário do que tinha<br />

acontecido até agora<br />

no percurso <strong>de</strong><br />

Nozolino. Captadas nos<br />

últimos trinta anos,<br />

estas fotografias,<br />

inéditas, procuram<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

A dança, como coreografia<br />

da sedução, sempre<br />

interesssou Picasso<br />

revelar silêncios, o não dito, o<br />

abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, a usura.<br />

Escutamos agora Ezra Pound,<br />

que, em 1942, recusou a permissão<br />

para ser evacuado, juntamente com<br />

alguns dos seus compatriotas, <strong>de</strong><br />

Itália para <strong>Lisboa</strong>. Ouvimos a sua<br />

“Voz da Europa”, uma das alocuções<br />

que o levaram a ser acusado <strong>de</strong> traição<br />

pelos Estados Unidos, tendo, <strong>por</strong> isso,<br />

sido internado no St Elizabeths<br />

Hospital for the Criminally Insane, um<br />

manicómio on<strong>de</strong> ficará mais <strong>de</strong> uma<br />

década e do qual só irá sair em 1958, já<br />

com setenta e dois anos. São palavras<br />

<strong>de</strong> um Pound fascista, transmitidas na<br />

Rádio Roma, a 28 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1942:<br />

“Até on<strong>de</strong> a minha memória chega, a<br />

América quis a diplomacia do dólar.<br />

Não ten<strong>de</strong>s quaisquer escrúpulos com<br />

a diplomacia do dólar, com essa<br />

penetração comercial a pretexto da<br />

expansão do domínio; faz agora<br />

quarenta anos, ainda eu não tinha o<br />

Dodge preto.” (in “Esta é a Voz da<br />

Europa”, Hugin Editores, <strong>Lisboa</strong>,<br />

1996).<br />

De um lado o campo <strong>de</strong><br />

concentração, do outro a expansão do<br />

domínio. E ainda há os totalitarismos<br />

e a pequenez da <strong>de</strong>lação. Ninguém<br />

está imune. Há o lixo que se amontoa.<br />

I<strong>de</strong>ologias ar<strong>de</strong>m: <strong>Le</strong>nine e Estaline,<br />

os carros parados, cobertos <strong>de</strong> neve<br />

americana, as chaminés sem fumo. A<br />

revolução industrial há muito que<br />

estagnou e o neo-liberalismo não tem<br />

saída, tal como do outro lado dos<br />

muros não há solução. Um homem<br />

está parado no meio <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>struição,<br />

“bone lonely.” Testemunha que “nada<br />

dura para sempre”; sente “a carne a<br />

envelhecer e prova a saliva seca na sua<br />

boca” (excertos da apresentação do<br />

livro que acompanha a exposição, a<br />

ser editado pela Steidl, em Maio <strong>de</strong>ste<br />

ano, com poemas em inglês <strong>de</strong> Rui<br />

Baião). Tenta resistir dando-nos a ver<br />

imagens <strong>de</strong>sse anunciado <strong>de</strong>stino,<br />

<strong>por</strong>que estas são também imagens <strong>de</strong><br />

guerra: “contra mundum”, elas<br />

<strong>de</strong>safiam qualquer crença aceite sem<br />

discussão.<br />

Tente-se o jogo da adivinha. São 32<br />

imagens a preto e branco colocadas<br />

numa sequência não cronológica,<br />

quase coladas umas às outras. O<br />

formato é pequeno. Sabe-se que<br />

foram captadas entre 1976 e 2008. A<br />

primeira mostra prédios em ruína:<br />

Londres após o Blitz, fotografia tirada<br />

no Imperial War Museum. A última<br />

revela uma re<strong>de</strong> em arame,<br />

pontiaguda nas pontas: mais ruínas,<br />

as do fórum romano, em Roma. Nada<br />

está <strong>de</strong> pé, contudo a história<br />

testemunha os acontecimentos: os<br />

impérios caíram, as i<strong>de</strong>ologias ruíram,<br />

os homens retiraram-se para uma<br />

noite que percorrem sem saberem<br />

muito bem <strong>por</strong>quê. Entre estas obras,<br />

há imagens <strong>de</strong> morte, <strong>de</strong> uma<br />

morgue, <strong>de</strong> funerárias, <strong>de</strong> mortos, <strong>de</strong><br />

prédios, <strong>de</strong> colchões, <strong>de</strong> tanques <strong>de</strong><br />

lavar a roupa, <strong>de</strong> um sem abrigo, <strong>de</strong><br />

um bar <strong>de</strong> alterne, <strong>de</strong> estreitos<br />

corredores, <strong>de</strong> graffitis, <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s<br />

sem saída, <strong>de</strong> sombras, <strong>de</strong> montras,<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos. Angeiras e Sarajevo,<br />

<strong>Lisboa</strong> e Berlim. Não existe passado,<br />

nem futuro. Apenas tédio. E está tudo<br />

a ar<strong>de</strong>r, está tudo coberto <strong>de</strong> sujida<strong>de</strong><br />

nestas fotografias on<strong>de</strong> um único<br />

corpo se <strong>de</strong>spe para<br />

nós, <strong>de</strong> frente, oferecendo-nos<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sexo, sonhado <strong>de</strong><br />

encontro a um vidro on<strong>de</strong> a<br />

<strong>por</strong>nografia é vizinha <strong>de</strong> um<br />

esqueleto.<br />

“Cadáveres dispostos no banquete/<br />

às or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> usura”, assim se po<strong>de</strong><br />

resumir, com recurso ao célebre canto<br />

XLV, <strong>de</strong> Ezra Pound, “bone lonely”.<br />

As bailarinas<br />

<strong>de</strong> Picasso<br />

Picasso y la Danza<br />

CASCAIS. Fundação D. Luís I. Centro Cultural <strong>de</strong><br />

Cascais. Av. Rei Humberto II <strong>de</strong> Itália. De 3ª a<br />

domingo, das 10h às 18h. Até 11 <strong>de</strong> Janeiro.<br />

mmmmn<br />

Está já nos últimos dias a exposição<br />

que a Fundação D. Luís I <strong>de</strong>dicou à<br />

obra <strong>de</strong> Picasso que tem <strong>por</strong> temática<br />

a dança: não apenas as gravuras que<br />

realizou durante os últimos anos da<br />

sua vida, mas também os cenários e<br />

figurinos feitos para bailados. Esta é<br />

uma exposição que se teve a sua<br />

origem no núcleo <strong>de</strong> múltiplos<br />

pertencentes à fundação Bancaja, <strong>de</strong><br />

Valência, que já tem colaborado com a<br />

instituição <strong>de</strong> Cascais em outras<br />

ocasiões. Para os <strong>por</strong>tugueses é a<br />

o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usufruírem uma<br />

obra gráfica única e exemplar, tanto<br />

plástica como tecnicamente.<br />

O interesse <strong>de</strong> Picasso pela dança<br />

manifesta-se cedo, em <strong>de</strong>senhos e<br />

esboços realizados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1899. Mas é<br />

em 1917, quando recebe um convite <strong>de</strong><br />

Diaghilev para realizar figurinos e<br />

telões para “Para<strong>de</strong>”, bailado <strong>de</strong> Jean<br />

Cocteau e Léoni<strong>de</strong> Massine, com<br />

música <strong>de</strong> Satie, que surge a primeira<br />

o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>senvolver um<br />

projecto específico nesta área. Nos<br />

anos seguintes, sempre com Diaghilev,<br />

trabalha para “<strong>Le</strong> Tricorne”,<br />

“Pulcinella”, “<strong>Le</strong> Train Bleu” e muitos<br />

outros. Diaghilev, empresário dos<br />

Ballets Russes, sabia captar a<br />

colaboração dos artistas seus<br />

contem<strong>por</strong>âneos para uma i<strong>de</strong>ia da<br />

dança que se afastava do bailado<br />

romântico sem hipótese <strong>de</strong> retorno.<br />

Picasso foi um <strong>de</strong>les.<br />

A exposição revela justamente<br />

reproduções do telão pintado para<br />

“<strong>Le</strong> Tricorne” (juntamente com um<br />

filme que apresenta excertos do<br />

bailado) e <strong>de</strong>senhos dos seus<br />

figurinos. Mas não só. De facto, a<br />

dança, como coreografia da sedução,<br />

sempre interesssou o pintor espanhol.<br />

E, na sequência do seu projecto <strong>de</strong><br />

apropriação total da história da arte,<br />

revisita as bailarinas e cortesãs<br />

celebrizadas pela pintura: Salomé<br />

seduzindo Hero<strong>de</strong>s, ninfas bailando<br />

ao luar, odaliscas e outras musas,<br />

todas são pretexto para o pintor se<br />

auto-retratar passivo, músico,<br />

espectador, e sempre seduzido: em<br />

suma, a dança revela-se aqui como<br />

um tema apropriado às obsessões <strong>de</strong><br />

Picasso. Luísa Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

Chinoiserie<br />

De Ana<br />

Pérez-<br />

Quiroga.<br />

<strong>Lisboa</strong>. 3 + 1 Arte<br />

Contem<strong>por</strong>ânea.<br />

Rua António Maria<br />

Cardoso, 31. Tel.:<br />

210170765. Até<br />

21/02. 3ªa Sáb. das<br />

12h30 às 20h.<br />

Inaugura 9/1 às<br />

22h.<br />

Objectos,<br />

Desenho.<br />

Even If You Win<br />

The Rat Race,<br />

You’re Still a Rat<br />

De Alexandre Farto.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Avenida<br />

24 <strong>de</strong> Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até<br />

21/02. 3ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 15h às<br />

20h. Inaugura 9/1 às 22h.<br />

Instalação, Escultura.<br />

Max Frey<br />

<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Avenida<br />

24 <strong>de</strong> Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até<br />

21/02. 3ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 15h às<br />

20h. Inaugura 9/1 às 22h.<br />

Instalação.<br />

Vestígio<br />

De Ana Anacleto, Ana Fonseca,<br />

Ângelo Ferreira <strong>de</strong> Sousa, Carla<br />

Cruz, Carlos Correia, Carlos<br />

Noronha Feio, Cecília Costa,<br />

Gabriel Abrantes, João<br />

<strong>Le</strong>onardo, Mara Castilho, Maria<br />

Condado, Marta Moura, Mikael<br />

Larsson, Paulo Brighenti,<br />

Romeu Gonçalves, Samuel<br />

Rama, Valter Barros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão 28. Av. do Brasil, 53. Tel.:<br />

217917000. Até 27/01. 2ª a 6ª das 10h às 17h.<br />

Inaugura 9/1 às 21h30.<br />

Instalação, Performance, Ví<strong>de</strong>o,<br />

Desenho, Fotografia, Pintura,<br />

Escultura.<br />

Flatland<br />

De Catarina <strong>Le</strong>itão.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Pedro Cera. Rua do Patrocínio,<br />

67E. Tel.: 218162032. Até 21/02. 3ª a Sáb. das<br />

14h30 às 19h30. Inaugura 10/1 às 18h.<br />

Pintura, Desenho, Outros.<br />

O Banquete<br />

De Elsa Marques.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Carlos Carvalho - Arte Contem<strong>por</strong>ânea.<br />

Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.:<br />

217261831. Até 15/02. 2ª a 6ª das 10h30 às<br />

19h30. Sáb. das 12h às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte.<br />

Inaugura 10/1 às 16h.<br />

Pintura.<br />

White Landscape<br />

De Ana Cintra.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Arte Periférica. Praça do Império<br />

- Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, Loja 3. Tel.:<br />

213617100. Até 25/02. 2ª a Dom. das 10h às 20h.<br />

<strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 10/1 das 15h às 20h.<br />

Pintura, Desenho.<br />

Trinta Anos <strong>de</strong> Diferença II<br />

De vários autores.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Diferença. Rua São Filipe Neri,<br />

42 - Cave. Tel.: 213832193. Atéa 28/02. 3ª a Sáb.<br />

das 15h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 10/1 das<br />

15h às 20h.<br />

Fotografia.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 29


Teatro/Dança<br />

Internet<br />

Reiquejavique<br />

no Alto<br />

Minho<br />

Pedro Penim foi ao Alto<br />

Minho e encontrou o<br />

“Eldorado”. Inês Nadais<br />

Já temos a Cetbase, a base <strong>de</strong><br />

dados do Centro <strong>de</strong> Estudos<br />

<strong>de</strong> Teatro da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Le</strong>tras <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, para<br />

consultar na Internet fichas<br />

<strong>de</strong> espectáculos, “currículos”<br />

<strong>de</strong> actores, encenadores,<br />

etc. Mas ainda não há uma<br />

enciclopédia do teatro<br />

<strong>por</strong>tuguês como a que foi<br />

criada agora no Brasil com<br />

a Enciclopédia Itaú Cultural<br />

<strong>de</strong> Teatro on<strong>de</strong> se encontram<br />

a história do teatro<br />

brasileiro, com programas<br />

Eldorado<br />

Pelas Comédias do Minho.<br />

Encenação <strong>de</strong> Pedro Penim. Com<br />

Gonçalo Fonseca, Luís Filipe Silva,<br />

Mónica Tavares, Rui Mendonça e<br />

Tânia Almeida.<br />

Porto. Balleteatro Auditório. Praça 9 <strong>de</strong> Abril, 76.<br />

Tel. 22 5508918. Hoje e amanhã, às 21h30. €5<br />

Há uns meses, quando saiu <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

e se meteu na estrada nacional 301 as<br />

vezes suficientes para amaldiçoar<br />

esses 14 quilómetros que separam<br />

Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura do futuro a que tem<br />

direito, Pedro Penim não imaginava<br />

que se tinha posto a caminho do<br />

Eldorado. Convidaram-no para ir<br />

trabalhar com uma companhia do<br />

Alto Minho, e ele foi, sem fazer muitas<br />

perguntas: “Conhecia mal o Alto<br />

Minho e <strong>por</strong> isso passei uma semana a<br />

visitar aquilo, mas mais para conhecer<br />

os actores da companhia e para<br />

perceber em que condições a peça<br />

que era suposto eu fazer ia ser<br />

apresentada. Já tinha <strong>de</strong>cidido antes<br />

<strong>de</strong> ir para lá que não ia fazer nada <strong>de</strong><br />

muito regionalista, no sentido<br />

etnográfico do termo, nem nenhum<br />

espectáculo que fosse o meu ponto <strong>de</strong><br />

vista sobre a região. Percebi muito<br />

rapidamente que queria fazer um<br />

espectáculo universal, que tanto<br />

pu<strong>de</strong>sse funcionar em Melgaço como<br />

em Reiquejavique”, explica ao Ípsilon.<br />

Funcionou em Melgaço -<br />

um dos cinco concelhos<br />

que, com Monção,<br />

Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura,<br />

Valença e Vila Nova<br />

<strong>de</strong> Cerveira,<br />

fundou a<br />

companhia <strong>de</strong><br />

teatro<br />

profissional<br />

Comédias do<br />

Minho, uma<br />

estrutura<br />

radicalmente<br />

itinerante cujos<br />

espectáculos<br />

circulam pelos<br />

cinco concelhos -,<br />

funcionou em<br />

<strong>Lisboa</strong> e<br />

<strong>de</strong> peças, sites <strong>de</strong> grupos e<br />

publicações especializadas.<br />

A i<strong>de</strong>ia inicial, conta a “Folha<br />

<strong>de</strong> São Paulo”, foi do crítico<br />

polaco radicado no Brasil<br />

Yan Michalski (1932-1990),<br />

“que pretendia publicar<br />

um ‘quem é quem’ da cena<br />

nacional”. Agora, estão lá<br />

ainda críticas, re<strong>por</strong>tagens,<br />

dissertações e artigos<br />

académicos dos arquivos da<br />

Funarte e do Centro Cultural<br />

São Paulo e das bibliotecas<br />

Jenny Klabin Segall, da<br />

vai funcionar no Porto, hoje e<br />

amanhã (quanto a Reiquejavique,<br />

não temos indicações), no Balleteatro<br />

Auditório. Somos todos iguais, diz<br />

Pedro Penim (no Alto Minho, em<br />

<strong>Lisboa</strong> ou na Islândia): “A televisão já<br />

nivelou tanto as referências que não<br />

há gran<strong>de</strong>s diferenças. Só na nossa<br />

cabeça é que o Alto Minho ainda é<br />

outro <strong>mundo</strong>. As pessoas reagem<br />

exactamente da mesma maneira<br />

numa casa do povo em Monção e<br />

num teatro em <strong>Lisboa</strong>.”<br />

O “Eldorado” podia ser isso - esta<br />

globalização aparentemente <strong>por</strong>reira,<br />

pá - mas foi outra coisa: “Tentei<br />

concertar várias vonta<strong>de</strong>s <strong>por</strong>que não<br />

queria fazer só o meu espectáculo.<br />

Queria que isto fosse um processo<br />

comum, a partir das circunstâncias<br />

muito específicas da companhia, dos<br />

objectivos da direcção artística<br />

[assegurada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005 <strong>por</strong> Isabel<br />

Alves Costa, com consultoria <strong>de</strong><br />

Miguel Honrado] e dos meus<br />

interesses.” <strong>Le</strong>vou ferramentas -<br />

“Kvetch”, <strong>de</strong> Steven Berkoff, uma peça<br />

muito anos 80, e vários ví<strong>de</strong>os do<br />

YouTube, que reescreveu com a<br />

companhia. “A peça do Berkoff tem<br />

um mecanismo muito simples, mas<br />

muito ‘clever’: as personagens falam<br />

normalmente umas com as outras,<br />

mas subitamente dirigem-se ao<br />

público e dizem aquilo em que<br />

realmente estão a pensar.<br />

Reproduzimos esse mecanismo, mas<br />

misturámos o texto com vi<strong>de</strong>oblogues<br />

do YouTube, que vão minando a peça,<br />

como corpos estranhos”, explica.<br />

O sítio on<strong>de</strong> o texto <strong>de</strong> Steven<br />

Berkoff (muito contaminado, como<br />

qualquer criatura dos anos 80, “pela<br />

ameaça iminente da bomba”) se cruza<br />

com os diários vi<strong>de</strong>ográficos que<br />

milhares <strong>de</strong> pessoas disponibilizam na<br />

Internet (diários “muito<br />

contraditórios, <strong>por</strong>que funcionam<br />

como os velhos diários íntimos e<br />

intransmissíveis, mas ao mesmo<br />

tempo estão ali para quem quiser usálos,<br />

à disposição, literalmente, <strong>de</strong> todo<br />

o <strong>mundo</strong>”) é um “Eldorado”, mas o<br />

tipo <strong>de</strong> Eldorado <strong>de</strong> que fugiríamos, se<br />

tivéssemos pernas para isso. “Na<br />

maior parte dos vi<strong>de</strong>oblogues que<br />

encontrámos as pessoas relatam<br />

ataques <strong>de</strong> pânico,<br />

situações-limite,<br />

momentos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sespero. Isso que já<br />

estava na peça do<br />

Berkoff também está<br />

nos materiais<br />

que<br />

trouxemos<br />

do<br />

YouTube, e<br />

UNI-Rio e da ECA/USP. São<br />

mais <strong>de</strong> 700 verbetes, que<br />

incluem personalida<strong>de</strong>s<br />

e companhias, além das<br />

fichas resumidas <strong>de</strong> 10 mil<br />

profissionais e <strong>de</strong> seis mil<br />

espectáculos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1938<br />

a 2006. Neste momento, a<br />

enciclopédia concentra-se<br />

no eixo São Paulo - Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro mas a partir <strong>de</strong><br />

Fevereiro vai incluir Minas<br />

Gerais, Pernambuco e Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

acabou <strong>por</strong> transformar-se no tema<br />

central da peça. As personagens estão<br />

sempre a falar <strong>de</strong> como é sentir pânico<br />

e <strong>de</strong> como gostariam <strong>de</strong> não sentir<br />

pânico - noutro sítio, um sítio melhor<br />

do que aquele on<strong>de</strong> estão”, continua<br />

Penim. A bomba, o cancro, o<br />

<strong>de</strong>semprego, os atentados, a crise, a<br />

obesida<strong>de</strong>, as multas <strong>de</strong><br />

estacionamento, a velhice, os<br />

impostos - eles trocavam estas coisas<br />

todas <strong>por</strong> um paraíso, nem que fosse<br />

fiscal (e, mesmo sem indicações <strong>de</strong><br />

Reiquejavique, estamos em condições<br />

<strong>de</strong> afirmar que os islan<strong>de</strong>ses também).<br />

A família em ruínas<br />

Shadow Play: Jogo Sombra<br />

De Maila Dimas, Susana Nunes,<br />

Carlos Marques e Francisco Campos<br />

Encenação: Francisco Campos. Pelo<br />

Projecto Ruínas<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. De 7 a<br />

11/01. Tel.: 217221770. 4ª a dom., às 21h30.<br />

mmmnn<br />

“Shadow Play” foi concebido a partir<br />

<strong>de</strong> improvisações e <strong>de</strong> memórias<br />

pessoais dos actores, tendo como<br />

premissas temas como a família, a<br />

velhice ou o silêncio. O resultado foi a<br />

criação <strong>de</strong> quatro personagens que<br />

<strong>de</strong>stilam memórias como se<br />

passeassem <strong>por</strong> um álbum <strong>de</strong><br />

fotografias. Instalando-se numa<br />

cartografia edipiana, focando a<br />

disfuncionalida<strong>de</strong> do núcleo familiar,<br />

abordam-se assuntos como o fim do<br />

amor, a inveja, o suicídio, a<br />

homossexualida<strong>de</strong> encapuçada, a<br />

perversão sexual e a asfixia familiar.<br />

O tom, dada a espessura da<br />

temática, é inusitadamente<br />

coloquial. Tudo isto surge polvilhado<br />

com um humor cáustico, que em<br />

tudo remete para o teatro <strong>de</strong> Spiro<br />

Scimone. Mas um dos aspectos mais<br />

singulares <strong>de</strong>ste espectáculo é a<br />

proposta do próprio título:<br />

“Shadow Play”/ “Jogo Sombra”.<br />

Assim, a peça sobre esta família<br />

estabelece um “jogo <strong>de</strong> sombras”<br />

com uma outra peça, que a<br />

emoldura, num dispositivo <strong>de</strong><br />

teatro-<strong>de</strong>ntro-do-teatro. Desta<br />

maneira, aquilo a que assistimos é a<br />

um grupo <strong>de</strong> actores que chega para<br />

apresentar uma peça, interpretando<br />

<strong>de</strong>pois o insólito quarteto familiar. O<br />

quarteto <strong>de</strong> actores joga em diversos<br />

registos, do clownesco à comédia <strong>de</strong><br />

palavra, não mostrando fragilida<strong>de</strong>s<br />

em nenhum <strong>de</strong>les, assegurando<br />

interpretações equilibradas e<br />

mantendo sempre um interessante<br />

grau <strong>de</strong> suspensão e<br />

imprevisibilida<strong>de</strong>.Rui Pina Coelho<br />

Mona Lisa Show<br />

Agenda<br />

Estreiam<br />

Tu e Eu<br />

De Friedrich Karl Waechter.<br />

Encenação: Sofia <strong>de</strong> Portugal. Com<br />

Adriano Carvalho, André Patrício,<br />

Pedro Carraca.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto. Pç. Espanha. De 15/01 a<br />

31/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213880089. 15€ (público em geral), 12€ (mais 65<br />

anos) e 7,5€ (até 25 anos).<br />

Caveman<br />

De Rob Becker. Encenação: António<br />

Pires. Com Jorge Mourato.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Casa do Artista - Teatro Armando Cortez.<br />

Est. Pontinha, 7. De 14/01 a 15/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb.<br />

às 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 217154057.<br />

Continuam<br />

Os Produtores<br />

De Mel Brooks. Encenação: Cláudio<br />

Hochman. Com Rita Pereira, Miguel<br />

Dias, Manuel Marques, Rodrigo<br />

Saraiva, Custódia Galego. Direcção<br />

Musical: Nuno Feist.<br />

Portimão. Arena. Pq. <strong>de</strong> Feiras e Expos. Até 11/01.<br />

4ª e 5ª às 21h30. 6ª às 17h00 e 21h30. Dom. às<br />

21h45 (dia 4). Sáb. e Dom. às 21h30 (dias 10 e 11).<br />

Tel.: 282410440. 3€.<br />

Solrir - 3º Festival <strong>de</strong> Humor.<br />

Ver texto pág. 18 e 19<br />

Mona Lisa Show<br />

De Pedro Gil. Encenação: Pedro Gil.<br />

Com Ainhoa Vidal, António<br />

Fonseca, David Almeida, Mónica<br />

Garnel, Raquel Castro, Ricardo<br />

Gageiro, Romeu Costa.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Meridional. R. do Açúcar, 64 -<br />

Poço do Bispo. De 15/01 a 01/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb.<br />

às 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 218689245<br />

A Tempesta<strong>de</strong><br />

De William Shakespeare. Encenação:<br />

John Mowat. Com Jorge Cruz, Marta<br />

Cerqueira, Tiago Viegas.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. Até<br />

01/03. 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.:<br />

218855550. 25€ e 30€.<br />

Acamarrados<br />

De Enda Walsh. Companhia:<br />

Artistas Unidos. Com Carla Galvão,<br />

António Simão.<br />

Almada. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Professor Egas<br />

Moniz. Até 01/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom.<br />

às 16h00. Tel.: 212739360. 11€ e 8€.<br />

O Mercador <strong>de</strong> Veneza<br />

De William Shakespeare.<br />

Encenação: Ricardo Pais. Com<br />

António Durães, Lígia Roque, Luís<br />

Araújo, Micaela Cardoso, Sara<br />

Carinhas, Pedro Ribeiro, Pedro<br />

Manana, entre outros.<br />

Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />

18/01. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às<br />

16h00. Tel.: 223401910. 7€ a 15€.<br />

Imaculados<br />

De Dea Loher. Encenação: João<br />

Lourenço. Com, Ana Brandão, Ana<br />

Nave, Ana Rita Trinda<strong>de</strong>, Carlos<br />

Pisco, Cátia Ribeiro, Inês Rosado,<br />

Irene Cruz, Luís Barros, Pedro<br />

Ramos, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto. Pç. Espanha. Até 01/02.<br />

4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.:<br />

213880089. 7,5€ a 15€.<br />

Cabaret<br />

De Joe Masteroff, Fred Ebb.<br />

Encenação: Diogo Infante. Com Ana<br />

Lúcia Palminha, Adriana Queiroz,<br />

Carlos Gomes, Dima Pavlenko,<br />

Fernando Gomes, Henrique Feist,<br />

Isabel Ruth, Pedro Laginha, Sandra<br />

Rosado, Sara Campina, entre<br />

outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos. Av. Frei<br />

Miguel Contreiras, 52. Até 15/02. 4ª, 5ª, 6ª e<br />

Sáb. às 21h30. Dom. às 17h00. Tel.: 218438801.<br />

15€ a 25€.<br />

30 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Livros<br />

Ficção<br />

Felizmente,<br />

ainda há<br />

Henry James<br />

A <strong>de</strong>licada arte da escrita<br />

<strong>de</strong> Henry James. Helena<br />

Vasconcelos<br />

Daisy Miller e Outros Contos<br />

Henry James<br />

(tradução <strong>de</strong> Contos e Prefácio <strong>por</strong><br />

Manuel Abrantes e da Introdução<br />

<strong>por</strong> Daniela Agostinho)<br />

Edições Vega, €16,80<br />

mmmmm<br />

A edição <strong>de</strong> “Daisy<br />

Miller e Outros<br />

Contos” chama a<br />

atenção para a<br />

<strong>de</strong>licada arte da<br />

escrita <strong>de</strong> Henry<br />

James, autor quase<br />

esquecido durante<br />

décadas mas que<br />

renasceu para o<br />

gran<strong>de</strong> público, primeiro graças ao<br />

cinema que não se cansa das suas<br />

tramas psicológicas e <strong>de</strong>pois pelo<br />

sucesso <strong>de</strong> livros como “Autor, Autor”<br />

e “The Year of Henry James” <strong>de</strong> David<br />

Lodge, “O Mestre” <strong>de</strong> Colm Tóibín, “A<br />

Linha da Beleza” <strong>de</strong> Alan Hollinghurst<br />

e “Felony” <strong>de</strong> Emma Tennant, todos<br />

directamente relacionados ou sobre o<br />

eminente escritor.<br />

Henry James (1843-1916) e Mark<br />

Twain (1835-1910) são referidos como<br />

dois representantes opostos da<br />

literatura e cultura americanas da<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. O<br />

primeiro, educado numa elite<br />

intelectual e social - era filho do<br />

Henry James esteve quase esquecido durante décadas<br />

teólogo e erudito Henry James Senior<br />

e irmão do filósofo e psicologista<br />

William James e da diarista Alice<br />

James - viveu quase toda a vida na<br />

Europa, em Inglaterra, França e Itália,<br />

e era cosmopolita <strong>por</strong> gosto e<br />

vocação; o segundo, que preferia a<br />

sua terra natal, foi o exemplo perfeito<br />

do americanismo. James era tímido,<br />

sério, discretamente irónico e, em<br />

vida, nunca chegou a receber o<br />

reconhecimento que lhe era <strong>de</strong>vido;<br />

Twain, imprevisível e truculento, foi<br />

uma pop-star que arrastou multidões,<br />

chocando e fazendo rir os fãs, em<br />

idênticas pro<strong>por</strong>ções. Twain<br />

professava um <strong>de</strong>sdém cómico pelos<br />

estranhos hábitos e vetustas pedras<br />

dos monumentos dos “nativos”<br />

europeus (o seu tour pelo<br />

Mediterrâneo ficou registado no<br />

satírico “The Innocents Abroad”,<br />

1869, e, mais tar<strong>de</strong>, em “A Tramp<br />

Abroad”, 1880) e preferia as gran<strong>de</strong>s<br />

planícies americanas e o sensual rio<br />

Mississipi, enquanto James não<br />

imaginava a existência sem a<br />

sofisticação dos costumes e modos<br />

europeus.<br />

Twain e James foram os rostos do<br />

novo realismo mas, como frisou o<br />

crítico Philip Rahv, James imprimiulhe<br />

elaborada riqueza, apoiando-se<br />

numa refinada análise psicológica,<br />

estética e moral e penetrando fundo<br />

na mente das personagens, enquanto<br />

Twain preferiu soltar a linguagem e<br />

explorar o materialismo caótico do<br />

pós-guerra civil, com as suas<br />

confusões, contradições, esperanças e<br />

nostalgias.<br />

Os dois homens - o “cara-pálida”<br />

James e o “pele-vermelha” Twain -<br />

tinham em comum a percepção nítida<br />

<strong>de</strong> que viviam tempos <strong>de</strong> profundas<br />

alterações na América e ambos<br />

<strong>de</strong>sejaram - e conseguiram - mudar o<br />

rumo da literatura, privilegiando o<br />

conto como género e fazendo <strong>de</strong>le um<br />

campo <strong>de</strong> experiências para<br />

posteriores romances e novelas.<br />

Em “Daisy Miller e Outros Contos” é<br />

possível observar como James -<br />

meticuloso apreciador da revisão dos<br />

seus textos - “treinou a mão” com o<br />

intuito <strong>de</strong> utilizar este material em<br />

obras posteriores. É inegável que,<br />

aqui, a “jóia da coroa” é “Daisy Miller”<br />

(1878), uma novela perfeita que<br />

con<strong>de</strong>nsa o que existe <strong>de</strong> mais<br />

“jameseano”, isto é, o tema da jovem<br />

americana, bonita, fresca, <strong>de</strong>sinibida<br />

e “livre” à solta numa Europa<br />

envelhecida, <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte e cínica<br />

(representada pelo italiano<br />

Giovanelli), seguida <strong>de</strong> perto <strong>por</strong> um<br />

americano europeizado,<br />

Winterbourne, que observa,<br />

constrangido e fascinado, a queda da<br />

compatriota, literalmente corrompida<br />

pelos vírus do Velho Continente.<br />

Daisy não é uma heroína e <strong>de</strong>seja<br />

apenas divertir-se, atraindo os<br />

homens com a sua inocência e<br />

ingenuida<strong>de</strong>, virtu<strong>de</strong>s que<br />

contribuirão para a sua perda. Não é<br />

promíscua mas impetuosa, ignorante<br />

e <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosa das convenções,<br />

“pecados” imperdoáveis que serão<br />

punidos. Pateticamente caprichosa e<br />

dramaticamente tonta esta<br />

“margarida” que per<strong>de</strong> o viço tornouse<br />

o protótipo <strong>de</strong> um “produto”, fruto<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

<strong>de</strong> um país <strong>de</strong>masiado<br />

novo e que<br />

enriqueceu<br />

rapidamente, e um<br />

leitmotiv em inúmeros<br />

contos <strong>de</strong> James, mais<br />

tar<strong>de</strong> plenamente<br />

conseguido na figura <strong>de</strong><br />

Isabel Archer em “Retrato<br />

<strong>de</strong> Uma Senhora” (1880).<br />

A história <strong>de</strong> “O Último dos Valerii”<br />

(1874), que <strong>Le</strong>on E<strong>de</strong>l incluiu na<br />

categoria dos “contos<br />

fantasmagóricos” relata o<br />

enamoramento e casamento <strong>de</strong> uma<br />

jovem (mais uma) “americanazinha<br />

estúpida” com um con<strong>de</strong> italiano.<br />

Tudo corre bem até que o idílio é<br />

quebrado quando, no jardim da villa,<br />

é <strong>de</strong>senterrada uma estátua <strong>de</strong> Juno.<br />

O con<strong>de</strong> Valeri fica <strong>de</strong> tal forma<br />

ensimesmado pela <strong>de</strong>usa que per<strong>de</strong> o<br />

interesse pela mulher e pelo <strong>mundo</strong>,<br />

fechando-se com a sua amada <strong>de</strong><br />

mármore numa ciumenta reclusão.<br />

James enfatiza aqui o fascínio pelo<br />

antigo universo pagão da Itália clássica<br />

- representado pelo con<strong>de</strong> - em<br />

contraste com o pragmatismo dos<br />

nativos do Novo Mundo, mentalmente<br />

mais saudáveis e relutantes em<br />

<strong>de</strong>ixarem-se arrastar pelos fantasmas<br />

da memória e pelo peso da História.<br />

Em “Os Originais” (1892) relata a<br />

complicada procura <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />

a<strong>de</strong>quados para ilustrações <strong>de</strong> novelas<br />

populares <strong>por</strong> parte <strong>de</strong> um artista que<br />

é abordado <strong>por</strong> um venerável casal, os<br />

Monarch, membros da aristocracia<br />

britânica falida - e <strong>de</strong>sesperada - que<br />

insistem em ser aceites para o<br />

trabalho <strong>de</strong> pose. Argumentam que<br />

são “genuínos” (o título original do<br />

conto é “The Real Thing”), a<br />

verda<strong>de</strong>ira essência da nobreza,<br />

perfeitos para os papéis <strong>de</strong> gente<br />

respeitável. No entanto, com mo<strong>de</strong>los<br />

tão perfeitos, as imagens per<strong>de</strong>m a<br />

emoção, e os <strong>de</strong>senhos on<strong>de</strong> eles<br />

surgem, rígidos e pomposos, para<br />

ilustrar romances audazes, <strong>de</strong><br />

mistérios e aventuras, revelam-se<br />

insatisfatórios uma vez que o artista<br />

percebe que precisa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los que<br />

sejam capazes <strong>de</strong> criar uma perfeita<br />

ilusão.<br />

Quanto à “Lição do Mestre” (1888) é<br />

um conto enigmático e cruel sobre o<br />

casamento, o celibato - temas que<br />

reflectem as angustiantes opções<br />

pessoais <strong>de</strong> James - e sobre a posição<br />

do artista no <strong>mundo</strong>. O jovem e<br />

ambicioso escritor Paul Overt instalase<br />

para um fim <strong>de</strong> semana numa casa<br />

nos arredores <strong>de</strong> Londres, on<strong>de</strong> reúne<br />

um número <strong>de</strong> convidados nos quais<br />

se inclui o famoso romancista Henry<br />

St. George e a mulher. Paul quer<br />

observar <strong>de</strong> perto a “gran<strong>de</strong> figura” e<br />

fica perplexo quando se apercebe que<br />

a Senhora St. George consi<strong>de</strong>ra a<br />

insigne obra do marido uma<br />

“mercadoria”, cuja função é<br />

pro<strong>por</strong>cionar-lhes bem estar material.<br />

Paul conhece também a jovem,<br />

simpática e inteligente Marian (que<br />

cresceu na Índia e é <strong>por</strong> isso mais uma<br />

figura <strong>de</strong> mulher “diferente”) <strong>por</strong><br />

quem <strong>de</strong>senvolve um interesse<br />

amoroso. Mas, uma noite, St. George,<br />

numa conversa em que começa <strong>por</strong><br />

elogiar os dotes do jovem escritor,<br />

lança-se num longo discurso sobre o<br />

Max Aub: “Crimes Exemplares”<br />

é o assassínio consi<strong>de</strong>rado<br />

como uma das artes fatais do quotidiano<br />

<strong>de</strong>stino do<br />

artista - a<br />

“lição” do<br />

título - e<br />

aconselha o<br />

<strong>de</strong>slumbrado<br />

pupilo a<br />

<strong>de</strong>dicar-se <strong>de</strong><br />

alma e coração à<br />

escrita, referindo o<br />

seu próprio falhanço - avaliação<br />

que Paul não partilha - e atribuindo-o<br />

à vida mundana e aos<br />

constrangimentos do matrimónio.<br />

Convencido, Paul renuncia a Marian e<br />

parte para a Europa, <strong>de</strong>cidido a<br />

procurar a “perfeição artística” no<br />

isolamento. Mas, quando regressa, é<br />

surpreendido pela notícia do<br />

casamento do seu ídolo, que<br />

entretanto enviuvara, com Marian e<br />

pela <strong>de</strong>claração da renúncia à arte, em<br />

prol da vida, <strong>por</strong> parte do Mestre.<br />

Henry James, que nestas histórias<br />

<strong>de</strong>senha os esboços das suas gran<strong>de</strong>s<br />

obras, o magnífico narrador que, com<br />

a sua amiga Edith Wharton,<br />

aprofundou as subtilezas dos<br />

contrastes entre o Velho e o Novo<br />

Mundo, fazendo a ponte entre a<br />

literatura do século XIX e a corrente<br />

mo<strong>de</strong>rnista, nasceu americano e<br />

morreu europeu. Em 1915, um ano<br />

antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong>ste <strong>mundo</strong>,<br />

naturalizou-se inglês como forma <strong>de</strong><br />

protesto <strong>por</strong> os EUA não entrarem na<br />

Guerra, ao lado dos Aliados. Estava<br />

convicto <strong>de</strong> que o jovem sangue<br />

americano <strong>de</strong>veria servir para<br />

proteger, <strong>de</strong> todas as barbáries, a<br />

cultura e os tesouros europeus.<br />

Em nome<br />

<strong>de</strong> todos nós<br />

O juízo, moral ou legal, que<br />

possa ir na palavra “crimes”<br />

é puro equívoco. Mário<br />

Santos<br />

Crimes Exemplares<br />

Max Aub<br />

(tradução <strong>de</strong> Jorge Lima Alves)<br />

Antígona, € 25<br />

mmmmn<br />

Max Aub (1903-<br />

1972) não integra a<br />

canónica “Antologia<br />

do Humor Negro”<br />

<strong>de</strong> André Breton<br />

(que é dado como<br />

teorizador do<br />

“género”), mas<br />

<strong>de</strong>via integrar. Os seus “Crimes<br />

Exemplares” - e esta qualificação, a<br />

condição ambivalentemente<br />

“exemplar” daquilo que se narra, tem<br />

história na literatura espanhola <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Cervantes até Vila-Matas (ou Sophia<br />

<strong>de</strong> Mello Breyner, em <strong>por</strong>tuguês) - não<br />

são nada estranhos àquele exemplo,<br />

“grosseiro mas suficiente”, que Breton<br />

foi buscar a Freud - o do con<strong>de</strong>nado<br />

que, levado à forca numa segundafeira,<br />

comenta: “Aqui está uma<br />

semana que começa bem.” Pois o<br />

humor negro é sobretudo, como<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 31


Livros<br />

Edição<br />

“A Solidão dos Números<br />

Primos”, o primeiro<br />

romance do jovem<br />

escritor Paolo Giordano<br />

e “best-seller” em Itália<br />

(ven<strong>de</strong>u mais <strong>de</strong> um<br />

milhão exemplares),<br />

vai ser editado pela<br />

Bertrand e irá para<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

as livrarias <strong>por</strong>tuguesas<br />

a 23 <strong>de</strong> Janeiro. O autor,<br />

que nasceu em 1982, é<br />

licenciado em Física<br />

na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Turim e está a fazer o<br />

doutoramento em Física<br />

<strong>de</strong> Partículas, e vai estar<br />

em Portugal na primeira<br />

semana <strong>de</strong> Fevereiro. O<br />

livro venceu a 62ª edição<br />

do Prémio Strega e obteve<br />

uma menção honrosa<br />

na edição <strong>de</strong> 2008 do<br />

Prémio Campiello. Os<br />

direitos para adaptação ao<br />

cinema também já foram<br />

vendidos.<br />

Isabel<br />

Coutinho<br />

Ciberescritas<br />

Bem-vindo, 2009<br />

É provável que as<br />

tendências incluam<br />

livros <strong>de</strong> “memórias”<br />

escritos <strong>por</strong><br />

celebrida<strong>de</strong>s<br />

iRex Digital<br />

Rea<strong>de</strong>r<br />

http://www.<br />

irextechnologies.<br />

com/irexdr1000<br />

Plastic Logic<br />

http://www.<br />

plasticlogic.com/<br />

Apple<br />

http://www.<br />

apple.com/<br />

itunes/<br />

Oque esperar <strong>de</strong> 2009? Crise, crise, crise. Todos<br />

os dias aparecem notícias <strong>de</strong> cortes e<br />

<strong>de</strong>spedimentos em grupos editorais<br />

estrangeiros. Por cá, o que po<strong>de</strong>rá mudar no<br />

<strong>mundo</strong> editorial <strong>por</strong>tuguês? Dois gran<strong>de</strong>s<br />

grupos editoriais espanhóis - a Planeta e a Santillana - vão<br />

entrar no mercado. Quer um, quer o outro estão a organizar<br />

as suas equipas e vão começar a publicar as suas colecções<br />

<strong>de</strong> ficção e não-ficção durante este ano. Depois da<br />

concentração das editoras que aconteceu em Portugal (em<br />

2007 e se prolongou pelo ano passado) vamos estar todos a<br />

seguir com atenção o que a concorrência <strong>de</strong>stes grupos irá<br />

trazer (<strong>de</strong> bom ou <strong>de</strong> mau) ao mercado <strong>por</strong>tuguês.<br />

Que género <strong>de</strong> livros vão invadir as livrarias<br />

<strong>por</strong>tuguesas? É provável que as tendências incluam<br />

livros <strong>de</strong> “memórias” escritos <strong>por</strong> celebrida<strong>de</strong>s - tal<br />

como já aconteceu no mercado internacional. Des<strong>de</strong><br />

há dois, três anos, nas feiras <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong><br />

direitos, quer <strong>de</strong> Londres, quer <strong>de</strong> Frankfurt, que se<br />

negoceiam os chamados “misery books”, histórias<br />

da <strong>de</strong>sgraçadinha verda<strong>de</strong>iras, que estão a <strong>de</strong>morar<br />

a chegar cá. Alguns até já foram publicados e não<br />

ven<strong>de</strong>ram muito mas é provável que outros comecem<br />

a surgir e quem sabe se, finalmente, a vingar no nosso<br />

mercado.<br />

Com as eleições à <strong>por</strong>ta <strong>de</strong>verão surgir nas editoras<br />

<strong>por</strong>tuguesas biografias <strong>de</strong> políticos. É claro que o<br />

primeiro-ministro José Sócrates é o tema mais tentador.<br />

E haverá certamente livros sobre a crise e como lidar<br />

com ela pois essa foi a principal tendência da última<br />

Feira <strong>de</strong> Frankfurt, em Outubro. 2009 po<strong>de</strong>rá também<br />

ser o ano em que o novo romance <strong>de</strong> Dan Brown será<br />

publicado. O escritor tem que entregar o manuscrito ao<br />

seu editor e pelo que tem sido<br />

tornado público ainda não o<br />

fez. Talvez na Feira do Livro<br />

<strong>de</strong> Londres já se saiba se vai<br />

haver livro ou não.<br />

Logo nos primeiros dias<br />

<strong>de</strong>ste ano a empresa holan<strong>de</strong>sa<br />

iRex Technologies lançou<br />

um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> leitor <strong>de</strong><br />

e-Books, o iRex Rea<strong>de</strong>r 1000.<br />

Tem um ecrã maior do que<br />

o habitual, tem uma caneta que permite escrever no ecrã<br />

táctil e tem ligação <strong>de</strong> WIFI e Bluetooth. Este aumento<br />

do tamanho do ecrã po<strong>de</strong> ser seguido <strong>por</strong> empresas<br />

concorrentes que lançarão também novos mo<strong>de</strong>los.<br />

Lá para o final <strong>de</strong> ano a Plastic Logic <strong>de</strong>verá começar a<br />

comercializar o seu aparelho (ainda sem nome) que serve<br />

para ler livros em formato electrónico, jornais, revistas e<br />

outros documentos. Além <strong>de</strong> ser muito fino e leve, tem<br />

um ecrã maior que o dos leitores <strong>de</strong> livros electrónicos<br />

existentes e é também “touch screen” (no You Tube existem<br />

já ví<strong>de</strong>os com o protótipo e vale a pena ir ver).<br />

O seu ecrã <strong>de</strong> e-Ink (tinta electrónica) ainda não é a cores<br />

mas tem tudo para revolucionar o mercado. Ainda não<br />

se sabe quanto vai custar e em ano <strong>de</strong> crise, o preço será<br />

<strong>de</strong>cisivo. Este ano po<strong>de</strong>rão finalmente aparecer ecrãs <strong>de</strong><br />

e-Ink a cores mas só em 2012 é que esses mesmos ecrãs<br />

permitirão a visualização <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os. Tudo isso já está<br />

disponível num telemóvel.<br />

A verda<strong>de</strong> é que a Apple (com o iPhone e o iPod Touch)<br />

já fez mais pelos e-Books do que qualquer um <strong>de</strong>stes<br />

aparelhos. A prová-lo está o sucesso que durante 2008<br />

tiveram todas as aplicações que servem para ler livros<br />

nestes gadgets e os acordos que editoras norte-americanas<br />

já fizeram para lançar livros em formatos compatíveis. Têm<br />

uma vantagem sobre todos os outros: ecrã a cores e são<br />

aparelhos multifunções. Pertencem ao grupo dos objectos<br />

que você nunca quer esquecer quando sai <strong>de</strong> casa.<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

dizia o gran<strong>de</strong> surrealista, “o<br />

inimigo mortal da sentimentalida<strong>de</strong>”.<br />

Aliás, e <strong>por</strong> acasos bem objectivos,<br />

os “crimes” <strong>de</strong> Aub foram escritos e<br />

pela primeira vez publicados<br />

(primeiro dispersamente, <strong>de</strong>pois em<br />

volume, em 1957) no México, país que<br />

era ou foi para Breton a “terra<br />

prometida do humor negro”. Os<br />

acasos <strong>por</strong> que Max Aub foi parar ao<br />

México foram dois: o franquismo em<br />

Espanha e o nazismo em França.<br />

Falta-nos dizer que o “escritor<br />

espanhol e cidadão mexicano”, como<br />

Aub se auto-<strong>de</strong>finiu pelo final da vida,<br />

coleccionou nacionalida<strong>de</strong>s e exílios:<br />

filho <strong>de</strong> pai alemão e mãe francesa,<br />

nasceu em Paris; foi para Espanha<br />

com 11 anos, adquirindo a<br />

nacionalida<strong>de</strong> espanhola dois anos<br />

<strong>de</strong>pois (e também a língua, que fez<br />

sua); mas perdida a Guerra Civil (ele<br />

esteve do lado dos Republicanos)<br />

regressou a França, em 1939; foi preso<br />

e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><strong>por</strong>tado para a Argélia, <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> escapou em 1942, para o México,<br />

seu exílio final. Publicou algumas<br />

<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> livros (ficção narrativa,<br />

poesia, teatro, ensaio).<br />

“Crimes Exemplares” é o assassínio<br />

consi<strong>de</strong>rado como uma das artes<br />

fatais do quotidiano. Talvez uma<br />

questão <strong>de</strong> acaso e o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>.<br />

“Matei-o <strong>por</strong>que tinha a certeza <strong>de</strong><br />

que ninguém me estava a ver” - conta<br />

um dos “criminosos” <strong>de</strong> Aub. Há<br />

muitas <strong>de</strong>srazões para assassinar e<br />

todas elas são (<strong>por</strong> assim dizer) boas,<br />

se não houver premeditação.<br />

Apresenta-se o livro, <strong>por</strong>tanto, como<br />

um catálogo <strong>de</strong> “confissões<br />

espontâneas” <strong>de</strong> assassínios ingénuos<br />

e até mesmo líricos, alguns,<br />

arrebatados, absurdos, risíveis,<br />

<strong>de</strong>spropositados. O livro, que tem<br />

variado quanto ao número <strong>de</strong> textos e<br />

respectiva or<strong>de</strong>nação, inventaria 87<br />

“crimes” na presente edição. O juízo,<br />

moral ou legal, que possa ir na palavra<br />

“crimes” é puro equívoco. O “bem”<br />

não tem morada certa: “Nunca vos<br />

apeteceu assassinar um cauteleiro<br />

quando eles começam a chatear e não<br />

largam, a suplicar? Eu fi-lo em nome<br />

<strong>de</strong> todos nós.” E uma outra voz<br />

pergunta-nos (supomos que<br />

retoricamente): “Nunca matou<br />

ninguém <strong>por</strong> tédio, <strong>por</strong>que não sabia<br />

o que fazer?” (o belo “acto gratuito”<br />

<strong>de</strong> tão alta ascendência literária). As<br />

citações evi<strong>de</strong>nciam a principal<br />

característica <strong>de</strong>stes textos: uma<br />

extrema brevida<strong>de</strong>, que obriga a<br />

uma narração secamente elíptica<br />

e como que indirecta. Estas<br />

micronarrativas <strong>de</strong> Aub<br />

<strong>de</strong>safiam as <strong>de</strong> Augusto<br />

Monterroso (ou o inverso).<br />

Cada uma <strong>de</strong>las, funcionando<br />

embora autonomamente,<br />

mantém alguma<br />

<strong>de</strong>pendência da<br />

macronarrativa do<br />

conjunto. Em alguns casos,<br />

a inter<strong>de</strong>pendência entre<br />

um texto e outro(s) é mesmo<br />

sublinhada pela or<strong>de</strong>m que<br />

assume no conjunto.<br />

“Crimes Exemplares”, <strong>de</strong><br />

Max Aub, já é (e ainda bem)<br />

um título clássico e recorrente<br />

(foi mais do que uma vez<br />

reimpresso) do catálogo da<br />

editora Antígona, que o publicou pela<br />

primeira vez há mais <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong><br />

século. Mas a presente e pródiga<br />

edição é uma novida<strong>de</strong>: vale também<br />

como objecto gráfico <strong>por</strong> assim dizer<br />

“exemplar”. Trata-se <strong>de</strong> uma<br />

reprodução da edição feita em 2001<br />

em Valência, Espanha, pela Media<br />

Vaca, uma editora especializada em<br />

livros ilustrados e “atípicos”. O <strong>de</strong> Aub<br />

tem 32 ilustrações (uma <strong>de</strong>las sendo<br />

um retrato do autor) <strong>de</strong> outros tantos<br />

artistas espanhóis. E todas elas, notese,<br />

estão nas páginas ímpares.<br />

O contador<br />

<strong>de</strong> histórias<br />

Dezasseis pequenos contos<br />

revelam um contador <strong>de</strong><br />

histórias <strong>por</strong> vezes exímio.<br />

João Bonifácio<br />

Histórias Possíveis<br />

David Machado<br />

Presença, €10<br />

mmmnn<br />

Sem contar com os<br />

livros infantis que<br />

escreveu,<br />

“Histórias<br />

Possíveis” é a<br />

segunda obra <strong>de</strong><br />

David Machado,<br />

após um romance<br />

marcado pelo<br />

“fantástico”: “O<br />

Fabuloso Teatro do Gigante” era uma<br />

estreia feliz, mas fica abaixo da<br />

exactidão que <strong>por</strong> vezes Machado<br />

exibe neste “Histórias<br />

Possíveis”.<br />

Cortando a eito,<br />

diga-se que há<br />

dois contos <strong>de</strong><br />

excepção nos 16<br />

que compõem<br />

o volume: “O<br />

Mundo<br />

silencioso<br />

David Machado traz<br />

a narrativa <strong>por</strong> uma<br />

ré<strong>de</strong>a bem curta<br />

<strong>de</strong> Diamantino” e “Três memórias”.<br />

Há outros dois que nos parecem<br />

apenas simpáticos: “As viagens <strong>de</strong><br />

Dom Renato” e “O violinista”.<br />

Não é preciso muito para contar<br />

uma boa história e estas tomam mais<br />

tempo a recordar que a ler: têm todas<br />

a mesma dimensão, escassas cinco<br />

páginas (à excepção dos dois últimos,<br />

que têm nove), o que obriga a uma<br />

rara economia <strong>de</strong> linguagem, sageza<br />

na escolha da informação essencial e<br />

or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias - mais valias que<br />

Machado manifestamente possui,<br />

bem como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir<br />

uma personagem num par <strong>de</strong> linhas.<br />

A sua escrita é pouco dada a piruetas e<br />

é parca em adjectivos, antes procura<br />

que o leitor se passeie pelas páginas<br />

sem cansar os olhos. Isto implica<br />

precisão e minúcia.<br />

Todos estes contos são narrados<br />

não <strong>por</strong> quem experienciou o que se<br />

conta, mas <strong>por</strong> quem assistiu aos<br />

factos à distância ou é próximo do<br />

protagonista, o que traz credibilida<strong>de</strong><br />

à narração, mas não diminui uma<br />

possível a<strong>de</strong>são emocional. Não sendo<br />

um livro <strong>de</strong> “fantástico”, vive <strong>de</strong>ssa<br />

ambiência e estas histórias são<br />

atravessadas pelo insólito. Em alguns<br />

casos este revela-se nos actos dos<br />

protagonistas (como o homem que<br />

procurava obsessivamente ser<br />

costurado em “A costura <strong>de</strong><br />

Clemente”), noutros é inexplicável<br />

(em “Zanga <strong>de</strong> padres” um homem<br />

compra um par <strong>de</strong> estatuetas, mas<br />

uma <strong>de</strong>las insiste em <strong>de</strong>saparecer).<br />

Venha o insólito <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vier, <strong>por</strong><br />

norma persiste, após a leitura, uma<br />

atmosfera <strong>de</strong> estranheza que se <strong>de</strong>ve,<br />

antes do mais, à própria escrita, que<br />

instala <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira linha um<br />

clima <strong>de</strong> suspense - sendo que o mais<br />

exímio exemplo <strong>de</strong>sse talento <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> ambientes encontra-se<br />

em “Sete gatos cagam às escuras”.<br />

Por norma, o facto que <strong>de</strong>termina<br />

os acontecimentos narrados é<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado pelo protagonista sem<br />

que este tenha consciência das<br />

consequências dos seus actos. É assim<br />

com a Bernardina <strong>de</strong> “A doce <strong>de</strong>sgraça<br />

<strong>de</strong> Bernardina dos Prazeres” que,<br />

após uma vida asceta, <strong>de</strong>scobre um<br />

prazer que a conduz à <strong>de</strong>sgraça. É<br />

assim com o Emílio <strong>de</strong> “Emílio, o<br />

negociador <strong>de</strong> amores”,<br />

homem para quem o amor<br />

era um comércio até ser<br />

exposto à falência do<br />

seu corpo. É assim<br />

com o Hél<strong>de</strong>r Vaz <strong>de</strong><br />

“Penélope” que passa<br />

43 anos à espera da<br />

morte da mulher,<br />

para <strong>de</strong>scobrir que<br />

o que pensara a<br />

seu respeito<br />

estava errado.<br />

Este sistema<br />

com<strong>por</strong>ta<br />

variações: o<br />

protagonista <strong>de</strong><br />

“Nada <strong>por</strong> nós,<br />

Caetano”, um<br />

rapaz cujo pai<br />

aspirava a ver o<br />

filho tornar-se<br />

em exímio<br />

nadador, <strong>de</strong>ixa a<br />

natação após<br />

32 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Internet<br />

Estamos online. Clique em<br />

ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

connosco.<br />

Pedro Paixão já não tem<br />

nada a acrescentar<br />

ao tema mil vezes repetido<br />

do vício que é perseguir<br />

a beleza que se <strong>de</strong>sfaz<br />

provar a carne que o pai lhe proibia.<br />

Não é ele a provocar a alteração na sua<br />

vida - mas é o pai que, <strong>de</strong> tanto proibir<br />

o rapaz, lhe cria a curiosida<strong>de</strong> pela<br />

carne que, após fartamente provada,<br />

lhe provoca uma indigestão que quase<br />

o mata. Em “Inácio e Isabel: o último<br />

capítulo” a variação é mais pungente,<br />

<strong>por</strong>que o motor da tragédia raia o<br />

absurdo.<br />

Não se retira (pelo menos<br />

explicitamente) qualquer moral<br />

<strong>de</strong>stes contos - Machado parece mais<br />

interessado em registar a forma como<br />

as manias a que as pessoas se<br />

arreigam (para conseguirem o que<br />

querem ou <strong>por</strong> feitio ou <strong>por</strong>que sim)<br />

têm implicações que lhes fogem ao<br />

controlo. Isto é: que uma forma <strong>de</strong><br />

controlo (ou <strong>de</strong> conforto) com<strong>por</strong>ta<br />

sempre a possibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>struição.<br />

Isso é patente em dois textos do livro:<br />

em “O Mundo silencioso <strong>de</strong><br />

Diamantino” a procura obsessiva do<br />

silêncio <strong>de</strong> Diamantino provoca uma<br />

<strong>de</strong>sgraça, num conto que, escrito <strong>de</strong><br />

forma muito simples, se torna<br />

comovente. E em “Três memórias” a<br />

lealda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um filho a uma exigência<br />

muito particular do pai conduz o<br />

primeiro ao <strong>de</strong>sespero.<br />

“O Mundo silencioso <strong>de</strong><br />

Diamantino” e “Três memórias” são<br />

dois contos superlativos (estou<br />

tentado a dizer o mesmo <strong>de</strong> “Inácio e<br />

Isabel”), em que se consegue mais que<br />

capturar a curiosida<strong>de</strong> do leitor,<br />

entretê-lo ou contar uma boa história.<br />

São dois contos que, brincando com a<br />

sorte e o acaso, não só se tornam<br />

comoventes como obrigam a uma<br />

reflexão final - e é isso que faz a<br />

melhor literatura.<br />

Num país com escassíssimos<br />

contadores <strong>de</strong> histórias, sabe bem<br />

<strong>de</strong>scobrir um autor que traz a<br />

narrativa <strong>por</strong> uma ré<strong>de</strong>a bem curta,<br />

es<strong>por</strong>a o texto quando é preciso e<br />

nunca se põe em bicos <strong>de</strong> pés.<br />

A América<br />

contra a<br />

América<br />

Paul Auster diz tudo o que<br />

pensa sobre a era Bush.<br />

Vanessa Rato<br />

Paul Auster<br />

Homem na Escuridão<br />

Asa, €14<br />

mmnnn<br />

Eis um livro pouco<br />

brilhante mas<br />

o<strong>por</strong>tuno e que, na<br />

altura do seu<br />

lançamento nos<br />

Estados<br />

Unidos, em<br />

Agosto <strong>de</strong><br />

2008,<br />

teria<br />

servido <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida<br />

para uma boa entrevista sobre<br />

política. Afinal, à época, ainda<br />

não se sabia que ao fundo do túnel<br />

brilhava uma luz chamada Obama na<br />

Casa Branca. Havia esperança, claro,<br />

mas nenhumas certezas, e, para os<br />

<strong>de</strong>mocratas, uma vitória republicana<br />

prefigurava-se como o fim, o <strong>de</strong>finitivo<br />

fechar do negrume. No meio da<br />

dúvida, Paul Auster, que nunca<br />

escon<strong>de</strong>u qual a sua exacta posição no<br />

mapa político norte-americano,<br />

<strong>de</strong>ixou verter todo o seu <strong>de</strong>sencanto:<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>, em “As Loucuras <strong>de</strong><br />

Brooklyn” (2005), nos ter feito andar<br />

atrás <strong>de</strong> Nathan Glass <strong>por</strong> uma<br />

América em pleno período eleitoral<br />

<strong>de</strong> 2000, quando “um i<strong>de</strong>ólogo <strong>de</strong><br />

extrema-direita” e um “Governo <strong>de</strong><br />

lunáticos” conseguiram tomar o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> assalto com um “golpe legal”<br />

na Florida, em “Homem na<br />

Escuridão” Auster <strong>de</strong>speja tudo o que<br />

pensa sobre os EUA da era Bush.<br />

É multiplicar <strong>por</strong> dois a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um<br />

clássico e virá-la do avesso: em 1819,<br />

36 anos <strong>de</strong>pois do fim da guerra <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência norte-americana,<br />

Washington Irving imaginou um certo<br />

Rip van Winkle a adormecer <strong>de</strong>baixo<br />

<strong>de</strong> uma árvore enquanto súbdito do<br />

rei <strong>de</strong> Inglaterra para acordar 20 anos<br />

<strong>de</strong>pois sem saber que já não tinha que<br />

prestar vassalagem a ninguém; em<br />

2008, sete anos <strong>de</strong>pois dos atentados<br />

do 11 <strong>de</strong> Setembro, Paul Auster<br />

imaginou um certo August Brill<br />

insomne, um crítico literário viúvo e<br />

acamado que preenche mais uma<br />

noite em claro com a escrita<br />

imaginária <strong>de</strong> um romance, um<br />

romance passado num universo<br />

paralelo em que as Torres Gémeas não<br />

ruíram e a América não foi para o<br />

Iraque, mas, em vez disso, se tornou<br />

num país a ameaçar a implosão, tendo<br />

voltado a entrar em guerra civil.<br />

Um livro <strong>de</strong>ntro do livro, <strong>por</strong>tanto.<br />

Duplicação especular, sim, mas não<br />

em “mise-en-abîme” clássica. Um livro<br />

<strong>de</strong>ntro do livro que, em vez <strong>de</strong> se abrir<br />

caixa sobre caixa, se vai <strong>de</strong>senrolando<br />

em espiral, como a casca <strong>de</strong> uma<br />

laranja, acabando <strong>por</strong> se fechar sobre<br />

si mesmo, com os fios das suas duas<br />

ficções a entrecruzarem-se - ficção<br />

como reflexo artístico da realida<strong>de</strong>,<br />

mas também como agente sobre a<br />

realida<strong>de</strong>.<br />

Auster, sabemo-lo todos, é dono <strong>de</strong><br />

uma escrita particularmente fluída e<br />

não é <strong>por</strong> aí que este seu novo<br />

romance o <strong>de</strong>ixa ficar mal.<br />

“Homem na Escuridão” lê-se<br />

bem. Lê-se, aliás, numa tar<strong>de</strong>.<br />

Lê-se e esquece-se, como se<br />

nada nos tivesse acontecido.<br />

À excepção <strong>de</strong> uma<br />

imagem: o Rip<br />

van Winkle da<br />

ficção <strong>de</strong>ntro<br />

da ficção -<br />

Em “Homem na Escuridão”<br />

Paul Auster <strong>de</strong>speja tudo<br />

o que pensa sobre os EUA<br />

da era Bush<br />

um homem que um belo dia acorda<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um buraco fundo na terra<br />

sem qualquer i<strong>de</strong>ia sobre como ali foi<br />

parar ou sobre como <strong>de</strong> lá sair. Num<br />

momento, este homem era um<br />

mágico a tentar sobreviver em Nova<br />

Iorque, no seguinte está a acordar<br />

num buraco escavado na terra <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> é resgatado para se tornar<br />

combatente-instantâneo numa guerra<br />

que <strong>de</strong>sconhecia existir.<br />

Apetecia que Auster tivesse ficado<br />

<strong>por</strong> ali mesmo, que nunca se tivesse<br />

permitido tirar Owen Brick do escuro -<br />

resolver um romance centrado numa<br />

personagem enfiada num buraco seria<br />

um exercício mais “beckettiano” do<br />

que “austeriano”, mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

“Viagens no Scriptorium” -<br />

essencialmente uma revisão <strong>de</strong> “O<br />

Inominável” -, seria um exercício mais<br />

<strong>de</strong>safiador do que uma<br />

inconsequência aqui e ali<br />

estrategicamente <strong>de</strong>calcada <strong>de</strong><br />

“eXistenz” (lembram-se?).<br />

Nem tudo o<br />

que acontece<br />

O <strong>mundo</strong> é tudo o que<br />

acontece, mas nem tudo o<br />

que acontece merece ficar<br />

escrito. Pedro Mexia<br />

O Mundo É Tudo o que Acontece<br />

Pedro Paixão<br />

Quetzal, €18.85<br />

a<br />

“Genuíno. Fui ver<br />

ao dicionário. Um<br />

dicionário <strong>de</strong> 1881.<br />

Nos actuais po<strong>de</strong><br />

já não aparecer a<br />

palavra. As<br />

palavras<br />

<strong>de</strong>saparecem com<br />

os <strong>mundo</strong>s.<br />

Genuíno.<br />

Adjectivo. Puro, próprio, natural, sem<br />

alteração ou mistura. As pessoas<br />

também são as palavras que usam.”<br />

Isto escreve Pedro Paixão na página<br />

202 do seu mais recente livro,<br />

“O Mundo é Tudo o que<br />

Acontece”. Esta<br />

passagem, juntamente<br />

com o título, resume o<br />

beco criativo em que<br />

Paixão se meteu nos<br />

últimos anos. É verda<strong>de</strong><br />

que ele sempre cultivou o<br />

genuíno, ou seja, o sincero<br />

e o espontâneo; mas isso,<br />

que a princípio fazia o<br />

interesse e a<br />

diferença da sua<br />

literatura,<br />

tornou-se<br />

álibi para<br />

uma espécie<br />

<strong>de</strong> fuga à<br />

literatura.<br />

Porque<br />

quando<br />

chegamos a<br />

um livro<br />

como “O<br />

Mundo é Tudo o que Acontece”, uma<br />

mescla <strong>de</strong> histórias, pequenos ensaios<br />

e anotações, já não encontramos nada<br />

que seja literário mas apenas a tal<br />

sensação do genuíno, daquilo que não<br />

tem alteração ou mistura. Só que a<br />

literatura faz-se com palavras, e as<br />

palavras <strong>de</strong> Paixão per<strong>de</strong>ram força,<br />

per<strong>de</strong>ram secura, per<strong>de</strong>ram o norte.<br />

Claro que ele ainda escreve com uma<br />

correcção intocável, mas agora<br />

também <strong>de</strong>scamba: “Tenho na<br />

garganta uma magnólia a florescer,<br />

nadam minúsculos peixes azuis <strong>por</strong><br />

<strong>de</strong>baixo das minhas unhas, tenho o<br />

sexo transformado em ramos <strong>de</strong><br />

açúcar” (pág. 35). Isto, que é péssimo,<br />

aparece <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> vezes, espelhando<br />

em má poesia a sofreguidão do <strong>de</strong>sejo.<br />

O <strong>mundo</strong> é tudo o que acontece? É<br />

verda<strong>de</strong>, mas nem tudo o que<br />

acontece merece ficar escrito. O jogo<br />

perigoso com a autobiografia, que era<br />

motivo <strong>de</strong> fascínio no Paixão da<br />

década <strong>de</strong> 1990, cai agora num<br />

confessionalismo que não interessa a<br />

ninguém: <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte,<br />

uma operação, um divórcio, úteis<br />

talvez em termos terapêuticos mas<br />

textualmente inúteis. O escritor<br />

confessa que não tem imaginação,<br />

mas isso não justifica certos exageros.<br />

Há passagens que parecem copiadas<br />

<strong>de</strong> cartas mandadas a alguém,<br />

certamente fortíssimas em contexto<br />

pessoal, mas estéreis nesta colectânea<br />

<strong>de</strong> tentativas. E ao vigésimo primeiro<br />

livro, o mínimo que se po<strong>de</strong> dizer é<br />

que sentimos um certo cansaço com a<br />

enésima <strong>de</strong>clinação <strong>de</strong> um restrito<br />

número <strong>de</strong> tópicos (Auschwitz,<br />

Wittgenstein, os ansiolíticos, os<br />

restaurantes da moda, o <strong>de</strong>sdém pela<br />

<strong>de</strong>mocracia, as evocações equívocas<br />

da amiza<strong>de</strong> masculina). É verda<strong>de</strong> que<br />

todos os autores têm um pequeno<br />

universo, mas há uma diferença entre<br />

a evolução e a simples reiteração: vejase<br />

como falha o texto que tinha tudo<br />

para ser bom, o <strong>de</strong> Beckett em Cascais<br />

em 1969. Ou como o famoso episódio<br />

do encontro entre Joyce e Proust não<br />

produz uma única reflexão relevante.<br />

Sobram as histórias <strong>de</strong> mulheres<br />

conhecidas e <strong>de</strong>sconhecidas, amadas<br />

e fodidas. Essa oscilação entre o<br />

sublime e o animal tem uma dinâmica<br />

curiosa, mas Paixão já não tem nada a<br />

acrescentar ao tema mil vezes<br />

repetido do vício que é perseguir a<br />

beleza que se <strong>de</strong>sfaz. Pelo que os<br />

textos são uma galeria <strong>de</strong> mulheres <strong>de</strong><br />

lábios <strong>de</strong>senhados, nariz arrebitado,<br />

vestidos sem mangas, fotografadas em<br />

várias capitais, lascivas, insensatas,<br />

adoráveis. Às vezes são esboços <strong>de</strong><br />

poucas linhas, outras vezes<br />

prolongam-se em narrativas sobre<br />

miúdas rebel<strong>de</strong>s ou troféus (há<br />

mesmo um incomodativo texto sobre<br />

uma governanta, aparente mo<strong>de</strong>lo da<br />

mulher i<strong>de</strong>al).<br />

Nada disto tem a frescura daquelas<br />

narrativas enxutas e admiráveis que<br />

vão <strong>de</strong> “A Noiva Judia” (1992) a<br />

“Amor Portátil” (1999). O Paixão que<br />

conta está nos oito livros reunidos<br />

em “Do Mal o Menos” (2000). Depois<br />

disso, foi-se dissipando em romances<br />

fracassados e numa <strong>de</strong>slocada<br />

angústia wittgensteiniana sobre o<br />

que dizer e o que manter em<br />

silêncio.<br />

Saídas<br />

Romance<br />

Slam<br />

Nick Hornby<br />

(tradução <strong>de</strong> Rita<br />

Graña)<br />

Teorema, €17,5<br />

No seu novo<br />

livro, Nick<br />

Hornby escreve<br />

sobre Sam, um<br />

rapaz<br />

aparentemente<br />

nomal, <strong>de</strong> 15 anos, que adora<br />

andar <strong>de</strong> skate. Tem como<br />

confi<strong>de</strong>nte um poster <strong>de</strong> Tony<br />

Hawk, o maior skater do <strong>mundo</strong>,<br />

que lhe respon<strong>de</strong> sempre. O seu<br />

dia-a-dia é interrompido quando a<br />

sua namorada engravida, graças a<br />

uma distracção <strong>de</strong> 5 minutos. O<br />

autor <strong>de</strong> “Alta Fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>” propõe,<br />

com um gran<strong>de</strong> sentido <strong>de</strong> humor,<br />

uma reflexão sobre o que po<strong>de</strong> ser<br />

a vida <strong>de</strong> qualquer jovem no nosso<br />

tempo.<br />

Alabama Song<br />

Gilles <strong>Le</strong>roy<br />

(tradução <strong>de</strong> José<br />

Júdice e José<br />

Alberto<br />

Quaresma)<br />

Esfera do Caos,<br />

€18,90<br />

A Esfera do<br />

Caos acaba <strong>de</strong><br />

publicar<br />

“Alabama Song”, <strong>de</strong> Gilles <strong>Le</strong>roy,<br />

vencedor do prémio literário mais<br />

im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong> França, o<br />

Goncourt, em 2007. Trata-se da<br />

autobiografia ficcional <strong>de</strong> Zelda<br />

Fitzgerald, mulher do escritor<br />

norte-americano Scott Fitzgerald.<br />

Gilles <strong>Le</strong>roy vestiu a pela <strong>de</strong> Zelda<br />

para escrever, com gran<strong>de</strong><br />

sensibilida<strong>de</strong>, sobre as alegrias e<br />

tormentos <strong>de</strong> uma mulher que<br />

teve <strong>de</strong> lutar não ser canibalizada<br />

pelo seu marido.<br />

Citações<br />

A Sabedoria e o<br />

Humor <strong>de</strong><br />

Shakespeare<br />

Compilado <strong>por</strong><br />

Dominique<br />

Enright<br />

(tradução <strong>de</strong><br />

Marta Tomé)<br />

Casa das <strong>Le</strong>tras,<br />

€14<br />

“A Sabedoria e<br />

o Humor <strong>de</strong><br />

Shakespeare” é uma compilação<br />

<strong>de</strong> citações William Shakespeare -<br />

actor, poeta, escritor e maior<br />

dramaturgo <strong>de</strong> todos os tempos.<br />

Nele encontramos também as<br />

percepções irónicas das suas<br />

personagens e os gran<strong>de</strong>s<br />

discursos trágicos cujo<br />

espírito resi<strong>de</strong> na<br />

sua linguagem<br />

genial. O livro<br />

abre com<br />

uma<br />

introdução<br />

sobre a vida<br />

e trabalho <strong>de</strong><br />

Shakespeare.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 33


DVD<br />

Edição<br />

Cinema<br />

A moral é<br />

uma farsa<br />

A história dos “Contos” é a<br />

história <strong>de</strong> uma “moral” que<br />

é uma permanente “mise<br />

en scène” da negação. Luís<br />

Miguel Oliveira<br />

Caixa Eric<br />

Rohmer<br />

A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Monceau, A<br />

Carreira <strong>de</strong><br />

Suzanne, A<br />

Coleccionadora, A<br />

Minha Noite em<br />

Casa <strong>de</strong> Maud, O<br />

Joelho <strong>de</strong> Claire,<br />

O Amor às Três da Tar<strong>de</strong><br />

De Eric Rohmer<br />

Edição Atalanta Filmes.<br />

mmmmm<br />

Sem extras<br />

Eric Rohmer, nascido em 1920, era o<br />

mais velho dos cineastas da “nouvelle<br />

vague”, e um pouco <strong>por</strong> essa razão,<br />

reforçada <strong>por</strong> outras (formação,<br />

interesses), também o corpo mais<br />

estranho nesse bloco só<br />

superficialmente compacto. Era o<br />

mais culto <strong>de</strong> todos e o que tinha uma<br />

relação mais sólida com a literatura,<br />

<strong>por</strong> oposição ao diletantismo autodidacta<br />

dos sues colegas mais jovens.<br />

Ora se a literatura, e já estamos a<br />

chegar aos “Contos Morais”, foi a<br />

frustração, o “peso”, que conduziu os<br />

rapazes da “nouvelle vague” ao<br />

cinema (na célebre formulação <strong>de</strong><br />

Godard, “como podíamos esperar<br />

escrever melhor do que Joyce ou<br />

Rilke?”), quem mais nela avançou foi<br />

Rohmer. Todos os seis “Contos<br />

Quando se trata, no cinema <strong>de</strong> Rohmer, <strong>de</strong> justificar o seu lugar<br />

num <strong>mundo</strong> entre mulheres, cada homem inventa o seu filme, consigo<br />

no lugar do herói: “A Minha Noite em Casa <strong>de</strong> Maud”<br />

O brilho efémero do cinema<br />

checo dos anos 1960, essa<br />

“Nova Vaga” que anunciou a<br />

Primavera <strong>de</strong> Praga e <strong>de</strong>u os<br />

sinais do seu esmagamento<br />

com a invasão soviética<br />

Morais” começaram <strong>por</strong> ser projectos<br />

literários, escritos durante as décadas<br />

<strong>de</strong> 40 e 50, numa época em que<br />

Rohmer estava longe <strong>de</strong> imaginar vir a<br />

ser realizador. Mais tar<strong>de</strong>, já <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

estreados todos os filmes da série, os<br />

“Contos” foram publicados em livro<br />

(edição <strong>por</strong>tuguesa da Cotovia), e no<br />

prefácio Rohmer fazia uma confissão<br />

<strong>de</strong> fracasso, com ironia “ma non<br />

troppo”: “Se os filmei, foi <strong>por</strong>que não<br />

fui capaz <strong>de</strong> os escrever”. Morreu o<br />

escritor falhado, nasceu o gran<strong>de</strong><br />

cineasta.<br />

Os “Contos Morais” também<br />

representaram a imposição (tardia,<br />

mais uma vez <strong>por</strong> relação com os<br />

parceiros <strong>de</strong> movimento) <strong>de</strong> Rohmer<br />

como realizador. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />

curioso que um “fracasso” tenha<br />

remediado outro fracasso - este menos<br />

relativo e sem aspas: “<strong>Le</strong> Signe du<br />

Lion”, primeira longa <strong>de</strong> Rohmer, fora<br />

uma má experiência pessoal, passara<br />

sem gran<strong>de</strong> atenção, e ainda hoje é o<br />

menos conhecido dos filmes iniciais da<br />

“nouvelle vague”. Para resolver o<br />

impasse, Rohmer lembrou-se <strong>de</strong> puxar<br />

da cartola os seus <strong>de</strong>vaneios literários<br />

da juventu<strong>de</strong>. Com a ajuda <strong>de</strong> Barbet<br />

Schroe<strong>de</strong>r, que praticamente fundou a<br />

“<strong>Le</strong>s Films du Losange” só para<br />

produzir o projecto <strong>de</strong> Rohmer, atirouse<br />

aos “Contos Morais”, a princípio<br />

num artesanato quase amadorístico<br />

mas muito “nouvelle vague” (entre os<br />

primeiros filmes, “A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Monceau” e “A Carreira <strong>de</strong> Suzanne”,<br />

para todos os efeitos uma curta e uma<br />

média, e os últimos, “O Joelho <strong>de</strong><br />

Claire” e “O Amor às Três da Tar<strong>de</strong>” há<br />

uma gritante diferença <strong>de</strong> valores <strong>de</strong><br />

produção). Os “Contos” ocuparam<br />

Rohmer durante os anos 60, entre 1963<br />

e 1972 (apesar <strong>de</strong> ser uma década em<br />

que o cineasta fez muito trabalho para<br />

TV), e garantiram-lhe a notorieda<strong>de</strong> a<br />

partir dos terceiro e quarto episódios<br />

(“A Coleccionadora” e “A Minha Noite<br />

em Casa <strong>de</strong> Maud”, rodados e<br />

estreados <strong>por</strong> or<strong>de</strong>m inversa do seu<br />

posicionamento na série). Foi a<br />

primeira série <strong>de</strong> Rohmer, que <strong>de</strong>pois<br />

repetiu esse princípio estruturante nos<br />

anos 80 (as “Comédias e Provérbios”) e<br />

nos anos 90 (os “Contos das Quatro<br />

Estações”).<br />

“Serialista”, Rohmer é também um<br />

“geómetra” da narrativa. Todos os<br />

“Contos” assentam numa proposição<br />

triangular: um homem, uma mulher,<br />

outra mulher, <strong>de</strong> novo a primeira<br />

mulher. Profundo admirador <strong>de</strong><br />

Murnau, terá baseado estes<br />

movimentos em triângulo no arquétipo<br />

estabelecido pelo “Sunrise” do alemão<br />

- mas o certo é que (e visto que<br />

arquétipos são arquétipos) se pensa<br />

mais, durante o visionamento dos<br />

“Contos”, em variações sobre o<br />

mo<strong>de</strong>lo das “screwballs” americanas e<br />

das “comédias do re-casamento”. O<br />

humor, <strong>de</strong> resto, nunca está longe em<br />

nenhum dos “Contos”, comédias sem<br />

sinais exteriores <strong>de</strong> comédia, talvez<br />

com excepção do último, “O Amor às<br />

Três da Tar<strong>de</strong>”, que sendo o filme com<br />

o tom mais grave é aquele em que com<br />

mais proprieda<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> falar em “recasamento”.<br />

De resto, ao longo da série<br />

a faixa etária das personagens vai<br />

subindo: na “Pa<strong>de</strong>ira” e na “Suzanne”<br />

são miúdos, têm 18 anos, no último é<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

- e foi uma curiosida<strong>de</strong> muito<br />

apetecida do Oci<strong>de</strong>nte nesses<br />

tempos, com direito a óscares <strong>de</strong><br />

Hollywood e tudo - tem exemplares<br />

magníficos em edições<br />

da Zon Luso<strong>mundo</strong>: “O Baile<br />

um homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> acometido<br />

<strong>de</strong> claustrofobia matrimonial.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, o tema central dos<br />

“Contos” é o <strong>de</strong>sejo masculino, e a sua<br />

volatilida<strong>de</strong> face às circunstâncias. Não<br />

é a primeira vez, nem será a última,<br />

que citamos uma frase <strong>de</strong> Rohmer,<br />

homem <strong>de</strong>masiado antigo (e dirão<br />

alguns, <strong>de</strong>masiado reaccionário) para<br />

não <strong>de</strong>sconfiar da psicanálise: “o<br />

inconsciente é o corpo”. Isto é a chave<br />

<strong>de</strong> muito Rohmer, e a principal chave<br />

dos “Contos”. Como lida o homem<br />

urbano, civilizado, “intelectual”, com<br />

as flutuações do <strong>de</strong>sejo, com o<br />

aleatório dos sentimentos?<br />

Obviamente, racionaliza: se os<br />

“Contos” são “Morais” é <strong>por</strong>que todos<br />

os protagonistas fazem um esforço<br />

para integrar tudo numa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

premeditação que tanto é uma âncora<br />

para a sua existência como a<br />

reivindicação <strong>de</strong> uma “superiorida<strong>de</strong><br />

moral” perante os outros (e as outras).<br />

Diz, resumindo todos os outros<br />

“Contos”, o jovem protagonista <strong>de</strong> “A<br />

Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Monceau”, <strong>de</strong>pois <strong>por</strong> um<br />

acaso em que não foi tido nem achado<br />

troca uma mulher <strong>por</strong> outra: “fiz uma<br />

escolha moral”. A história dos<br />

“Contos” é a história <strong>de</strong>sta “moral”,<br />

uma “moral” que no fundo não é mais<br />

do que uma ficção essencial à<br />

sobrevivência, uma permanente “mise<br />

en scène” da negação. O génio <strong>de</strong><br />

Rohmer é conseguir filmá-la dando a<br />

ver em cada plano uma situação e, ao<br />

mesmo tempo, a sua leitura: o<br />

“falsamente objectivo” e o “falsamente<br />

subjectivo” equivalem-se, andam <strong>de</strong><br />

braço dado, habitam o mesmo corpo e<br />

o mesmo olhar. O corpo e o olhar do<br />

cinema, pois o que os “Contos”<br />

mostram é que, quando se trata <strong>de</strong><br />

justificar o seu lugar num <strong>mundo</strong> entre<br />

mulheres, cada homem é um cineasta,<br />

cada homem inventa o seu filme,<br />

consigo no lugar do herói. O que eles<br />

projectam como drama, Rohmer filma<br />

como farsa (mas sem danificar o drama<br />

<strong>de</strong>les). Genial, claro. Mas mais<br />

im<strong>por</strong>tante do que isso, único. Rever<br />

os “Contos” é um prazer, <strong>de</strong>scobri-los<br />

uma maravilha.<br />

Edição sem extras significativos, em<br />

cinco discos (“A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Monceau” e<br />

“A Carreira <strong>de</strong> Suzanne” partilham o<br />

mesmo disco).<br />

O “outsi<strong>de</strong>r”<br />

(Re)<strong>de</strong>scobrir um cineasta<br />

notável que sempre<br />

confundiu as expectativas.<br />

Jorge Mourinha<br />

mmmmn<br />

Extras<br />

mmmmm<br />

Colecção Louis<br />

Malle - 1<br />

A<strong>de</strong>us, Rapazes, O<br />

Colaboracionista,<br />

Os Malucos De<br />

Maio, O Unicórnio,<br />

Calcutá<br />

Avalon, Exclusivo<br />

Fnac<br />

dos Bombeiros”/ “Os Amores <strong>de</strong><br />

uma Loira”, <strong>de</strong> Milos Forman,<br />

e “Comboios Rigorosamente<br />

Vigiados”, <strong>de</strong> Jiri Menzel/”A<br />

Pequena Loja da Rua Principal”,<br />

Jan Kadar e Elmar Klos.<br />

Duas histórias <strong>de</strong> aprendizagem<br />

durante a II Guerra, uma farsa familiar<br />

em pleno Maio <strong>de</strong> 1968, uma fantasia<br />

surreal num futuro apocalíptico e dois<br />

documentários sobre a Índia, tudo<br />

rodado ao longo <strong>de</strong> vinte anos. On<strong>de</strong> é<br />

que se po<strong>de</strong> encontrar a marca <strong>de</strong><br />

autor que una estes filmes para lá <strong>de</strong><br />

uma simples assinatura?<br />

É o problema que percorre qualquer<br />

olhar sobre Louis Malle (1932-1995),<br />

contem<strong>por</strong>âneo <strong>de</strong> Godard, Truffaut<br />

ou Resnais, e <strong>por</strong> isso i<strong>de</strong>ntificado com<br />

a Nouvelle Vague (a sua primeira longa<br />

<strong>de</strong> ficção, “Fim-<strong>de</strong>-Semana no<br />

Ascensor”, <strong>de</strong> 1957, tinha no papel<br />

principal Jeanne Moreau, uma das<br />

divas do movimento). Só que ele nunca<br />

fez parte <strong>de</strong>la - nem <strong>de</strong> outro<br />

movimento: longe da formação teórica<br />

e crítica dos seus contem<strong>por</strong>âneos,<br />

nascera numa abastada família<br />

aristocrática, tinha não apenas cursado<br />

cinema como alinhado experiência<br />

prática após quatro anos como<br />

operador <strong>de</strong> câmara do comandante<br />

Cousteau, e foi o único cineasta francês<br />

da sua geração a manter uma carreira<br />

constante dos dois lados do Atlântico.<br />

Rodou o que quis, quando quis,<br />

como quis. E é <strong>por</strong> isso que, passados<br />

quinze anos sobre a sua morte, o seu<br />

nome não ganhou a aura dos seus<br />

contem<strong>por</strong>âneos. Porque não parece<br />

haver - para lá <strong>de</strong> um cuidado formal<br />

invejável; da atracção <strong>por</strong> gente<br />

encostada à pare<strong>de</strong> pelas<br />

circunstâncias que a ro<strong>de</strong>iam; da<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> não fazer o mesmo filme<br />

duas vezes - uma marca <strong>de</strong> autor que<br />

permita dizer “isto é um Malle”.<br />

E, contudo, que injustiça esquecer o<br />

modo humanista como o cineasta não<br />

julga as suas personagens, que<br />

procuram apenas sobreviver num<br />

universo em convulsão. Quer sejam o<br />

herói-vilão <strong>de</strong> “O Colaboracionista”,<br />

camponês adolescente da França<br />

ocupada na II Guerra, colaborador <strong>por</strong><br />

conveniência pragmática mais do que<br />

<strong>por</strong> crença política. Ou o miúdo<br />

parisiense <strong>de</strong> boas famílias, mimado e<br />

convencido, enviado para um colégio<br />

católico durante a Guerra em “A<strong>de</strong>us,<br />

Rapazes”. Ou a rapariga mimada <strong>de</strong> “O<br />

Unicórnio”, que foge a uma guerra sem<br />

quartel num futuro incerto para dar<br />

<strong>por</strong> si num casarão on<strong>de</strong> nada parece<br />

seguir as regras do <strong>mundo</strong> real. Ou o<br />

clã <strong>de</strong> “Os Malucos <strong>de</strong> Maio”, que se<br />

<strong>de</strong>gladia mesquinhamente pela última<br />

jóia <strong>de</strong> família após a morte inesperada<br />

da matriarca, no momento em que o<br />

Maio <strong>de</strong> 1968 vem abalar a França<br />

gaullista.<br />

E que injustiça esquecer o modo<br />

discreto como Malle <strong>de</strong>ixou a sua<br />

própria vida contagiar cada uma <strong>de</strong>stas<br />

quatro ficções, todas elas situadas na<br />

província (e na região on<strong>de</strong> passava as<br />

férias). “A<strong>de</strong>us, Rapazes” ficciona o<br />

trauma fundador da sua adolescência:<br />

Julien, o miúdo snob que se trava <strong>de</strong><br />

amiza<strong>de</strong> pelo novo colega do colégio<br />

interno, ju<strong>de</strong>u acolhido pelos padres<br />

do colégio, é o próprio Malle. “O<br />

Colaboracionista” (1974) inspira-se em<br />

episódios ocorridos perto da casa<br />

familiar, casa essa on<strong>de</strong> Malle rodou<br />

logo a seguir, em regime <strong>de</strong><br />

improvisação, com apenas quatro<br />

actores, “O Unicórnio” (1974). E há algo<br />

<strong>de</strong> dolorosamente conhecedor no<br />

34 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Edição<br />

“O Cinema Americano<br />

dos anos 70- Uma<br />

década em revolução”<br />

é a homenagem <strong>de</strong><br />

Ted Demme e Richard<br />

LaGranvanese<br />

à revolução cultural<br />

americana dos anos 70<br />

tal como ficou registada<br />

no cinema <strong>de</strong>ssa época.<br />

Documentário (edição<br />

da Midas), com participação<br />

<strong>de</strong> muitas das<br />

estrelas <strong>de</strong>sse momento,<br />

para servir eventualmente<br />

<strong>de</strong> contraponto à<br />

leitura <strong>de</strong> “Easy Ri<strong>de</strong>rs,<br />

Raging Bulls: How the<br />

Sex, Drugs and Rock ‘N’<br />

Roll Generation Saved<br />

Hollywood”, o livro <strong>de</strong><br />

Peter Biskind.<br />

Chris (Julian<br />

McMahon), o narcísico<br />

com momentos <strong>de</strong><br />

generosida<strong>de</strong>, e Sean<br />

(Dylan Walsh), o sonso<br />

com momentos <strong>de</strong><br />

sacanice,<br />

“A<strong>de</strong>us, Rapazes”,<br />

exercício sobre a<br />

<strong>de</strong>scoberta brutal do<br />

<strong>mundo</strong> adulto<br />

retrato da burguesia <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte a que o<br />

realizador se entrega em “Os Malucos<br />

<strong>de</strong> Maio” (1989), também ele rodado na<br />

região da sua infância.<br />

Não estão, claro, todos ao mesmo<br />

nível. Extraordinários: os gémeos “O<br />

Colaboracionista” e “A<strong>de</strong>us,<br />

Rapazes”, exercícios sobre a<br />

aprendizagem da solidão e a<br />

<strong>de</strong>scoberta brutal do <strong>mundo</strong> adulto<br />

<strong>por</strong> parte <strong>de</strong> adolescentes protegidos.<br />

<strong>Le</strong>vezinho: “Os Malucos <strong>de</strong> Maio”,<br />

comédia renoiriana, melhor na<br />

melancolia encantadora do lento<br />

a<strong>de</strong>us a um passado que fica lá atrás<br />

do que na farsa a traço grosso da<br />

sátira da revolução burguesa. Falhado<br />

mas fascinante: “O Unicórnio”,<br />

bizarria surreal praticamente sem<br />

diálogos, fábula metafórica sobre o<br />

paraíso perdido, tentativa <strong>de</strong> cinema<br />

em estado puro magistralmente<br />

fotografada <strong>por</strong> mestre Sven Nykvist.<br />

Os dois documentários, contudo,<br />

tornam a edição imperdível. Entre<br />

Janeiro e Maio <strong>de</strong> 1968, um Malle<br />

<strong>de</strong>sencantado com o que sentia ser<br />

uma carreira estagnada percorreu a<br />

Índia durante cinco meses,<br />

acompanhado pelo câmara Etienne<br />

Becker e pelo engenheiro <strong>de</strong> som<br />

Jean-Clau<strong>de</strong> Laureux. De regresso a<br />

Paris, tirou do material dois filmes<br />

autónomos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma concepção<br />

clássica do documentário como<br />

registo vivencial, mas transcen<strong>de</strong>ndo<br />

quer a simples lógica turística do<br />

“filme <strong>de</strong> viagem” quer a tendência<br />

politicizante <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1968 (mesmo<br />

que elas estejam presentes). Trata-se<br />

<strong>de</strong> construir uma sucessão <strong>de</strong><br />

impressões recolhidas ao acaso dos<br />

encontros, em diálogo constante<br />

entre a emoção e a razão, recusando<br />

o <strong>de</strong>slumbramento oci<strong>de</strong>ntal do<br />

“bom selvagem” em favor <strong>de</strong> um<br />

olhar lúcido e neutro que se constrói<br />

na própria duração <strong>de</strong> cada plano. A<br />

própria condição <strong>de</strong> observador<br />

externo <strong>de</strong> Malle torna-se num dos<br />

“leit-motifs” da viagem, <strong>por</strong>que - nas<br />

suas próprias palavras - “na Índia, um<br />

oci<strong>de</strong>ntal com uma câmara é<br />

duplamente oci<strong>de</strong>ntal”.<br />

Um dos filmes, “A Índia Fantasma”,<br />

são sete episódios <strong>de</strong> 50 minutos<br />

pensados para TV (e é espantoso<br />

pensar: quarenta anos <strong>de</strong>pois,<br />

nenhuma televisão aceitaria exibir<br />

“isto”...). É um extraordinário mosaico<br />

sobre os esplendores e misérias da<br />

Índia mo<strong>de</strong>rna, mais datado quando<br />

explora a componente política, mais<br />

estimulante quando se <strong>de</strong>ixa levar<br />

pelos momentos que regista e quando<br />

questiona a própria pureza da formadocumentário,<br />

num precursor “avant<br />

la lettre” das questões que trabalham<br />

actualmente os cineastas da área. O<br />

outro, “Calcutá”, é um “oitavo<br />

episódio” pensado para cinema e<br />

centrado no quotidiano daquela<br />

cida<strong>de</strong>; está mais perto da convenção<br />

do “filme <strong>de</strong> viagem” ou do<br />

documentário etnográfico, faz-lhe falta<br />

a duração sem pressas do seu<br />

companheiro televisivo, mas sente-se<br />

nele o olhar generoso <strong>de</strong> Malle. A<br />

experiência indiana e os dois<br />

documentários funcionaram como<br />

“charneira” entre as duas fases da<br />

carreira do realizador, e po<strong>de</strong>mos<br />

sentir como essa atenção às pessoas,<br />

essa aposta na duração do plano, esse<br />

olhar lúcido contamina toda a restante<br />

obra.<br />

“A Índia Fantasma” é o único “extra”<br />

<strong>de</strong>sta caixa <strong>de</strong> preço apetecível e<br />

apresentação sóbria mas acabamentos<br />

pobres organizada pelo editor<br />

espanhol Avalon, que não correspon<strong>de</strong><br />

a (nem aproveita nenhum dos extras<br />

<strong>de</strong>) nenhuma das edições<br />

internacionais <strong>de</strong>stes filmes, nem<br />

contextualiza quer o realizador quer as<br />

obras reunidas. A lógica que reúne<br />

estes títulos (bem como os cinco<br />

presentes numa segunda caixa do<br />

mesmo editor) é <strong>de</strong> catálogo -<br />

pertencem todos ao acervo da<br />

distribuidora francesa Pyrami<strong>de</strong> - e as<br />

cópias estão em excelentes condições,<br />

ou, no caso <strong>de</strong> “Calcutá” e “A Índia<br />

Fantasma”, nas melhores possíveis<br />

(restauradas pelos Archives Françaises<br />

du Film a partir <strong>de</strong> originais bastante<br />

gastos). As legendagens vão do bom ao<br />

mau (em “O Colaboracionista” e nos<br />

documentários, com muitas<br />

transferências directas do espanhol e a<br />

mesma palavra grafada <strong>de</strong> modo<br />

diferente <strong>de</strong> filme para filme), e a<br />

divisão dos sete episódios <strong>de</strong> “A Índia<br />

Fantasma” pelos vários discos não<br />

surgem pela or<strong>de</strong>m indicada na contracapa.<br />

Mesmo assim, face ao preço em<br />

conta (40 euros) e à qualida<strong>de</strong> do<br />

material reunido, é uma edição a ter<br />

em conta para (re)<strong>de</strong>scobrir um<br />

cineasta que já merecia ser reavaliado<br />

com atenção.<br />

Televisão<br />

Bizarrias, outra vez<br />

mmnnn<br />

Extras<br />

mnnnn<br />

Nip/Tuck<br />

5ª tem<strong>por</strong>ada,<br />

Parte I<br />

Criador Ryan<br />

Murphy<br />

Distr. Castello-<br />

Lopes<br />

Pior do que uma má série é uma série<br />

muito boa que se torna irrelevante. Bom,<br />

não tão má que nos afaste do ecrã, mas<br />

má ao ponto <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>ixar nostálgicos<br />

em relação aos primeiros episódios - que<br />

é o sinal mais evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que algo vai<br />

mal no reino da quinta tem<strong>por</strong>ada <strong>de</strong><br />

“Nip/Tuck”, a série sobre dois cirurgiões<br />

plásticos que nos continua a dar a<br />

medicina à lupa mas não a surpreen<strong>de</strong>r.<br />

Com a mudança dos dois cirurgiões <strong>de</strong><br />

Miami para Los Angeles, território do<br />

hedonismo <strong>por</strong> excelência, per<strong>de</strong>u-se a<br />

ironia da “tagline” <strong>de</strong> “Nip/Tuck”, a<br />

“série profundamente superficial”.<br />

Per<strong>de</strong>u-se a ironia <strong>por</strong>que ela tornou-se,<br />

<strong>de</strong> facto, naquilo que anunciava,<br />

superficial. E per<strong>de</strong>u-se também o mais<br />

interessante das personagens: a<br />

espessura e, acima <strong>de</strong> tudo, a<br />

credibilida<strong>de</strong>. Os “twists” passaram a ser<br />

isso mesmo, meros “twists”, que nada<br />

acrescentam, antes são manobras <strong>de</strong><br />

diversão <strong>de</strong> argumentistas/criadores que<br />

já não sabem fazer crescer as “pessoas”<br />

que criaram. A galeria <strong>de</strong> freaks que vão<br />

passando pelo consultório (do bem<br />

sucedido empresário que é masoquista à<br />

velhota que quer que o seu jovem noivo<br />

volte a ter os pêlos que ela em tempos<br />

quis mandar tirar) e os jactos <strong>de</strong><br />

surrealismo à la “Twin Peaks” são mais<br />

do mesmo, com a diferença <strong>de</strong> que o<br />

mesmo já foi melhor nas três primeiras<br />

tem<strong>por</strong>adas.<br />

Resumimos, então, o argumento <strong>de</strong>sta<br />

semi-quinta tem<strong>por</strong>ada (semi <strong>por</strong>que o<br />

DVD vai até ao episódio 14; o resto, que<br />

vai até ao 22, estreia este mês nos EUA):<br />

Chris (Julian McMahon), o narcísico com<br />

momentos <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong>, e Sean<br />

(Dylan Walsh), o sonso com momentos<br />

<strong>de</strong> sacanice, mudam-se para LA on<strong>de</strong><br />

montam nova clínica. Como o negócio<br />

não arranca, tentam atingir os fins <strong>por</strong><br />

outros meios. Sean torna-se a estrela <strong>de</strong><br />

uma série que glosa o próprio “Nip/<br />

Tuck” (chama-se “Corações e Bisturis”) e<br />

Chris fica em crise <strong>de</strong> egocentrismo,<br />

invertendo o papel com Sean. Julia tem<br />

um caso com uma mulher, e a filha<br />

adolescente <strong>de</strong>la, uma Lolita a assombrar<br />

o já não puritano Sean, torna-se a<br />

verda<strong>de</strong>ira vilã.<br />

É pena, então, que o criador Ryan<br />

Murphy tenha adormecido à sombra do<br />

sucesso da série estreada em 2003 nos<br />

EUA. A “crise”, é verda<strong>de</strong>, já se anunciara<br />

na tem<strong>por</strong>ada quatro, com as<br />

personagens a chegarem a um impasse.<br />

A quinta tem<strong>por</strong>ada só o confirma - a ver<br />

vamos a parte II.<br />

Os extras, não legendados, são uma<br />

conversa com Ryan Murphy e alguns<br />

actores sobre o hedonismo ou cenas <strong>de</strong><br />

apanhados. Joana Gorjão Henriques<br />

SÁB <br />

<br />

REMIX ENSEMBLE<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

; ; ; <br />

, para piano, ensemble e electrónica<br />

<br />

para trompa solo, quatro trompas<br />

naturais e ensemble<br />

No ano em que celebra setenta anos, Jonathan Harvey é o<br />

Compositor em Residência na Casa da Música. Um ecléctico<br />

programa com obras para diferentes instrumentos solistas,<br />

ensemble e com recurso à electrónica.<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 35


Cinema<br />

No fundo, no fundo<br />

esta turma po<strong>de</strong>mos ser todos<br />

nós: “A Onda”<br />

Estreiam<br />

A turma<br />

O fascismo não passará?<br />

Um professor <strong>de</strong> liceu<br />

<strong>de</strong>monstra <strong>por</strong> A+B que não<br />

é bem assim e abre uma<br />

caixa <strong>de</strong> Pandora.<br />

Jorge Mourinha<br />

A Onda<br />

Die Welle / The Wave<br />

De Dennis Gansel,<br />

com Jürgen Vogel, Fre<strong>de</strong>rick Lau, Max<br />

Riemelt. M/16<br />

MMMMn<br />

As estrelas do público<br />

<strong>Lisboa</strong>: Luso<strong>mundo</strong> - Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30,<br />

23h50; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h, 21h40, 00h10<br />

Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h, 21h40, 00h10;<br />

Porto: Luso<strong>mundo</strong> - Mar Shopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10, 18h50, 21h20,<br />

23h50; UCI Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h10, 16h40, 19h15, 21h50, 00h30 3ª<br />

4ª 16h40, 19h15, 21h50, 00h30;<br />

Não era tão bom que todos os<br />

professores fossem tão fixes como<br />

Rainer Wenger, que treina a equipa <strong>de</strong><br />

polo aquático do liceu, ensina<br />

História, tem o cabelo rapado, usa<br />

blusão <strong>de</strong> cabedal e vai para o<br />

trabalho a ouvir os Ramones? Pois era.<br />

E os problemas começam aí.<br />

No âmbito dos projectos <strong>de</strong> grupo<br />

semanais do liceu on<strong>de</strong> ensina,<br />

Wenger é forçado a ensinar a<br />

autocracia em vez da anarquia.<br />

Apanhado <strong>de</strong> surpresa <strong>por</strong> um tema<br />

<strong>de</strong> que não gosta, confrontado com o<br />

cinismo <strong>de</strong> uma turma que já <strong>de</strong>u para<br />

a culpa do Holocausto e do nazismo e<br />

que acha que a Alemanha apren<strong>de</strong>u a<br />

lição, o professor fixe <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>-se a<br />

<strong>de</strong>senvolver com a turma uma<br />

experiência laboratorial: provar que<br />

as condições i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> temperatura e<br />

pressão permitem a re-emergência <strong>de</strong><br />

uma ditadura, mesmo na Alemanha. E<br />

a coisa resulta para lá <strong>de</strong> todas as<br />

expectativas: a experiência<br />

laboratorial começa a ganhar uma<br />

vida própria e a transcen<strong>de</strong>r os limites<br />

da sala <strong>de</strong> aula. A bola <strong>de</strong> neve,<br />

alimentada pelo carisma <strong>de</strong> Wenger<br />

(uma interpretação espantosa <strong>de</strong><br />

Jürgen Vogel, notabilíssimo actor<br />

alemão que conhecemos mal <strong>por</strong> cá) e<br />

pela leitura distorcida que alguns dos<br />

alunos fazem das i<strong>de</strong>ias centrais da<br />

autocracia, ganha uma velocida<strong>de</strong><br />

incontrolável, vai direitinha aos<br />

atavismos tribais embutidos nos genes<br />

humanos. E o que começou como um<br />

simples projecto escolar ganha<br />

contornos <strong>de</strong> tragédia anunciada: uma<br />

espécie <strong>de</strong> caixa <strong>de</strong> Pandora que se<br />

abriu a brincar, sem ter consciência<br />

das forças que se libertam e que<br />

<strong>de</strong>pois não voltam a entrar lá <strong>de</strong>ntro<br />

sem cobrar um preço.<br />

Não é uma mera criação <strong>de</strong><br />

argumentista, a autocrática<br />

experiência teve realmente lugar — só<br />

que em 1967, num liceu californiano.<br />

“A Onda” pega no protocolo original<br />

do professor Ron Jones (e na sua<br />

recriação num telefilme americano <strong>de</strong><br />

1981) e ficciona-o na Alemanha<br />

contem<strong>por</strong>ânea — o que eleva a<br />

premissa <strong>de</strong> intrigante a explosiva.<br />

Dennis Gansel assume a<br />

especificida<strong>de</strong> nacional que empresta<br />

a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> necessária à história, ao<br />

mesmo tempo que a universaliza<br />

através <strong>de</strong> uma apropriação<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

inteligente dos códigos do filme <strong>de</strong><br />

liceu, <strong>de</strong>senhando paralelos entre as<br />

regras comunitárias impostas na<br />

ditadura simulada <strong>de</strong> Wenger e o<br />

próprio funcionamento das cliques e<br />

grupinhos <strong>de</strong> liceu. Gansel filma com<br />

uma energia e um ritmo que quase se<br />

diriam adolescentes, captando na<br />

perfeição o entusiasmo que vai<br />

crescendo, como uma (lá está) onda<br />

<strong>de</strong> adrenalina que começa a percorrer<br />

a turma e “acorda” alunos até aí<br />

<strong>de</strong>sinteressados ou isolados.<br />

Não é <strong>de</strong>scabido que seja também<br />

essa a i<strong>de</strong>ia subjacente – usar esse<br />

entusiasmo para captar espectadores<br />

para um filme que, no papel, seria um<br />

pouco seco; e, <strong>de</strong> facto, “A Onda” tem<br />

sido acusado <strong>de</strong> excessivo didactismo.<br />

Sim, é verda<strong>de</strong>, esse didactismo está<br />

presente, mas está muito longe <strong>de</strong> ser<br />

metido a martelo ou enfiado pela<br />

boca, <strong>por</strong>que é precisamente esse o<br />

tema e o método do filme — o modo<br />

como nos <strong>de</strong>ixamos levar sem darmos<br />

<strong>por</strong> isso. Dennis Gansel torna um<br />

filme que podia ser <strong>de</strong> tese numa<br />

montanha russa engenhosamente<br />

<strong>de</strong>senhada, trata os seus espectadores<br />

como os alunos <strong>de</strong> Wenger – sedu-los<br />

primeiro para <strong>de</strong>pois lhes explicar, em<br />

inteira lealda<strong>de</strong>, como foram<br />

manipulados, espelhando na<br />

perfeição o próprio <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da experiência <strong>de</strong> Ron Jones.<br />

No fundo, no fundo, a turma <strong>de</strong><br />

Wenger po<strong>de</strong>mos ser (somos?) nós<br />

todos.<br />

Razão<br />

sem fúria<br />

Este é um filme <strong>de</strong> um<br />

Clint que trocou o instinto<br />

profundo que alimenta os<br />

seus melhores filmes<br />

pelas boas maneiras<br />

que dominam<br />

os seus filmes<br />

assim-assim. Luís<br />

Miguel Oliveira<br />

A Troca<br />

Changeling<br />

De Clint Eastwood,<br />

com Angelina Jolie,<br />

Gattlin Griffith, Michelle<br />

Martin, John Malkovich.<br />

M/12<br />

MMMnn<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Austrália MMmmm nnnnn mmmmn mnnnn<br />

Caos Calmo MMmnn MMmnn mmmnn MMmnn<br />

A Onda MMmmn mnnnn nnnnn nnnnn<br />

A Troca mmmnn mmmnn mmmnn mmnnn<br />

Sete Vidas MMmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

O Silêncio <strong>de</strong> Lorna nnnnn mmmnn mnnnn mnnnn<br />

RocknRolla mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Sim! mmnnn mmnnn nnnnn mnnnn<br />

Três Macacos nnnnn mmmnn mmnnn mnnnn<br />

Valsa com Bashir mmmmn mmnnn mmnnn mmmnn<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h, 21h10,<br />

00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h, 21h, 24h; Luso<strong>mundo</strong><br />

- Cascaishopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 16h40, 21h20, 00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Colombo: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h40, 21h10,<br />

00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 16h10, 21h10,<br />

00h20; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h,<br />

21h45, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9:<br />

5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h, 21h30, 00h25<br />

Domingo 11h30, 15h, 18h, 21h30, 00h25; Castello<br />

Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h30,<br />

00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h10, 21h15, 00h25;<br />

Porto: Luso<strong>mundo</strong> - GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h40, 21h40 6ª Sábado<br />

12h40, 15h40, 18h40, 21h40, 00h45; Luso<strong>mundo</strong> -<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h50, 17h20, 21h10, 00h30; Luso<strong>mundo</strong> - Parque<br />

Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

16h50, 21h10, 00h20; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala<br />

1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 18h,<br />

21h40; UCI Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h20, 21h30, 00h40;<br />

Nos tempos heróicos em que os<br />

miúdos dos “Cahiers” tomaram em<br />

mãos a tarefa <strong>de</strong> resgatarem Samuel<br />

Fuller ao opróbrio do ogre-vermelho<br />

Georges Sadoul (e à indiferença dos<br />

americanos), o mais miúdo <strong>de</strong>les<br />

todos, Luc Moullet, estabeleceu uma<br />

tipologia <strong>de</strong>finitiva: havia dois Fullers,<br />

um Fuller “temperamental” e um<br />

Fuller “racional”, e o primeiro era<br />

mais interessante do que o segundo.<br />

Fora, eventualmente, o plágio, não<br />

incorremos em nenhum crime se<br />

transpusermos essas categorias para<br />

Clint Eastwood, pela boa razão <strong>de</strong> que<br />

elas nos vêm à memória durante o<br />

visionamento <strong>de</strong> “A Troca”. Este é um<br />

filme <strong>de</strong> um Clint em modo razoável<br />

(digamos, uma razão sem fúria), um<br />

Clint que trocou o instinto profundo<br />

que alimenta os seus melhores filmes<br />

(o instinto que, como em Fuller,<br />

originou não poucos equívocos) pelas<br />

boas maneiras que dominam os seus<br />

filmes assim-assim (se quiserem, “As<br />

Cartas <strong>de</strong> Iwo Jima” versus “As<br />

Ban<strong>de</strong>iras dos Nossos Pais”). Um Clint<br />

que prestou menos atenção às suas<br />

tripas e mais àquela conversa do<br />

“último dos clássicos” em que<br />

teria que acabar <strong>por</strong><br />

acreditar <strong>de</strong> tanto lha<br />

repetirem aos<br />

ouvidos. Inteligente<br />

e competente, mas<br />

também disperso e<br />

<strong>de</strong>corativo (e coisa<br />

rara em Clint, com<br />

planos a mais, cenas<br />

que se prolongam<br />

sem outra razão<br />

aparente que não<br />

seja fazer<br />

brilhar os<br />

actores),<br />

“A<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h20<br />

6ª Sábado 12h50, 15h40, 18h30, 21h20,<br />

00h10; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h45, 21h30 6ª<br />

Sábado 13h15, 16h, 18h45, 21h30,<br />

00h15; Castello Lopes - Loures<br />

Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h30,<br />

18h30, 21h20, 24h; CinemaCity Alegro<br />

Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h55,<br />

21h10, 00h05; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h25, 17h20,<br />

21h10, 00h05; CinemaCity Campo<br />

Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h10, 17h, 21h10,<br />

00h05; Luso<strong>mundo</strong> - Alvaláxia:<br />

Clint cria uma versão <strong>de</strong> si mesmo,<br />

um “travesti ao contrário”, numa das<br />

mulheres mais bonitas do <strong>mundo</strong>,<br />

Angelina Jolie (“A Troca”)<br />

36 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

Internet<br />

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ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

connosco.<br />

Troca”, se não for o filme mais<br />

indistinto que Clint fez <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “The<br />

Rookie” (em 1991), é o que tem mais<br />

momentos indistintos, mais redondos,<br />

que mais se contenta com a eficácia<br />

melodramática, que mais cultiva o<br />

bem-acabado pelo bem-acabado.<br />

Falha até a relação directa com a<br />

Hollywood clássica (tudo se passa em<br />

Los Angeles nos anos 20 e 30, fala-se<br />

<strong>de</strong> Óscares, <strong>de</strong> Tom Mix e <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong><br />

Capra e <strong>de</strong> DeMille), esboçada mas<br />

reduzida a rodapés referenciais nunca<br />

verda<strong>de</strong>iramente integrados.<br />

Isto <strong>de</strong>ixado claro, po<strong>de</strong>mos abrir a<br />

<strong>por</strong>ta da ambivalência. Nem tudo é<br />

indistinto em “A Troca”. Quase<br />

subrepticiamente vislumbram-se<br />

“flashes” <strong>de</strong> um trabalho que vem <strong>de</strong><br />

trás, continuida<strong>de</strong>s “eastwoodianas”.<br />

Marcas <strong>de</strong> “autoria”, que são<br />

diferentes <strong>de</strong> simples marcas <strong>de</strong><br />

“reconhecimento”. Tal como não se<br />

trata <strong>de</strong> resgatar o “todo” pela<br />

“parte”, antes <strong>de</strong> reiterar uma<br />

verda<strong>de</strong> óbvia: entre um filme pouco<br />

convincente <strong>de</strong> um bom cineasta e<br />

um filme pouco convincente <strong>de</strong> um<br />

cineasta qualquer é sempre preferível<br />

o filme pouco convincente do bom<br />

cineasta. Se, apesar do exposto, não<br />

conseguimos fazer “fine bouche” a “A<br />

Troca” isso acontece pelas duas<br />

razões que tentaremos explicar a<br />

seguir. Uma, a insistência,<br />

tremendamente “eastwoodiana”,<br />

num conflito entre o indivíduo e um<br />

grupo, conflito que a lei, bloqueada,<br />

<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r regular. Richard<br />

Schickel, na entrevista concedida ao<br />

Ípsilon há semanas, lembrava que em<br />

“Dirty Harry” o confronto<br />

fundamental não era entre a<br />

personagem <strong>de</strong> Eastwood e o<br />

assassino, mas entre Eastwood e a<br />

cor<strong>por</strong>ação policial a que ele<br />

pertencia. A polícia <strong>de</strong> “A Troca”<br />

lembra a polícia <strong>de</strong> “Dirty Harry”,<br />

sendo como é um paroxismo <strong>de</strong><br />

corrupção e incompetência, incapaz<br />

<strong>de</strong> aplicar a lei sem ser <strong>de</strong> forma<br />

<strong>de</strong>turpada, e em função <strong>de</strong> interesses<br />

próprios. Ou seja, como em tantos<br />

filmes <strong>de</strong> Eastwood, tudo está “fora<br />

da lei”. O<br />

<strong>de</strong>senho<br />

<strong>de</strong>ste<br />

estado <strong>de</strong><br />

coisas e a<br />

sua<br />

prepon<strong>de</strong>rância como conflito<br />

essencial mantêm o filme coeso<br />

durante boa parte da sua duração,<br />

tanto que, quando <strong>de</strong>saparecem (essa<br />

parte da intriga “resolve-se” a uma<br />

boa meia-hora do final), “A Troca”<br />

per<strong>de</strong> força, e se esvai em diversos<br />

“falsos epílogos”, como um longo<br />

apêndice justificado apenas pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar a conduzir<br />

o melodrama sentimental (Angelina<br />

Jolie à procura <strong>de</strong> sinais do filho<br />

<strong>de</strong>saparecido) e o melodrama <strong>de</strong><br />

crime e castigo (toda a história com o<br />

“serial killer”, espécie <strong>de</strong> Scorpio dos<br />

anos 20 com uns pozinhos <strong>de</strong> “Mystic<br />

River”).<br />

Neste cenário, neste território “sem<br />

lei” que está muito próximo do do<br />

“western” (“genuíno” ou “urbano”), a<br />

personagem <strong>de</strong> Angelina Jolie é um<br />

equivalente óbvio <strong>de</strong> várias<br />

personagens <strong>de</strong> Clint. Sozinha e<br />

obstinada, ela é um pouco a “cowgirl”<br />

forasteira que chega a uma cida<strong>de</strong><br />

corrupta e, <strong>por</strong> efeito directo ou<br />

indirecto da sua acção, a mete na<br />

or<strong>de</strong>m (“mutatis mutandis”, é o<br />

momento em que a corrupção policial<br />

é <strong>de</strong>smascarada e con<strong>de</strong>nada). É a<br />

narrativa que a põe nessa situação,<br />

certo; mas é a construção visual da<br />

sua personagem que a reforça, como<br />

se o seu mo<strong>de</strong>lo fosse o próprio...<br />

Clint Eastwood, o “cowboy” dos anos<br />

60 e 70 (o sorriso <strong>de</strong>safiador, o<br />

sobrolho franzido, os gran<strong>de</strong>s planos<br />

com a aba do chapéu a cair sobre a<br />

testa). É a verda<strong>de</strong>ira versão feminina<br />

do “Clint-ícone”, com, no lugar da<br />

cigarrilha e da barba <strong>por</strong> fazer, uns<br />

lábios muito vermelhos, uns olhos<br />

muito azuis, um chapéu cor <strong>de</strong><br />

azeitona (sempre tudo da mesma<br />

maneira, como se fosse <strong>de</strong> uniforme).<br />

Espécie <strong>de</strong> cúmulo <strong>de</strong> um narcisismo<br />

temperado <strong>por</strong> um impulso<br />

pigmaleónico: Clint cria uma versão<br />

<strong>de</strong> si mesmo, um “travesti ao<br />

contrário”, numa das mulheres mais<br />

bonitas do <strong>mundo</strong>. É a segunda razão.<br />

De qualquer modo, não<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 37


Cinema<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

Will Smith está cada vez mais<br />

interessante como actor e produtor:<br />

“Sete Vidas”<br />

Alexandra<br />

Lucas<br />

Coelho<br />

Viagens com bolso<br />

Teremos sempre<br />

os livros<br />

Acabo <strong>de</strong> ler um livro que esperou 15 anos. Em<br />

caso <strong>de</strong> pobreza súbita, é bom saber que os<br />

livros que temos dão para várias vidas, sem<br />

contar com aqueles a que po<strong>de</strong>remos sempre<br />

voltar. Os livros esperam <strong>por</strong> nós - e então<br />

acontecem coisas.<br />

Tenho uma amiga que foi às Ilhas Maurícias <strong>por</strong> causa<br />

<strong>de</strong>ste livro, “O Caçador <strong>de</strong> Tesouros”, <strong>de</strong> J.M.G. <strong>Le</strong><br />

Clézio.<br />

Não me lembro <strong>de</strong> alguma vez pensar nas Maurícias.<br />

O mais próximo que quis ir foi a Moçambique, e<br />

cheguei pouco além <strong>de</strong> Maputo. Continuo a querer ir a<br />

Moçambique, muito até lá acima, à Ilha - ou a Zanzibar.<br />

A única ilha do Índico que conheço é a pequena Inhaca,<br />

indo num bote <strong>de</strong> pescador e voltando com tempesta<strong>de</strong>.<br />

Mas mal entrei neste “Caçador <strong>de</strong> Tesouros”, as<br />

Maurícias começaram a aparecer no Tejo. As águas<br />

ao largo do Barreiro eram já as águas ao largo do<br />

Tamarindo; aquele cargueiro vindo do Porto <strong>de</strong> <strong>Le</strong>ixões<br />

era já o veleiro do capitão Bradmer a caminho da ilhaanel<br />

interdita às mulheres; e lá ia eu, como antes com<br />

Stevenson e Melville. Então ainda havia disto! - <strong>por</strong>ões,<br />

timoneiros, capitães, tesouros, um anel <strong>de</strong> corais <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> qualquer mulher é arrancada pelas ondas e as<br />

tartarugas vogam como se não conhecessem o homem,<br />

o seu rasto <strong>de</strong> sangue.<br />

Mas à proa eu não via <strong>Le</strong> Clézio, talvez <strong>por</strong>que nunca<br />

o tenha visto. Via Ernesto Sampaio a passar-nos tudo<br />

do francês, e voltei a ver o seu rosto, a barba queimada<br />

pelo cigarro, a elegância, o silêncio. Cigarro após<br />

cigarro, à picareta, quantos<br />

Mas à proa eu não via<br />

<strong>Le</strong> Clézio, talvez <strong>por</strong>que<br />

nunca o tenha visto. Via<br />

Ernesto Sampaio a<br />

passar-nos tudo do<br />

francês<br />

meses-anos terá levado ele<br />

a atravessar esta infância<br />

resplan<strong>de</strong>cente, tenebrosa,<br />

<strong>de</strong> “O Caçador <strong>de</strong> Tesouros”,<br />

em que dois irmãos dão as<br />

mãos até vir um ciclone, a<br />

febre do ouro, a guerra?<br />

A edição <strong>por</strong>tuguesa é <strong>de</strong><br />

1994. Demorei 15 anos para<br />

chegar lá e reencontrar o<br />

tradutor que já me levara ao<br />

Equador e à Ásia com Henri Michaux - duas aventuras<br />

daquelas a que po<strong>de</strong>rei sempre voltar em caso <strong>de</strong><br />

pobreza súbita.<br />

A minha amiga que foi às Maurícias também foi ao<br />

Equador <strong>por</strong> causa <strong>de</strong> Michaux. Eu nunca pensara no<br />

Equador até ler Michaux e não <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> pensar até<br />

hoje. Ainda não lá fui, mas sempre é uma forma <strong>de</strong><br />

alimento. E dos países que estão em “Um Bárbaro na<br />

Ásia” - Índias, China, Malásia, Indonésia, Japão -, só<br />

an<strong>de</strong>i <strong>de</strong> relance pela Costa do Malabar.<br />

Aí, nas imediações <strong>de</strong> Bombaim, lembro-me <strong>de</strong><br />

ter na cabeça outro livro, “O Suspiro do Mouro”, <strong>de</strong><br />

Salman Rushdie. Os livros fazem lugares, e esses lugares<br />

coexistem com os reais <strong>por</strong>que são também eles uma<br />

forma <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>.<br />

Se <strong>de</strong> repente for às estantes encontro a Moscovo<br />

<strong>de</strong> Bulgakov que julguei ver em Moscovo (subindo a<br />

Tverskaia, para lá do Conservatório, há-<strong>de</strong> aparecer o<br />

diabo). Tolstoi entre os mujiques <strong>de</strong> Iasnaia Poliana. Os<br />

moinhos <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Criptana, La Mancha. Denver,<br />

Colorado, com Kerouac. Frankfurt sem Bud<strong>de</strong>nbrooks.<br />

E a promessa dos lugares lidos on<strong>de</strong> nunca fui (Argel,<br />

Ho Chi Minh, A<strong>de</strong>n, Dublin, Weimar, Buenos Aires,<br />

Cuernavaca, Rio Congo, Yorkshire, Aracataca, Lima,<br />

Belém do Pará, Cabo Horn, Finisterra) - ou aquela<br />

cida<strong>de</strong> que Pessoa realizou e on<strong>de</strong> me parece que vivo.<br />

viagenscombolso@gmail.com<br />

<strong>de</strong>sesperemos: “Gran Torino”<br />

chega num par <strong>de</strong> meses, e pelo seu<br />

temperamento juramos nós.<br />

Engana-me<br />

que eu gosto<br />

Will Smith reencontra o<br />

italiano Gabriele Muccino<br />

para voltar a explicar como<br />

é que se faz um melodrama<br />

<strong>de</strong> fazer chorar as pedras da<br />

calçada. Jorge Mourinha<br />

Sete Vidas<br />

Seven Pounds<br />

De Gabriele Muccino,<br />

com Will Smith, Rosario Dawson,<br />

Woody Harrelson. M/16<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h40 6ª<br />

Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h40, 00h10; Castello<br />

Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40, 21h40,<br />

00h15; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª<br />

2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h05, 21h25, 00h25 Sábado<br />

Domingo 11h50, 14h10, 16h40, 19h05, 21h25,<br />

00h25; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 18h55, 21h30, 23h55 Sábado<br />

Domingo 11h40, 14h, 16h20, 18h55, 21h30,<br />

23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15,<br />

16h40, 19h, 21h30, 24h Domingo 11h50, 14h15,<br />

16h40, 19h, 21h30, 24h; Luso<strong>mundo</strong> - Alvaláxia: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h55, 18h50,<br />

21h30, 00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Amoreiras: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40,<br />

21h40, 00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Cascaishopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h20,<br />

21h10, 24h; Luso<strong>mundo</strong> - Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h45, 18h30, 21h25,<br />

00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h25,<br />

00h10; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h,<br />

00h20; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h10, 21h50, 00h20<br />

Domingo 11h30, 14h, 16h30, 19h10, 21h50,<br />

00h20; Castello Lopes - Barreiro: Sala 4: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h20,<br />

21h30, 00h25; Castello Lopes - Rio Sul<br />

Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h, 15h30, 18h10, 21h40, 00h10; Luso<strong>mundo</strong> -<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h50, 18h40, 21h25, 00h10; UCI Free<strong>por</strong>t: Sala<br />

1: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h40, 21h30 6ª 16h10,<br />

18h40, 21h30, 24h Sábado 13h40, 16h10, 18h40,<br />

21h30, 24h Domingo 13h40, 16h10, 18h40, 21h30;<br />

Porto: Luso<strong>mundo</strong> - Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50,<br />

21h40, 00h25; Luso<strong>mundo</strong> - GaiaShopping: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h30 6ª<br />

Sábado 13h20, 16h, 18h50, 21h30,<br />

00h10; Luso<strong>mundo</strong> - Mar Shopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30,<br />

00h10; Luso<strong>mundo</strong> - NorteShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h50, 21h50,<br />

00h50; Luso<strong>mundo</strong> - Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 18h20,<br />

21h20, 00h30; UCI Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 14h, 16h40, 19h20, 22h, 00h40<br />

3ª 4ª 16h40, 19h20, 22h, 00h40; Castello Lopes - 8ª<br />

Avenida: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30,<br />

18h30, 21h30 6ª Sábado 13h, 15h30, 18h30, 21h30,<br />

24h; Luso<strong>mundo</strong> - Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20, 00h20;<br />

Will Smith <strong>de</strong>ve ao italiano Gabriele<br />

Muccino, realizador <strong>de</strong> “O Último<br />

Beijo”, a sua mais recente nomeação<br />

para os Óscares, pelo enxutíssimo<br />

melodrama baseado-em-caso-verídico<br />

“Em Busca da Felicida<strong>de</strong>” (2006). E<br />

que a maior ve<strong>de</strong>ta <strong>de</strong> cinema do<br />

<strong>mundo</strong> escolha voltar a trabalhar com<br />

um realizador europeu para um novo<br />

melodrama enxuto <strong>de</strong> fazer chorar as<br />

pedras da calçada é algo <strong>de</strong><br />

significativo. Por um lado, há a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> repetir uma experiência<br />

que correu bem, mesmo correndo os<br />

riscos inerentes à exploração <strong>de</strong> uma<br />

fórmula; <strong>por</strong> outro, uma admissão<br />

que não há, hoje, em Hollywood<br />

quem consiga actualizar a este nível<br />

<strong>de</strong> requinte e justeza a fórmula do<br />

melodrama clássico.<br />

Muccino sabe que a sua história –<br />

um misterioso funcionário dos<br />

impostos com um peso na consciência<br />

torna-se numa espécie <strong>de</strong> “anjo da<br />

guarda” <strong>de</strong> pessoas a quem o <strong>de</strong>stino<br />

trocou as voltas– cumpre todos os<br />

requisitos (e mais alguns) do<br />

melodrama <strong>de</strong> puxar à lágrima e<br />

estica a plausibilida<strong>de</strong> da narrativa até<br />

um ponto que, visto a frio, é<br />

escandalosamente forçado e com o<br />

seu quê <strong>de</strong> calculismo sonso.<br />

É a diferença entre um cineasta que<br />

compreen<strong>de</strong> as regras do jogo e<br />

trabalha <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las, como Muccino,<br />

e um que finge fazê-lo para melhor<br />

mostrar o seu <strong>de</strong>sprezo pela tradição,<br />

como Lars von Trier fez no<br />

abominável “Dancer in the Dark”: vá<br />

<strong>de</strong> compensar isso com uma<br />

sobrieda<strong>de</strong> elegante e um luxo<br />

discreto a que se po<strong>de</strong>ria chamar<br />

“<strong>de</strong>sign italiano”. A aposta é em<br />

extrair toda a emoção da história e do<br />

espectador como quem não quer a<br />

coisa, aproveitando a simpatia natural<br />

da sua ve<strong>de</strong>ta ao mesmo tempo que o<br />

força a um “jogo duplo” sempre à<br />

beirinha da manipulação <strong>de</strong>miúrgica.<br />

On<strong>de</strong> essa simpatia mascara uma dor<br />

profunda levada quase ao ponto da<br />

flagelação crística, mas conduzindo<br />

discretamente o espectador a<br />

compreendê-lo <strong>por</strong> si próprio, sem<br />

nunca sublinhar nada a traço grosso,<br />

com uma contenção <strong>de</strong> tal modo seca<br />

que fica pare<strong>de</strong>s-meias com o<br />

<strong>de</strong>sarmante.<br />

É essa contenção, muitíssimo bem<br />

traduzida <strong>por</strong> um Smith frágil e<br />

torturado (e cada vez mais<br />

interessante enquanto actor e<br />

produtor) e <strong>por</strong> uma Rosario Dawson<br />

<strong>de</strong>slumbrantemente <strong>de</strong>licada, que<br />

trans<strong>por</strong>ta “Sete Vidas” em crescendo<br />

até um final <strong>de</strong>vastador, certeiro no<br />

modo como transcen<strong>de</strong> a<br />

implausibilida<strong>de</strong> para<br />

tornar comovente o<br />

que noutras mãos seria<br />

apenas lacrimejante. De<br />

pouco<br />

im<strong>por</strong>ta que<br />

“Sete Vidas” se<br />

pareça <strong>de</strong>smoronar<br />

uma vez terminada a<br />

projecção; enquanto<br />

dura, a convicção com<br />

que Smith e Muccino se<br />

entregam a esta história<br />

<strong>de</strong> generosida<strong>de</strong> e<br />

altruísmo levados ao<br />

limite do sacrifício<br />

masoquista anulam<br />

qualquer resistência. Não é<br />

outro “Em Busca da<br />

Felicida<strong>de</strong>”, mas é isto que<br />

um melodrama tem obrigação<br />

<strong>de</strong> ser.<br />

Do que mais gostamos em “Valsa com<br />

Bashir” é dos momentos em que Folman<br />

<strong>de</strong>ixa sobre<strong>por</strong> um lirismo onírico<br />

Continuam<br />

Austrália<br />

Australia<br />

De Baz Luhrmann,<br />

com Nicole Kidman, Hugh Jackman,<br />

David Wenham. M/12<br />

MMMMn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h20,<br />

21h30; Castello Lopes - Feira Nova: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h30,<br />

21h20; Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h45,<br />

21h45; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h20,<br />

21h30; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h30; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h30, 16h45, 21h, 00h15; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h50, 21h20; CinemaCity Campo Pequeno<br />

Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 17h15, 21h, 00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Alvaláxia:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h10, 21h,<br />

00h25; Luso<strong>mundo</strong> -<br />

O que mais seduz é o <strong>de</strong>spudor<br />

com que Luhrmann trata<br />

a memória fílmica: “Austrália”<br />

38 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


an<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />

17h30, 20h50, 00h10; Luso<strong>mundo</strong> - Cascaishopping:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 17h10, 21h,<br />

00h25; Luso<strong>mundo</strong> - Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 17h, 21h,<br />

00h30; Luso<strong>mundo</strong> - Dolce Vita Miraflores: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h30,<br />

22h; Luso<strong>mundo</strong> - Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 16h30, 21h, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />

Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h45, 18h15, 21h30; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

15h, 18h10, 21h20, 00h30; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h15, 17h45, 21h20; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 11: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h30, 19h,<br />

22h30 Domingo 11h30, 15h30, 19h, 22h30; Castello<br />

Lopes - Barreiro: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h, 16h30, 21h20; Castello Lopes - C. C.<br />

Jumbo: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 16h20, 21h30; Castello Lopes - Rio Sul<br />

Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

16h20, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala<br />

6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

23h50; Luso<strong>mundo</strong> - Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h10, 20h45, 00h15; UCI<br />

Free<strong>por</strong>t: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

15h15, 18h30, 21h50;<br />

Porto: Luso<strong>mundo</strong> - Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h30, 21h,<br />

00h30; Luso<strong>mundo</strong> - GaiaShopping: 5ª Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h 6ª Sábado 14h, 17h30,<br />

21h, 00h20; Luso<strong>mundo</strong> - MaiaShopping: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 16h50, 21h 6ª Sábado 16h50,<br />

21h, 00h30; Luso<strong>mundo</strong> - Mar Shopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h,<br />

00h30; Luso<strong>mundo</strong> - NorteShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 17h, 20h50,<br />

00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Parque Nascente: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h10, 21h,<br />

00h40; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15,<br />

21h30; UCI Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h45, 22h20; UCI<br />

Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

13h45, 17h15, 21h, 00h20 3ª 4ª 17h15, 21h,<br />

00h20; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 3: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 16h,<br />

21h10; Luso<strong>mundo</strong> - Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h20, 17h05, 20h50 6ª Sábado 13h20,<br />

17h05, 20h50, 00h35; Luso<strong>mundo</strong> - Glicínias: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 19h20, 23h10;<br />

O que mais seduz neste excessivo<br />

“Austrália” é o <strong>de</strong>spudor com que Baz<br />

Luhrmann continua a tratar a<br />

memória fílmica que insiste em<br />

convocar. Percebe-se que haja quem<br />

o<strong>de</strong>ie este misturada <strong>de</strong> influências,<br />

<strong>de</strong> estilos triturados e servidos com<br />

pompa e circunstância, mas também<br />

com uma certa dose <strong>de</strong> humor – já<br />

uma vez chamámos ao realizador uma<br />

máquina trituradora <strong>de</strong> cultura e <strong>de</strong><br />

referências – o que não exclui a sua<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong> um fôlego<br />

épico que sabe impossível, nos<br />

tempos que vão correndo (<strong>de</strong> “póstudo”).<br />

O que enten<strong>de</strong>mos pior é que<br />

quem gostava <strong>de</strong> “Moulin Rouge”<br />

(on<strong>de</strong> a sua estratégia “ruminante”<br />

ainda ia mais longe) venha agora<br />

arrasar “Austrália”. Ou será que<br />

“brincar” com o melodramático torna<br />

o filme mais dificilmente recuperável?<br />

Mário Jorge Torres<br />

Valsa com Bashir<br />

Waltz with Bashir<br />

De Ari Folman,<br />

com Ron Ben-Yishai (Voz), Ronny<br />

Dayag (Voz), Ari Folman (Voz). M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h,<br />

16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 14h, 16h, 18h, 20h,<br />

22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />

00h15;<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 3: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h, 19h15, 22h;<br />

Todos os obscurecidos caminhos da<br />

memória do soldado Ari vão dar a<br />

Sabra e a Chatila, e o <strong>mundo</strong>, pelo<br />

menos o <strong>mundo</strong> que vai ver “Valsa<br />

com Bashir”, parece dividir-se entre<br />

os que acham que as “imagens reais”<br />

<strong>de</strong> Sabra e Chatila que aparecem no<br />

fim são fundamentais <strong>por</strong> ilustrarem<br />

a “cena primitiva” e os que,<br />

justamente <strong>por</strong> serem a ilustração da<br />

“cena primitiva”, os acham<br />

escusados. Ou apenas<br />

excessivamente lógico: num filme<br />

sobre a memória como buraco negro<br />

exaspera um bocadinho esta precisão<br />

<strong>de</strong> relojoaria a suspen<strong>de</strong>r a vertigem<br />

(e do que mais gostamos é dos<br />

momentos em que Folman <strong>de</strong>ixa<br />

sobre<strong>por</strong> um lirismo onírico e<br />

absurdo, a cena no barco ou a da<br />

propriamente dita valsa com Bashir,<br />

não muito longe das guerras <strong>de</strong> Fuller<br />

e <strong>de</strong> Coppola). Mas, que sabemos<br />

nós?, escrevemos estas linhas e<br />

parecem-nos picuinhices (ah, o<br />

“primado da estética”), quando a<br />

realida<strong>de</strong> faz tudo o que está ao seu<br />

alcance para confirmar a pertinência<br />

<strong>de</strong> um filme como este. Israel tem<br />

feridas na alma: não o saberíamos se<br />

lêssemos apenas a opinião publicada<br />

em Portugal, mais o seu sacrossanto<br />

“direito à auto-<strong>de</strong>fesa”. Po<strong>de</strong> ser que<br />

ainda estreie o Mograbi. Luís Miguel<br />

Oliveira<br />

Os Três Macacos<br />

Üç maymun / Three Monkeys<br />

De Nuri Bilge Ceylan,<br />

com Yavuz Bingol, Hatice Aslan,<br />

Hatice Aslan. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h30, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h30,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h20, 16h40, 19h20, 21h30, 24h;<br />

Esta espécie <strong>de</strong> saga familiar, com<br />

personagens pouco <strong>de</strong>finidas e uma<br />

superabundância <strong>de</strong> efeitos<br />

<strong>de</strong>corativistas, pouco ou nada<br />

acrescenta à obra interessante do<br />

turco Nuri Bilge Ceylan: nem se trata<br />

apenas do facto <strong>de</strong> tantos bonitinhos<br />

fotográficos tirarem força ao conflito<br />

dramático, que consegue apesar <strong>de</strong><br />

tudo romper, aqui e além; o mais<br />

grave passa pelo inesperado <strong>de</strong><br />

soluções que não imaginávamos<br />

possíveis num universo rigoroso e<br />

económico, como o <strong>de</strong> Ceylan,<br />

conduzindo mais ao bocejo do que<br />

ao olhar crítico sobre as estruturas<br />

sociais. Esperemos que este<br />

exercício <strong>de</strong> estilo, vazio e<br />

amaneirado, não passe <strong>de</strong> um<br />

aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> percurso. M.J.T.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 39


Concertos<br />

O timbre escuro, a agilida<strong>de</strong>, o instinto<br />

teatral e o sentido <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong> Marijana<br />

Mijanovic a<strong>de</strong>quam-se especialmente<br />

bem ao repertório dos antigos “castrati”<br />

Murray Perahia, consi<strong>de</strong>rado um dos<br />

melhores pianistas do nosso tempo<br />

Clássica<br />

Marijana<br />

Mijanovic,<br />

a voz do<br />

barroco<br />

O virtuosismo da música <strong>de</strong><br />

Han<strong>de</strong>l e Vivaldi. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Marijana Mijanovic e Orquestra<br />

<strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Basileia<br />

Com Marijana Mijanovic (meiosoprano).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />

Berna, 45A. Dom. às 19h00. Tel.: 217823700. 17,5€ a<br />

35€.<br />

Em 2009 passam 250 anos da morte<br />

<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, efeméri<strong>de</strong> que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já<br />

começa a ser assinalada <strong>por</strong> várias<br />

instituições musicais. O ciclo <strong>de</strong><br />

Música Antiga da Gulbenkian propõe,<br />

no domingo, um programa imperdível<br />

com a contralto Marijana Mijanovic e a<br />

Orquestra <strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Basileia,<br />

on<strong>de</strong> se presta homenagem ao famoso<br />

“castrato” Francesco Bernardi (mais<br />

conhecido como Senesino), um dos<br />

intérpretes privilegiados <strong>de</strong> algumas<br />

das mais brilhantes óperas <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l.<br />

O programa contempla árias das<br />

óperas “Ro<strong>de</strong>linda”, “Orlando” e<br />

“Giulio Cesare” e três “Concerti<br />

Grossi”, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, mas reserva<br />

também lugar para Vivaldi, cuja<br />

escrita vocal testemunha igualmente a<br />

exuberância do virtuosismo barroco.<br />

Será possível ouvir árias da<br />

“Andromeda Liberata” e <strong>de</strong> “Orlando<br />

Furioso”, bem como a extraordinária<br />

cantata “Cessate, omai cessate”, uma<br />

das peças <strong>de</strong> eleição dos contraltos<br />

femininos e masculinos<br />

(contratenores) que se <strong>de</strong>dicam a este<br />

repertório. Esta obra conta com<br />

impressionantes interpretações em<br />

disco, das quais se <strong>de</strong>stacam as <strong>de</strong><br />

Andreas Scholl, Sara Mingardo ou da<br />

mezzo-soprano Anne Sophie von<br />

Otter.<br />

O timbre escuro, a agilida<strong>de</strong>, o<br />

instinto teatral e o sentido <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong><br />

Marijana Mijanovic a<strong>de</strong>quam-se<br />

especialmente bem ao repertório dos<br />

antigos “castrati”. Nascida em Valjevo,<br />

na antiga Jugoslávia, causou sensação<br />

no meio musical quando se estreou na<br />

ópera “Il Ritorno d’Ulisse”, <strong>de</strong><br />

Monteverdi, no Festival <strong>de</strong> Aix-en-<br />

Provence <strong>de</strong> 2000, sob a direcção <strong>de</strong><br />

William Christie. Nos últimos anos<br />

converteu-se numa das mais<br />

requesitadas intérpretes <strong>de</strong> ópera<br />

barroca, contando com uma<br />

im<strong>por</strong>tante discografia que inclui<br />

títulos como “Bajazet”, “Montezuma”<br />

e “Tito Manlio”, <strong>de</strong> Vivaldi, e<br />

“Ro<strong>de</strong>linda” e “Giulio Cesare”, <strong>de</strong><br />

Han<strong>de</strong>l, sob a direcção <strong>de</strong> maestros<br />

como Alan Curtis, Mark Minkowski e<br />

Fabio Biondi. Recentemente, a<br />

cantora gravou o seu primeiro álbum<br />

a solo, “Affetti barocchi” (árias <strong>de</strong><br />

Han<strong>de</strong>l para Senesino), para a Sony<br />

Classical, <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>remos ouvir<br />

alguns excertos no concerto da<br />

Gulbenkian.<br />

O regresso <strong>de</strong><br />

Murray Perahia<br />

Murray Perahia<br />

Com Murray Perahia (piano).<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. 5ª às 19h30. Tel.: 220120220. 25€.<br />

Murray Perahia quase não precisa <strong>de</strong><br />

apresentações. Consi<strong>de</strong>rado um dos<br />

mais im<strong>por</strong>tantes pianistas do nosso<br />

tempo, tem cultivado ao longo <strong>de</strong> uma<br />

carreira <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> três décadas um<br />

estilo que se caracteriza <strong>por</strong> uma<br />

aproximação rigorosa ao texto<br />

original, pela sensibilida<strong>de</strong> poética e<br />

<strong>por</strong> um certo gosto pela sobrieda<strong>de</strong><br />

em <strong>de</strong>trimento do exibicionismo<br />

técnico gratuito. O primeiro prémio<br />

do Concurso Internacional <strong>de</strong> <strong>Le</strong>eds,<br />

em 1972, funcionou como rampa <strong>de</strong><br />

lançamento para o seu bem sucedido<br />

percurso internacional, marcado pela<br />

sólida reputação num repertório<br />

amplo que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bach a<br />

Bartók. Entre as suas últimas<br />

gravações <strong>de</strong>staca-se o CD <strong>de</strong>dicado às<br />

Partitas nºs 2, 3 e 4, <strong>de</strong> Bach, na Sony<br />

Classics.<br />

De regresso a Portugal, on<strong>de</strong> tem<br />

tocado com alguma regularida<strong>de</strong>,<br />

Perahia apresenta no dia 15, na Casa<br />

da Música, um interessante programa<br />

que parte da repertório barroco (com<br />

a Partita nº6, <strong>de</strong> Bach) e termina com<br />

a influência barroca no Romantismo<br />

(com as “Variações sobre um tema <strong>de</strong><br />

Han<strong>de</strong>l”, <strong>de</strong> Brahms), passando <strong>por</strong><br />

Mozart (Sonata em Fá Maior, K. 332) e<br />

Beethoven (Sonata op. 57,<br />

“Appassionata”). No dia 18, o pianista<br />

repete as mesmas obras em <strong>Lisboa</strong>, na<br />

Gulbenkian. C.F.<br />

Contem<strong>por</strong>ânea<br />

Jonathan<br />

Harvey,<br />

o mestre da<br />

electrónica<br />

Jonathan Harvey será o compositor<br />

resi<strong>de</strong>nte da Casa da Música nesta tem<strong>por</strong>ada<br />

Primeiro concerto da<br />

residência do gran<strong>de</strong><br />

compositor britânico na<br />

Casa da Música. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Remix Ensemble: Portrait<br />

Jonathan Harvey<br />

Direcção Musical: Peter Run<strong>de</strong>l.<br />

Com Hidéki Nagano (piano),<br />

Christophe Desjardins (viola), Simon<br />

Breyer (trompa), Sound Intermedia<br />

(informática musical).<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. Sáb. às 21h. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Durante a tem<strong>por</strong>ada <strong>de</strong> 2009, a Casa<br />

da Música terá como compositor<br />

resi<strong>de</strong>nte o britânico Jonathan<br />

Harvey, que cumpre este ano o seu<br />

70º aniversário. A panorâmica sobre<br />

a sua extensa produção inicia-se este<br />

sábado, às 21h, com um concerto<br />

pelo Remix Ensemble em<br />

colaboração com im<strong>por</strong>tantes<br />

solistas na área do repertório<br />

contem<strong>por</strong>âneo: Hidéki Nagano<br />

(piano), Christophe Desjardins (viola)<br />

e Simon Breyer (trompa). Um<br />

programa variado com obras para<br />

viola solo, concertos para diferentes<br />

instrumentos, peças para ensemble e<br />

electrónica preten<strong>de</strong> fazer um<br />

primeiro retrato da activida<strong>de</strong><br />

criativa <strong>de</strong> Harvey entre 1992 e 2003.<br />

Serão interpretadas as obras “Chant”,<br />

“Jubilus”, “Moving Trees”, “Bird<br />

Concerto with Pianosong”, com a<br />

estreia nacional <strong>de</strong> uma obra fora do<br />

comum <strong>de</strong> Ligeti: “Hamburg<br />

Concerto”, para trompa solo, quatro<br />

trompas naturais e ensemble.<br />

Nascido em 1939, em Sutton<br />

Coldfield, Jonathan Harvey foi<br />

menino <strong>de</strong> coro no St. Michael<br />

College <strong>de</strong> Tenbury - prática<br />

responsável pela sua forte afinida<strong>de</strong><br />

com a música polifónica da<br />

Renascença - e mais tar<strong>de</strong> estudou<br />

violoncelo, instrumento que se<br />

tornará bastante presente nas<br />

suas criações. Prosseguiu<br />

<strong>de</strong>pois a sua formação na<br />

Universida<strong>de</strong> Saint John <strong>de</strong><br />

Cambridge e trabalhou com<br />

Erwin Stein e Hans Keller<br />

(alunos <strong>de</strong> Schoenberg) <strong>por</strong><br />

conselho <strong>de</strong> Britten. O contacto<br />

com as novas tecnologias nos anos<br />

60 influenciou <strong>de</strong>cisivamente o seu<br />

percurso, sendo hoje consi<strong>de</strong>rado<br />

um dos mais imaginativos<br />

compositores na área da música<br />

electrónica. A sua produção<br />

abarca também géneros como a<br />

música coral “a capella”, o<br />

repertório para orquestra,<br />

música <strong>de</strong> câmara e música para<br />

instrumentos solistas.<br />

Pop<br />

O trovador<br />

eterno da<br />

Espanha livre<br />

Hoje, em <strong>Lisboa</strong>, Paco<br />

Ibáñez cantará várias<br />

canções do seu disco mas<br />

também várias outras do seu<br />

extenso re<strong>por</strong>tório. Nuno<br />

Pacheco<br />

Paco Ibañez<br />

Cenografia: Fre<strong>de</strong>ric Amat. Com<br />

Paco Ibañez (voz e guitarra).<br />

Encenação: Fre<strong>de</strong>ric Amat.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego, Ed. CGD. 6ª às<br />

21h30. Tel.: 217905155. 20€. -30 anos: 5€.<br />

Paco Ibáñez vem cantar em Portugal<br />

e esse é um acontecimento raro que<br />

merece celebração. Não apenas<br />

<strong>por</strong>que são escassos os cantores<br />

espanhóis que aqui actuam mas<br />

também <strong>por</strong>que ele é um dos mais<br />

lendários representantes da Espanha<br />

que nunca abdicou da liberda<strong>de</strong>,<br />

mesmo quando vivia em ditadura.<br />

Nascido em Valência, em 1934,<br />

viveu muitos anos no exílio, em Paris,<br />

e foi aí que <strong>de</strong>scobriu a sua vocação<br />

<strong>de</strong> trovador, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> escutar<br />

Brassens e Atahualpa Yupanqui.<br />

Proscrito <strong>por</strong> Franco, cantou e canta<br />

ainda poetas como Lorca, Góngora,<br />

Alberti, Goytisolo, Celaya, Machado,<br />

Cernuda, Hérnan<strong>de</strong>z, Quevedo, Blas<br />

<strong>de</strong> Otero. Para ele, repetir hoje que “a<br />

poesia é uma arma carregada <strong>de</strong><br />

futuro” (título <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong><br />

Gabriel Celaya que gravou) faz tanto<br />

sentido “quanto dizer que o mar<br />

existe e que cada vez o que vemos<br />

nos dá vida”.<br />

Pelo telefone, antes do concerto,<br />

Paco Ibáñez explica que é ainda a luta<br />

pela liberda<strong>de</strong> que o move. “É a<br />

condição fundamental. Porque cada<br />

palavra é já um acto. E qualquer passo<br />

que damos na vida, se não está<br />

baseado nessa liberda<strong>de</strong> em que<br />

acreditamos e que se converte em<br />

princípios e em critérios, é um passo<br />

em falso que há-<strong>de</strong> levar o vento.”<br />

Com vários discos gravados <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1964 (a capa do primeiro ostentava<br />

um <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> Salvador<br />

Dalí, que se tornou<br />

seu amigo), o<br />

cantor lançou<br />

em 2008 um<br />

Paco Ibañez:<br />

a luta pela liberda<strong>de</strong><br />

ainda o move<br />

40 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Internet<br />

Estamos online. Clique em<br />

ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />

suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />

Venha construir este site<br />

connosco.<br />

Brodinsky pertence<br />

a uma geração<br />

<strong>de</strong>scomplexada<br />

Bárbara<br />

Reis<br />

Coffee-break<br />

Dez minutos<br />

Ter <strong>de</strong>z minutos para fazer uma coisa é como<br />

ter um copo à nossa frente. Po<strong>de</strong>mos acreditar<br />

que <strong>de</strong>z minutos fazem toda a diferença ou<br />

que <strong>de</strong>z minutos não servem para nada.<br />

O que escolheria eu se vivesse em Gaza e<br />

um soldado israelita me avisasse - como está a acontecer<br />

há 14 dias - que a minha casa ia ser bombar<strong>de</strong>ada<br />

“<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos”? O que se faz em <strong>de</strong>z minutos?<br />

Corro ou telefono a avisar para que ninguém venha<br />

para casa? Agarro nas crianças ou levo a minha avó ao<br />

colo <strong>por</strong>que senão ela não foge a tempo? E levo o quê?<br />

Fotografias antigas ou documentos im<strong>por</strong>tantes? Livros<br />

ou a roupa das crianças? Ou simplesmente comida e<br />

remédios? Aviso os vizinhos? “<strong>Le</strong>vo o quê?”, perguntava<br />

em 1988 ao irmão, aflito, um amigo meu do Chiado<br />

quando viu as chamas avançarem em direcção à sua casa<br />

(“Só as coisas afectivas!”, respon<strong>de</strong>u o irmão. “As coisas<br />

efectivas?! Efectivas como?” “Não, as coisas a-fectivas!”).<br />

Na versão solar da vida, sentimos que andar a pé pelo<br />

menos 10 minutos <strong>por</strong> dia é bom, que ler um livro “nem<br />

que seja <strong>de</strong>z minutos” à noite é melhor do que nada,<br />

que o mínimo dos mínimos é brincarmos durante <strong>de</strong>z<br />

minutos com os nossos filhos e que temos que conseguir<br />

conversar <strong>de</strong>z minutos a sós, olhos nos olhos e sem<br />

interrupções, com os nossos maridos, já não peço mais.<br />

Até parece fácil, dito assim e pensando que o dia tem<br />

24 horas. Mas quando nos pomos a juntar todos os 10<br />

minutos diários fundamentais percebemos que já só<br />

temos mesmo tempo para<br />

fazer coisas em... 10 minutos.<br />

O que escolheria eu se<br />

vivesse em Gaza e um<br />

soldado israelita me<br />

avisasse que a minha<br />

casa ia ser<br />

bombar<strong>de</strong>ada “<strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos”?<br />

Em 2008, <strong>de</strong>z minutos é o<br />

nosso máximo. “10 minutos<br />

para relaxar” é um best-seller<br />

na Amazon, que se encontra<br />

no meio <strong>de</strong> todas as fórmulas<br />

<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> Alsa, todos<br />

os “faça 10 coisas em 10<br />

minutos para melhorar a sua<br />

vida” (uma <strong>de</strong>las é escrever<br />

“ao chefe as 10 razões <strong>por</strong><br />

que <strong>de</strong>ve ter um aumento <strong>de</strong><br />

10 <strong>por</strong> cento”).<br />

Na versão escura da vida,<br />

tememos que bastem 10<br />

minutos a falar ao telemóvel para, como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u um<br />

estudo universitário recente, serem <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas as<br />

mudanças químicas no nosso cérebro que aumentam o<br />

risco <strong>de</strong> cancro.<br />

Sejamos solares ou sombrios, sabemos que em apenas<br />

<strong>de</strong>z minutos acontecem coisas extraordinárias. Bastam<br />

<strong>de</strong>z minutos para a cafeína ter efeito em nós, para o<br />

sistema bancário britânico processar 25 mil cheques e<br />

entregar três milhões <strong>de</strong> libras através do multibanco.<br />

Aos 90 anos, bastam <strong>de</strong>z minutos <strong>de</strong> conversa com<br />

um amigo para manter a memória ágil e combater a<br />

Alzheimer, e <strong>de</strong>z minutos foi o tempo necessário para<br />

Tim Brown conseguir comer 33 cachorros quentes e<br />

entrar no Guinness.<br />

Dez minutos é três vezes mais do que o tempo<br />

<strong>de</strong> leitura <strong>de</strong>sta crónica e é o tempo que o exército<br />

israelita dá aos resi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Gaza para saírem das<br />

suas casas antes <strong>de</strong> uma bomba as rebentar. O exército<br />

israelita chama a este aviso <strong>de</strong> guerra mo<strong>de</strong>rna o “roof<br />

knocking” (bater “ao telhado” em vez <strong>de</strong> “à <strong>por</strong>ta”).<br />

Eu não sei bem o que lhe chamaria, talvez “reflexo<br />

<strong>de</strong> complexo <strong>de</strong> culpa antecipado” (não é do Freud)<br />

<strong>de</strong> alguém que precisa <strong>de</strong> uma resposta - “mas nós<br />

avisámos...”.<br />

É claro que <strong>de</strong>z minutos em Gaza não são <strong>de</strong>z minutos<br />

em <strong>Lisboa</strong>. Em Gaza <strong>de</strong>z minutos são a diferença entre<br />

a vida e a morte. Li que nos primeiros <strong>de</strong>z minutos do<br />

primeiro dia da operação militar morreu uma criança.<br />

Por esta altura, já são mais <strong>de</strong> 100. É <strong>por</strong> isso que o<br />

tempo, lá, passa mais <strong>de</strong>vagar do que aqui.<br />

breis@publico.pt<br />

álbum duplo intitulado “Paco Ibáñez<br />

Canta a los Poetas Andaluces”. “A<br />

Junta da Andaluzia ajudou-nos a<br />

montar um espectáculo na Ópera <strong>de</strong><br />

Barcelona e, em troca, gravei um<br />

disco com os poetas andaluzes. Eles<br />

ficaram com 3 mil exemplares para<br />

distribuir pelos colégios, o que me<br />

parece uma iniciativa pedagógica<br />

interessante, para que os alunos<br />

possam ser formados não só pela<br />

matemática, que é im<strong>por</strong>tante, mas<br />

também pela sensibilida<strong>de</strong>.”<br />

Hoje, em <strong>Lisboa</strong>, Paco Ibáñez<br />

cantará várias canções <strong>de</strong>sse disco<br />

mas também várias outras do seu<br />

extenso re<strong>por</strong>tório. “E vou atreverme<br />

a cantar um bocado, não mais,<br />

<strong>de</strong> uma canção <strong>por</strong>tuguesa, <strong>por</strong>que<br />

também trago Portugal <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

mim. Na verda<strong>de</strong>, sinto-me basco,<br />

catalão, espanhol, francês, italiano,<br />

<strong>por</strong>tuguês e provençal.”<br />

Será uma canção <strong>de</strong> Luís Cília,<br />

cantor que ele conheceu em Paris,<br />

num comício contra a ditadura<br />

<strong>por</strong>tuguesa. “A certa altura, eu<br />

estava no camarim e ouvi uma voz<br />

cantar: ‘Sou barco, abandonado/ na<br />

praia ao pé do mar’”. Era Luís Cília.<br />

MECENAS ORQUESTRA<br />

NACIONAL DO PORTO<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

“Des<strong>de</strong> então, somos como irmãos.<br />

É certo que entre Espanha e Portugal<br />

sempre houve um distanciamento<br />

imbecil e idiota, mas a realida<strong>de</strong> é<br />

idiota e continua a ser. Felizmente,<br />

estamos a mudá-la.”<br />

Para começar o ano<br />

<strong>de</strong> braços no ar<br />

Brodinsky<br />

Braga, Theatro Circo Café. Sábado, 10. Às 23h30. Tel<br />

253112772<br />

Com meia dúzia <strong>de</strong> lançamentos em<br />

formatos reduzidos e algumas<br />

remisturas (Klaxons, Bon<strong>de</strong> Do Role,<br />

Radio Clit), o francês Brodinsky, 20<br />

anos, transformou-se na nova<br />

coqueluche da música <strong>de</strong> dança<br />

gaulesa e tudo indica que 2009 será<br />

o ano da sua expansão <strong>de</strong>finitiva.<br />

Influenciado tanto pelo tecno<br />

minimalista, como pelas<br />

electrónicas super vitaminadas, na<br />

linha das produções da editora<br />

parisiense Ed Banger ( Justice,<br />

Sebastian), é alguém que aproveita<br />

tudo o que seja maximal, incisivo e<br />

MECENAS DA CASA DA MÚSICA<br />

SÁB 17 JAN<br />

18:00 SALA SUGGIA<br />

Christoph König e Luís Carvalho<br />

direcção musical<br />

Jonathan Harvey Timepieces<br />

(compositor em residência)<br />

Anton Bruckner Sinfonia n.º 7<br />

eficaz, para induzir ao clímax na<br />

pista <strong>de</strong> dança.<br />

Uma filosofia partilhada <strong>por</strong><br />

muitos outros nomes<br />

contem<strong>por</strong>âneos (dos 2 Many DJs a<br />

Boys Noize), mas que no seu caso<br />

guarda também espaço para a<br />

construção <strong>de</strong> momentos <strong>de</strong><br />

subtileza. É alguém que pertence a<br />

uma geração <strong>de</strong>scomplexada, como<br />

se constata ouvindo as suas sessões<br />

como DJ - mistura <strong>de</strong> tecno ruidoso,<br />

house circular e electro ácido - e essa<br />

<strong>de</strong>scontracção em relação às<br />

diferentes famílias musicais também<br />

se sente fora das pistas <strong>de</strong> dança.<br />

À revista “<strong>Le</strong>s Inrocktibles”,<br />

Brodinsky elegeu como álbum <strong>de</strong><br />

2008 os Vampire Weekend, como<br />

tema (“Archangel” <strong>de</strong> Burial), como<br />

ví<strong>de</strong>o (“Flashing lights” <strong>de</strong> Kanye<br />

West) e como concerto os Buraka Som<br />

Sistema no Festival Sónar em<br />

Barcelona. Vítor Belanciano<br />

J. P. Simões e Sérgio Costa<br />

<strong>Lisboa</strong>. Musicbox. Hoje, 00h. €8<br />

Nos idos <strong>de</strong> 1970, e após a estreia<br />

ao piano, Tom Waits editou<br />

O britânico Jonathan Harvey, Compositor<br />

em Residência na Casa da Música em<br />

2009, coloca-nos perante a existência<br />

<strong>de</strong> universos paralelos: dois maestros<br />

dirigem a orquestra em tempos diferentes.<br />

Em programa também a mais célebre obra<br />

<strong>de</strong> Bruckner, em cujo Adagio o compositor<br />

presta homenagem a Wagner.<br />

Encontro com o compositor Jonathan Harvey mo<strong>de</strong>rado <strong>por</strong><br />

Paulo <strong>de</strong> Assis CYBERMUSICA 17:00<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

www.casadamusica.com | T 220 120 220<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 41


Concertos<br />

Feromona: a banda<br />

dos irmãos Diego<br />

e Marco Armés<br />

e Bernardo Barata<br />

tem a energia necessária<br />

para convocar dança<br />

<strong>de</strong>scontrolada<br />

J.P. Simões: novo<br />

álbum para ouvir hoje<br />

no Maxime<br />

como segundo disco um<br />

maravilhoso duplo álbum ao vivo,<br />

“Nighthawks at the Diner”,<br />

constituído unicamente <strong>por</strong><br />

originais. É raro que isto aconteça,<br />

<strong>por</strong>que <strong>por</strong> norma os artistas<br />

temem que as novas canções não<br />

recebam a atenção <strong>de</strong>vida, já que<br />

os discos ao vivo são vistos mais<br />

como um objecto <strong>de</strong> colecção (uma<br />

celebração) do que como um acto<br />

criativo. No entanto, foi esse o<br />

mo<strong>de</strong>lo que J.P. Simões escolheu<br />

para o seu novo disco a solo,<br />

“Boatos”, que hoje apresenta, com<br />

a companhia <strong>de</strong> Sérgio Costa (seu<br />

habitual colaborador), no<br />

MusicBox, em <strong>Lisboa</strong>. Depois <strong>de</strong><br />

li<strong>de</strong>rar os Belle Chase Hotel, cuja<br />

música <strong>de</strong> cabaret criou, em<br />

escassos dois discos, um férreo<br />

conjunto <strong>de</strong> seguidores, Simões fez<br />

uma inflexão na direcção da<br />

música brasileira, tanto no<br />

Quinteto Tati como na sua estreia a<br />

solo, “1970”. “Boato”, que foi<br />

gravado em Novembro no Teatro<br />

São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>, inclui canções<br />

<strong>de</strong> todos esses projectos, e ainda<br />

algumas da “Ópera do Falhado”,<br />

que o autor compôs e levou à cena,<br />

mas cuja edição em disco ficou até<br />

hoje engavetada <strong>por</strong> problemas<br />

burocráticos. Além <strong>de</strong>ssas versões<br />

existem 12 novas canções, e a i<strong>de</strong>ia<br />

é arrumar um período que agora J.<br />

P. <strong>de</strong>seja ser passado, antes <strong>de</strong>,<br />

como escreveu na sua página no<br />

MySpace, fazer “qualquer coisa<br />

absolutamente diferente”. Morte a<br />

J.P. Simões, viva J.P. Simões.<br />

João Bonifácio<br />

Feromona<br />

<strong>Lisboa</strong>. Maxime. Pç. Alegria, 58. 6ª às 22h00. Tel.:<br />

213467090.<br />

Neste momento, os Feromona,<br />

“power trio” <strong>de</strong> contadores <strong>de</strong><br />

histórias e também<br />

“rock’n’rollers” fervilhantes, são<br />

ainda um nome <strong>de</strong> culto. “Uma<br />

Vida a Direito”, o muito<br />

recomendável álbum <strong>de</strong> estreia da<br />

banda lisboeta, editado em<br />

meados <strong>de</strong> 2007, po<strong>de</strong> ter passado<br />

relativamente <strong>de</strong>spercebido, mas<br />

o tempo tratará <strong>de</strong> pôr as coisas<br />

no <strong>de</strong>vido lugar. Porque a banda<br />

dos irmãos Diego e Marco Armés e<br />

Bernardo Barata tem a energia<br />

necessária para convocar dança<br />

<strong>de</strong>scontrolada e refrões que se<br />

colam à memória<br />

instantaneamente - num ponto<br />

para on<strong>de</strong> confluem a<br />

agressivida<strong>de</strong> dos Nirvana, a<br />

“coolness” dos Pavement ou a<br />

capacida<strong>de</strong> pop <strong>de</strong> uns Ornatos<br />

Violeta. Porque há aqui um<br />

imaginário que se inspira em<br />

lógica cinematográfica para criar<br />

curtas-metragens sobre amores<br />

em queda, excessos boémios ou<br />

gloriosos per<strong>de</strong>dores que acabam<br />

vencedores em canção.<br />

Ao vivo, diz quem viu, são uma<br />

máquina afinada capaz <strong>de</strong><br />

transformar “indies” sisudos em<br />

sorri<strong>de</strong>ntes praticantes <strong>de</strong> “air<br />

guitar” - e há um concerto no<br />

Maxime, hoje pelas 22h30, para o<br />

confirmar. Mário Lopes<br />

Agenda<br />

sexta 9<br />

César Viana e XaSonaiP<br />

Com César Viana (flauta), Hél<strong>de</strong>r<br />

Alves (saxofone), Cândido<br />

Fernan<strong>de</strong>s (piano).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu do Oriente. Av. Brasília - Ed. Pedro<br />

Álvares Cabral - Doca <strong>de</strong> Alcântara Norte. 6ª às<br />

19h00. Tel.: 213585200. Entrada livre.<br />

Strauss Festival Orchestra e<br />

Strauss Ballet Ensemble<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. 6ª às 21h30.<br />

Tel.: 223394947. 15€ a 48€.<br />

Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />

Com Carlos Barretto (contrabaixo),<br />

Mário Delgado (guitarra), José<br />

Salgueiro (bateria).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Hot Clube <strong>de</strong> Portugal. Pç. Alegria, 39<br />

cave. 5ª, 6ª e Sáb. às 23h00. Tel.: 213467369.<br />

Quarteto Lacerda<br />

Com Alexan<strong>de</strong>r Stewart (violino),<br />

Marcos Lázaro (violino), Paul<br />

Wakabayashi (viola), Luís André<br />

Ferreira (violoncelo).<br />

Faro. Teatro <strong>Municipal</strong>. Horta das Figuras -<br />

EN125. 6ª às 21h30. Tel.: 289888100.<br />

Orquestra Nacional<br />

do Porto<br />

Direcção Musical: Christoph König.<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. 6ª às 21h00. Tel.: 220120220. 16€.<br />

Phear Fest: My Own Private<br />

Alaska + Suchi Rukara<br />

<strong>Le</strong>iria. Orfeão Velho. R. Latino Coelho, 12. 6ª às<br />

22h00. Tel.: 964189098. 7€. Pré-venda: 5€.<br />

B (Fachada)<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 -<br />

Bairro Alto. 6ª às 23h00. Tel.: 213430205.<br />

Ver texto pág. 20 e 21<br />

Anaidcram<br />

<strong>Lisboa</strong>. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7 - Campo das<br />

Cebolas. 6ª às 23h30. Tel.: 919184867. 6€.<br />

Moonspell<br />

+ Studio Hunters<br />

+ Hacksaw + Square<br />

Guimarães. São Mame<strong>de</strong> - Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos.<br />

R. Dr. José Sampaio, 17-25. 6ª às 21h00.<br />

Tel.: 253547028. 20€ a 25€. Pré-venda: 15€ a 20€.<br />

Jaques Morelenbaum: Trio<br />

Cello Samba<br />

Ponta Delgada. Teatro Micaelense. Lg. <strong>de</strong> S. João.<br />

6ª às 21h30. Tel.: 296284242.<br />

sábado 10<br />

Orquestra da Universida<strong>de</strong> do<br />

Minho<br />

Direcção Musical: Vítor Matos. Com<br />

Luís Pipa (piano), Ângelo Martingo<br />

(piano).<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. Sáb. às<br />

21h30. Tel.: 253203800. 10€.<br />

Maria João e Mário Laginha<br />

+ Big Band do Hot Clube <strong>de</strong><br />

Portugal<br />

Direcção Musical: Pedro Moreira.<br />

Com Maria João (voz), Mário<br />

Laginha (piano).<br />

Guimarães. CC Vila Flor. Av. D. Afonso Henriques,<br />

701. Sáb. às 22h00. Tel.: 253424700. 15€<br />

Rui Vargas & Tozé Diogo + Miss<br />

Dove + Pinkboy<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />

Armazém A. Sáb. às 23h00. Tel.: 218820890.<br />

Consumo mínimo.<br />

Jan<strong>de</strong>k<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. D. João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Sáb. às 19h00. Tel.: 226156500. 15€.<br />

Ver texto pág. 24<br />

Green Machine<br />

The Living Dead<br />

Orchestra<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 -<br />

Bairro Alto. Sáb. às 23h00. Tel.: 213430205.<br />

Radu Ungureanu<br />

Com Radu Ungureanu (violino).<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. Sáb. às 18h00. Tel.: 220120220. 5€.<br />

Amor <strong>de</strong> Perdição<br />

De Camilo <strong>de</strong> Castelo Branco.<br />

Encenação: Marcos Barbosa.<br />

Coreografia: <strong>Le</strong>onor Zertuche. Com<br />

Coro do Centro <strong>de</strong> Estudos em<br />

Ópera e Teatro Musical da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiro, Ballet<br />

Teatro Escola Profissional. Com<br />

Orquestra Sinfónica da ESMAE.<br />

Maestro: António Saiote.<br />

Compositor: João Arroyo.<br />

Bragança. Teatro <strong>Municipal</strong>. Pç Cavaleiro Ferreira.<br />

Sáb. às 21h30. Tel.: 273302740. 10€.<br />

domingo 11<br />

Rui Paiva e Quarteto Arabesco<br />

Com Rui Paiva (órgão).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />

Berna, 45A. Dom. às 12h00. Tel.: 217823700.<br />

Entrada livre.<br />

Il Giardino Armonico<br />

Direcção Musical: Giovanni Antonini.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Pç. Império. Dom.<br />

às 21h00. Tel.: 213612400. 10€ a 30€ (sujeito a<br />

<strong>de</strong>scontos).<br />

OrchestrUtopica<br />

Com Paolo Pinamonti (comentários),<br />

Alexandra Moura (soprano), Cátia<br />

Moreso (mezzo-soprano), João<br />

Merino (barítono). Maestro: Cesário<br />

Costa.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego, Ed. CGD. Dom.<br />

às 11h00. Tel.: 217905155. 2,5€.<br />

Bruno Monteiro e João Paulo<br />

Santos<br />

Com Bruno Monteiro (violino), João<br />

Paulo Santos (piano).<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. Dom. às<br />

17h30. Tel.: 253203800. 7€.<br />

segunda 12<br />

Nikolai Lugansky<br />

Com Nikolai Lugansky (piano).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />

Berna, 45A. 2ª às 19h00. Tel.: 217823700. 15€ a 30€.<br />

Li’L Twister<br />

<strong>Lisboa</strong>. Casino. Al. dos Oceanos Lt 1.03.01 - Pq. das<br />

Nações. 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.:<br />

218929070. Entrada livre.<br />

terça 13<br />

Trio<br />

Com Samuel Bastos (oboé), Susana<br />

Janeiro (fagote), Sara Men<strong>de</strong>s<br />

(piano).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />

Berna, 45A. 3ª às 19h00. Tel.: 217823700. 10€.<br />

quinta 15<br />

Elektra<br />

Com Deborah Polaski (soprano),<br />

Rosalind Plowright (soprano), John<br />

Botha (tenor), Regina Schörg<br />

(soprano), Jochen Schmeckenbecher<br />

(barítono). Com Orquestra<br />

Gulbenkian. Maestro: Lawrence<br />

Foster. Compositor: Richard Strauss.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Av. Berna, 45A. 2ª e 5ª às 20h00. Tel.: 217823700.<br />

20€ a 40€.<br />

Maria João + João Farinha<br />

Com Maria João (voz), João Farinha<br />

(piano).<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB. Pç. Império. 5ª às 22h00. Tel.:<br />

213612400. Entrada livre.<br />

Pinkboy & Pan Sorbe<br />

+ Trol 2000 & Victor Silveira<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />

Armazém A. 5ª às 23h00. Tel.: 218820890.<br />

Consumo mínimo.<br />

42 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Luna Park<br />

Sober driver<br />

Inês Nadais<br />

Da camioneta em diante, sobretudo <strong>por</strong> causa<br />

dos jogos <strong>de</strong> cartas, <strong>de</strong>scobrimos que o<br />

telemóvel trazia auscultadores e então nunca<br />

mais parámos <strong>de</strong> ouvir Dengue Fever - e<br />

agora que, <strong>por</strong> causa dos Dengue Fever, <strong>por</strong><br />

causa da maneira como tudo nos pareceu maravilhoso<br />

da camioneta em diante, com um disco dos Dengue<br />

Fever no telemóvel e os efeitos secundários do<br />

Mephaquine, um <strong>por</strong> um, a marcar território em<br />

diferentes partes da cabeça, <strong>de</strong>cidimos apren<strong>de</strong>r a andar<br />

<strong>de</strong> mota, temos uma resolução para 2009 (e um disco<br />

para 2008, mas agora já não vamos a tempo).<br />

É do Mephaquine, como tudo o que aconteceu nesse<br />

mês foi do Mephaquine (os lençóis rasgados, a boca sem<br />

saliva, os pesa<strong>de</strong>los com mercados vietnamitas, o cada<br />

um <strong>por</strong> si diante <strong>de</strong> cada novo “king crab”, as aranhas<br />

num quarto do Number 9, as teorias da conspiração, o<br />

cerco ao aero<strong>por</strong>to <strong>de</strong> Banguecoque e possivelmente até<br />

os atentados em Bombaim: tudo o que nos caiu em cima<br />

caiu em cima do Mephaquine, mas antes isso do que em<br />

cima da malária), mas é sobretudo dos Dengue Fever,<br />

isso <strong>de</strong>, a haver uma resolução para 2009, a nossa<br />

resolução ser apren<strong>de</strong>r a andar <strong>de</strong> mota: da camioneta<br />

em diante tudo nos pareceu maravilhoso, mas não<br />

era disco para se ouvir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma camioneta, era<br />

disco para se ouvir em cima <strong>de</strong> uma mota, nessa parte<br />

do <strong>mundo</strong> em que tudo o que se faz se faz em cima <strong>de</strong><br />

uma mota. Também quisemos ouvir discos em cima<br />

<strong>de</strong> uma mota, dar <strong>de</strong> mamar em cima <strong>de</strong> uma mota,<br />

mudar <strong>de</strong> casa em cima <strong>de</strong> uma mota, trans<strong>por</strong>tar<br />

balões fluorescentes em cima<br />

Também quisemos<br />

ouvir discos em cima <strong>de</strong><br />

uma mota, dar <strong>de</strong><br />

mamar em cima <strong>de</strong> uma<br />

mota, mudar <strong>de</strong> casa<br />

em cima <strong>de</strong> uma mota<br />

<strong>de</strong> uma mota - e sobretudo<br />

quisemos apaixonar-nos para<br />

sempre em cima <strong>de</strong> uma<br />

mota, como nos fins-<strong>de</strong>-tar<strong>de</strong><br />

cada vez mais impossíveis <strong>de</strong><br />

Saigão.<br />

Desses fins-<strong>de</strong>-tar<strong>de</strong> em<br />

diante, também tudo nos<br />

pareceu maravilhoso. A<br />

chuva, os impermeáveis<br />

<strong>de</strong> dois lugares <strong>por</strong> cima<br />

dos faróis das motas, os<br />

faróis das motas a <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> ser amarelos e a<br />

ficarem vermelhos, roxos, ver<strong>de</strong>s, azuis, da cor dos<br />

impermeáveis, e Saigão a ser isso: o céu completamente<br />

negro e uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> água com <strong>de</strong>masiadas<br />

luzes vermelhas, roxas, ver<strong>de</strong>s, azuis à <strong>de</strong>riva <strong>por</strong><br />

avenidas que já foram francesas, num tempo em que o<br />

Vietname tinha uma vida bem pior, mas muito melhor<br />

arquitectura. Também podia ser do Mephaquine,<br />

mas Saigão não é assim só nessas partes avariadas da<br />

nossa cabeça, quando nos lembramos que o telemóvel<br />

continua a ter auscultadores e que po<strong>de</strong>mos continuar<br />

a ouvir o disco dos Dengue Fever, mesmo já sendo isto<br />

2009: Saigão também é assim no visor da máquina<br />

fotográfica, tudo escuro, gotas <strong>de</strong> chuva e <strong>de</strong>pois uns<br />

clarões <strong>de</strong> todas as cores, até parar <strong>de</strong> chover e voltar a<br />

ser uma cida<strong>de</strong> normal, daquelas que existem mesmo,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do Mephaquine.<br />

Já que escrever sobre andar <strong>de</strong> mota não é para todos<br />

(muito menos sobre andar <strong>de</strong> mota em Saigão, à noite,<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> chuva), e alguém <strong>de</strong>via - como alguém <strong>de</strong>via<br />

escrever sobre “slot machines”, mas teria <strong>de</strong> ser alguém<br />

que percebesse <strong>de</strong> música -, ao menos vamos apren<strong>de</strong>r<br />

a andar <strong>de</strong> mota (e levamos o telemóvel, apesar <strong>de</strong> ser<br />

proibido), pensámos. Ou isso ou tatuar Saigão 2008<br />

numa <strong>de</strong>ssas partes da nossa cabeça que nunca mais<br />

foram as mesmas.<br />

<br />

19:30 SALA SUGGIA<br />

Obras <strong>de</strong><br />

<br />

Partita nº 1, em Si bemol<br />

<br />

Sonata em Fá maior, k.332<br />

<br />

Sonata op.57, <br />

<br />

Variações sobre um tema <strong>de</strong> Haen<strong>de</strong>l<br />

O regresso do pianista norte-americano com um<br />

recital marcado pelo repertório Barroco e a sua<br />

influência no Romantismo.<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 43


Discos<br />

Espaço<br />

Público<br />

Clássica<br />

O talento<br />

inesgotável<br />

<strong>de</strong> Zelenka<br />

Uma das gran<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>scobertas das últimas<br />

décadas no âmbito do<br />

repertório barroco.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Zelenka<br />

Missa Votiva ZWV 18<br />

Collegium 1704 & Collegium Vocale<br />

1704<br />

Václav Luks (direcção)<br />

Zig-Zag Territoires ZZT 080801<br />

mmmmn<br />

Nos últimos tempos a República Checa<br />

começou a dar cartas no que toca a interpretações<br />

historicamente informadas<br />

Estar a par <strong>de</strong> tudo o<br />

que sai durante um<br />

ano discográfico é uma<br />

tarefa árdua, <strong>de</strong> que<br />

me <strong>de</strong>smarquei sem<br />

qualquer complexo<br />

<strong>de</strong> culpa. De qualquer<br />

forma, quero partilhar<br />

os três discos que mais<br />

tocaram no meu <strong>por</strong>tátil,<br />

carro, aparelhagem ou<br />

um outro leitor dado<br />

à mobilida<strong>de</strong>. Entrem<br />

em 2009 abraçados<br />

Esquecida durante<br />

mais <strong>de</strong> dois<br />

séculos, a música<br />

<strong>de</strong> Jan Dimas<br />

Zelenka (1679-1745)<br />

constitui uma das<br />

gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas das últimas<br />

décadas no âmbito do repertório<br />

barroco.<br />

Actualmente, a discografia <strong>de</strong>ste<br />

músico <strong>de</strong> origem boémia que<br />

trabalhou quase toda a vida ao serviço<br />

da corte <strong>de</strong> Dres<strong>de</strong>n como<br />

contrabaixista e compositor, tem já<br />

uma dimensão consi<strong>de</strong>rável mas<br />

reserva ainda surpresas. Registos<br />

recentes, como a interpretação da<br />

Missa Votiva ZWV 18 apresentada pelo<br />

agrupamento Collegium 1704 na 30ª<br />

edição do Festival <strong>de</strong> Sablé (2008),<br />

mostram a criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Zelenka em<br />

toda a sua pujança através <strong>de</strong> uma<br />

obra exuberante profundamente<br />

expressiva.<br />

Escrita em 1739, na sequência <strong>de</strong><br />

um voto do compositor pela<br />

recuperação <strong>de</strong> uma doença grave, a<br />

Missa Votiva tem <strong>por</strong> base o mo<strong>de</strong>lo<br />

da missa-cantata napolitana, com a<br />

subdivisão das várias rubricas em<br />

andamentos contrastantes em<br />

carácter, textura e estilo (antigo e<br />

mo<strong>de</strong>rno). Secções corais aparentadas<br />

com o motete ou em escrita fugada<br />

combinam-se com “ritornelli”<br />

instrumentais, passagens<br />

concertantes com vários solistas e<br />

árias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes com elementos<br />

virtuosísticos e influências do estilo<br />

galante. Os vários elementos<br />

heterogéneos agregam-se numa<br />

arquitectura equilibrada (que forma<br />

um arco pela repetição no “Agnus<br />

Dei” da música do primeiro “Kyrie”),<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> sobressai uma fecunda<br />

inspiração melódica e um hábil<br />

domínio da retórica musical,<br />

características transmitidas com<br />

gran<strong>de</strong> brilho pelo Collegium 1704 e<br />

pelo Collegium Vocale 1704. Fundados<br />

pelo trompista e cravista Václav Luks,<br />

respectivamente em 1991 e 2005, estes<br />

agrupamentos prestam homenagem a<br />

Zelenka, recordando a data da<br />

primeira apresentação pública, em<br />

Praga, <strong>de</strong> uma das suas obras. A<br />

sonorida<strong>de</strong> opulenta, a energia<br />

rítmica, um perspicaz sentido <strong>de</strong><br />

estilo e prestações <strong>de</strong> nível elevado do<br />

coro e dos solistas são algumas das<br />

suas virtu<strong>de</strong>s. Por razões históricas e<br />

políticas (a música antiga em<br />

instrumentos da época era mal vista<br />

nos países comunistas antes da queda<br />

do muro <strong>de</strong> Berlim), a República<br />

Checa chegou tar<strong>de</strong> ao universo das<br />

interpretações historicamente<br />

informadas, mas nos últimos tempos<br />

começou a dar cartas que merecem<br />

ser seguidas com atenção.<br />

Pop<br />

O melhor <strong>de</strong><br />

dois <strong>mundo</strong>s<br />

Hush Arbors<br />

Hush Arbors<br />

Ecstatic Peace; distri. Compact Records<br />

mmmmn<br />

pela boa música!<br />

3. “Með Suð í Eyrum<br />

Við Spilum Endalaust”,<br />

Sigur Rós<br />

2. “Vampire Weekend”,<br />

Vampire Weekend<br />

1. “Songs in A&E”,<br />

Spiritualized<br />

Lista completa em<br />

http://fusco-lusco.<br />

blogspot.com<br />

Pedro Miguel Silva,<br />

35 anos, Técnico <strong>de</strong><br />

Comunicação<br />

É o melhor dos dois<br />

<strong>mundo</strong>s. Temos<br />

folk <strong>de</strong> cantautor<br />

talentoso, com a<br />

guitarra a espraiar<br />

luminosida<strong>de</strong> sobre<br />

as palavras e as palavras cantadas<br />

num registo, próximo do falsete, que<br />

nos cativa pela estranheza. Temos<br />

blues alucinado, com pés no pântano<br />

e cabeça na estratosfera, que inebria e<br />

hipnotiza e se dança como o bom e<br />

velho rockn’roll.<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

Há um par <strong>de</strong> anos, Keith Wood,<br />

mentor dos Hush Arbors, seria mais<br />

um nome associado à aparentemente<br />

inesgotável vaga free-folk. Quando<br />

lança este álbum homónimo que, para<br />

a maioria, será o primeiro contacto<br />

com a sua música, po<strong>de</strong> ser apenas<br />

amigo <strong>de</strong> Ben Chasny, que ouvimos<br />

em “Follow closely”, e colaborador <strong>de</strong><br />

David Tibet - “free folk” é expressão<br />

gasta e os Hush Arbors po<strong>de</strong>m ser<br />

simplesmente aquilo que são: o<br />

melhor <strong>de</strong> dois <strong>mundo</strong>s, repetimos.<br />

Temos o fingerpicking recordando a<br />

folk britânica <strong>de</strong> Ian Matthews -<br />

bucolismo pare<strong>de</strong>s meias com fantasia<br />

em “Rue hollow” -, aventuras sónicas<br />

que recusam qualquer sinal <strong>de</strong><br />

serenida<strong>de</strong> (a feérica “Water II” podia<br />

ser obra <strong>de</strong> uns Comets On Fire) e<br />

drones encantatórios que nos<br />

entontecem antes <strong>de</strong> se<br />

transformarem em canção (“Bless<br />

you”).<br />

Pés no pântano e cabeça na<br />

estratosfera, Keith Wood põe a<br />

guitarra ao ombro e parte <strong>mundo</strong> fora<br />

em busca <strong>de</strong> histórias para as canções.<br />

Cabeça na estratosfera e pés no<br />

pântano, transforma a folk em matéria<br />

incan<strong>de</strong>scente e <strong>de</strong>rrama-a sobre nós.<br />

Descobrimos os Hush Arbors algures<br />

entre Bert Jansch e Six Organs Of<br />

Admittance, entre Neil Michael<br />

Hagerty e os Comets On Fire. Ou<br />

melhor, não os <strong>de</strong>scobrimos.<br />

Deixamo-los revelarem-se que esta<br />

música não per<strong>de</strong> tempo. Impõe-se a<br />

nós ao primeiro contacto. Mário<br />

Lopes<br />

Yo Majesty<br />

Futuristically Speaking... Never Be<br />

Afraid<br />

Domino, distri. E<strong>de</strong>l<br />

mmmnn<br />

americanas Yo<br />

Majesty passou<br />

<strong>de</strong>spercebido no<br />

turbilhão do final do<br />

ano. Não que seja<br />

uma obra<br />

As Yo Majesty<br />

têm alguns dos temas<br />

mais foliões<br />

dos últimos meses<br />

naquela categoria<br />

difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir<br />

que começa na cultura<br />

hip-hop mas já não o é<br />

O álbum <strong>de</strong> estreia<br />

das<br />

Keith Wood (Hush Arbors)<br />

põe a guitarra ao ombro<br />

e parte <strong>mundo</strong> fora em busca<br />

<strong>de</strong> histórias para as canções<br />

inesquecível - não<br />

tem a consistência e a<br />

intencionalida<strong>de</strong> dos<br />

gran<strong>de</strong>s discos - mas<br />

contém alguns dos temas (“Grindin’ &<br />

shakin’”, “Party hardy”, “Club<br />

action”) mais foliões dos últimos<br />

meses naquela categoria difícil <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finir que começa na cultura hip-hop<br />

mas já não o é <strong>por</strong> inteiro,<br />

<strong>de</strong>sembocando numa terra <strong>de</strong><br />

ninguém on<strong>de</strong> se inserem outras<br />

figuras contem<strong>por</strong>âneas como<br />

Santogold, Lady Sovereign, M.I.A., as<br />

Fannypack ou Kid Sister. Ajudadas na<br />

produção pelos Radio Clit (The Very<br />

Best), Basement Jaxx ou Chris <strong>de</strong> Luca<br />

(ex-Funkstorung), as duas Yo Majesty<br />

discorrem apaixonadamente sobre a<br />

sua condição particular (negras,<br />

cristãs e lésbicas), ao mesmo tempo<br />

que provocam, com ironia, o <strong>mundo</strong><br />

exterior. É um disco <strong>de</strong> festim sem<br />

limites, algures entre o fraseado vocal<br />

<strong>de</strong> Missy Elliott e a electrónica urbana<br />

dos Spank Rock, pecando apenas <strong>por</strong><br />

não ser mais focado. Vítor<br />

Belanciano<br />

O supergrupo<br />

<strong>de</strong> Kim Gordon<br />

Free Kitten<br />

Inherit<br />

Ecstatic Peace; distri. Compact Records<br />

mmmnn<br />

E eis que, em<br />

2008, subsistem<br />

ainda essas<br />

entida<strong>de</strong>s que os<br />

anos 1970 nos<br />

legaram: os<br />

habitualmente tenebrosos<br />

supergrupos. Contudo, estas Free<br />

Kitten, ao contrário <strong>de</strong> monstrengos<br />

do progressivo como os Asia, não têm<br />

nada <strong>de</strong> tenebroso. No que a<br />

supergrupos diz respeito, serão até o<br />

que <strong>de</strong> mais próximo temos<br />

<strong>de</strong> um sonho indie.<br />

Enunciemos: Kim<br />

Gordon, dos Sonic<br />

Youth, Julie Cafritz,<br />

dos Pussy Galore, e<br />

Yoshimi, baterista<br />

dos Boredoms - e,<br />

como convidado a<br />

tocar as seis cordas e<br />

a percutir as peles <strong>de</strong><br />

bateria, J Mascis,<br />

“guitar-hero” dos<br />

Dinosaur Jr.<br />

“Inherit”, que é o terceiro<br />

álbum do trio - foi antecedido<br />

<strong>por</strong> “Nice Ass”, em 1995, e<br />

“Sentimental Education”<br />

dois anos <strong>de</strong>pois -, tem como<br />

principal virtu<strong>de</strong> não se levar<br />

a sério e soar exactamente<br />

aquilo que é: três músicos<br />

talentosos a “jammar” sobre<br />

44 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


Kim Gordon e Julie Cafritz<br />

vestiram-se como versões femininas<br />

<strong>de</strong> Marc Bolan e vaguearam <strong>por</strong><br />

on<strong>de</strong> a intuição as levou<br />

Espaço<br />

Público<br />

Tenho muito gosto em<br />

partilhar as minhas<br />

escolhas pessoais em<br />

termos dos discos que<br />

mais me marcaram no ano<br />

<strong>de</strong> 2008. Músicos que têm<br />

direito ao merecidíssimo<br />

reconhecimento do seu<br />

trabalho. Destaco Peter<br />

Bro<strong>de</strong>rick, multiinstrumentista<br />

norteamericano<br />

a trabalhar<br />

na Dinamarca, autor do<br />

sublime “Home”. Os Fleet<br />

Foxes com o seu álbum<br />

homónimo remexeram<br />

nas suas raízes musicais<br />

e fizeram um belíssimo<br />

retrato dos EUA. A banda<br />

inglesa The Acci<strong>de</strong>ntal, no<br />

seu álbum <strong>de</strong> estreia “There<br />

were wolves”, conseguiu<br />

<strong>de</strong>monstrar como se fazem<br />

excelentes canções. O norteamericano<br />

Justin Vernon,<br />

sob a capa Bon Iver, <strong>de</strong>u<br />

uma lição <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong><br />

e criativida<strong>de</strong> com o seu<br />

melancólico “For Emma,<br />

forever ago”. Joan Wasser,<br />

a mulher-polícia <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque, apresentou “To<br />

survive” em gran<strong>de</strong> forma<br />

e cheia <strong>de</strong> segurança.<br />

Em Portugal e em bom<br />

<strong>por</strong>tuguês, <strong>de</strong>staco<br />

B Fachada que, carregado<br />

<strong>de</strong> orgulho nacional,<br />

surpreen<strong>de</strong>u com a sua<br />

“Viola Braguesa”.<br />

João Semog, 39 anos, artista<br />

plástico<br />

padrões imediatamente<br />

reconhecíveis. A voz glaciar e<br />

sussurrada <strong>de</strong> Gordon e as<br />

guitarras, distorcidas, cruzando-se<br />

em espirais eléctricas (os Sonic Youth<br />

<strong>de</strong> “Dirty”, mas sem canções, só com<br />

uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> som). O garage-punk<br />

corrosivo berrado <strong>por</strong> Julie Cafritz,<br />

violência sónica cuspida com<br />

fervor, e a libertinagem rítmica<br />

<strong>de</strong> Yoshimi, em equilíbrio<br />

precário à beira do<br />

precipício.<br />

“Inherit” não é um<br />

álbum <strong>de</strong> quem procura<br />

explorar novas vertentes<br />

criativas em projecto<br />

secundário - “The poet” e<br />

“Erected girl” caberiam, <strong>de</strong>vidamente<br />

trabalhadas, num álbum dos Sonic<br />

Youth -, é um encontro<br />

<strong>de</strong>scomprometido numa garagem<br />

on<strong>de</strong>, <strong>por</strong> acaso, até havia um<br />

gravador e, vai daí, <strong>por</strong>que não gravar<br />

um disco? A história não é<br />

exactamente esta, mas é a isso que soa<br />

este ocasionalmente interessante,<br />

ocasionalmente redundante “Inherit”.<br />

Gordon e Cafritz vestiram-se como<br />

versões femininas <strong>de</strong> Marc Bolan (fase<br />

Tyranossaurus Rex) e vaguearam <strong>por</strong><br />

on<strong>de</strong> a intuição as levou: chegaram ao<br />

xamanismo psicadélico <strong>de</strong> “Free<br />

kitten on the mountain”, que no seu<br />

<strong>de</strong>lírio opiáceo, na sua escuridão<br />

pantanosa, é a melhor canção do<br />

álbum, e chegaram à agressivida<strong>de</strong><br />

riot-grrrl <strong>de</strong> “Bananas”, canção<br />

afogada em fuzz, canção que nos<br />

agarra pelos colarinhos para vociferar<br />

não sabemos bem o quê (mas é<br />

melhor levá-la a sério).<br />

Nada do que aqui ouvimos é<br />

particularmente inspirador - falta-lhe<br />

foco, falta-lhe transformar muitas das<br />

divagações eléctricas em matéria viva.<br />

Nada nos levará a consi<strong>de</strong>rar as Free<br />

Kitten mais que curiosida<strong>de</strong><br />

interessante a que<br />

regressaremos <strong>de</strong><br />

muito em muito<br />

tempo. Bem vistas as<br />

coisas, já é feito<br />

assinalável para uma<br />

coisa chamada<br />

“supergrupo”. M.L.<br />

Bernardo Devlin<br />

Ágio<br />

Nau, distri. Flur<br />

mmmnn<br />

Pop<br />

hermética<br />

po<strong>de</strong> ser um<br />

oxímoro,<br />

mas é isso<br />

que<br />

Bernardo Devlin propõe há<br />

muito. Com uma carreira<br />

on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca uma<br />

passagem pelos Osso Exótico e<br />

um percurso a solo on<strong>de</strong> cabe<br />

a banda-sonora do filme <strong>de</strong><br />

animação “A Suspeita”, o<br />

lisboeta lança agora “Ágio”,<br />

quarto álbum em nome<br />

próprio. De novo, Devlin,<br />

que se assume<br />

fundamentalmente como<br />

cantor, faz canções, mas<br />

que se <strong>de</strong>sviam do apelo<br />

fácil e das estruturas simples próprias<br />

da pop. “Ágio” é pesado, estranho e<br />

difícil, como os discos anteriores,<br />

todos eles impossíveis <strong>de</strong> colocar<br />

numa prateleira, mas, ao mesmo<br />

tempo, caloroso. A voz, cavernosa,<br />

lembra Scott Walker, mas é única a<br />

forma como Devlin coloca as palavras,<br />

cheia <strong>de</strong> maneirismos. Este é um disco<br />

mais rico que o antecessor, “Circa<br />

1999”, <strong>de</strong> 2003, menos classicista,<br />

mais dado ao ritmo e à tensão,<br />

mudanças conseguidas com a ajuda<br />

<strong>de</strong> músicos convidados como Tiago<br />

Miranda (Loosers, Slight Delay, etc.) e<br />

Pedro Oliveira, dos Sétima <strong>Le</strong>gião -<br />

banda que, curiosamente, parece<br />

pairar sobre estas melancólicas<br />

canções que vinham sendo<br />

preparadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. Em “Desvio<br />

para o vermelho”, os sintetizadores<br />

(instrumento central no disco) fazem<br />

a cama para Devlin, que repete coisas<br />

como “noite, dia, dia, noite” - também<br />

as letras assumem riscos. O álbum<br />

ganha quando é mais directo e<br />

<strong>de</strong>spido, como em “Turno da noite”,<br />

construída em torno <strong>de</strong> batidas<br />

simples, com a voz <strong>de</strong> Devlin<br />

multiplicada, ou “Solário”, espécie <strong>de</strong><br />

balada em que o canto é engolido pela<br />

reverberação e linhas <strong>de</strong> sintetizador<br />

glaciais. Pela sua radicalida<strong>de</strong>, “Ágio”<br />

é um daqueles objectos capazes <strong>de</strong><br />

apaixonar uns, afastar alguns e <strong>de</strong>ixar<br />

outros tantos perplexos, sem saberem<br />

on<strong>de</strong> o situar. Pedro Rios<br />

Lucky Dragons<br />

Dream Island Laughing Language<br />

Upset! The Rhythm, distri. Sabotage<br />

mmmmn<br />

Bernardo Devlin<br />

apaixonará uns,<br />

afastará alguns<br />

e <strong>de</strong>ixará outros<br />

tantos perplexos<br />

Há algo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconcertante na<br />

música dos Lucky<br />

Dragons, o projecto<br />

em que o<br />

californiano Luke<br />

Fischbeck se ro<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> outros<br />

músicos (com <strong>de</strong>staque para<br />

Sarah Rara - o duo esteve em<br />

Portugal em Outubro). Não<br />

fazem canções, mas também<br />

ocupam um lugar único no<br />

cenário experimental. Neste<br />

disco, o último <strong>de</strong> uma série<br />

<strong>de</strong> 20 registos em vários<br />

formatos,<br />

aprofundam a sua<br />

visão peculiar do<br />

que po<strong>de</strong> ser a<br />

música filtrada<br />

pelas<br />

tecnologias<br />

digitais. Além<br />

<strong>de</strong> tocar<br />

vários<br />

instrumentos<br />

(flautas,<br />

piano,<br />

dulcimer,<br />

entre outros),<br />

cabe também<br />

a Fischbeck a<br />

função <strong>de</strong><br />

editar este<br />

caleidoscópio<br />

sonoro, on<strong>de</strong><br />

cabem<br />

elementos<br />

como<br />

retalhos <strong>de</strong> guitarras folk, gongos,<br />

percussão tribal e vozes<br />

murmurantes. O método dos Lucky<br />

Dragons consiste em provocar um<br />

acontecimento (um objecto percutido,<br />

uma frase <strong>de</strong> guitarra) para, em<br />

seguida, manipulá-lo, num jogo entre<br />

banda e maquinaria electrónica que<br />

impele o ouvinte a participar <strong>de</strong><br />

alguma forma (ao vivo, esta i<strong>de</strong>ia<br />

ganha força, com a banda a convidar o<br />

público a interferir na performance).<br />

A simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas como “Free<br />

guys by the sea” (uma flauta<br />

<strong>de</strong>sgarrada, percussão básica) é<br />

<strong>de</strong>sarmante. Em “Band hammer”,<br />

com uma guitarra acústica em “loop”<br />

e a voz <strong>de</strong> Fischbeck, evocam a<br />

austerida<strong>de</strong> doce <strong>de</strong> Richard Youngs.<br />

“Givers” lembra os Black Dice dos<br />

últimos discos, enveredando <strong>por</strong><br />

caminhos mais lúdicos mas também<br />

fortemente rítmicos, e “My are<br />

singing”, outro momento alto, põe<br />

uma guitarra acústica roufenha em<br />

círculos <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> vozes em cascata.<br />

Como os Lucky Dragons já nos<br />

habituaram, “Dream Island Laughing<br />

Language” inclui várias faixas que não<br />

são mais do que a simples exploração<br />

<strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia. Este lado ingénuo e<br />

brincalhão é, ao mesmo tempo, o seu<br />

trunfo e calcanhar <strong>de</strong> Aquiles, já que<br />

fica a impressão que a banda só<br />

beneficiaria <strong>de</strong> uma maior filtragem<br />

antes <strong>de</strong> editar um disco. P.R.<br />

Jazz<br />

Som <strong>de</strong><br />

mestre<br />

Acompanhado <strong>por</strong> uma<br />

big band e uma orquestra<br />

sinfónica, Joe Lovano<br />

apresenta um dos seus<br />

projectos mais ambiciosos.<br />

Paulo Barbosa<br />

Joe Lovano<br />

Symphonica<br />

Blue Note; Dist. EMI<br />

mmmnn<br />

À excepção<br />

<strong>de</strong> “Duke<br />

Ellington’s<br />

sound of<br />

love”, <strong>de</strong><br />

Charles<br />

Joe Lovano<br />

Mingus, todo o material <strong>de</strong>ste álbum é<br />

da autoria <strong>de</strong> Joe Lovano, que não<br />

escon<strong>de</strong> a sua enorme satisfação <strong>por</strong><br />

ter a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, pela primeira<br />

vez, apresentar as suas composições<br />

ornamentadas com arranjos para uma<br />

orquestra sinfónica (a Rundfunk<br />

Orchester) e uma orquestra <strong>de</strong> jazz (a<br />

WDR Big Band).<br />

As primeiras notas com que Lovano<br />

faz planar o seu saxofone sobre uma<br />

massa orquestral <strong>de</strong> quase 80 músicos<br />

fazem com que <strong>de</strong> imediato nos<br />

reconheçamos na presença <strong>de</strong> um dos<br />

gran<strong>de</strong>s mestres do jazz das últimas<br />

duas décadas. Empunhando o<br />

saxofone tenor em cinco temas e o<br />

soprano em outros dois, Lovano<br />

apresenta-se em apuradíssima forma<br />

ao longo <strong>de</strong> todo o álbum. Com um<br />

som tipicamente cheio e<br />

inconfundível - mais sensual e<br />

envolvente ou mais nervoso e picante,<br />

consoante cada ocasião -, Lovano<br />

acaba, como seria <strong>de</strong> esperar, <strong>por</strong><br />

dominar quase todo o álbum. E<br />

melhor seria que, enquanto voz<br />

solista, o dominasse <strong>por</strong> completo, já<br />

que, <strong>por</strong> comparação com a<br />

excelência <strong>de</strong> Lovano, as intervenções<br />

improvisadas <strong>por</strong> músicos da WDR Big<br />

Band acabam <strong>por</strong> constituir<br />

momentos anti-climáticos que em<br />

nada beneficiam este registo. Os<br />

arranjos <strong>de</strong> Michael Abene são<br />

ambiciosos, mas acabam <strong>por</strong> se<br />

revelar como meramente funcionais<br />

na criação <strong>de</strong> um contexto para os<br />

mais diversos movimentos do<br />

saxofonista.<br />

Por tudo isto se prevê que o ouvinte<br />

mais atento compare os resultados<br />

aqui obtidos com os <strong>de</strong> “Rush Hour”,<br />

álbum com orquestrações entregues a<br />

Gunther Schuller, e reconheça uma<br />

clara vantagem àquela gravação,<br />

<strong>por</strong>ventura uma das melhores que o<br />

jazz nos ofereceu nos últimos anos<br />

com este tipo <strong>de</strong> formação.<br />

“Symphonica” é recomendável aos<br />

mais acérrimos seguidores do gran<strong>de</strong><br />

som <strong>de</strong> Lovano; os outros <strong>de</strong>verão<br />

iniciar o contacto com este<br />

im<strong>por</strong>tante saxofonista através <strong>de</strong><br />

outros álbuns, alguns dos quais<br />

verda<strong>de</strong>iramente essenciais, como<br />

“Landmarks”, “Sounds of Joy”, “From<br />

the Soul”, “Quartets” ou o referido<br />

“Rush Hour”.<br />

O som<br />

do cinema<br />

O trompetista luso faz uma<br />

revisão jazzística a músicas<br />

que marcaram a<br />

história da sétima<br />

arte. Nuno<br />

Catarino<br />

Laurent Filipe<br />

Flick Music<br />

iPlay<br />

mmmnn<br />

O que é mais<br />

sensual, o corpo<br />

lânguido <strong>de</strong><br />

Maria Schnei<strong>de</strong>r<br />

no “Último Tango<br />

em Paris” ou o<br />

saxofone fogoso <strong>de</strong><br />

Gato Barbieri a<br />

crepitar sobre esse<br />

mesmo filme? A resposta fica para o<br />

leitor, mas não há dúvida que a ligação<br />

entre imagens e música sempre foi<br />

frutuosa. São inúmeros os exemplos,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o cinema integrou o som<br />

(<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o pioneiro “The Jazz Singer”)<br />

até aos nossos dias, da união da<br />

música à imagem animada. De facto,<br />

alguma da melhor música <strong>de</strong> sempre<br />

foi composta para cinema - as<br />

ligações <strong>de</strong> Bernard Herrmann a<br />

Hitchcock e <strong>de</strong> Ennio Morricone a<br />

<strong>Le</strong>one são lendárias e no campo do<br />

jazz também há casos <strong>de</strong> relevo,<br />

como o trabalho <strong>de</strong> Herbie Hancock<br />

no “Blow Up” <strong>de</strong> Antonioni, Ellington<br />

para “Anatomia <strong>de</strong> um Crime” <strong>de</strong><br />

Preminger ou Miles em “Ascenseur<br />

<strong>por</strong> l’échafaud” <strong>de</strong> Louis Malle. Se<br />

muitas vezes a música tem papel<br />

meramente <strong>de</strong>corativo, outras vezes<br />

ganha mais im<strong>por</strong>tância que as<br />

imagens - que po<strong>de</strong>m valer mais que<br />

mil palavras, mas menos que um solo<br />

<strong>de</strong> trompete.<br />

O trompetista Laurent Filipe<br />

aventura-se agora numa revisão<br />

jazzística <strong>de</strong> alguns clássicos que<br />

ficaram famosos enquanto “banda<br />

sonora”. Já sabemos que o som do<br />

seu trompete é <strong>de</strong> uma rara doçura<br />

(faz sentido lembrar a sua recente<br />

homenagem a Chet Baker, “O<strong>de</strong> to<br />

Chet”) e os comparsas neste projecto<br />

estão em bom nível - Filipe conta com<br />

as colaborações <strong>de</strong> André Fernan<strong>de</strong>s<br />

na guitarra, Demian Cabaud no<br />

contrabaixo e Pedro Viana na bateria.<br />

A tarefa torna-se complicada quando<br />

se levanta a questão: o que fazer<br />

quando as músicas originais já são<br />

tão boas? A tarefa não é fácil e o<br />

resultado não é sempre igual. Se <strong>por</strong><br />

vezes a nova roupagem proposta<br />

assenta que nem uma luva sobre as<br />

melodias (particularmente quando à<br />

partida estas já assumem um registo<br />

bala<strong>de</strong>iro, como é o caso <strong>de</strong> “Il<br />

Postino”, do filme “O Carteiro <strong>de</strong><br />

Pablo Neruda”), outras vezes o<br />

resultado soa <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quado. Há dois<br />

casos flagrantes: “Can’t Buy Me Love”<br />

e “Raindrops (Keep Falling On My<br />

Head)”. Antes <strong>de</strong> mais po<strong>de</strong>ríamos<br />

questionar a escolha daquela música<br />

dos Beatles, quando haveriam tantas<br />

outras mais cinéfilas - nesta versão<br />

Laurent Filipe opta <strong>por</strong> manter<br />

alguma frescura rítmica, mas acaba<br />

sempre <strong>por</strong> ficar longe do original,<br />

per<strong>de</strong>ndo-se num meio termo<br />

jazzístico, num limbo incaracterístico.<br />

Já a versão do clássico <strong>de</strong> Burt<br />

Bacharach assume uma dimensão<br />

popularucha que <strong>de</strong>stoa da essência<br />

original - ingénua, agridoce, feliz. A<br />

forma como estes temas são<br />

maltratados po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sconcentrarnos<br />

do resto do projecto, bem<br />

intencionado, e que <strong>por</strong> vezes alcança<br />

resultados bem satisfatórios - a<br />

penúltima, “Chinatown”, é talvez a<br />

mais conseguida, a que melhor<br />

<strong>de</strong>monstra a envolvência do grupo e<br />

on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca a guitarra <strong>de</strong> André<br />

Fernan<strong>de</strong>s, em intervenções discretas<br />

mas precisas.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 45


Vamos ouvi-los pela p<br />

Quem serão os Vampire Weekend, Santogold, Duffy ou MGMT <strong>de</strong> 2009? As e<br />

De<br />

Brooklyn,<br />

Mixel Pixel,<br />

artistas<br />

visuais<br />

transformados<br />

em<br />

músicos<br />

Em 2008, algumas das estreias mais<br />

badaladas do ano estiveram <strong>por</strong> conta<br />

dos Vampire Weekend, Santogold,<br />

MGMT, Ting Tings, Lykke Li ou Duffy.<br />

Há um ano, uma minoria conheciaos.<br />

Hoje são nomes firmados. Para os<br />

atentos, a consagração dos<br />

Vampire ou Duffy não foi surpresa.<br />

Mas quem imaginava<br />

que os americanos<br />

Fleet Foxes seriam<br />

a banda preferida <strong>de</strong><br />

2008 para muito<br />

boa gente?<br />

É nessa<br />

fronteira,<br />

entre projectar<br />

o<br />

que aí<br />

vem, com<br />

base em<br />

factos<br />

concretos,<br />

e o<br />

espaço da<br />

imprevisibilida<strong>de</strong>,<br />

que<br />

se fazem<br />

apostas para<br />

2009. Uma<br />

coisa é certa:<br />

algumas tendências<br />

<strong>de</strong><br />

2008 não se<br />

esgotarão<br />

apenas <strong>por</strong>que<br />

dobrámos mais um<br />

ano.<br />

Sim, vivemos<br />

num <strong>mundo</strong> global,<br />

os centros <strong>de</strong> influên-<br />

cia multiplicaram-se, a internet cria<br />

a i<strong>de</strong>ia que po<strong>de</strong>mos obter visibilida<strong>de</strong><br />

mesmo habitando num país<br />

recôndito. Verda<strong>de</strong>. Mas se estivermos<br />

em Nova Iorque ou Londres as<br />

hipóteses aumentam.<br />

É isso que apetece dizer quando se<br />

olha para os que estão na linha <strong>de</strong><br />

partida para obterem reconhecimento<br />

quando se estrearem em<br />

breve. Em Nova Iorque, com epicentro<br />

no fervilhante ambiente criativo<br />

<strong>de</strong> Brooklyn, continua a trabalharse.<br />

Que o diga David Sitek que, o ano<br />

passado, para além <strong>de</strong> ter estado<br />

activo com o seu grupo, TV On The<br />

Radio ainda teve tempo para produzir<br />

os álbuns <strong>de</strong> Scarlett Johansson e<br />

Foals. Reinci<strong>de</strong> com Busy Gangnes e<br />

Melissa Livaudais, as Telepathe, dupla<br />

que lança em Fevereiro “Dance<br />

Mother”, ou seja pop mutante que se<br />

dança, mas com cabeça.<br />

Também <strong>de</strong> Brooklyn são os Mirror<br />

Mirror ou os Mixel Pixel, trio <strong>de</strong> artistas<br />

visuais transformados em músicos,<br />

<strong>por</strong> via da simbiose entre pop<br />

angelical, psica<strong>de</strong>lismo barroco e<br />

electro caseiro.<br />

Se, o ano passado, a editora novaiorquina<br />

DFA <strong>de</strong> James Murphy (LCD<br />

Soundsystem) foi comentada pelo<br />

álbum <strong>de</strong> estreia dos Hercules & Love<br />

Affair, agora a aposta chama-se Holy<br />

Ghost, entre o electro musculado e o<br />

neo-disco. A mesma linha seguida<br />

<strong>por</strong> outra dupla nova-iorquina, os<br />

Runaway.<br />

Quem vai continuar nas bocas do<br />

<strong>mundo</strong> é a Austrália. Há mais para<br />

além dos Cut Copy ou Midnight Juggernauts.<br />

Já em Fevereiro vamos<br />

ouvir Empire Of The Sun ou seja Luke<br />

Steele dos Sleepy Jackson e Nick Littlemore<br />

dos Pnau, numa veia pop<br />

electrónica dançante não distante<br />

dos Cut Copy. Mais improváveis são<br />

The Temper Trap, com um rock<br />

épico, i<strong>de</strong>al para ouvir nos estádios<br />

frequentados pelos U2 ou Coldplay.<br />

Quem continuará a ex<strong>por</strong>tar pop<br />

irreal e colorida são os suecos, via<br />

The Sound Of Arrows, mas a inglesa<br />

Little Boots promete rivalizar nos<br />

excessos.<br />

Nos meses que aí vêm, Santogold<br />

e M.I.A., <strong>de</strong> um lado, e Amy<br />

Winehouse e Duffy, do outro, vão<br />

<strong>de</strong>bater-se com concorrência. A<br />

competir com as primeiras está<br />

Mapei, sueca cortejada <strong>por</strong> produtores<br />

como Sin<strong>de</strong>n e<br />

Spank Rock, pelo que o<br />

seu futuro está assegurado.<br />

Outra tribalista<br />

urbana que promete<br />

dar que falar é a londrina, <strong>de</strong> ascendência<br />

ganesa, Thecocknbullkid,<br />

espécie <strong>de</strong> elo perdido entre<br />

Madonna e M.I.A., apesar <strong>de</strong> citar<br />

como inspiração Abba ou Pharrell<br />

Williams.<br />

Também londrina, VV Brown não<br />

tem o vozeirão <strong>de</strong> Winehouse, nem<br />

o apelo transversal <strong>de</strong> Duffy, mas tem<br />

mais pinta, mescla <strong>de</strong> Ella Fitzgerald<br />

e B-52’s, Cansei <strong>de</strong> Ser Sexy e Elvis<br />

Presley, exemplo <strong>de</strong> que a pop dos<br />

anos 60 está mesmo <strong>de</strong> regresso.<br />

Outra londrina, La Roux, vai ser<br />

“convidada especial” na digressão<br />

que se vai seguir <strong>de</strong> Lilly Allen, mas<br />

a sua pop electrónica dançante promete<br />

fazer estragos sem necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> terceiros.<br />

Quem está mais do que lançada<br />

é a inglesa Florence and the<br />

Machine, com concertos elogiados<br />

<strong>por</strong> todo o lado. Vai lançar álbum<br />

<strong>de</strong> estreia e tem canções <strong>de</strong> apelo<br />

popular para se im<strong>por</strong> sem gran<strong>de</strong>s<br />

dificulda<strong>de</strong>s.<br />

Sim, vivemos num<br />

<strong>mundo</strong> global, os<br />

centros <strong>de</strong> influência<br />

multiplicaram-se, com<br />

a net po<strong>de</strong>mos obter<br />

visibilida<strong>de</strong> mesmo<br />

habitando num país<br />

recôndito. Mas se<br />

estivermos em Nova<br />

Iorque ou Londres as<br />

hipóteses aumentam<br />

La Roux: a<br />

sua pop<br />

electrónica<br />

dançante<br />

promete<br />

fazer<br />

estragos<br />

Janelle<br />

Monae: a<br />

versão<br />

feminina<br />

<strong>de</strong> Prince?<br />

Do Kansas, EUA, virá Janelle<br />

Monae. A forma, fácil, <strong>de</strong> a <strong>de</strong>finir, é<br />

qualquer coisa como a “versão feminina<br />

<strong>de</strong> Prince”. Adulada <strong>por</strong> outro<br />

<strong>de</strong>voto <strong>de</strong> Prince, André 3000 dos<br />

OutKast, será referência a ter <strong>de</strong>baixo<br />

<strong>de</strong> olho no mo<strong>de</strong>rno R&B.<br />

No Verão ninguém se surpreen<strong>de</strong>rá<br />

se Kid Cudi, “rapper” <strong>de</strong> Cleveland,<br />

EUA, que <strong>de</strong>u nas vistas no último<br />

álbum <strong>de</strong> Kanye West, ser muito<br />

comentado. É que os seus talentos<br />

não são apenas vocais, com um som<br />

minimal que não se fica pelo hiphop.<br />

Outro impacto previsível é o <strong>de</strong> Kid<br />

Sister. Já era uma das promessas <strong>de</strong><br />

2008 mas o seu álbum <strong>de</strong> estreia,<br />

“Dream Nate”, tem vindo a ser<br />

adiado, pelo que é este ano que a<br />

nativa <strong>de</strong> Chicago vai estoirar. O<br />

“rapper” Kanye West adora-a, o DJ<br />

A-Trak não a larga e o seu som, composto<br />

<strong>de</strong> hip-hop multicolorido e<br />

electro gorduroso, é aditivo.<br />

Situação semelhante é a da inglesa<br />

Ebony Bones, que até já actuou em<br />

Portugal duas vezes, atestando que<br />

o seu álbum <strong>de</strong> estreia tem tudo para<br />

dar certo.<br />

Há um ano os MGMT eram ilustres<br />

<strong>de</strong>sconhecidos. Em 2009 terão seguidores.<br />

Como os ingleses The Big Pink,<br />

os americanos Apes and Androids ou<br />

os The Passion Pits, do Massachusets,<br />

EUA, movendo-se entre a electrónica<br />

poética, o psica<strong>de</strong>lismo muito colorido<br />

e sensibilida<strong>de</strong> pop.<br />

Quem também já parece ter criado<br />

<strong>de</strong>scendência são os Vampire<br />

Weekend. O veterano David Bowie<br />

já o percebeu. Os ingleses Fanfarlo<br />

são a sua última paixão e percebe-se<br />

<strong>por</strong>quê, com um som melódico,<br />

algures entre os Vampire e os The<br />

Dodos.<br />

Outros britânicos, os Man Like Me,<br />

não andam longe <strong>de</strong>sta equação,<br />

embora a influência dos Vampire seja<br />

diluída <strong>por</strong> um sentido <strong>de</strong> humor britânico,<br />

com alusões a The Streets ou<br />

Hot Chip.<br />

Por falar em linhagem, quem<br />

parece ter assegurado a sua são os<br />

New Or<strong>de</strong>r e os Magnetic Fields. Conferir,<br />

no primeiro caso, com os Delphic<br />

e, no segundo, com The Ballet e<br />

The Homophones.<br />

O que também se vai continuar a<br />

ver é gente munida <strong>de</strong> guitarras acústicas<br />

a fazer canções intimistas, como<br />

Fredo Viola<br />

promete<br />

folk-pop<br />

polifónica<br />

familiarida<strong>de</strong><br />

Kid Cudi,<br />

“rapper”<br />

<strong>de</strong><br />

Cleveland<br />

46 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009


imeira vez em 2009<br />

estreias que po<strong>de</strong>rão virar estrelas? Eis algumas hipóteses. Vítor Belanciano<br />

Alexi Murdoch ou o nova-iorquino<br />

Fredo Viola que se estreará com um<br />

álbum que promete folk-pop polifónica,<br />

com doses iguais <strong>de</strong> estranheza<br />

e familiarida<strong>de</strong>. Do eixo Paris-Los<br />

Angeles vem Soko, com folk tosca<br />

mas cheia <strong>de</strong> graça, entre o <strong>de</strong>sengonçado<br />

Daniel Johnston e o brilho<br />

das irmãs CocoRosie. E na secção<br />

cantautores brancos <strong>de</strong> alma soul<br />

con<strong>de</strong>nados ao sucesso há dois<br />

nomes que po<strong>de</strong>rão vir a sobressair<br />

- Daniel Merriweather e Jonathan<br />

Jeremiah.<br />

Também <strong>de</strong>stinados a serem acontecimento,<br />

e a serem apelidados <strong>de</strong><br />

sucedâneos dos Killers, são os ingleses<br />

White Lies ou os Red Light Company.<br />

Gente que se <strong>de</strong>siludiu com grupos<br />

e vai enveredar <strong>por</strong> carreiras a solo<br />

também não falta. É esse o caso do<br />

inglês Dan Black que <strong>de</strong>ixou os Servant<br />

para criar música para guitarra,<br />

caixa <strong>de</strong> ritmos e “samples”, e a verda<strong>de</strong><br />

é que resulta.<br />

O ex-guitarrista dos Secret Machines,<br />

Benjamin Curtis, tem também<br />

projecto novo, School Of Seven Bells,<br />

aventura com duas cantoras, entre o<br />

rock sonhador e a electrónica ambiental,<br />

com pontos <strong>de</strong> encontro com os<br />

Blon<strong>de</strong> Redhead.<br />

Conhecido pelo duo DJ Gucci Soundsystem<br />

e <strong>por</strong> trabalhos a solo, o<br />

inglês Riton vai lançar-se na aventura<br />

Eine Kleine Nacht Musik, numa linha<br />

electrónica nocturna melancólica,<br />

capaz <strong>de</strong> evocar os crescendos rítmicos<br />

dos alemães Can.<br />

Em Portugal quem foi conquistado<br />

pelo regresso do rock literato em <strong>por</strong>tuguês<br />

- Os Pontos Negros e Tiago<br />

Guillul - não vai per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista os<br />

Doismileoito ou Os Golpes, mas a surpresa<br />

po<strong>de</strong>rão ser os Aquaparque,<br />

capazes <strong>de</strong> agarrar em alguns indícios<br />

semelhantes (António Variações,<br />

Heróis do Mar), mas trans<strong>por</strong>tandoos<br />

para um lugar novo, arriscado,<br />

universal.<br />

No campo das electrónicas <strong>de</strong><br />

dança feitas em Portugal - mas <strong>de</strong><br />

vocação internacional - atenções<br />

viradas para o álbum <strong>de</strong> estreia dos<br />

Photonz e para os novos capítulos<br />

a serem ensaiados <strong>por</strong> Slight Delay<br />

ou Moulinex, enquanto em Inglaterra<br />

se dançará ao som dos<br />

AutoKratz, ou seja o regresso do<br />

conceito <strong>de</strong> super-grupo electrónico,<br />

na linha dos anos 90<br />

(Un<strong>de</strong>rworld, Chemical Brothers).<br />

Mas no, cada vez mais, complexo,<br />

estilhaçado e aparentemente <strong>de</strong>scontrolado<br />

mercado da cultura<br />

pop, é certo que algumas das revelações<br />

do ano surgirão <strong>de</strong> quadrantes<br />

- geográficos, estéticos e sociais<br />

- que ninguém consegue prever.<br />

Oxalá.<br />

Todos estes artistas po<strong>de</strong>m ser ouvidos<br />

no MySpace<br />

Do eixo<br />

Paris-Los<br />

Angeles<br />

vem Soko,<br />

folk tosca<br />

mas cheia<br />

<strong>de</strong> graça<br />

The Passion<br />

Pits: entre a<br />

electrónica<br />

poética, o<br />

psica<strong>de</strong>lismo<br />

colorido e a<br />

pop<br />

Dan Black:<br />

música<br />

para<br />

guitarra,<br />

caixa <strong>de</strong><br />

ritmos e<br />

“samples”<br />

VV Brown :<br />

sem o<br />

vozeirão <strong>de</strong><br />

Winehouse,<br />

mas com<br />

mais pinta<br />

Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 47

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