por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Sexta-feira<br />
9 Janeiro 2009<br />
LUDOVIC CAREME/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 6856 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Nobel da Literatura 2008<br />
O <strong>mundo</strong><br />
<strong>revelado</strong><br />
<strong>por</strong> <strong>Le</strong> Clézio<br />
David Machado Paulo Nozolino Hush Arbors Jan<strong>de</strong>k B Fachada
Flash<br />
Sumário<br />
J.M.G. <strong>Le</strong> Clézio 6<br />
O <strong>mundo</strong> do último Nobel<br />
David Machado 14<br />
O talento raro <strong>de</strong> um<br />
contador <strong>de</strong> histórias<br />
Os Produtores 18<br />
Um êxito da Broadway em<br />
<strong>por</strong>tuguês e em digressão<br />
nacional<br />
Hush Arbors 22<br />
Ou Keith Wood, saltimbanco<br />
folk<br />
B Fachada 20<br />
Foi seguido <strong>por</strong> um<br />
realizador, Tiago Pereira,<br />
e o resultado é um filmemanifesto<br />
Jan<strong>de</strong>k 24<br />
Uma das personagens<br />
mais fascinantes da<br />
música contem<strong>por</strong>ânea, em<br />
Serralves<br />
Paulo Nozolino 26<br />
A primeira individual em<br />
<strong>Lisboa</strong> em oito anos<br />
Ficha Técnica<br />
Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />
Editores Vasco Câmara,<br />
Joana Gorjão Henriques (adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel Coutinho,<br />
Inês Nadais, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter,<br />
Simon Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho,<br />
Carla Noronha, Jorge Guimarães,<br />
Mariana Soares<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
Porque é que Kubrick<br />
<strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> “Ayran Papers”?<br />
Instalação <strong>de</strong> Jane<br />
e Louise Wilson<br />
recupera filme<br />
perdido <strong>de</strong> Kubrick<br />
“Aryan Papers” é o nome do filme<br />
que Stanley Kubrick nunca chegou<br />
a fazer, apesar <strong>de</strong> ter trabalhado<br />
longamente nele. Parte <strong>de</strong>ssa<br />
pesquisa foi agora recuperada pelas<br />
artistas plásticas Jane e Louise<br />
Wilson, numa instalação que<br />
po<strong>de</strong>rá ser vista no British Film<br />
Institute, Londres, entre 13 <strong>de</strong><br />
Fevereiro e 19 <strong>de</strong> Abril.<br />
As duas gémeas foram convidadas a<br />
explorar os arquivos Kubrick, na<br />
University of the Arts <strong>de</strong> Londres, e<br />
o que as fascinou mais do que tudo<br />
foi esse trabalho iniciado mas<br />
nunca concluído. “Aryan Papers”<br />
adaptaria o romance “Wartime<br />
Lies”, <strong>de</strong> Louis Begley (1991),<br />
história, passada no gueto <strong>de</strong><br />
Varsóvia, <strong>de</strong> um rapaz ju<strong>de</strong>u cuja<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a tia escon<strong>de</strong>, fazendo-o<br />
passar <strong>por</strong> católico.<br />
“Sentimo-nos como crianças numa<br />
loja <strong>de</strong> doces, há tanto [nos<br />
arquivos] que podíamos facilmente<br />
passar lá dias, é incrível”, disse<br />
Louise ao “Guardian”. Mas no meio<br />
<strong>de</strong> tanto material, optaram não <strong>por</strong><br />
um dos filmes conhecidos <strong>por</strong><br />
Kubrick mas <strong>por</strong> esse projecto que<br />
o realizador acabou <strong>por</strong> abandonar.<br />
As irmãs encontraram imagens<br />
filmadas <strong>por</strong> Kubrick da actriz<br />
holan<strong>de</strong>sa Johanna ter Steege, com<br />
diferentes roupas, luzes, ângulos. A<br />
instalação que conceberam cruza<br />
essas imagens com as que elas<br />
próprias fizeram posteriormente<br />
com Ter Steege, que o realizador<br />
escolhera para o papel <strong>de</strong> Tânia,<br />
uma judia polaca que tenta salvar a<br />
família dos nazis. Ter Steege recria<br />
para as Wilson os momentos dos<br />
ensaios com o guarda-roupa que<br />
fizera para Kubrick.<br />
“É uma história amarga-doce”,<br />
explica Louise. “O filme teria sido<br />
uma coisa extraordinária para ela.<br />
Foi memorável ter conhecido<br />
Kubrick e ter trabalhado com ele.<br />
Ela teve que manter segredo<br />
Espaço<br />
Público<br />
As gémeas Jane e Louise Wilson<br />
A autora <strong>de</strong> “Pântano”, a<br />
argentina Lucrecia Martel,<br />
vem a <strong>Lisboa</strong> apresentar um<br />
ciclo <strong>de</strong>dicado à sua obra. Vai<br />
ser programado no contexto<br />
<strong>de</strong> um festival - cinema,<br />
dança, teatro, literatura -<br />
percorrido pelo “Fervor <strong>de</strong><br />
Buenos Aires”. É essa a<br />
<strong>de</strong>signação <strong>de</strong> uma iniciativa<br />
que, partindo do título da<br />
primeira recolha poética <strong>de</strong><br />
Borges, fará um panorama da<br />
criação artística que tem a<br />
cida<strong>de</strong> argentina como<br />
origem e representação. É<br />
esse o <strong>de</strong>staque do Centro<br />
Cultural <strong>de</strong> Belém entre 9 <strong>de</strong><br />
Março e 8 <strong>de</strong> Abril.<br />
De Martel veremos uma curta,<br />
“El Rey Muerto” (1995), e as<br />
longas “O Pântano” (2001), “A<br />
Rapariga Santa” (2004) e o<br />
último filme, “La Mujer sin<br />
Cabeza” (2008) - que a<br />
realizadora apresentará a 12<br />
<strong>de</strong> Março.<br />
Foi com este filme que a<br />
<strong>por</strong>tentosa Martel pôs muitos,<br />
no Festival <strong>de</strong> Cannes, a<br />
coçarem a cabeça. Alguns<br />
ficaram <strong>de</strong> cabeça perdida.<br />
Jornais tão insuspeitos, como<br />
o “Libération”, <strong>por</strong> exemplo,<br />
<strong>de</strong>ram um pontapé no filme<br />
(“não percebemos nada”),<br />
mas ele foi cair nos braços <strong>de</strong><br />
alguns apaixonados que não<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
se cansarão <strong>de</strong> apregoar (é o<br />
que faremos nestas páginas)<br />
que é uma das gran<strong>de</strong>s obras<br />
do cinema contem<strong>por</strong>âneo.<br />
Logo a seguir ao ciclo, “La<br />
Mujer sin Cabeza” estreia em<br />
sala.<br />
O que é que conta<br />
este filme,<br />
momento<br />
paroxístico do<br />
frondoso trabalho<br />
<strong>de</strong> Martel sobre<br />
a percepção?<br />
Não conta; o<br />
filme com<br />
título <strong>de</strong><br />
conto<br />
surrealista é a<br />
própria<br />
cabeça <strong>de</strong><br />
uma mulher<br />
que <strong>por</strong><br />
instantes<br />
per<strong>de</strong> a<br />
cabeça. Vai<br />
ao volante do<br />
carro, distraise<br />
e bate em<br />
algo<br />
(sentimos o<br />
impacto,<br />
vemos as<br />
marcas <strong>de</strong><br />
mãos que<br />
ficaram no<br />
automóvel). Nos dias<br />
que se seguem, Vero, é<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
“La Mujer sin Cabeza” tem <strong>de</strong>ixado meio<br />
<strong>mundo</strong> <strong>de</strong> cabeça perdida<br />
Lucrecia Martel, mulher <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
cabeça, vem a <strong>Lisboa</strong><br />
Lucrecia Martel<br />
apresentará<br />
o seu último<br />
filme no dia 12<br />
<strong>de</strong> Março no CCB<br />
o nome <strong>de</strong>la, parece um<br />
zombie. Não reconhece os<br />
sinais da realida<strong>de</strong>, ou eles é<br />
que se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>la, e<br />
ela flutua. (É como o<br />
espectador <strong>de</strong> um filme que<br />
não enten<strong>de</strong>.)<br />
Outra forma <strong>de</strong> tentar<br />
explicar o que se passa em “La<br />
Mujer Sin Cabeza” é dizer que<br />
tudo parece passar-se nos<br />
momentos que se seguem a<br />
um susto, quando ainda<br />
não nos recompusemos,<br />
quando a realida<strong>de</strong> não<br />
se reconfigurou.<br />
Vários, em Cannes,<br />
evocaram o Antonioni<br />
<strong>de</strong> “Deserto Vermelho”<br />
para tentar explicar a<br />
experiência <strong>de</strong> um<br />
estado psicológico que<br />
nos faz sentir<br />
alienígenas. (Outros,<br />
<strong>de</strong> memória ou pelo<br />
que contam os livros,<br />
lembraram-se da<br />
incompreensão gerada<br />
<strong>por</strong> “A Aventura”).<br />
Martel consi<strong>de</strong>ra <strong>de</strong><br />
facto Antonioni “um<br />
daqueles cristos que<br />
pairam sobre a cultura<br />
oci<strong>de</strong>ntal”, mas não,<br />
não foi referência<br />
específica.<br />
Atenção às cabeças...<br />
Vasco Câmara<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 3
Flash<br />
Internet<br />
Estamos online. Clique em<br />
ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
connosco.<br />
durante oito meses. Foi,<br />
obviamente, um enorme golpe o<br />
filme nunca ter acontecido”.<br />
E <strong>por</strong>que é que nunca aconteceu?<br />
Segundo o “Guardian”, uma das<br />
razões po<strong>de</strong> ter sido o facto <strong>de</strong> “A<br />
Lista <strong>de</strong> Schindler”, <strong>de</strong> Steven<br />
Spielberg, ter estreado em 1993,<br />
esvaziando o que seria outra<br />
história sobre o Holocausto. A<br />
pesquisa das irmãs Wilson levou-as<br />
a admitir outra hipótese, que<br />
Louise conta: “Tendo falado com<br />
Johanna, percebemos que ele<br />
começou a ficar muito <strong>de</strong>primido.<br />
Mergulhou tão fundo neste<br />
projecto que julgo que terá ficado<br />
muito perturbado”.<br />
Andrew Bird edita<br />
“Noble Beast” a 26 <strong>de</strong><br />
Janeiro<br />
Homem do assobio mágico e do<br />
pizzicato no violino, senhor da pop<br />
que não é pop, cantor americano<br />
que recicla swing, folk ou country<br />
em canções <strong>de</strong> marca<br />
inconfundível, Andrew Bird está <strong>de</strong><br />
volta. Dois anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
“Armchair Apocrypha”, álbum <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> relativamente a “The<br />
Mysterious Production Of Egg”, o<br />
da revelação em larga escala, chega<br />
a 26 <strong>de</strong> Janeiro “Noble Beast”. Bird<br />
está feliz. Porque o seu conterrâneo<br />
Barack Obama será o próximo<br />
presi<strong>de</strong>nte americano e ele lá<br />
estará, no clube Hi<strong>de</strong>out <strong>de</strong><br />
Chicago, a celebrar a tomada <strong>de</strong><br />
posse. Está feliz <strong>por</strong>que o Ípsilon já<br />
lhe ouviu o novo disco e ele não<br />
engana - po<strong>de</strong>m confirmar ou<br />
contestar tal opinião ouvindo<br />
“Noble Beast” no site da National<br />
Public Radio americana (www.npr.<br />
org), que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> Janeiro<br />
disponibilizou o álbum para<br />
audição. É o álbum mais diverso <strong>de</strong><br />
Bird, refreando o impulso <strong>de</strong><br />
eléctrico <strong>de</strong> “Armchair Apocrypha”<br />
em favor <strong>de</strong> pop luminosa: uma<br />
majestosida<strong>de</strong> acústica construída<br />
com orquestrações e violinos<br />
rodopiantes, construída com um<br />
romantismo que se espraia até ao<br />
México ou que nos recorda que<br />
Bird é um compositor que já<br />
compôs <strong>de</strong>liciosas canções para<br />
programas infantis. O álbum terá<br />
também uma edição “<strong>de</strong>luxe”, que<br />
consistirá num segundo CD <strong>de</strong><br />
instrumentais, gravados com a<br />
companhia <strong>de</strong> Glenn Kotche,<br />
baterista dos Wilco, e do baixista<br />
Todd Sickafoose.<br />
Tudo o que queria<br />
saber sobre Hugh<br />
Hefner e os filmes<br />
A sua obsessão não é o sexo, é<br />
Hollywood. Hugh Hefner, 82 anos,<br />
patrão da “Playboy”, o homem que<br />
passa os dias em pijamas <strong>de</strong> seda, é<br />
um romântico. “A verda<strong>de</strong> é que<br />
como nunca mostraram afecto <strong>por</strong><br />
mim, escapei para um universo<br />
alternativo, aquele que vinha dos<br />
filmes. O amor para mim é<br />
exclusivamente o amor romântico<br />
tal como nos filmes da minha<br />
infância”.<br />
Este pedaço <strong>de</strong> confissão foi<br />
entregue ao “Washington Post”,<br />
que foi à Mansão Playboy conversar<br />
com Hefner. É que tanto amor ao<br />
cinema tinha <strong>de</strong> ser retribuído: está<br />
em <strong>de</strong>senvolvimento um filme<br />
biográfico em que Hefner vai ser<br />
interpretado <strong>por</strong> Robert Downey<br />
Jr., produzido <strong>por</strong> Brian Grazer e<br />
realizado <strong>por</strong> Brett Ratner. Hefner,<br />
fã <strong>de</strong> Billy Wil<strong>de</strong>r e Preston Sturges,<br />
quer que “seja algo mais do que<br />
uma comédia ligeira, tenha algo a<br />
dizer e expresse algo sobre a<br />
mudança <strong>de</strong> valores socio-sexuais.<br />
Brian [Grazer] disse que eu era o<br />
único homem que tinha feito amor<br />
com milhares <strong>de</strong> mulheres e que<br />
elas ainda gostavam <strong>de</strong>le.<br />
Orgulho-me <strong>de</strong> ter<br />
ficado amigo da<br />
maioria das<br />
minhas exmulheres<br />
e exnamoradas.<br />
Sou um<br />
romântico”.<br />
Hugh Hefner será interpretado no ecrã<br />
<strong>por</strong> Robert Downey Jr. num projecto<br />
sobre a vida do Mr. Playboy<br />
E um cinéfilo. As projecções <strong>de</strong><br />
filmes são uma tradição na mansão.<br />
As sextas-feiras são <strong>de</strong>dicadas aos<br />
novos filmes e os domingos aos<br />
clássicos. As prateleiras estão<br />
cheias <strong>de</strong> livros sobre Hollywood,<br />
história em que Hefner nunca se<br />
quis meter <strong>por</strong>que preferiu ficar a<br />
ver cinema. A excepção foi quando<br />
produziu o “MacBeth” <strong>de</strong> Polanski<br />
(1971), o primeiro do realizador<br />
<strong>de</strong>pois do assassinato da mulher,<br />
Sharon Tate. O estado psicológico<br />
<strong>de</strong> Roman era errático, a<br />
companhia que segurara o filme<br />
pressionava para que o cineasta<br />
fosse <strong>de</strong>spedido. “Eu disse-lhes:<br />
‘Polanski é a razão <strong>por</strong> que fazemos<br />
este filme’, <strong>por</strong> isso<br />
<strong>de</strong>sistimos da<br />
seguradora e fui eu a<br />
garantia do filme. É<br />
um filme falhado<br />
mas fascinante.<br />
Estava<br />
directamente ligado<br />
aos assassinatos [<strong>de</strong> Sharon Tate e<br />
amigos pelo bando <strong>de</strong> Charles<br />
Manson]. Houve um momento, na<br />
rodagem <strong>de</strong> uma cena <strong>de</strong><br />
assassinato, em que ele se enganou<br />
e chamou à actriz ‘Sharon.’ Foi uma<br />
catarse. Só gostaria <strong>de</strong> ter<br />
produzido o filme que ele fez a<br />
seguir, ‘Chinatown.’”<br />
Documentário<br />
para fazer justiça aos<br />
outros Doors<br />
Um documentário sobre os Doors -<br />
“When You’re Strange” - vai estrear<br />
no dia 17 no Festival <strong>de</strong> Sundance.<br />
Escrito e realizado <strong>por</strong> Tom DiCillo,<br />
traça o percurso da carreira dos<br />
Doors <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo da banda na<br />
escola <strong>de</strong> cinema UCLA até à morte<br />
<strong>de</strong> Morrison, em 1971,<br />
apresentando imagens inéditas.<br />
“Está longe <strong>de</strong> ser uma viagem<br />
GARY FRIEDMAN<br />
nostálgica e é muito mais do que um<br />
biopic”, lê-se no site do Festival <strong>de</strong><br />
Sundance. Tom Dicillo quer separar<br />
a verda<strong>de</strong> do mito, <strong>de</strong>screver o<br />
artista e o alcoólico que era Morrison<br />
e apresentar os outros membros<br />
(Manzarek, Krieger e Densmore) que<br />
ajudaram a criar a magia do grupo. O<br />
teclista Ray Manzarek <strong>de</strong>screveu, à<br />
“Billboard”, a obra <strong>de</strong> Dicillo como<br />
uma “a resposta a Oliver Stone”. Em<br />
1991, Stone realizou “The Doors”,<br />
on<strong>de</strong> só <strong>de</strong>u atenção a Morrison (Val<br />
Kilmer), <strong>de</strong>scurando os outros<br />
Doors, na opinião do teclista, <strong>de</strong><br />
alguns críticos e dos fãs. O<br />
documentário contará, para Ray<br />
Manzarek, a verda<strong>de</strong>ira história dos<br />
Doors. A banda sonora será editada<br />
no Verão.<br />
A crise chegou à<br />
Broadway: nove<br />
produções fecharam<br />
Há nove produções que estavam<br />
em exibição na Broadway e que,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> domingo, não voltarão aos<br />
palcos. Algumas já tinham data<br />
marcada para o final, e sabem que<br />
não vão voltar, outras foram vítimas<br />
<strong>de</strong> pouca audiência em tempos <strong>de</strong><br />
crise. “Hairspray”, “Young<br />
Frankenstein”, “Boeing-Boeing”,<br />
“13” e “Grease”, <strong>por</strong> exemplo, não<br />
vão voltar a ser encenadas. “É<br />
como se abatessem um animal <strong>de</strong><br />
estimação, não <strong>por</strong>que está doente,<br />
mas <strong>por</strong>que não se tem dinheiro<br />
para a comida <strong>de</strong> cão”, <strong>de</strong>sabafou<br />
Marc Shaiman, compositor da<br />
música e co-autor das letras <strong>de</strong><br />
“Hairspray” durante a festa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spedida no clube Arena, em<br />
Nova Iorque, citado pelo “New York<br />
Times”. “Não me consigo<br />
conformar. Se o tivesse visto doente<br />
e a morrer [ao cão], talvez aceitasse<br />
melhor”, confessou. O elevado<br />
custo dos bilhetes <strong>de</strong> teatro e o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra dos espectadores<br />
para este ano foram preocupações<br />
mostradas pelos actores e<br />
produtores das peças. Allan S.<br />
Gordon, produtor <strong>de</strong> “Rent”, “Cry<br />
Baby” e “Hairspray”, disse que<br />
esperava que o <strong>mundo</strong> do teatro<br />
<strong>de</strong>batesse e encontrasse<br />
brevemente formas <strong>de</strong> baixar os<br />
preços dos bilhetes.<br />
Um filme para contrariar o que Oliver Stone fez em “The Doors”<br />
Já ouvimos o novo Andrew Bird: uma<br />
majestosida<strong>de</strong> acústica construída com<br />
orquestrações e violonos rodopiantes<br />
4 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Capa<br />
<strong>Le</strong> Clézio<br />
A revelação d<br />
Escrever é ir ao outro lado da colina. <strong>Le</strong> Clézio,<br />
e escreve como se vivesse na pele <strong>de</strong> cada um. Uma<br />
acesas na gran<strong>de</strong> história humana, das ilhas do<br />
dos vulcões do México aos bordéis <strong>de</strong> Marselha,<br />
da II Guerra, até ao apocalíptico começo do século<br />
6 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
JANERIK HENRIKSSON<br />
do<br />
Nobel da<br />
revelação<br />
Pacífico<br />
do gás<br />
XXI.<br />
<strong>mundo</strong><br />
Literatura em 2008, vai<br />
do <strong>mundo</strong>, como fogueiras<br />
às plantações do Índico,<br />
da I Guerra aos comboios<br />
Alexandra Lucas Coelho<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 7
FOTOGRAFIAS A PRETO E BRANCO RETIRADAS DO LIVRO “J.M.G. LE CLÉZIO, VÉRITÉ ET LÉGENDES”, ÉDITIONS DU CHÊNE, PARIS 1999<br />
LUDOVIC CAREME/CORBIS<br />
Imagem <strong>de</strong><br />
Saint-Martin-<br />
Vésubie, on<strong>de</strong><br />
<strong>Le</strong> Clézio<br />
viveu, sentindo<br />
partilhar<br />
o <strong>de</strong>stino<br />
dos ju<strong>de</strong>us<br />
que aí estavam<br />
acossados<br />
O “L.A. Times” nem se esforçou. “<strong>Le</strong><br />
Clézio — quem é ele?”, foi a pergunta,<br />
em título, quando se soube que o Nobel<br />
da Literatura <strong>de</strong> 2008 ia para J.M.G. <strong>Le</strong><br />
Clézio. Por baixo, o editor <strong>de</strong> livros do<br />
jornal proclamava que não só não tinha<br />
lido <strong>Le</strong> Clézio como nunca ouvira o seu<br />
nome, garantindo que o mesmo se passava<br />
com vários ilustres das letras americanas,<br />
do National Book Award ao<br />
National Endowment for the Arts.<br />
Isto num suposto contexto <strong>de</strong> guerra<br />
fria entre a Aca<strong>de</strong>mia Sueca e os escritores<br />
americanos — como era possível Philip<br />
Roth não ganhar, enquanto o Nobel<br />
ia para um tal <strong>Le</strong> Clézio quase sem livros<br />
traduzidos em inglês, provavelmente<br />
fora do mercado?<br />
Demonstração <strong>de</strong> paroquialismo americano<br />
ou dos preconceitos da Aca<strong>de</strong>mia,<br />
o <strong>de</strong>bate seguiu para quem quis. Também<br />
houve quem visse nisto uma evidência<br />
<strong>de</strong> como a obra <strong>de</strong> <strong>Le</strong> Clézio se<br />
esquiva à or<strong>de</strong>m dominante.<br />
Convocado para uma conferência <strong>de</strong><br />
imprensa, o atordoado Nobel disse que<br />
não ia per<strong>de</strong>r tempo <strong>de</strong> escrita <strong>por</strong> causa<br />
do prémio, que <strong>de</strong> resto é dinheiro, ou<br />
seja tempo <strong>de</strong> escrita. Estava a escrever<br />
um novo livro e tencionava continuar.<br />
Em Dezembro cumpriu os seus compromissos<br />
suecos com um discurso <strong>de</strong><br />
tributo a quem o fez ser quem é,<br />
incluindo, nome a nome, muitos escritores<br />
<strong>de</strong> quem o editor do “L.A. Times”<br />
e boa parte do <strong>mundo</strong> literário em geral<br />
provavelmente nunca ouviram falar. E<br />
<strong>de</strong>pois a Gallimard começou a respon<strong>de</strong>r<br />
que “Mr. <strong>Le</strong> Clézio não vai dar qualquer<br />
entrevista”, como no mail ao Ípsilon.<br />
<strong>Le</strong> Clézio é o homem que durante três<br />
anos foi viver com os índios quando se<br />
cansou <strong>de</strong> escrever livros sobre a loucura<br />
nas cida<strong>de</strong>s. Viajou <strong>por</strong> todos os continentes,<br />
entre mares <strong>de</strong> piroga e <strong>de</strong>sertos<br />
a pé. Está com 68 anos, continua a viver<br />
uns meses em Nice (o lugar on<strong>de</strong> nasceu),<br />
uns meses no Novo México (o lugar<br />
que escolheu), uns meses na Maurícia (o<br />
lugar dos avós), <strong>de</strong> vez em quando na<br />
Bretanha (o lugar dos tetravós), e ainda<br />
recentemente viajou pela Oceania, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> trouxe o maravilhoso “Raga” (tradução<br />
na Sextante).<br />
Que não perca tempo com trivialida<strong>de</strong>s<br />
pós-Nobel, nem perca as folhas <strong>de</strong><br />
papel Revolución em que escreve à mão,<br />
é o que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sejar os seus leitores,<br />
incluindo os <strong>por</strong>tugueses, que têm boas<br />
Diego Rivera e<br />
Frida Khalo, a<br />
quem <strong>Le</strong><br />
Clézio <strong>de</strong>dicou<br />
uma<br />
apaixonante<br />
biografia<br />
8 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
“Há tanto ódio<br />
e <strong>de</strong>sespero<br />
nesta ruela,<br />
que é como se<br />
ela <strong>de</strong>scesse infindavelmente<br />
através <strong>de</strong> todos<br />
os <strong>de</strong>graus<br />
do inferno,<br />
sem nunca<br />
encontrar o<br />
fundo, sem<br />
nunca se <strong>de</strong>ter.<br />
[…] Nas suas<br />
entranhas, as<br />
raparigas são<br />
atiradas para<br />
cima dos velhos<br />
colchões cheios<br />
<strong>de</strong> nódoas, e<br />
possuídas em<br />
alguns segundos<br />
pelos homens<br />
silenciosos<br />
cujo sexo<br />
ar<strong>de</strong> como um<br />
tição”<br />
Em “Deserto”<br />
razões para não ter <strong>de</strong> perguntar “<strong>Le</strong><br />
Clézio — quem é ele?”<br />
Além do texto que Herberto Hel<strong>de</strong>r<br />
incluiu em “As Magias”, estão publicados<br />
em Portugal cinco romances, uma biografia,<br />
um livro <strong>de</strong> ensaios e um livro <strong>de</strong><br />
viagens.<br />
Não é muito, se pensarmos que o<br />
franco-maurício publicou 43 títulos<br />
(romances, ensaios, livros para crianças,<br />
livros <strong>de</strong> viagens, textos sobre cinema,<br />
aguarelas). Mas é uma escolha ampla,<br />
em que o <strong>mundo</strong> se vai revelando em<br />
partes distintas, como fogueiras momentaneamente<br />
acesas na gran<strong>de</strong> história<br />
dos homens — das metrópoles aos povos<br />
das águas, das caravanas <strong>de</strong> África às<br />
plantações do Índico, <strong>de</strong> Frida Khalo às<br />
trincheiras da I Guerra.<br />
Em “Raga” <strong>Le</strong> Clézio escreve (e talvez<br />
não fosse boa leitura <strong>de</strong> fim-<strong>de</strong>-semana<br />
para o editor do “L.A. Times”): “As socieda<strong>de</strong>s<br />
dos gran<strong>de</strong>s blocos continentais,<br />
apesar das suas religiões ‘reveladas’ e do<br />
carácter aparentemente universal das<br />
suas <strong>de</strong>mocracias, falharam a sua missão<br />
e negaram os próprios princípios sobre<br />
os quais assentavam.”<br />
Este é o gigante louro que aos 23 anos<br />
voltou costas à Paris-a-seus-pés, que<br />
estava disposta a adorá-lo como um<br />
Steve McQueen existencialista, com fotografias<br />
<strong>de</strong> Cartier-Bresson e tudo.<br />
E neste pré-apocalíptico começo do<br />
século XXI, é da Oceania que vê isto, e<br />
nos escreve: “A escravatura, a conquista,<br />
a colonização e as guerras à escala mundial<br />
puseram em evidência essa falha.<br />
Esses acontecimentos revelaram placas<br />
tectónicas cujos movimentos criaram os<br />
sismos actuais, e que ainda servem aos<br />
teóricos e aos falsos profetas dos ‘choques<br />
<strong>de</strong> civilizações’ para justificar as<br />
guerras <strong>de</strong> dominação. O fracasso <strong>de</strong>ssas<br />
gran<strong>de</strong>s socieda<strong>de</strong>s é sem dúvida a maior<br />
ameaça que o <strong>mundo</strong> hoje enfrenta.”<br />
O tetravô bretão<br />
Como é que a Bretanha vai dar à Maurícia<br />
e produz tal espécime? Segundo contou<br />
<strong>Le</strong> Clézio ao seu biógrafo Gérard <strong>de</strong><br />
Cortanze (“J.M.G. <strong>Le</strong> Clézio, vérité et<br />
légen<strong>de</strong>s”, Éditions du Chêne, Paris<br />
1999), foi uma história <strong>de</strong> cabelos compridos<br />
no meio da revolução francesa.<br />
Depois da batalha <strong>de</strong> Valmy, os combatentes<br />
bretões per<strong>de</strong>ram o direito a<br />
usar os cabelos compridos, e François<br />
Alexis <strong>Le</strong> Clézio, tetravô do escritor,<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 9
A <strong>de</strong>scoberta<br />
do <strong>de</strong>serto<br />
norte-africano<br />
aconteceu<br />
quando <strong>Le</strong><br />
Clézio viajou<br />
com a sua<br />
segunda<br />
mulher,<br />
a marroquina<br />
Jemia, que<br />
inspirou a<br />
protagonista<br />
<strong>de</strong> “Deserto”<br />
recusou-se a cortá-los. Decidiu então<br />
partir para as Índias. Mas ao fim <strong>de</strong> seis<br />
meses <strong>de</strong> viagem, exausto, ficou pelo<br />
caminho, na então Île <strong>de</strong> France, hoje<br />
Ilha Maurícia. Meteu-se em comércios e<br />
ganhou dinheiro, mas acabou <strong>por</strong> perdêlo<br />
para um corsário. Mais pru<strong>de</strong>nte se<br />
revelou a sua <strong>de</strong>scendência e no século<br />
XIX os <strong>Le</strong> Clézio ergueram uma mítica<br />
casa familiar na Maurícia a que chamaram<br />
Eureka, até a per<strong>de</strong>rem.<br />
J.M.G. nasceu <strong>de</strong>pois, mas é para<br />
conhecer essa casa — e aquele tetravô,<br />
aquele mar, aquela natureza, aquelas<br />
plantações <strong>de</strong> açúcar com capatazes e<br />
trabalhadores como escravos — que continua<br />
a escrever, como escreveu “O Caçador<br />
<strong>de</strong> Tesouros” (tradução <strong>de</strong> Ernesto<br />
Sampaio, na Assírio & Alvim), “Voyage<br />
à Rodrigues” ou “La quarentaine”.<br />
Na época <strong>de</strong> Napoleão, a Maurícia foi<br />
colonizada pelos ingleses e os <strong>Le</strong> Clézio<br />
tiveram <strong>de</strong> adoptar a cidadania britânica<br />
para po<strong>de</strong>rem ficar. A família quebrou-se<br />
em partilhas e no século XX uma parte<br />
foi para França. J.M.G., nascido em Nice<br />
em Abril <strong>de</strong> 1940, faz parte já da segunda<br />
geração em França. Mas, como a ascendência<br />
maurícia é tanto do pai como da<br />
mãe <strong>por</strong>que os seus pais eram primos<br />
direitos, na sua infância francesa “comiase<br />
maurício e contavam-se histórias maurícias”,<br />
disse ele numa <strong>de</strong> poucas entrevistas.<br />
Cresceu assim bilingue, mestiço — e<br />
filho da guerra, como dirá tantas<br />
vezes.<br />
O pai, médico, passou a II Guerra na<br />
Nigéria, mas continuava a ser cidadão<br />
britânico, e <strong>por</strong>tanto inimigo, do ponto<br />
<strong>de</strong> vista da ocupação alemã. <strong>Le</strong> Clézio,<br />
o irmão e a mãe tiveram <strong>por</strong> isso <strong>de</strong> sair<br />
<strong>de</strong> Nice para as montanhas. Ficaram a<br />
viver perto <strong>de</strong> Saint-Martin-Vésubie, um<br />
gueto ju<strong>de</strong>u.<br />
A memória da guerra há-<strong>de</strong> ser essa<br />
“opressão permanente”, aquele homem<br />
a disparar, aquele bombar<strong>de</strong>amento, e<br />
a exclusão dos ju<strong>de</strong>us, que <strong>Le</strong> Clézio<br />
sente ter vivido em paralelo — décadas<br />
mais tar<strong>de</strong>, uma menina judia <strong>de</strong> Saint-<br />
Martin-Vésubie, Esther, será a protagonista<br />
<strong>de</strong> “Estrela Errante” (Dom Quixote),<br />
o romance em que se cruzam os<br />
perseguidos que enfim chegam à terra<br />
prometida com os refugiados que <strong>de</strong>ixam<br />
<strong>de</strong> ter uma terra, no momento da<br />
criação <strong>de</strong> Israel.<br />
Finda a guerra, os <strong>Le</strong> Clézio voltam a<br />
Nice, mas o pai continua ausente. Ao seu<br />
biógrafo, o escritor <strong>de</strong>sdramatizou essa<br />
falta, dizendo que fora um período<br />
“muito fácil, sem dor”. O pai era uma<br />
espécie <strong>de</strong> tio distante a quem as crianças<br />
iam escrevendo ritualmente, sob os<br />
cuidados e carinhos da mãe.<br />
O rapazinho <strong>Le</strong> Clézio quer ser autor<br />
<strong>de</strong> bandas <strong>de</strong>senhadas. Tanto lê a<br />
“Revista do Tintim” como “As Viagens<br />
<strong>de</strong> Gulliver” e <strong>de</strong> Marco Polo, o “Dom<br />
Quixote” ilustrado, Stevenson, Conrad,<br />
a história dos gregos e aquele fabuloso<br />
“Dictionnaire <strong>de</strong> la conversation”, <strong>de</strong><br />
1858, em muitos volumes, que pertence<br />
a uma das três bibliotecas herdadas dos<br />
avós maurícios.<br />
A avó materna conta-lhe histórias. Há<br />
livros <strong>de</strong> viagens em partes misteriosas,<br />
globos, mapas, cartas do céu. No apartamento<br />
junto ao velho <strong>por</strong>to <strong>de</strong> Nice,<br />
<strong>Le</strong> Clézio cresce com o <strong>mundo</strong> a alargarse<br />
pelos livros. “<strong>Le</strong>r era a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uma outra visão”, pela primeira vez<br />
a consciência <strong>de</strong> estar vivo.<br />
E ainda não fez oito anos quando inicia<br />
a sua primeira gran<strong>de</strong> viagem, que<br />
ficará como “a gran<strong>de</strong> viagem” — quando<br />
parte ao encontro do pai, lá na Nigéria.<br />
São semanas e semanas <strong>de</strong> barco.<br />
<strong>Le</strong> Clézio <strong>de</strong>scobre o que é estar num<br />
<strong>por</strong>ão, a balançar. Descobre o mar, essa<br />
liberda<strong>de</strong>, a beleza e a violência. Escreve<br />
dois romances que mais tar<strong>de</strong> per<strong>de</strong>rá<br />
(e até publicar o primeiro livro escreverá<br />
uns 30, enca<strong>de</strong>rnados e encapados pela<br />
mãe).<br />
Quando o barco chega, tem oito anos.<br />
Pisa então África, vai viver na zona do<br />
antigo Biafra. O pai trabalha incansavelmente,<br />
trata dos leprosos, dos miseráveis.<br />
É aquele homem décadas <strong>de</strong>pois<br />
evocado em dois livros não traduzidos<br />
em Portugal, “Onitsha” e “L’Africain”.<br />
De volta a Nice, com toda a família reunida,<br />
a regra <strong>de</strong>sse pai continuará a ser<br />
a parcimónia. É ele quem o põe do lado<br />
dos pobres, há-<strong>de</strong> sugerir <strong>Le</strong> Clézio, que<br />
escreverá <strong>de</strong> muitas formas sobre isto:<br />
“Detesto o dinheiro. O dinheiro é o gosto<br />
das coisas fúteis, é a possessão <strong>de</strong>rrisória,<br />
é também o medo <strong>de</strong> o per<strong>de</strong>r.”<br />
Um embrião já da i<strong>de</strong>ia índia <strong>de</strong> que<br />
é preciso viver na beleza sem a possuir.<br />
Ainda na infância, oferecem-lhe um<br />
livro sobre os aztecas, princípio <strong>de</strong> um<br />
amor irreversível. Depois lê Salinger.<br />
Desiste <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>senhador <strong>por</strong> não ser<br />
bom o bastante, mas não <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar.<br />
“Entre 1970<br />
e 1974, tive a<br />
sorte <strong>de</strong> partilhar<br />
a vida<br />
dum povo<br />
ameríndio, os<br />
Emberas, e os<br />
seus primos,<br />
os Waunanas,<br />
na província<br />
<strong>de</strong> Darién, no<br />
Panamá, experiência<br />
que<br />
mudou toda<br />
a minha vida,<br />
as minhas<br />
i<strong>de</strong>ias sobre o<br />
<strong>mundo</strong> e sobre<br />
a arte, a minha<br />
forma <strong>de</strong><br />
estar com os<br />
outros, <strong>de</strong> andar,<br />
<strong>de</strong> comer,<br />
<strong>de</strong> dormir, <strong>de</strong><br />
amar, e até os<br />
meus sonhos”<br />
Em “La fête<br />
chantée”<br />
Big bang<br />
Estudante contrafeito, indisciplinado,<br />
<strong>Le</strong> Clézio acaba <strong>por</strong> se formar em letras<br />
com uma tese sobre Henri Michaux. É o<br />
tempo da guerra na Argélia, do “Estrangeiro”<br />
<strong>de</strong> Camus, do “Nouveau Roman”<br />
nos cafés. Aos 20 anos, Jean-Marie Gustave<br />
escreve incansavelmente, casa com<br />
uma franco-polaca <strong>de</strong> quem tem a sua<br />
primeira filha e envia um romance chamado<br />
“<strong>Le</strong> Procès-verbal” (“O Processo<br />
<strong>de</strong> Adão Pollo”, na tradução <strong>por</strong>tuguesa,<br />
Europa-América) para a Gallimard, assinando<br />
como sempre fará, J.M.G. <strong>Le</strong><br />
Clézio.<br />
Big bang. Centrado na figura <strong>de</strong> um<br />
homem que se arrasta <strong>por</strong> uma cida<strong>de</strong><br />
sufocante, “<strong>Le</strong> Procès-verbal” não ganha<br />
o Gouncourt <strong>por</strong> um triz mas ganha o<br />
Renaudot. O pai ouve a notícia pela rádio<br />
e empurra o filho para Paris. <strong>Le</strong> Clézio<br />
aterra entre os “flashes”, como um totem<br />
ofuscante, fotogénico. Ele é o acontecimento<br />
— e <strong>de</strong>testa.<br />
“A notorieda<strong>de</strong> é muito aborrecida”,<br />
explicou mais tar<strong>de</strong>. “Ser <strong>de</strong>masiado<br />
solicitado, jantar fora todas as noites,<br />
conhecer <strong>de</strong>masiadas pessoas…” Custalhe<br />
falar, exprimir-se entre estranhos — e<br />
basta ver o ví<strong>de</strong>o da sua entrevista à Aca<strong>de</strong>mia<br />
sueca para perceber como isso<br />
ainda está lá.<br />
“A linguagem falada po<strong>de</strong> ser uma<br />
traição, uma exposição <strong>de</strong> nós mesmos”,<br />
apren<strong>de</strong>rá. “Os po<strong>de</strong>res do silêncio, o<br />
homem índio conhece-os <strong>de</strong> instinto.”<br />
Em 1968 faz o serviço militar como<br />
cooperante na Tailândia, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é<br />
expulso <strong>por</strong> <strong>de</strong>nunciar a prostituição<br />
infantil. Mandam-no para o México classificar<br />
fichas <strong>de</strong> biblioteca no Instituto<br />
Francês e ele aproveita para ler. É então<br />
que lê Artaud entre os Tarahumaras.<br />
Mergulha nos índios.<br />
De volta a França, continua a escrever<br />
sobre o mal nas cida<strong>de</strong>s, com elogios <strong>de</strong><br />
Foucault e Deleuze, entre pesquisas<br />
sobre Lautréamont, mas é para os índios<br />
que se quer voltar, em busca <strong>de</strong> outro<br />
saber. “Eu precisava <strong>de</strong> um choque físico.<br />
Queria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser alguém puramente<br />
cerebral.” Isso alimentaria o que estava<br />
<strong>por</strong> escrever.<br />
E então?<br />
“Entre 1970 e 1974, tive a sorte <strong>de</strong> partilhar<br />
a vida dum povo ameríndio, os<br />
Emberas, e os seus primos, os Waunanas,<br />
na província <strong>de</strong> Darién, no Panamá,<br />
experiência que mudou toda a minha<br />
10 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Uma aventura,<br />
em <strong>por</strong>tuguês<br />
Há uma espécie <strong>de</strong> “êxtase material” em <strong>Le</strong> Clézio. O autor recua para o interior,<br />
é aquilo que está a escrever, não comenta, vive. Alexandra Lucas Coelho<br />
Ele diz sempre<br />
que não precisa<br />
<strong>de</strong> um<br />
escritório<br />
para escrever.<br />
Esta é uma das<br />
mesas on<strong>de</strong><br />
escreve, em<br />
Nice<br />
É provável que <strong>Le</strong> Clézio - que fala<br />
espanhol, além <strong>de</strong> francês, inglês,<br />
dialectos ameríndios e um pouco<br />
<strong>de</strong> crioulo da Maurícia - consiga ler<br />
<strong>por</strong>tuguês. Mas quer as conheça<br />
ou não, tem razões para saudar a<br />
fortuna <strong>de</strong> algumas traduções suas<br />
em Portugal.<br />
Talvez tudo tenha começado com<br />
“Deserto”, traduzido <strong>por</strong> Fernanda<br />
Botelho (Dom Quixote, 1986).<br />
Escrito <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter viajado<br />
com a sua mulher marroquina,<br />
Jemia, pelas paisagens <strong>de</strong><br />
Saguiet el Hamra, em busca dos<br />
antepassados <strong>de</strong>la, “Deserto” tem<br />
como protagonista Lalla, uma<br />
nativa <strong>de</strong>sse outro lado que para os<br />
europeus é o Norte <strong>de</strong> África. Lalla<br />
nasce à beira-mar, numa pobreza<br />
<strong>de</strong> barracos com zinco e papel<br />
alcatroado, on<strong>de</strong> a chuva tilinta, e<br />
<strong>Le</strong> Clézio faz viver esse outro lado<br />
como se nunca tivesse conhecido<br />
vida diferente. Esta é a parte<br />
chamada “Felicida<strong>de</strong>”. Depois há a<br />
parte chamada “A vida na terra dos<br />
escravos”: Lalla na gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Marselha, que é o outro lado<br />
para os norte-africanos - imigração,<br />
humilhação, solidão, violência.<br />
Mas intercalada ao longo da<br />
história <strong>de</strong> Lalla está a caminhada<br />
dos seus antepassados no começo<br />
do século XX, os homens, mulheres<br />
e crianças que seguem Ma Al<br />
Ainine, o homem santo, <strong>de</strong>cidido a<br />
resistir ao invasor francês. Sabemos<br />
como a História acaba - todos<br />
chacinados em Agadir - mas não<br />
sabíamos o que foi essa caminhada.<br />
Como quase sempre em <strong>Le</strong><br />
Clézio - e roubando um título seu -,<br />
“Deserto” é uma espécie <strong>de</strong> “êxtase<br />
material”, em que as palavras<br />
dão o que os sentidos sentem. O<br />
autor está tão recuado no interior<br />
das personagens que ninguém<br />
Como quase sempre<br />
em <strong>Le</strong> Clézio - e<br />
roubando um título<br />
seu -, “Deserto” é uma<br />
espécie <strong>de</strong> “êxtase<br />
material”, em que as<br />
palavras dão o que os<br />
sentidos sentem.<br />
O autor está tão<br />
recuado no interior<br />
das personagens que<br />
ninguém se lembra<br />
que ele existe. O autor<br />
é aquilo que está<br />
a escrever, e <strong>por</strong>tanto<br />
não comenta, vive<br />
se lembra que ele existe. O autor<br />
é aquilo que está a escrever, e<br />
<strong>por</strong>tanto não comenta, vive. Inchalhe<br />
a língua, diz o nome nómada das<br />
estrelas, sente a água fria <strong>de</strong>pois<br />
da água quente no “hammam” das<br />
mulheres, o primeiro amante entra<br />
nele. O autor vai aos do outro lado da<br />
colina e <strong>de</strong>volve-lhes a dignida<strong>de</strong>, ao<br />
experimentar ser eles.<br />
Arte poética<br />
Do belo ensaio que <strong>Le</strong> Clézio<br />
<strong>de</strong>dicou a Henri Michaux (“Vers<br />
les icebergs”, Fata Morgana, 1978),<br />
Herberto Hel<strong>de</strong>r mudou para<br />
<strong>por</strong>tuguês “Um poema (Iniji) que<br />
não é como os outros” (“As Magias”,<br />
Assírio & Alvim, 1988) - e é toda uma<br />
arte poética.<br />
No ano seguinte, Júlio Henriques<br />
traduziu para a “Fenda” (com o título<br />
“Indio Branco”) o livro que <strong>Le</strong> Clézio<br />
trouxe da sua primeira estadia com<br />
os índios no Panamá, “Haï”, reflexão<br />
crítica do que é o encontro oci<strong>de</strong>ntal<br />
com o <strong>mundo</strong> índio - um “marchand”<br />
envia os seus caçadores e um<br />
objecto <strong>de</strong> arte torna-se uma arma.<br />
Depois, 1994 foi quase um ano <strong>Le</strong><br />
Clézio.<br />
Com tradução <strong>de</strong> Manuel Alberto<br />
saiu na Relógio d’Água “Diego e<br />
Frida”, uma biografia apaixonante<br />
e inteiramente lúcida. O mimetismo<br />
agudo <strong>de</strong> <strong>Le</strong> Clézio não tem nada<br />
<strong>de</strong> hagiográfico. Aqui está Diego,<br />
aqui está Frida, aqui está um amor<br />
monstruoso, aqui está o México.<br />
E em “Estrela Errante”, que Maria<br />
do Carmo Abreu traduziu para<br />
a Dom Quixote, é a Europa que<br />
emerge, a Europa da II Guerra, on<strong>de</strong><br />
os ju<strong>de</strong>us são menos que pessoas, e<br />
<strong>de</strong>pois a Eretz Israel que se fez com<br />
todos esses europeus que a Europa<br />
não quis - entre os árabes que já lá<br />
estavam, e passaram a não ter lugar.<br />
O livro acompanha Esther, e após<br />
o momento em que ela se cruza<br />
com a palestiniana Nejma há-<strong>de</strong><br />
acompanhar Nejma.<br />
Aqui estão os comboios do<br />
Holocausto, as fugas pelas<br />
montanhas, o frio, a morte dos velhos<br />
e dos fracos, a esperança <strong>de</strong> um<br />
barco que não seja capturado pelos<br />
ingleses até Eretz Israel, aqui estão<br />
os “kibbutz”, o país novo. E aqui está<br />
a súbita <strong>de</strong>spossessão <strong>de</strong> quem vivia<br />
das oliveiras e das cabras, e se viu<br />
arrancado ao presente e ao futuro,<br />
à espera da peste e da morte num<br />
campo <strong>de</strong> refugiados miserável,<br />
cada vez mais cheio.<br />
Como sempre em <strong>Le</strong> Clézio, o<br />
paraíso coexiste com o inferno,<br />
como um amor que <strong>de</strong>sperta no<br />
meio da guerra entre dois fugitivos<br />
que se alimentam <strong>de</strong> uma cabra a<br />
amamentar, e quando se <strong>de</strong>itam é<br />
como se mais nada existisse.<br />
Em “O Caçador <strong>de</strong> Tesouros”,<br />
ainda <strong>de</strong> 1994, também pulsam<br />
esses instantes genesíacos,<br />
momentos <strong>de</strong> Paulo e Virgínia<br />
nos primeiros tempos da criação,<br />
crianças a caminho <strong>de</strong> adultos<br />
cercados <strong>por</strong> uma natureza<br />
prodigiosa, brutal.<br />
Aqui começam <strong>por</strong> ser dois<br />
irmãos, Alexis e Laura, com mãe e<br />
pai numa casa encantada. A mãe<br />
ensina a ler, o amigo indígena<br />
ensina a andar <strong>de</strong> barco, mas<br />
tudo po<strong>de</strong> a qualquer momento<br />
ser arrancado, como o telhado<br />
da casa <strong>por</strong> um ciclone, ou a vida<br />
dos que mandam pela fúria dos<br />
que obe<strong>de</strong>cem e têm fome. Lá<br />
em cima na montanha, longe da<br />
costa, moram os “manaf”, aqueles<br />
que <strong>de</strong>itariam ouro ao mar se o<br />
encontrassem - como o anel na<br />
barriga do tubarão, que aparece<br />
em “Deserto”. Mas os oci<strong>de</strong>ntais<br />
não são assim, têm um sangue <strong>de</strong><br />
garimpeiros, e Alexis quase morrerá<br />
<strong>por</strong> causa disso. Quando não é o<br />
ouro, é a guerra, essa febre.<br />
Um dos escritores <strong>de</strong> quem <strong>Le</strong><br />
Clézio falou no seu discurso Nobel<br />
foi Wilfried Owen, e são os poemas<br />
<strong>de</strong> Wilfried Owen que ecoam nas<br />
páginas terríveis em que “O Caçador<br />
<strong>de</strong> Tesouros” revive as trincheiras<br />
da I Guerra.<br />
Recentemente, além <strong>de</strong> “Raga”<br />
(ver texto principal), saíram “O<br />
Processo <strong>de</strong> Adão Pollo” (tradução<br />
<strong>de</strong> Manuel Villaver<strong>de</strong> Cabral<br />
na Europa-América) e “A Febre”<br />
(tradução <strong>de</strong> Liberto Cruz na<br />
Ulisseia). Mais interessante para<br />
quem quiser conhecer o percurso<br />
do autor do que interessante em<br />
si, a atmosfera cerebral, sufocante<br />
<strong>de</strong>stes dois primeiros livros<br />
sobrevive mal, 45 anos <strong>de</strong>pois.<br />
<strong>Le</strong> Clézio sentia que precisava<br />
<strong>de</strong> um choque físico e foi viver<br />
com os índios. Tinha razão. A sua<br />
verda<strong>de</strong>ira aventura começou aí.<br />
Armário <strong>de</strong><br />
uma das<br />
bibliotecas<br />
que ele herdou<br />
dos avós<br />
maurícios<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 11
<strong>Le</strong> Clézio não é<br />
um viajante<br />
do improviso,<br />
prepara cuidadosamente<br />
cada viagem<br />
vida, as minhas i<strong>de</strong>ias sobre o <strong>mundo</strong><br />
e sobre a arte, a minha forma <strong>de</strong> estar<br />
com os outros, <strong>de</strong> andar, <strong>de</strong> comer, <strong>de</strong><br />
dormir, <strong>de</strong> amar, e até os meus sonhos”,<br />
escreveu em “La fête chantée”.<br />
“Esse mergulho <strong>de</strong>ixou-me mudo<br />
durante anos”, acrescentou numa<br />
entrevista. “Tinha tudo para apren<strong>de</strong>r,<br />
ou seja, a reapren<strong>de</strong>r. Como <strong>de</strong>sfazerme<br />
do meu ego, respeitar o silêncio,<br />
praticar essa espécie <strong>de</strong> recuo permanente<br />
que é a forma mais elaborada <strong>de</strong><br />
humor.”<br />
O lugar dos índios é “on<strong>de</strong> o próprio<br />
momento da criação parece ainda próximo”.<br />
Até ao fim dos anos 70, <strong>Le</strong> Clézio viaja<br />
pelo México, traduz textos sagrados<br />
maias, apren<strong>de</strong> navajo. Candidata-se a<br />
investigador do CNRS (Centre National<br />
<strong>de</strong> La Recherche Scientifique), mas<br />
recusam-no <strong>por</strong> não ter competências<br />
suficientes nas civilizações ameríndias.<br />
Só uma década mais tar<strong>de</strong> o resultado<br />
das suas pesquisas — partilhadas, <strong>por</strong><br />
exemplo em “<strong>Le</strong> rêve méxicain” — receberá<br />
um carimbo académico.<br />
E só no começo dos anos 80, com<br />
“Mondo et autres histoires” e <strong>de</strong>pois o<br />
magnífico “Deserto” (tradução <strong>de</strong> Fernanda<br />
Botelho na Dom Quixote), voltará<br />
a ter muitos leitores, o que lhe permite<br />
ter dinheiro para viajar e escrever, e<br />
sentir que não está isolado — <strong>por</strong>que,<br />
acredita ele, “a leitura é activa” e um<br />
escritor precisa <strong>de</strong> leitores.<br />
O <strong>de</strong>serto e o mar<br />
No fim dos anos 60, J.M.G. conhece a<br />
marroquina Jemia, com quem casará em<br />
1975 e continuará a sua prole <strong>de</strong> filhas.<br />
Hão-<strong>de</strong> viajar e escrever livros em conjunto.<br />
E, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, Jemia será a <strong>de</strong>scoberta<br />
<strong>de</strong> Marrocos e do <strong>de</strong>serto, em<br />
Saguiet el Hamra, terra dos seus antepassados.<br />
Eis o eixo central <strong>de</strong> “Deserto”, em<br />
que caravanas <strong>de</strong> nómadas resistentes<br />
à invasão colonial caminham tão vividamente<br />
que é possível sentir o <strong>de</strong>lírio do<br />
sol, a água suja <strong>de</strong> lama, as plantas, as<br />
pedras, o sangue nos pés, o caminho das<br />
estrelas quando chega a noite, se arma<br />
a tenda e os homens tocam música.<br />
Escrever, diz <strong>Le</strong> Clézio, “é ir ver o<br />
outro lado da colina”. Poucos escritores<br />
terão alcançado esta forma mimética<br />
<strong>de</strong> dar a ver o outro lado como se<br />
ele fosse eles — a rapariga que dá à luz<br />
num barranco <strong>de</strong> excrementos, o soldado<br />
que sente um líquido quente na<br />
cara e <strong>de</strong>scobre que <strong>por</strong> cima <strong>de</strong> si<br />
estão todos mortos, o cigano a ser atropelado<br />
<strong>por</strong> um autocarro quando ia a<br />
fugir <strong>de</strong> uns polícias numa gran<strong>de</strong><br />
cida<strong>de</strong>, a melanésia que acen<strong>de</strong> o fogo<br />
na piroga para fumar carne <strong>de</strong> <strong>por</strong>co,<br />
os cortadores <strong>de</strong> cana a atirarem um<br />
capataz para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma fornalha,<br />
as víboras que se enlaçam, o cabrito<br />
entre as bombas, um ciclone a vir do<br />
mar, a árvore a que chamamos do bem<br />
e do mal.<br />
As ruas da<br />
parte velha <strong>de</strong><br />
Nice. À<br />
direita, um<br />
dos <strong>de</strong>senhos<br />
do escritor,<br />
que quis ser<br />
autor <strong>de</strong><br />
Banda Desenhada<br />
Cada ser, cada coisa existem digna e<br />
inteiramente, no êxtase e na brutalida<strong>de</strong>.<br />
Tudo em <strong>Le</strong> Clézio é percepção extrema,<br />
humana. Nada é cínico.<br />
“Sou incapaz <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> mim mesmo<br />
<strong>de</strong> outra forma que não a ficção, <strong>por</strong>que<br />
creio que sou <strong>de</strong>masiado pessimista e<br />
tenho um <strong>de</strong>sgosto profundo pelo ‘eu’”,<br />
disse recentemente. “Ao escrever tenho<br />
a sensação que ‘eu’ não escon<strong>de</strong> nada.<br />
Então, vamos escavar, mas para escavar<br />
vamos encontrar personagens que possam<br />
substituir este ‘eu’.”<br />
A escrita é “um pouco dança”, ou o<br />
“Boléro” <strong>de</strong> Ravel que a mãe tocava ao<br />
piano em Nice, e que para <strong>Le</strong> Clézio é<br />
uma memória <strong>de</strong> guerra — aquele vazio<br />
angustiante em que a música subitamente<br />
acaba, como se o chão se tivesse<br />
abatido sob os pés, como o vazio antes<br />
da guerra.<br />
Para saber quem é, tem que sair <strong>de</strong> si,<br />
pôr-se noutras vidas. Por isso, diz, não<br />
escreverá memórias.<br />
Mas cada vez mais, nos anos 80 e 90,<br />
as suas histórias imaginadas são trabalho<br />
<strong>de</strong> memória, voltando aos pontos <strong>de</strong><br />
partida — a infância, a guerra, a viagem,<br />
a família.<br />
“Para compreen<strong>de</strong>r, para adivinhar o<br />
segredo que escon<strong>de</strong> o <strong>mundo</strong> industrial<br />
mo<strong>de</strong>rno em que estou, tenho que me<br />
virar para outro <strong>mundo</strong>. É, à vez, a Nice<br />
da guerra e a plantação <strong>de</strong> açúcar, as<br />
ilhas <strong>de</strong> açúcar sobre as quais se fundou<br />
a prosperida<strong>de</strong> da Europa.” Em Nice,<br />
quando ele era pequeno, havia uma<br />
mendiga que cantava uma “ritournelle”<br />
até lhe atirarem uma moeda. Vem daí o<br />
título do seu último romance, “Ritournelle<br />
<strong>de</strong> la faim” (que a Dom Quixote<br />
prevê editar em Julho).<br />
Em 1981, <strong>Le</strong> Clézio viajou finalmente<br />
pelas Ilhas Maurícias e teve a certeza <strong>de</strong><br />
que aquela era a sua “pequena pátria”.<br />
Mantém dupla nacionalida<strong>de</strong>, e fez questão<br />
<strong>de</strong> receber o Nobel assim. “Quando<br />
chego lá, sinto que cheguei a casa.”<br />
Chega, mas não fica, como não ficou<br />
na glória dos 23 anos. Continua a dizer<br />
que o que sente é inquietação. Em<br />
“L’Inconnu sur la terre” escreveu: “Não<br />
procuro um <strong>de</strong>us, mas um homem; não<br />
procuro um paraíso mas uma terra.”<br />
Sabe que não é a terra que pertence ao<br />
homem, mas o homem à terra.<br />
A sua forma <strong>de</strong> vida é uma espécie <strong>de</strong><br />
ser nómada. E o que um nómada faz é<br />
recomeçar.<br />
“Ali estaria<br />
sempre a nossa<br />
casa, um<br />
pouco inclinada<br />
<strong>de</strong>pois<br />
da passagem<br />
do furacão,<br />
com o telhado<br />
pintado<br />
cor <strong>de</strong> céu e<br />
as lianas que<br />
teriam invadido<br />
a varanda.<br />
O jardim<br />
seria mais<br />
selvagem, e<br />
haveria sempre,<br />
perto<br />
da ravina, a<br />
gran<strong>de</strong> árvore<br />
do bem e do<br />
mal on<strong>de</strong> as<br />
aves se juntam<br />
antes <strong>de</strong><br />
anoitecer”<br />
Em<br />
“O Caçador<br />
<strong>de</strong> Tesouros”<br />
12 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
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22:00 SALA 2<br />
Clássicos do jazz cantado e temas originais<br />
do novo disco do pianista André Sarbib,<br />
, em apresentação na Casa da Música<br />
<strong>por</strong> músicos <strong>de</strong> topo do jazz nacional.<br />
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DOM <br />
22:00 SALA SUGGIA<br />
cultur al<br />
encontros<br />
culti<strong>de</strong>ias ®<br />
A celebração da música popular brasileira<br />
num sabor inspirado <strong>de</strong> samba e jazz.<br />
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JAQUES MORELENBAUM <br />
RICARDO SILVEIRA <br />
BILL FRISELL <br />
VINICIUS CANTUÁRIA /<br />
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DANIEL ROCHA<br />
David Machado<br />
Livros<br />
14 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
À procura da fissura<br />
na cabeça das pessoas<br />
Dezasseis contos em que os protagonistas se colocam<br />
em situações insólitas: são as “Histórias Possíveis” <strong>de</strong><br />
David Machado, Prémio Branquinho da Fonseca e um<br />
talento raro <strong>de</strong> contador <strong>de</strong> histórias. João Bonifácio<br />
fotografia :: margarida dias | <strong>de</strong>sign :: vasco lopes<br />
Um homem que <strong>por</strong> amor procura<br />
<strong>de</strong>sesperadamente ser costurado.<br />
Uma mulher que já idosa arruína a<br />
vida com a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um prazer<br />
após uma vida inteira <strong>de</strong> ascetismo.<br />
Um rapaz que <strong>de</strong>strói a vida ao perseguir<br />
a memória do pai, esquecida <strong>por</strong><br />
insistir em respeitar a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste<br />
<strong>de</strong> não ser fotografado. Um génio da<br />
música que abandona o seu talento<br />
inato para viver sossegadamente atrás<br />
<strong>de</strong> uma secretária. Um negociante que<br />
vê o amor como um negócio, até que<br />
a falência do seu corpo lhe torna a<br />
i<strong>de</strong>ia do amor insu<strong>por</strong>tável.<br />
Estas são algumas das personagens<br />
que surgem em “Histórias Possíveis”,<br />
livro <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> David Machado que,<br />
sem nunca ser verda<strong>de</strong>iramente “fantástico”,<br />
respira essa atmosfera.<br />
Machado não gosta do termo “fantástico”<br />
mesmo que enquanto leitor aprecie<br />
o género. Ele gosta <strong>de</strong> cultores do<br />
“fantástico”, como Adolfo Bioy Casares,<br />
mas os seus escritores <strong>de</strong> eleição são<br />
mestres como Gabriel García Marquéz<br />
ou Mario Vargas Llosa. E prefere realçar<br />
que em cada um <strong>de</strong>stes contos há um<br />
acontecimento estranho.<br />
Cinco escassas páginas é a duração<br />
<strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>stas histórias, com a<br />
excepção das duas finais, que se esten<strong>de</strong>m<br />
até gigantescas nove. O uso <strong>de</strong>sta<br />
exacta dimensão - que implica contenção<br />
e compressão em cada texto - não<br />
foi ocasional, mas também não correspon<strong>de</strong>u<br />
a uma <strong>de</strong>scoberta literária da<br />
medida exacta a usar num conto.<br />
“O primeiro conto”, conta David, a<br />
comer um pastel <strong>de</strong> nata num café<br />
pacato na zona <strong>de</strong> Xabregas, <strong>Lisboa</strong>,<br />
“apareceu há uns anos quando um<br />
amigo ia fazer um suplemento para<br />
um jornal. Ele convidou-me a ocupar<br />
um espaço nesse suplemento com um<br />
conto <strong>de</strong>stas dimensões”. David escreveu-lhe<br />
“dois contos, com o mesmo<br />
tamanho”, mas <strong>de</strong>pois “o suplemento<br />
não avançou”. Só que entretanto<br />
Machado tinha gostado “bastante <strong>de</strong><br />
escrever aqueles textos”, cujas i<strong>de</strong>ias<br />
foi “buscar a um ca<strong>de</strong>rno que anda<br />
sempre comigo, em que aponto coisas”,<br />
<strong>por</strong> isso resolveu voltar com<br />
regularida<strong>de</strong> às i<strong>de</strong>ias esquecidas no<br />
ca<strong>de</strong>rno e manter a mesma passada<br />
em cada conto.<br />
É esta a génese <strong>de</strong> “Histórias Possíveis”,<br />
o livro em que David Machado se<br />
estreia nos contos. Não é, no entanto,<br />
a sua primeira obra, e apesar <strong>de</strong> novo<br />
(tem 30 anos) já teve algum reconhecimento<br />
- que <strong>de</strong>ve às crianças: ganhou<br />
o Prémio Branquinho da Fonseca (não<br />
<strong>por</strong> acaso, um contista <strong>de</strong> excepção)<br />
em 2005 com “A Noite dos Animais<br />
Inventados”, um livro infantil. Depois<br />
continuou a escrever livros para crianças<br />
enquanto tentava uma incursão<br />
pelos caminhos do fantástico, com “O<br />
Fabuloso Teatro do Gigante”, romance<br />
publicado em 2006.<br />
“O romance ven<strong>de</strong>u miseravelmente”,<br />
atira, sem ro<strong>de</strong>ios, o escritor.<br />
É um tipo <strong>de</strong> estatura média, largo <strong>de</strong><br />
ombros, com um brinco na orelha e<br />
ainda alguma cara <strong>de</strong> miúdo, que fala<br />
com relativo à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> tudo -<br />
<strong>de</strong>sempoeirado e sem peneiras, notase-lhe<br />
amor às histórias. Com facilida<strong>de</strong><br />
discorre sobre as suas i<strong>de</strong>ias<br />
“O que me interessa é<br />
como aquilo que não<br />
existe po<strong>de</strong><br />
influenciar o que<br />
existe. Como é que a<br />
cabeça das pessoas<br />
aceita aquilo que é<br />
imaginação ao ponto<br />
<strong>de</strong> acreditar nisso”<br />
literárias, como lhe surgem, como as<br />
trabalha, como <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que fazer<br />
com elas. Passa algum tempo a dizer<br />
que dá valor à estrutura, a explicar<br />
como procura “saber <strong>de</strong>finir os<br />
momentos do conto”. Não tenta dourar<br />
a pílula citando e recitando autores<br />
ou tentando mostrar erudição: nitidamente,<br />
ele tem prazer em conversar<br />
e pensa pela sua cabeça.<br />
Histórias da al<strong>de</strong>ia<br />
Passou os últimos anos a “ir falar a escolas<br />
com miúdos” e o que conta aos miúdos<br />
é esclarecedor da sua forma <strong>de</strong><br />
encarar a literatura: “Eu gosto <strong>de</strong> histórias.<br />
Quando vou falar com os miúdos<br />
começo <strong>por</strong> dizer exactamente isso:<br />
antes <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> escrever já gostava<br />
<strong>de</strong> histórias, <strong>de</strong> as ouvir, <strong>de</strong> as ver na<br />
televisão, no cinema, <strong>de</strong> as inventar<br />
para mim antes <strong>de</strong> dormir, quando era<br />
miúdo.” O melhor que a literatura lhe<br />
trouxe, foi “conseguir que as histórias<br />
dissessem mais do que eu pensava que<br />
podiam dizer”.<br />
Como foi escrito lá atrás, todas estas<br />
histórias são marcadas não <strong>por</strong> um<br />
imaginário fantástico, mas pelo menos<br />
pelo insólito: algo que as pessoas causam<br />
a si mesmas (ou às outras) sem<br />
consciência da consequência dos seus<br />
actos. “Sou muito racional e nada<br />
dado a superstições”, confessa David.<br />
“Por isso não posso dizer que o fantástico<br />
influencie a minha vida. O que<br />
me interessa é como aquilo que não<br />
existe po<strong>de</strong> influenciar o que existe.<br />
Como é que a cabeça das pessoas<br />
aceita aquilo que é imaginação ao<br />
ponto <strong>de</strong> acreditar nisso.”<br />
David dá o exemplo dos velhos nas<br />
al<strong>de</strong>ias. “As histórias que os velhos<br />
contam vão passando <strong>de</strong> gente em<br />
gente até que fazem parte da própria<br />
al<strong>de</strong>ia.” Ele pára <strong>por</strong> um pouco e continua:<br />
“Se um velho acredita em fantasmas,<br />
se calhar diz uma ladainha<br />
antes <strong>de</strong> ir para a cama. Aquilo tornouse<br />
a sua realida<strong>de</strong>.”<br />
Machado sabe do que fala quando<br />
menciona o exemplo da al<strong>de</strong>ia. O seu<br />
primeiro romance passava-se em<br />
Lagares, al<strong>de</strong>ia imaginária que agora<br />
retorna num dos contos <strong>de</strong> “Histórias<br />
Possíveis”, mas baseada em Ruivães,<br />
al<strong>de</strong>ia da avó, a que ainda regressa<br />
“pelo menos uma vez <strong>por</strong> ano, nas<br />
férias”, e on<strong>de</strong> passou “muito tempo”<br />
em miúdo, apesar <strong>de</strong> ser lisboeta. Esse<br />
universo interessa-lhe: “Tenho muitas<br />
histórias que partem <strong>de</strong> histórias que<br />
ouvi na al<strong>de</strong>ia on<strong>de</strong> a minha avó nasceu”,<br />
conta. No entanto, as histórias<br />
<strong>de</strong> “Histórias Possíveis” estão localizadas<br />
na cida<strong>de</strong>. (Embora não seja<br />
especificada, bem como o intervalo<br />
tem<strong>por</strong>al em que <strong>de</strong>correm. David<br />
também passa algum tempo a justificar<br />
estas opções, com a “liberda<strong>de</strong> do<br />
leitor para imaginar”.) Há uma boa<br />
razão para isso: “A maior parte <strong>de</strong>stas<br />
histórias surgiram <strong>de</strong> algo que me contaram<br />
ou que eu vi e tudo o que me<br />
contaram passava-se na cida<strong>de</strong>.”<br />
O que David faz neste livro é “pôr<br />
situações”. “Não precisamos <strong>de</strong> mais<br />
que uma situação para <strong>de</strong>finirmos uma<br />
faceta do ser humano”, diz, e <strong>de</strong>pois<br />
exemplifica com “A costura <strong>de</strong> Clemente”,<br />
conto em que um homem<br />
acaba a tentar ser costurado. “Eu estava<br />
na Argentina quando tive essa i<strong>de</strong>ia. Vi<br />
numa janela uma tabuleta a dizer:<br />
‘Fazem-se costuras’ e veio-me a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> um homem que ia a essa loja fazer<br />
uma costura no próprio corpo.” Neste<br />
caso: “O que é que levaria um homem<br />
a fazer uma costura no corpo?” Isto, diz<br />
David, faz a sua cabeça ir “a lugares<br />
on<strong>de</strong> normalmente não iria”.<br />
Alvos e coelhos<br />
Começar com uma imagem ou uma<br />
i<strong>de</strong>ia e <strong>de</strong>pois tentar adivinhar o que<br />
leva a essa imagem ou i<strong>de</strong>ia foi o<br />
método utilizado em cada uma <strong>de</strong>stas<br />
histórias. Depois do dois contos iniciais,<br />
David sabia que lhe interessava<br />
contá-las, <strong>por</strong>que lhe agrada a “brevida<strong>de</strong><br />
do conto”. Nos romances, diz,<br />
“<strong>por</strong> vezes nota-se que há texto a mais.<br />
No conto tem <strong>de</strong> se ser mais certeiro”.<br />
Depois pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa <strong>por</strong> já ter usado<br />
esta imagem numa entrevista antiga,<br />
mas repete-a <strong>por</strong>que lhe agrada: “O<br />
conto é acertar no alvo e o romance é<br />
caçar coelhos: po<strong>de</strong>s falhar muito<br />
tiros, im<strong>por</strong>ta é que acertes um.”<br />
O tamanho que se impôs viciou-o,<br />
ao ponto <strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acabar o livro,<br />
ter dificulda<strong>de</strong> em escrever textos<br />
mais extensos. David, note-se, é um<br />
trabalhador que se senta “à secretária<br />
todos os dias, nem que seja para escrever<br />
uma frase, nem que seja para apagar<br />
a frase” que escreveu. Ele lê “tanto<br />
romance como conto” e quer “continuar<br />
a escrever romances”, mas “se<br />
tivesse <strong>de</strong> escolher” só um género<br />
“escrevia só contos”. Infelizmente,<br />
acrescenta, “os contos não ven<strong>de</strong>m<br />
muito”, o que lhe parece estranho<br />
“<strong>por</strong>que o conto encaixa naturalmente<br />
na vida das pessoas”.<br />
A finalizar pedimos-lhe uma possível<br />
<strong>de</strong>finição do livro ou <strong>de</strong>stas gentes<br />
que o povoam. Após uma pausa ele<br />
atira-se à tarefa com requinte: “Neste<br />
livro há fissuras na cabeça das pessoas:<br />
são pessoas que num <strong>de</strong>terminado<br />
momento da sua vida têm um<br />
pensamento ou com<strong>por</strong>tamento ligeiramente<br />
diferente do que é normal.”<br />
Depois acrescenta uma frase que lida<br />
e relida diz bem mais da fragilida<strong>de</strong><br />
do ser humano do que à primeira leitura<br />
po<strong>de</strong> parecer: “As fissuras no real<br />
só existem <strong>por</strong>que a cabeça das pessoas<br />
permitem que exista.”<br />
Ver crítica <strong>de</strong> livros pág. 31 e segs.<br />
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P ROJECTO<br />
E DUCATIVO<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 15
Livros<br />
RUI GAUDÊNCIO<br />
Doors<br />
Rui Pedro Silva viu “Contigo torno-me real” premiado no Festival do Livro<br />
<strong>de</strong> Londres. Livro <strong>de</strong> fã, não <strong>de</strong> fanático, diz. Eduarda Sousa<br />
Não está vestido <strong>de</strong> couro preto. Também<br />
não vem com cigarro na mão. E<br />
muito menos com t-shirt dos Doors ou<br />
<strong>de</strong> Jim Morrison. Depois <strong>de</strong> ter escrito<br />
uma tese <strong>de</strong> licenciatura sobre Jim Morrison<br />
e <strong>de</strong> ter passado sete anos a investigar<br />
e a escrever um livro <strong>de</strong>dicado ao<br />
grupo, Rui Pedro Silva, 32 anos, não é<br />
o típico admirador que traz os ídolos<br />
no corpo, roupa ou gestos. Nele encontramos<br />
apenas um traço exterior que<br />
lembra Morrison: o cabelo pelos<br />
ombros, corte semelhante ao do Rei<br />
Lagarto. Não precisa <strong>de</strong> mais nada <strong>por</strong>que<br />
a banda já está gravada no seu ADN,<br />
explica ao Ípsilon.<br />
A versão nacional <strong>de</strong> “Contigo<br />
torno-me real” foi editada em 2003,<br />
pela Afrontamento. Em 2008, o autor<br />
reeditou o livro, numa versão internacional,<br />
que ganhou no mês passado<br />
menção honrosa (área não-ficção) no<br />
Festival do Livro <strong>de</strong> Londres. “Não é<br />
mais um livro sobre os Doors. É um<br />
Português à <strong>por</strong>ta dos<br />
novo livro sobre o grupo”, assegura<br />
Rui Pedro Silva que consi<strong>de</strong>ra as obras<br />
existentes <strong>de</strong>masiado centradas em<br />
Morrison.<br />
O título, inspirado na canção “You<br />
make me real” (“Morrison Hotel”,<br />
1970), preten<strong>de</strong> traduzir a sensação<br />
<strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que os Doors transmitiram<br />
a várias gerações. “Contigo tornome<br />
real”, escrito não com perspectiva<br />
<strong>de</strong> fã, mas com uma componente jornalística<br />
factual, prepara-se para ser<br />
publicado nos EUA, em versão inglesa,<br />
em 2009.<br />
Inéditos<br />
Uma simples pesquisa numa livraria<br />
online remete-nos para um conjunto<br />
interminável <strong>de</strong> livros sobre os Doors.<br />
O <strong>por</strong>tuguês não teve, contudo, muita<br />
dificulda<strong>de</strong> em encontrar espaço nessa<br />
bibliografia.<br />
A primeira e segunda parte <strong>de</strong> “Contigo<br />
torno-me real” são constituídas <strong>por</strong><br />
uma base factual extensa e testemunhos<br />
originais <strong>de</strong> dois Doors e <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s<br />
ligadas ao grupo, como<br />
Vince Treanor (“road manager”), Kathy<br />
Lisciandro (secretária dos Doors e <strong>de</strong><br />
Morrison), Bill Siddons (“manager”) ou<br />
Bruce Botnick (engenheiro <strong>de</strong> som).<br />
O livro apresenta ainda <strong>de</strong>poimentos<br />
<strong>de</strong> músicos cuja relação com os Doors<br />
era <strong>de</strong>sconhecida do gran<strong>de</strong> público:<br />
Larry Knechtel (baixista <strong>de</strong> estúdio do<br />
primeiro álbum, “The Doors”), Ray<br />
Neapolitan (baixista em “Morrison<br />
Hotel”) ou Chico Batera (baterista <strong>de</strong><br />
Chico Buarque que trabalhou com os<br />
Doors em 1972).<br />
A terceira parte é <strong>de</strong>dicada ao culto<br />
que é prestado a Morrison e à banda.<br />
Ray Manzarek, organista, escreveu<br />
para o livro um inédito: “Jim Morrison<br />
era um xamã. Ele era o Dionísio personificado<br />
numa veste do século XX”,<br />
lê-se. Já o guitarrista Robby Krieger<br />
contribui com um comentário,<br />
Ray Manzarek,<br />
organista, escreveu<br />
para o livro:<br />
“Jim Morrison<br />
era um xamã. Ele<br />
era o Dionísio<br />
personificado numa<br />
veste do século XX”<br />
abrindo uma excepção, já que não<br />
costuma participar nestes projectos.<br />
“O Jim foi o amigo mais influente e<br />
mais espectacular que alguma vez<br />
conheci”. De John Densmore, baterista,<br />
aparece um excerto da sua autobiografia,<br />
“Ri<strong>de</strong>rs on the Storm”,<br />
seleccionado <strong>por</strong> Rui Pedro Silva.<br />
Mas não é só <strong>de</strong> texto que vive “Contigo<br />
torno-me real”. Fotos novas dos<br />
três Doors acompanham os <strong>de</strong>poimentos.<br />
Elementos do “staff” original do<br />
grupo também não escaparam à objectiva<br />
<strong>de</strong> Rui Pedro Silva. Da ilustração<br />
<strong>de</strong>staca-se uma foto inédita do mítico<br />
clube “Whisky À Go-Go”, <strong>de</strong> 1966. Foi<br />
neste espaço que Jac Holzman <strong>de</strong>scobriu<br />
os Doors e assinou contrato com<br />
a banda. Um cartão <strong>de</strong> visita, raro, dos<br />
Rick and The Ravens (grupo <strong>de</strong> Manzarek<br />
que viria a dar origem aos Doors,<br />
<strong>de</strong>pois da entrada <strong>de</strong> Morrison, Densmore<br />
e Krieger), o menu <strong>de</strong> vinhos e<br />
cocktails, do Turkey Joint West, clube<br />
on<strong>de</strong> os Rick and The Ravens tocavam,<br />
são outras preciosida<strong>de</strong> do livro.<br />
Algo que se entranhou<br />
Depois <strong>de</strong> um livro com mais <strong>de</strong> 500<br />
páginas, que <strong>de</strong>morou sete anos a ser<br />
concluído, é <strong>por</strong> <strong>de</strong>mais evi<strong>de</strong>nte que<br />
não estamos perante um simples<br />
admirador. O autor realça, contudo,<br />
que a sua relação com o grupo não é<br />
<strong>de</strong> fanatismo: “Os Doors são a minha<br />
banda <strong>de</strong> eleição mas oiço outros grupos.<br />
Não acordo a pensar que tenho<br />
<strong>de</strong> ouvir Doors”. <strong>Le</strong>mbra-se <strong>de</strong> ouvir<br />
pela primeira vez os Doors aos sete<br />
anos, na festa <strong>de</strong> aniversário <strong>de</strong> um<br />
amigo. “Ninguém me <strong>de</strong>u a conhecer<br />
os Doors ou me influenciou. Foi algo<br />
que se entranhou”.<br />
O “mega processo <strong>de</strong> investigação”<br />
começou com uma tese <strong>de</strong> licenciatura<br />
sobre o contraste entre o homem Jim<br />
Morrison, e o seu mito, o Rei Lagarto.<br />
Em 2001, a Warner e a Rádio Comercial<br />
consi<strong>de</strong>raram Rui Pedro Silva o maior<br />
fã dos Doors em Portugal. O prémio?<br />
Uma viagem até Paris, a 3 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />
2001, para assistir ao 30º aniversário<br />
da morte <strong>de</strong> Morrison. A cerimónia<br />
<strong>de</strong>correu na presença <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong><br />
fãs no cemitério <strong>de</strong> Père Lachaise e<br />
houve também uma homenagem restrita<br />
na sala do teatro <strong>Le</strong>s Bouffes Du<br />
Nord on<strong>de</strong> estiveram presentes Manzarek<br />
e Danny Sugerman (biógrafo). Rui<br />
Pedro Silva não veio para casa sem mostrar<br />
a sua tese <strong>de</strong> licenciatura a Manzarek<br />
e Sugerman, que a autografaram.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, ambos pediram-lhe uma<br />
versão em inglês. O ponto <strong>de</strong> partida<br />
para o estabelecimento <strong>de</strong> uma relação<br />
com os membros dos Doors aconteceu<br />
a partir da tese.<br />
Após a viagem a Paris, surgiram<br />
convites <strong>de</strong> editoras <strong>por</strong>tuguesas para<br />
que escrevesse um livro a relatar os<br />
acontecimentos do Père Lachaise. Mas<br />
já existiam relatos na internet e, <strong>por</strong><br />
isso, Rui resolveu partir à <strong>de</strong>scoberta<br />
da “verda<strong>de</strong>ira essência dos Doors”.<br />
Fez-se à estrada e percorreu os trajectos<br />
parisienses <strong>de</strong> Morrison, entrevistou<br />
amigos do cantor e poeta, e com<br />
as informações recolhidas constituiu<br />
uma base factual precisa que se encontra<br />
narrada e ilustrada na terceira<br />
parte da obra. A viagem <strong>de</strong>correu<br />
física e virtualmente, muitas vezes<br />
pela noite <strong>de</strong>ntro, com a troca <strong>de</strong><br />
emails e faxes às quatro da manhã.<br />
Ganhou a confiança dos outros Doors.<br />
A convite <strong>de</strong> Michelle Campbell, fotógrafa<br />
que faz a cobertura dos aspectos<br />
<strong>de</strong> culto dos fãs do grupo em Paris,<br />
regressou ao Père Lachaise para celebrar<br />
o aniversário <strong>de</strong> Morrison, no dia<br />
8 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2001. Mais uma<br />
viagem, mais um conjunto <strong>de</strong> experiências,<br />
mais um capítulo no livro.<br />
Concluiu, em 2008, “Contigo tornome<br />
real”. Mas se surgir material inédito<br />
ou novos dados (poesia <strong>de</strong> Jim Morrison<br />
e outros trabalhos encontram-se<br />
retidos <strong>por</strong> entraves <strong>de</strong> copyright) não<br />
<strong>de</strong>scarta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a<br />
abrir as <strong>por</strong>tas da percepção, com a<br />
edição <strong>de</strong> um novo trabalho.<br />
16 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
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4149-071 Porto<br />
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instrumentos e afinação da época.<br />
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um cravista para os dias <strong>de</strong><br />
audições. O candidato po<strong>de</strong>rá<br />
fazer a audição com cravista ou<br />
outro instrumento(s) que façam<br />
a parte <strong>de</strong> baixo continuo da sua<br />
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Um musical sobr<br />
o pior musical<br />
É um musical sobre um musical que coloca em cima do palco Hitler, numa versão muito drag q<br />
êxito da Broadway, vai andar em digressão nacional. E<br />
Teatro<br />
“Há dois tipos <strong>de</strong><br />
público em Portugal:<br />
o que vai ver os<br />
musicais <strong>de</strong> La Féria<br />
<strong>por</strong>que é o La Féria e<br />
o que simplesmente<br />
não vê musicais”, diz<br />
o produtor Gonçalo<br />
Castel-Branco<br />
“Uma carta <strong>de</strong> amor à Broadway”: foi<br />
assim que Mel Brooks <strong>de</strong>screveu “Os<br />
Produtores”, musical da Broadway que<br />
bateu recor<strong>de</strong>s <strong>de</strong> bilheteira, e que vai<br />
estrear-se em Portugal, com encenação<br />
<strong>de</strong> Claudio Hochman, no dia 6 <strong>de</strong> Fevereiro,<br />
no Teatro Tivoli, em <strong>Lisboa</strong>.<br />
Hitler, interpretado <strong>por</strong> um encenador<br />
gay, é apenas uma das personagens<br />
que promete colocar o público<br />
<strong>por</strong>tuguês a rir no musical mais premiado<br />
<strong>de</strong> sempre na Broadway. Numa<br />
pré-apresentação, o espectáculo po<strong>de</strong><br />
ser visto, no Portimão Arena, Algarve,<br />
até dia 11 <strong>de</strong> Janeiro. Seguirá <strong>de</strong>pois<br />
para <strong>Le</strong>iria, on<strong>de</strong> estará entre 28 <strong>de</strong><br />
Janeiro a 1 <strong>de</strong> Fevereiro, no Teatro José<br />
Lúcio da Silva.<br />
Em primeiro lugar, “Os Produtores”,<br />
<strong>de</strong> Mel Brooks e Thomas Meeha, não<br />
é um espectáculo comum, mas um<br />
musical sobre um musical que coloca<br />
em cima do palco Hitler, numa versão<br />
muito drag queen. Em segundo, brinca<br />
<strong>de</strong>liberadamente com todas as raças,<br />
credos e religiões. Por último, existe<br />
muito sexo à mistura, mas entre um<br />
dos protagonistas e uma carrada <strong>de</strong><br />
velhinhas entravadas que se aguentam<br />
em pé graças a umas muletas <strong>de</strong> alumínio.<br />
Um musical simplesmente à<br />
Mel Brooks, rei do politicamente incorrecto<br />
que não poupa nazis, gays e intelectuais<br />
do <strong>mundo</strong> do espectáculo<br />
norte-americano.<br />
“Há dois tipos <strong>de</strong> público em Portugal:<br />
o que vai ver os musicais <strong>de</strong> La<br />
Féria <strong>por</strong>que é o La Féria e o que simplesmente<br />
não vê musicais”, diz<br />
o produtor Gonçalo Castel-<br />
Branco que resolveu arriscar<br />
e adaptar um dos maiores<br />
êxitos da Broadway.<br />
O musical que se<br />
estreou em 2001, no<br />
St. James Theatre, é<br />
baseado no filme que<br />
Brooks escreveu e<br />
realizou, em 1968, e<br />
que tinha como protagonistas<br />
Zero Mostel<br />
e Gene Wil<strong>de</strong>r. O autor ainda recebeu<br />
um Óscar na categoria <strong>de</strong> Melhor<br />
Argumento, apesar <strong>de</strong> o filme ter sido<br />
comercialmente um fracasso. Trinta<br />
e três anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>u origem a um<br />
musical da Broadway, cujo argumento<br />
e música são também do realizador<br />
norte-americano. Ao contrário do<br />
filme, assim que se estreou o espectáculo<br />
começou a bater recor<strong>de</strong>s. No<br />
primeiro dia, a bilheteira fez três<br />
milhões <strong>de</strong> dólares (antes, nas vendas<br />
<strong>por</strong> antecipação, o musical já tinha<br />
feito 17 milhões <strong>de</strong> dólares). Em 2001<br />
dominou os Tony Awards (equivalente<br />
aos Óscares do teatro) com 15 nomeações,<br />
ganhando 12 e batendo o<br />
recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> sempre.<br />
Montar um espectáculo <strong>de</strong>sta envergadura<br />
em Portugal choca, logo no<br />
início, com muitos obstáculos. “Não<br />
existem muitos teatros capazes <strong>de</strong> acolher<br />
um espectáculo com as dimensões<br />
<strong>de</strong> ‘Os Produtores’”, aponta Gonçalo<br />
Castel-Branco, que <strong>de</strong>morou um ano<br />
até conseguir reservar o Teatro Tivoli,<br />
em <strong>Lisboa</strong>.<br />
Em termos <strong>de</strong> produção, um musical<br />
<strong>de</strong>ste género é dos mais “pesados<br />
logisticamente” e acarreta “um gran<strong>de</strong><br />
risco financeiro”.<br />
O espectáculo começou a ganhar<br />
corpo no Armazém 4, da Cherry Enter-<br />
Os protagonistas<br />
<strong>Le</strong>o<br />
Bloom,<br />
contabilista<br />
neurótico,<br />
e Max<br />
Bialystock,<br />
produtor<br />
arruinado, são<br />
interpretados<br />
<strong>por</strong> Manuel<br />
Marques e<br />
Miguel Dias.<br />
No musical<br />
ainda<br />
<strong>de</strong>sfilam<br />
outras<br />
personagens:<br />
drag queens,<br />
coristas<br />
vestidos como<br />
tropas nazis, a<br />
escultural<br />
Ulla,<br />
velhinhas<br />
entravadas...<br />
18 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
e<br />
possível<br />
g queen. A versão <strong>por</strong>tuguesa <strong>de</strong> “Os Produtores”, gran<strong>de</strong><br />
. Eduarda Sousa<br />
tainment, em <strong>Lisboa</strong>. Para um espectáculo<br />
tão gran<strong>de</strong>, que coloca em cima<br />
do palco perto <strong>de</strong> 30 actores, uma<br />
orquestra com 20 músicos e 60 pessoas<br />
na parte da produção, assistir a<br />
um ensaio <strong>de</strong> “Os Produtores” num<br />
espaço relativamente pequeno po<strong>de</strong><br />
tornar-se uma verda<strong>de</strong>ira aventura.<br />
Numa sala, os autores aquecem a voz<br />
com uma série <strong>de</strong> exercícios. Os músicos<br />
começam a ensaiar, à medida que<br />
a orquestra se vai compondo. No<br />
palco, os actores treinam alguns passos<br />
<strong>de</strong> dança, lêem pela última vez o<br />
texto, enquanto começam a <strong>de</strong>sesperar<br />
<strong>por</strong> o ensaio nunca mais começar.<br />
Pôr a máquina <strong>de</strong> engrenagem <strong>de</strong> “Os<br />
Produtores” a trabalhar leva algum<br />
tempo até se conseguir coor<strong>de</strong>nar<br />
todos os elementos que participam na<br />
peça e no “back stage”.<br />
Os protagonistas <strong>Le</strong>o Bloom e Max<br />
Bialystock são interpretados <strong>por</strong><br />
Manuel Marques e Miguel Dias, respectivamente,<br />
que não se cansam <strong>de</strong><br />
ensaiar vários passos <strong>de</strong> dança. Rita<br />
Pereira, com as atenções centradas em<br />
si, tem a missão <strong>de</strong> dar vida<br />
à sueca escultural Ulla.<br />
Pedro Pernas, Rui Mello,<br />
Rodrigo Saraiva ou Custódia<br />
Gallego são outros<br />
nomes conhecidos do<br />
gran<strong>de</strong> público que<br />
integram o elenco.<br />
Hitler é gay<br />
“Os Produtores” <strong>de</strong>corre<br />
na Primavera <strong>de</strong> 1959,<br />
em Nova Iorque. Max<br />
Bialystock é um produtor<br />
arruinado da Broadway<br />
que recebe em<br />
sua casa o contabilista<br />
neurótico <strong>Le</strong>o Bloom.<br />
Sem querer, <strong>Le</strong>o <strong>de</strong>scobre<br />
que os dois po<strong>de</strong>m<br />
ganhar mais se produzirem<br />
um espectáculo<br />
<strong>de</strong>sastroso para arrecadarem<br />
o dinheiro dos investidores,<br />
no caso um grupo <strong>de</strong> velhinhas<br />
com quem Max vai para a cama.<br />
A dupla <strong>de</strong>dica-se então a procurar a<br />
pior obra jamais escrita e os piores actores<br />
e encenador possíveis. Um musical<br />
neonazi escrito pelo louco fanático<br />
Franz Liebkind, “Primavera para<br />
Hitler”, acaba <strong>por</strong> ser a peça escolhida.<br />
Roger De Bris, um gay estereotipado,<br />
cheio <strong>de</strong> tiques e trejeitos, que aparece<br />
em palco pela primeira vez com um<br />
vestido <strong>de</strong> baile e uns sapatos <strong>de</strong> salto<br />
alto, é contratado <strong>por</strong> Max e <strong>Le</strong>o.<br />
Daqui até <strong>de</strong>scobrir os piores actores<br />
possíveis é um passo. Ulla, uma<br />
loira sueca explosiva e burra, acha que<br />
vai para o “casting” <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong><br />
produção mas torna-se secretária <strong>de</strong><br />
Max e <strong>Le</strong>o, acabando <strong>por</strong> seduzir o<br />
contabilista neurótico. Na noite <strong>de</strong><br />
estreia, Franz, que ia interpretar Hitler,<br />
parte uma perna e acaba <strong>por</strong> ser substituído<br />
<strong>por</strong> De Bris, que aproveita a<br />
o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> para realizar o sonho da<br />
sua vida. O ditador nazi é nada mais<br />
nada menos do que uma drag queen,<br />
ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> coristas vestidas como os<br />
membros das tropas nazis, em perfeita<br />
formação suástica. “Primavera para<br />
Hitler” acaba <strong>por</strong> ser, surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />
confundido pela crítica<br />
e pelo público como uma<br />
sátira genial, tornandose<br />
um sucesso estrondoso.<br />
Gonçalo Castel-Branco e<br />
Pedro Costa, o outro produtor<br />
da versão <strong>por</strong>tuguesa, não procuram,<br />
ao contrário <strong>de</strong> Max e <strong>Le</strong>o,<br />
criar um mau espectáculo e nem<br />
sequer se revêem nos protagonistas.<br />
“Nós preten<strong>de</strong>mos criar um bom<br />
espectáculo. Nenhum <strong>de</strong> nós está<br />
também acabado, como o Max, ou<br />
irritadiço, como o <strong>Le</strong>o”, diz a rir<br />
Gonçalo Castel-Branco. O riso é,<br />
aliás, um dos elementos presentes<br />
no espectáculo o tempo todo. Não<br />
são só gargalhadas dos espectadores<br />
que se ouvem, os próprios actores<br />
não conseguem controlar, durante<br />
“Não existem muitos<br />
teatros capazes <strong>de</strong><br />
acolher um<br />
espectáculo com as<br />
dimensões <strong>de</strong> ‘Os<br />
Produtores’”<br />
o ensaio, o riso pela piada das situações<br />
que criam. No intervalo, Miguel<br />
Dias <strong>de</strong>ixa escapar que já todos estão<br />
a precisar da estreia da peça.<br />
“Os Produtores” mantém o contexto<br />
da Broadway e todo o imaginário americano<br />
da época, assim como o texto<br />
e as músicas adaptadas <strong>por</strong> Rui Mello<br />
e Sílvia Baptista. Sob a direcção musical<br />
<strong>de</strong> Nuno Feist, o conjunto <strong>de</strong> músicas<br />
tocadas <strong>por</strong> uma orquestra é<br />
extenso e constitui um pilar im<strong>por</strong>tante<br />
do espectáculo.<br />
“Esperamos que esta peça represente<br />
um ponto <strong>de</strong> viragem<br />
no panorama dos musicais<br />
<strong>por</strong>tugueses. É muito diferente<br />
a nível musical, estético<br />
e conceptual dos musicais<br />
que já se produziram<br />
em Portugal”, conclui Gonçalo<br />
Castel-Branco.<br />
Em 2005, Susan Stroman<br />
realizou uma nova<br />
versão cinematográfica <strong>de</strong><br />
“Os Produtores”, colocando<br />
Uma Thurman no<br />
papel <strong>de</strong> Ulla. O musical<br />
apresentou o seu último<br />
espectáculo no St. James Theater,<br />
da Broadway, no dia 22<br />
<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007, seis anos<br />
<strong>de</strong>pois da estreia.<br />
Entre o cinema e a Broadway<br />
Depois do filme, tirado <strong>de</strong> uma peça, originada <strong>por</strong> um<br />
filme, sempre com Mel Brooks a controlar tudo, regressa-se<br />
à dimensão teatral <strong>de</strong> “Os Produtores”. Mário Jorge Torres<br />
Vários exemplos existem da<br />
transposição <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> sucesso para um musical<br />
<strong>de</strong> semelhante impacte nos palcos<br />
da Broadway. Basta lembrar<br />
os casos paradigmáticos <strong>de</strong><br />
“Ninotchka” (1939), veículo criado<br />
<strong>por</strong> Ernst Lubitsch para Greta<br />
Garbo transformado em “Silk<br />
Stockings” (1955), com Hil<strong>de</strong>gard<br />
Neff e Don Ameche nos papéis<br />
que Cyd Charisse e Fred Astaire<br />
consagrariam no filme homónimo<br />
(1958) <strong>de</strong> Rouben Mamoulian.<br />
Ou “Eva” (1950), <strong>de</strong> Mankiewicz,<br />
pensado para o ressurgimento<br />
<strong>de</strong> uma estrela em <strong>de</strong>clínio,<br />
como Bette Davis, que originou<br />
“Applause” (1970), fornecendo a<br />
Lauren Bacall a<strong>de</strong>quado meio <strong>de</strong><br />
triunfar nos domínios complexos<br />
do musical.<br />
“The Producers”/ “Os<br />
Produtores” (1968), da fase (ainda)<br />
áurea da comédia <strong>de</strong>stravada <strong>de</strong><br />
Mel Brooks, constituía material<br />
<strong>de</strong> óbvio interesse, não tanto pelo<br />
manancial cómico da prestação<br />
algo histérica <strong>de</strong> Gene Wil<strong>de</strong>r (a<br />
exibir essa histeria como marca<br />
distintiva) ou pelo inexistente<br />
“sex-appeal” <strong>de</strong> Zero Mostel, mas<br />
sobretudo pela força da peça <strong>de</strong>ntro<br />
do filme, “Springtime for Hitler”,<br />
que já incluía um bom motivo<br />
para se po<strong>de</strong>r pensar no palco:<br />
um número musical, em pastiche<br />
<strong>de</strong> Busby Berkeley, com os jovens<br />
alemães formando uma suástica.<br />
A i<strong>de</strong>ia da caricatura do<br />
nazismo, bem como dos<br />
meandros da produção teatral (e<br />
cinematográfica) prestava-se a um<br />
aproveitamento condigno, tirando<br />
partido da loucura <strong>de</strong>sbragada<br />
da relação entre o “pior produtor<br />
do <strong>mundo</strong>” e as velhinhas que<br />
o apoiavam e criando para a<br />
i<strong>de</strong>ia original uma partitura<br />
apropriada, <strong>de</strong> Mel Brooks e Glen<br />
Kelly, com letras e libreto (este em<br />
colaboração com Thomas Meehan)<br />
do primeiro.<br />
Em tempo <strong>de</strong> vacas magras,<br />
parecia uma receita <strong>de</strong> sucesso<br />
imbatível, uma vez que a carga<br />
anti politicamente correcta <strong>de</strong><br />
todo o entrecho, incluindo nazis<br />
ridicularizados, travestis, o<br />
tratamento maldoso da terceira<br />
ida<strong>de</strong> ou o puro sadismo do<br />
aproveitamento “político”<br />
do absurdo total das<br />
situações propostas,<br />
era <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a suscitar<br />
a ressurreição do<br />
material, tantos anos<br />
<strong>de</strong>pois.<br />
O resultado não<br />
podia revelar-se<br />
mais compensador:<br />
estreando na<br />
Broadway, em 19 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2001,<br />
o “show” teve uma longuíssima<br />
carreira <strong>de</strong> 2502 performances<br />
(até 22 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007), com<br />
vários “casts” alternativos, obteve<br />
um recor<strong>de</strong> absoluto <strong>de</strong> 12 Tonys,<br />
os Óscares teatrais, culminando<br />
na adaptação cinematográfica<br />
<strong>de</strong> 2005, que correu <strong>mundo</strong> e<br />
estreou em Portugal, sem gran<strong>de</strong><br />
entusiasmo, diga-se em abono da<br />
verda<strong>de</strong>.<br />
O excelente filme homónimo,<br />
“Os Produtores”, recuperava,<br />
aliás, uma parte do elenco original<br />
- Nathan Lane, no papel <strong>de</strong> Max<br />
Bialystock, e Matthew Bro<strong>de</strong>rick<br />
em <strong>Le</strong>opold “<strong>Le</strong>o” Bloom, a que<br />
acrescentava o carisma fílmico<br />
<strong>de</strong> Uma Thurman e <strong>de</strong> Will<br />
Ferrell - cabendo, inclusive, a<br />
realização à responsável pela<br />
encenação teatral, Susan Stroman.<br />
A divertidíssima banda sonora<br />
(com números imparáveis, como<br />
“I Wanna Be a Producer”, “In<br />
Old Bavaria” ou “Springtime for<br />
Hitler”) fornecia à realizadora<br />
estreante ocasião para citar<br />
os clássicos <strong>de</strong> Hollywood da<br />
época dourada, embora uma boa<br />
parte da crítica (<strong>de</strong> certo modo,<br />
injustamente) insistisse no facto<br />
<strong>de</strong> que a empresa teria necessitado<br />
<strong>de</strong> mais experimentada visão<br />
cinematográfica. A película visava<br />
sobretudo a revisita a mo<strong>de</strong>los<br />
passados, tornando o absurdo do<br />
divertimento o foco <strong>de</strong> toda a teia<br />
urdida, em volta do musical como<br />
género e como memória - tratava-se<br />
<strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> “pós-Musical”.<br />
De facto, se “Os Produtores”<br />
possuía uma forte componente<br />
teatral, tinha, <strong>por</strong> outro lado,<br />
a honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não querer<br />
enganar ninguém, não “fazendo”<br />
cinema <strong>de</strong> efeitos e mau gosto,<br />
como no caso lamentável da<br />
adaptação <strong>de</strong> “O Fantasma da<br />
Ópera” (para já nem mencionar a<br />
insu<strong>por</strong>tável partitura <strong>de</strong> Andrew<br />
Lloyd Webber).<br />
Depois do filme, tirado <strong>de</strong> uma<br />
peça, originada <strong>por</strong> um filme,<br />
sempre com Mel Brooks - após<br />
nova tentativa musical, estreada<br />
em 2007, <strong>de</strong>sta vez em torno <strong>de</strong><br />
“Young Frankenstein” - a controlar<br />
tudo (o labirinto não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
constituir, só <strong>por</strong> si, um interesse<br />
acrescido), regressa-se, entre<br />
nós, à dimensão teatral <strong>de</strong> “Os<br />
Produtores”, na esteira do que<br />
tem vindo a suce<strong>de</strong>r, um pouco<br />
<strong>por</strong> todo o <strong>mundo</strong>: da Austrália ao<br />
Japão, da Dinamarca à Itália ou à<br />
Espanha, não esquecendo a versão<br />
brasileira, que estreou no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, em Abril <strong>de</strong> 2008, com<br />
Miguel Falabella como Bialystock.<br />
A ver vamos...<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 19
Música<br />
SARA MATOS<br />
B Fachada<br />
canta a tradição<br />
entre <strong>Lisboa</strong> e Caçarelhos<br />
“B Fachada - Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea” tem uma premissa: “Desmontar a história <strong>de</strong> que<br />
a tradição é uma coisa rural. Tradição é transmissão.” Quem o diz é Tiago Pereira, realizador<br />
que seguiu B Fachada até canta<strong>de</strong>iras transmontanas. É um filme e um manifesto. Esta noite<br />
na Galeria Zé dos Bois. Mário Lopes<br />
O que temos é isto: um músico <strong>de</strong> viola<br />
em punho calcorreando <strong>Lisboa</strong>,<br />
tocando às <strong>por</strong>tas da Sé, tocando num<br />
banco <strong>de</strong> mármore enquanto uma<br />
velhota, a seu lado, acena a um conhecido<br />
que passa.<br />
O que temos é isto: esse músico <strong>de</strong><br />
viola em punho, encostado a um galinheiro<br />
em Trás Os Montes e uma<br />
mulher encurvada que limpa o galinheiro<br />
e que à saída larga um sorriso<br />
para a câmara. O que existe em “B<br />
Fachada - Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea”<br />
é um músico lisboeta transformado<br />
em andarilho. Canta as suas<br />
canções na sua cida<strong>de</strong>, viaja até às<br />
al<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Caçarelhos ou<br />
Algoso para as mostrar a quem lá vive<br />
e regressa com as músicas que ali lhe<br />
ensinaram. Em Caçarelhos ouvem-no<br />
com atenção para apren<strong>de</strong>r as novas<br />
melodias, em <strong>Lisboa</strong> acham que são<br />
<strong>de</strong>le as canções seculares que apren<strong>de</strong>u<br />
em Trás Os Montes.<br />
B Fachada, músico que conhecemos<br />
em 2008 através dos EPs “Sings The<br />
Lusitanian Blues”, “Mini CD Produzido<br />
Por Walter Benjamin” e o magnífico<br />
“Viola Braguesa”, serve como ponte<br />
entre esses dois universos. Dirá ao Ípsilon<br />
ser “como um sapateiro”: “quero<br />
fazer canções como o sapateiro faz<br />
sapatos e sei que vou passar a vida a<br />
fazer uma data <strong>de</strong> sapatos para caber<br />
nos pés das pessoas, apesar <strong>de</strong> estar<br />
sempre a fazer a minha i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
sapato”. Tiago Pereira, <strong>por</strong> sua vez, foi<br />
o realizador que construiu a ponte para<br />
Fachada, reflexo <strong>de</strong> um interesse pela<br />
exploração e reflexão sobre a tradição<br />
musical popular que contamina o seu<br />
trabalho - servem como exemplo “Onze<br />
Burros Caem <strong>de</strong> Estômago Vazio”, filmado<br />
no planalto mirandês, ou “Arritmia”,<br />
sobre o Festival Andanças.<br />
Agora, no final <strong>de</strong> “B Fachada - Tradição<br />
Oral Contem<strong>por</strong>ânea”, que<br />
estreará esta noite, pelas 23h, na Galeria<br />
Zé dos Bois, em <strong>Lisboa</strong>, vemos<br />
escrito: “Este filme nasceu a partir do<br />
momento em que, ao ouvir o trabalho<br />
<strong>de</strong> B Fachada pela primeira vez, senti<br />
uma proximida<strong>de</strong> gigante, como se<br />
toda a vida tivesse conhecido aquelas<br />
músicas. E elas<br />
fizessem também parte da tradição<br />
oral”. Tiago Pereira, que se <strong>de</strong>dica à<br />
recolha musical etnográfica há cinco<br />
anos e que escreveu há tempos um<br />
mini-manifesto intitulado “Kill Giacometti”<br />
- “tradição é transmissão e não<br />
sacralização <strong>de</strong> espaços, velhos ou<br />
re<strong>por</strong>tório”, lia-se -, <strong>de</strong>scobriu em<br />
Fachada o veículo (e cúmplice) para<br />
revelar o seu olhar sobre a tradição e<br />
a música tradicional. Ao Ípsilon, dirá<br />
que a premissa do filme é esta: “Como<br />
é que um tipo da pop, que faz música<br />
assim há um ano, consegue <strong>de</strong> repente<br />
fazer os outros acreditar que as músicas<br />
que apren<strong>de</strong>u [em Trás Os Montes]<br />
são <strong>de</strong>le?”. Ou melhor, emendará mais<br />
tar<strong>de</strong>, a premissa po<strong>de</strong> também ser a<br />
seguinte: “Desmontar a história <strong>de</strong> que<br />
a tradição é uma coisa rural. Por isso<br />
é que o filme está tanto<br />
no campo quanto na cida<strong>de</strong>. Tradição<br />
é transmissão. Não vamos andar à procura<br />
do purismo on<strong>de</strong> ele não<br />
existe”.<br />
Os “velhinhos” todos<br />
Filmado entre Agosto e Dezembro <strong>de</strong><br />
2008, com uma hora <strong>de</strong> duração, “Tradição<br />
Oral Contem<strong>por</strong>ânea” vive da<br />
música que B Fachada toca e apren<strong>de</strong>,<br />
vive dos locais e das pessoas com quem<br />
o vemos tocar. A dar à viola num comboio<br />
suburbano enquanto o sistema<br />
sonoro anuncia “próxima estação,<br />
Santo Amaro <strong>de</strong> Oeiras”. Sentado num<br />
banco <strong>de</strong> pedra do Rossio, ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong><br />
gente <strong>de</strong>le alheada enquanto interpreta<br />
“Dona Filomena”, canção que apren<strong>de</strong>ra<br />
dias antes em Trás Os Montes. E,<br />
antes disso, B Fachada em Caçarelhos<br />
trauteando uma música <strong>de</strong> verso único<br />
- “já toquei na Zé dos Bois, na Zé dos<br />
20 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
“Na biografia do<br />
Variações, Vítor Rua<br />
diz que Giacometti<br />
foi à procura<br />
dos velhinhos com um<br />
gravador, enquanto o<br />
Variações já tinha os<br />
velhinhos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le.<br />
O Fachada não tem os<br />
velhinhos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le,<br />
mas a abordagem<br />
é semelhante”<br />
Tiago Pereira<br />
Bois, na Zé dos Bois” -, ou a apren<strong>de</strong>r<br />
essa que tocará no Rossio com Adélia<br />
Garcia, a outra protagonista do filme e<br />
canta<strong>de</strong>ira que, na década <strong>de</strong> 1960,<br />
Michel Giacometti fez questão <strong>de</strong><br />
conhecer para as suas recolhas.<br />
A montagem <strong>de</strong> Tiago Pereira, viajando<br />
entre os dois universos,<br />
expondo-os em paralelo ou em sobreposição<br />
explora uma equivalência:<br />
como se, apesar das diferenças (<strong>de</strong><br />
cultura, <strong>de</strong> cenário, <strong>de</strong> experiência<br />
<strong>de</strong> vida), a música urbana e mo<strong>de</strong>rna<br />
<strong>de</strong> Fachada nascesse do mesmo<br />
impulso que a música rural e ancestral<br />
cantada <strong>por</strong> Adélia Garcia.<br />
“Aquilo que primeiro me chamou a<br />
atenção no B Fachada foram as letras.<br />
Jogavam com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> incoerência<br />
e tinham um surrealismo que faz<br />
parte da tradição popular, quer a das<br />
cantigas, quer a da [artesã barrista<br />
barcelense] Rosa Ramalho”. Continua:<br />
“Na biografia do António Variações<br />
[‘Entre Braga e <strong>Lisboa</strong>’], da<br />
Manuela Gonzaga, Vítor Rua diz que<br />
Giacometti foi à procura dos velhinhos<br />
com um gravador, enquanto o<br />
Variações já tinha os velhinhos todos<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le e, <strong>de</strong> repente, transformou<br />
aquilo tudo. O Fachada não tem<br />
os velhinhos todos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le, mas<br />
a abordagem é semelhante. A tradição<br />
oral é transmitires o que vives,<br />
passá-lo <strong>de</strong> geração em geração,<br />
alargá-lo e criar combinações infinitas”.<br />
Chegamos assim a uma canção<br />
<strong>de</strong> “Viola Braguesa”, precisamente<br />
“Tradição”, que surge como basilar<br />
em “Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea”.<br />
A transcrição que segue é longa, mas<br />
obrigamo-nos a fazê-la para melhor<br />
acompanhar o que se segue. Eis os<br />
seus primeiros versos: “Nestes dias<br />
tive tempo p’ra pensar/ Se a tradição<br />
estará mesmo para acabar / E cheguei<br />
à conclusão fundamental / Que nesta<br />
história da canção tradicional / É<br />
bonita ouvi-la vir <strong>de</strong> alheia<br />
mão / Mas mais bonito ainda é vir do<br />
próprio coração / Se <strong>de</strong>pois tem que<br />
resultar num bem comum / Isso não<br />
nos po<strong>de</strong> pôr problema algum / Que<br />
o colectivo que há em cada um <strong>de</strong> nós<br />
/ Não tem, <strong>por</strong>ra, apenas uma voz”.<br />
Foi essa canção e a gravação do<br />
ví<strong>de</strong>o que a acompanha que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou<br />
o filme. Quando Tiago o disponibilizou<br />
na net, tornou-se um fenómeno<br />
e, <strong>por</strong> ser construído a partir das<br />
52 vezes que Fachada tocou a canção<br />
em 52 locais diferentes do Andanças,<br />
foi visto como homenagem ao festival.<br />
Precisamente o contrário, explica<br />
Tiago: “A ironia era subtil e muitos não<br />
a perceberam. A verda<strong>de</strong> é que aquele<br />
é um festival igual aos outros, com a<br />
diferença <strong>de</strong> os músicos não serem<br />
pagos e não serem aceites patrocínios”.<br />
B Fachada prossegue: “Qualquer<br />
coisa serve para eu fazer uma<br />
canção. Na Flor Caveira [a editora que<br />
lançou “Viola Braguesa”] dizem que<br />
se <strong>de</strong>ve ter cuidado em ter-me como<br />
inimigo, <strong>por</strong>que sempre que tenho um<br />
problema com alguém, a chantagem<br />
é escrever uma canção. E, <strong>de</strong> facto, o<br />
Andanças parecia <strong>de</strong>sdobrar-se <strong>de</strong><br />
hora a hora em motivos para que<br />
aquela canção se fizesse. Sessões <strong>de</strong><br />
djambé às 6 da manhã, com um gajo<br />
a tentar dormir. Uma tenda cheia <strong>de</strong><br />
gente <strong>de</strong> braços no ar com a música<br />
<strong>de</strong> fusão dos Olivetree quando, ao<br />
lado, estava um grupo <strong>de</strong> gaitas galegas<br />
a tocar para ninguém”.<br />
O que a canção dizia é que a tradição<br />
não é imutável, não é “exotismo<br />
urbano” e músicas do <strong>mundo</strong>”, como<br />
diz Fachada a <strong>de</strong>terminado momento<br />
do filme. Pois bem, a partir da gravação<br />
do ví<strong>de</strong>o no Andanças, Tiago<br />
Pereira ficou “preparado” para o que<br />
viria a ser “Tradição Oral Contem<strong>por</strong>ânea”.<br />
Antes disso, confessa, “sabia<br />
que o ia levar a ver as pessoas em Trás<br />
Os Montes e, <strong>por</strong>que as conheço,<br />
sabia o que aconteceria nesse encontro.<br />
Não sabia o resto”.<br />
O que acontece então é essa viagem<br />
em salto constante. B Fachada em<br />
Caçarelhos e no Algoso e uma cena<br />
belíssima em que acompanha Adélia<br />
Garcia à guitarra, em que outra canta<strong>de</strong>ira,<br />
Avelina, sentada ao lado<br />
<strong>de</strong>les, improvisa com duas conchas<br />
o ritmo da canção. Isso ou Fachada a<br />
mostrar a sua música a Adélia, em<br />
cenário caseiro <strong>de</strong> lareira acesa, e ela<br />
a ouvi-lo com atenção enquanto o<br />
marido corrompe a “serieda<strong>de</strong>” do<br />
momento perseguindo insectos com<br />
o mata-moscas.<br />
Sobre B Fachada, Adélia tem no<br />
filme opinião firme: “Como não querem<br />
que cante bem? É novo”. Sobre<br />
Adélia, Fachada teoriza: “Existe o<br />
conhecimento colectivo e a comunida<strong>de</strong><br />
tradicional. Depois, existem três<br />
ou quatro pessoas <strong>por</strong> geração com<br />
gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> memorizar esse<br />
conhecimento, essas canções, e <strong>de</strong> as<br />
alterar. A Adélia tem uma memória que<br />
não se encontra, que não conheço”. É<br />
a ela que Fachada resgata a supracitada<br />
“D. Filomena”, canção centenária <strong>de</strong><br />
sangue e traição, que passou a interpretar<br />
regularmente. Em “Tradição<br />
Oral Contem<strong>por</strong>ânea”, lá a ouvimos<br />
entre as suas canções lisboetas, as suas<br />
canções que referem Frank Zappa, que<br />
falam <strong>de</strong> Bagdad, que inventam aforismos<br />
<strong>por</strong>táteis para o século XXI. Este<br />
é o ponto fulcral: o que interessa a<br />
Tiago Pereira e a Fachada é a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> renovação da tradição, é<br />
recusá-la como passado imutável, é<br />
“per<strong>de</strong>r aquela arrogância urbana <strong>de</strong><br />
achar que o conhecimento tradicional<br />
é circunstancial”.<br />
Fachada: “É um vício <strong>de</strong> século XX<br />
e XXI achar que nos últimos seiscentos<br />
anos o <strong>mundo</strong> esteve sempre igual<br />
e que agora é que isto está a mudar,<br />
ou seja, que as circunstâncias que<br />
permitiram a tradição formar-se <strong>de</strong>ixaram<br />
<strong>de</strong> existir. A tradição e o<br />
conhecimento comunitário são inatos<br />
e não <strong>de</strong>saparecem <strong>por</strong> haver um<br />
TGV a ligar <strong>Lisboa</strong> ao Porto”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 21
Música<br />
Hush<br />
Arbors<br />
O saltimbanco folk que nunca abandonou<br />
os Appalaches<br />
Keith Wood, que assina como Hush Arbors, nunca abandonou a pequena cida<strong>de</strong> nos<br />
Appalaches on<strong>de</strong> nasceu. É uma voz in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte numa comunida<strong>de</strong> específica, a <strong>de</strong> Six<br />
Organs Of Admittance ou Sunburned Hand Of The Man. “Hush Arbors” é um disco <strong>de</strong> música<br />
folk. Neste sentido: pertence a um tempo e um lugar específicos. Mário Lopes<br />
A primeira coisa em que reparamos<br />
não é no discurso inteligente ou na<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> discorrer sobre fascínios<br />
musicais e literários, sobre a influência<br />
do <strong>mundo</strong> natural na música que lhe<br />
ouvimos. A primeira coisa em que<br />
reparamos quando o americano Keith<br />
Wood, ele que é os Hush Arbors, nos<br />
aten<strong>de</strong> o telefone em Londres, on<strong>de</strong><br />
vive há ano e meio, é a sua voz <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho<br />
animado, qual hobbit que não<br />
Elijah Wood.<br />
Certo que a voz é uma das marcas<br />
que nos <strong>de</strong>ixa a audição do álbum<br />
homónimo que editou recentemente<br />
pela Ecstatic Peace <strong>de</strong> Thurston Moore,<br />
mas julgávamo-la uma construção do<br />
músico, algo que aprimorara para<br />
maior efeito expressivo. Nada disso.<br />
“Quando o Neil Young lançou o seu<br />
‘Unplugged’, em 1993, pensei: ‘Se<br />
aquele gajo consegue cantar, eu também<br />
consigo’. Ele foi o meu catalisador<br />
para escrever canções e seguir na<br />
música”, dir-nos-á. “Não há muita<br />
gente <strong>por</strong> aí com vozes, digamos,<br />
menos tradicionais, mas parecem estar<br />
a tornar-se mais populares actualmente.”<br />
Pega nos exemplos <strong>de</strong> Bon<br />
Iver, cantautor revelação <strong>de</strong> 2008, e<br />
<strong>de</strong> Glenn Donaldson, vocalista <strong>de</strong> uns<br />
magníficos Skygreen <strong>Le</strong>opards que<br />
hão-<strong>de</strong> ser revelação quando a justiça<br />
<strong>de</strong>scer sobre nós, e, acto contínuo, rise:<br />
“O engraçado é que cantar em falsete<br />
não é muito diferente da minha<br />
voz normal.”<br />
E isto é bonito e, ainda que <strong>de</strong> forma<br />
enviesada, diz-nos muito sobre os<br />
Hush Arbors. Porque na sua música<br />
convivem fogo e água, convivem guitarras<br />
eléctricas explodindo em pirotecnia<br />
e gentileza acústica respirando<br />
animismo. Porque todas as metáforas<br />
resgatadas ao <strong>mundo</strong> natural e os<br />
xamanismos rock’n’roll que nela ouvimos<br />
parecem, como a voz <strong>de</strong> Keith<br />
Wood, uma construção. Até que,<br />
falando com ele, compreen<strong>de</strong>mos<br />
como esta música lhe é natural, como<br />
é intuitiva e urgente - e isso, que não<br />
torna as suas canções melhores ou<br />
piores, dá-lhes outra ressonância.<br />
Octávio Paz e Gary Sny<strong>de</strong>r<br />
Vejamos: refere-nos o realismo mágico<br />
<strong>de</strong> Octávio Paz ou o beatnick etéreo<br />
Gary Sny<strong>de</strong>r como influência -<br />
enquanto estudante <strong>de</strong> poesia na Universida<strong>de</strong>,<br />
as letras eram o seu veículo<br />
expressivo predilecto -, conta-nos <strong>de</strong><br />
como durante muito tempo, enquanto<br />
gravava CDr que distribuía via correio<br />
(assim editou a maioria da sua discografia<br />
até este “Hush Arbors”), seguia<br />
à risca a máxima <strong>de</strong> Allen Ginsberg:<br />
“first thought, best thought” - ou seja,<br />
gravar ao primeiro take, sem quaisquer<br />
alterações.<br />
Percebemo-lo: Keith Wood é o<br />
músico que viajou continentes fora<br />
mas nunca abandonou realmente o<br />
sítio on<strong>de</strong> nasceu, Waynesboro, uma<br />
pequena cida<strong>de</strong> do estado da Virgínia<br />
no sopé das Montanhas Blue Ridge,<br />
nos Appalaches, fundada <strong>por</strong> imigrantes<br />
escoceses e irlan<strong>de</strong>ses e on<strong>de</strong> o avô<br />
se dividia entre a criação <strong>de</strong> cabras e<br />
a construção <strong>de</strong> dulcimers, instrumento<br />
<strong>de</strong> cordas, típico da região,<br />
cujas origens remontam ao <strong>Le</strong>ste europeu.<br />
“As fantasmagorias e a escuridão<br />
do Sul [dos Estados Unidos] são coisas<br />
que não te largam. Não po<strong>de</strong>s escolher<br />
on<strong>de</strong> nasceste, não po<strong>de</strong>s escolher<br />
on<strong>de</strong> está o teu coração.”<br />
Se po<strong>de</strong>mos chamar folk ao que faz<br />
- e po<strong>de</strong>mos, mesmo que existam ali<br />
explosões vulcânicas <strong>de</strong> psica<strong>de</strong>lismo<br />
e blues adulterado com sangue inglês<br />
-, é no sentido <strong>de</strong> ser música que, evi<strong>de</strong>nciando<br />
a sua individualida<strong>de</strong>, respira<br />
algo <strong>de</strong> comunal. Ben Chasny<br />
participa em “Hush Arbors” e a influência<br />
dos seus Six Organs Of Admittance<br />
é notória nos riffs como drone<br />
oriental. Ouvimos algo do Neil Young<br />
que Wood diz ser a sua maior referência,<br />
mas enxertado do sentido cósmico<br />
<strong>de</strong> uns Sunburned Hand Of The Man,<br />
com quem partilhou discos e palcos.<br />
Ouvimos um músico que, há alguns<br />
anos, seria atirado para o imenso e<br />
algo castrador cal<strong>de</strong>irão “free-folk”,<br />
mas que agora po<strong>de</strong>mos receber como<br />
voz in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte numa comunida<strong>de</strong><br />
específica. Expliquemo-nos.<br />
A viver em Londres há ano e meio,<br />
tendo agora como companheiro <strong>de</strong><br />
banda permanente o guitarrista inglês<br />
<strong>Le</strong>on Dufficy - aos quais se juntarão, ao<br />
vivo e no próximo álbum, Rick Tomlinson,<br />
dos Voice Of The Seven Woods, e<br />
Ben Swank, antigo baterista dos Soledad<br />
Brothers -, Keith Wood explica-nos,<br />
primeiro, que apesar <strong>de</strong> os Estados<br />
Unidos serem um país imenso, a<br />
“Quando o Neil Young<br />
lançou o seu<br />
‘Unplugged’, em 1993,<br />
pensei: ‘Se aquele<br />
gajo consegue cantar,<br />
eu também consigo’.<br />
Ele foi o meu<br />
catalisador para<br />
escrever canções<br />
e seguir na música”<br />
“comunida<strong>de</strong> musical está bastante<br />
próxima e todos tocamos uns com os<br />
outros, todos dormimos em casa uns<br />
dos outros”. Fala <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong><br />
específica, a <strong>de</strong> Sunburned Hand Of<br />
the Man, <strong>de</strong> Six Organs Of Admittance<br />
ou Woo<strong>de</strong>n Wand. Confessa <strong>de</strong>pois<br />
que, apesar <strong>de</strong> Londres ser uma cida<strong>de</strong><br />
urbana e frenética, um melting-pot <strong>de</strong><br />
músicas e culturas, sente que passa o<br />
tempo a ver e rever os amigos da<br />
“comunida<strong>de</strong>” que <strong>por</strong> ali passam em<br />
digressão: “De tempos a tempos, a<br />
minha casa transforma-se num abrigo<br />
para músicos americanos.”<br />
Olhando para o seu passado, dirnos-á<br />
que a única coisa que sente ter<br />
mudado na sua música é a procura <strong>de</strong><br />
um som mais límpido - “<strong>por</strong>que me<br />
sinto mais confiante a cantar e a gravar,<br />
<strong>por</strong>que o <strong>Le</strong>on [Dufficy] é incrível<br />
em gravação, <strong>por</strong>que agora trabalho<br />
num estúdio e não com um gravador<br />
<strong>de</strong> quatro pistas e um mau microfone”.<br />
Resume: “As canções são as mesmas,<br />
a clarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>las é que mudou.”<br />
Isso po<strong>de</strong> torná-las mais perceptíveis,<br />
mais focadas, mas não lhe apaga<br />
as fantasmagorias, não diminui a<br />
chama inquieta <strong>de</strong>sta magnífica folk<br />
que se alimenta <strong>de</strong> um tempo (o presente<br />
da sua “comunida<strong>de</strong>”) e <strong>de</strong> um<br />
lugar: o sopé das montanhas Blue<br />
Ridge on<strong>de</strong> Keith Wood não escolheu<br />
nascer e que, ainda que saltimbanco<br />
<strong>mundo</strong> fora, nunca quis realmente<br />
abandonar.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos pg. 44<br />
22 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Música<br />
Jan<strong>de</strong>k em<br />
Filadélfia,<br />
2008<br />
Quem é Jan<strong>de</strong>k? Parece uma interrogação<br />
banal, ainda que legítima,<br />
mas neste caso tem uma inesperada<br />
relevância ontológica. Isto<br />
<strong>por</strong>que Jan<strong>de</strong>k é uma personagem<br />
e um músico real. Alguém<br />
que apagou e <strong>de</strong>senhou, com<br />
uma música <strong>de</strong>rivada do blues,<br />
bem como do rock, as fronteiras<br />
que separam a arte da<br />
vida. Dirão que não é o único<br />
e aceita-se a justeza do<br />
reparo. Acontece que nunca<br />
antes a cultura popular<br />
conheceu uma narrativa<br />
assim.<br />
Voltemos à pergunta<br />
inaugural.<br />
Uma maneira (rápida)<br />
<strong>de</strong> conhecermos este<br />
músico <strong>de</strong> Houston,<br />
Texas, é ir ao seu concerto<br />
no Auditório <strong>de</strong><br />
Serralves. Em palco,<br />
para conhecedores ou<br />
não, o encontro (promovido <strong>por</strong><br />
Serralves e pela Filho Único) será<br />
mediado pela electricida<strong>de</strong> e numa<br />
actuação a solo com piano e, talvez,<br />
guitarra. Mas <strong>por</strong> trás <strong>de</strong> cada apresentação<br />
ao vivo escon<strong>de</strong>-se sempre<br />
uma história, e a <strong>de</strong> Jan<strong>de</strong>k é tão fascinante<br />
quanto incontornável. Merece,<br />
<strong>de</strong>ve ser contada.<br />
Consi<strong>de</strong>rado um dos autores mais<br />
im<strong>por</strong>tantes do un<strong>de</strong>rground americano,<br />
Jan<strong>de</strong>k representa um projecto<br />
musical iniciado em 1979 e que conta,<br />
actualmente, com mais <strong>de</strong> 50 discos.<br />
Uma das marcas que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, distinguiu<br />
a sua abordagem ao blues e ao<br />
rock foi o menosprezo disciplinado<br />
pelo saber tocar e a melodia. “Ready<br />
For The House” (1978), o primeiro<br />
trabalho, é dominado <strong>por</strong> uma guitarra<br />
e voz em <strong>de</strong>salinho completo,<br />
mas em contrapartida verte uma<br />
expressivida<strong>de</strong> que atira as letras e os<br />
sons contra a pare<strong>de</strong> para investigar<br />
um estilo próprio. E a assinatura singular<br />
<strong>de</strong> Jan<strong>de</strong>k não se <strong>de</strong>teve na<br />
música: esten<strong>de</strong>u-se, também, à imagem.<br />
Na capa do mesmo disco vemos<br />
uma fotografia pouco nítida do interior<br />
<strong>de</strong> um quarto on<strong>de</strong> se vislumbra um<br />
livro <strong>de</strong> Christopher Marlowe, poeta<br />
e dramaturgo inglês do século XVI.<br />
Tratar-se-á da casa <strong>de</strong> Jan<strong>de</strong>k? O que<br />
significa a presença da obra literária?<br />
O que há <strong>de</strong> encenação e verda<strong>de</strong><br />
nesta fotografia?<br />
Desconhecem-se, ainda hoje, as<br />
respostas. Sabe-se, apenas, que foi a<br />
partir <strong>de</strong> uma reunião inédita entre<br />
música difícil e obscura e imagens<br />
misteriosas, aparentemente anónimas,<br />
que Jan<strong>de</strong>k iniciou a sua narrativa.<br />
Um rosto <strong>de</strong>pois da música<br />
A reacção a “Ready For The House”<br />
foi quase nula, mas uma crítica<br />
Uma das marcas<br />
que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />
distinguiu<br />
a sua<br />
abordagem<br />
ao blues<br />
e ao rock foi<br />
o menosprezo<br />
disciplinado<br />
pelo saber tocar<br />
e a melodia<br />
positiva na revista<br />
<strong>de</strong> música alternativa<br />
“Op”<br />
motivou-o a<br />
continuar.<br />
Construir uma<br />
carreira,<br />
<strong>por</strong>ém, não<br />
significava aparecer<br />
publicamente e recolheu-se<br />
ao anonimato e à solidão. Desapareceu.<br />
Não <strong>de</strong>ixou <strong>por</strong> isso <strong>de</strong> fundar<br />
a sua editora<br />
(Cornwood Industries)<br />
e nos anos 80 gravou<br />
17 discos. Pelo meio foi<br />
abrindo a <strong>por</strong>ta a outros<br />
- há uma mulher chamada<br />
Nancy que canta<br />
em “Chair Besi<strong>de</strong> A Window”<br />
(1982) e ouvem-se<br />
outras vozes em “On The<br />
Way” (1988). O som manteve-se<br />
austero e seguro<br />
numa guitarra, eléctrica<br />
ou acústica, e na percussão<br />
<strong>de</strong>sregrada na tradição<br />
dos The Godz ou dos Holy<br />
Modal Roun<strong>de</strong>rs.<br />
Com o tempo, e em discos<br />
como “Follow Your<br />
Footseps”, <strong>de</strong> 1986, ou<br />
“You Walk Alone”, <strong>de</strong> 1988,<br />
foram-se reconhecendo riffs<br />
e acor<strong>de</strong>s que se aproximavam<br />
da canção tradicional<br />
Apesar <strong>de</strong> habitar um tempo paralelo,<br />
edificando aí a sua obra, Jan<strong>de</strong>k não<br />
era totalmente indiferente à história<br />
oficial do pop-rock; evocou tanto o<br />
pós-punk das Raincoats e dos Swell<br />
Maps como Bob Dylan ou Michael Hurley.<br />
E a imprensa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos<br />
EUA estava atenta: críticos como Byron<br />
Coley ou Douglas Wolk começaram a<br />
discutir apaixonadamente o seu trabalho<br />
em revistas “mainstream”.<br />
Na década seguinte continuou prolífico,<br />
secreto, inacessível (só <strong>de</strong>u uma<br />
entrevista) o que não impediu que<br />
vários lhe seguissem as pisadas. Alguns<br />
retiraram ensinamentos: os Smog dos<br />
primeiros anos “roubaram-lhe” a instrumentação<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ira, os Low inspiravam-se<br />
na forma como <strong>de</strong>ixava<br />
respirar o estúdio e os Charalambi<strong>de</strong>s<br />
(também <strong>de</strong> Houston) apren<strong>de</strong>ram<br />
com os espaços que ele criara entre a<br />
voz e a guitarra.<br />
Reconhecida a obra, faltava conhecer<br />
o artista, mas o homem (que dizem<br />
chamar-se Sterling Richard Smith) foise<br />
furtando a revelações em carne e<br />
osso. Das letras (terrível, duras, oníricas)<br />
ainda ninguém ousou dizer que<br />
têm algo <strong>de</strong> autobiográfico. Restam as<br />
capas dos discos. E é ele que vemos<br />
com ida<strong>de</strong>s, roupas e penteados diferentes,<br />
em quartos ou diante <strong>de</strong> alpendres.<br />
Há imagens que remetem para<br />
iconografias familiares (Robert Johnson,<br />
Dylan, Nick Cave, talvez Tim<br />
Buckley) e <strong>de</strong>notam um uso consciente<br />
da capa como su<strong>por</strong>te fotográfico <strong>de</strong><br />
um auto-retrato; outras mostram baterias,<br />
guitarras, espaços exteriores <strong>de</strong><br />
uma cida<strong>de</strong> (éramos capazes <strong>de</strong> jurar<br />
que cita William Eggleston). Todas<br />
parecem confluir para a construção<br />
<strong>de</strong> uma personagem.<br />
A confirmação final <strong>de</strong> que aquele<br />
era o seu rosto, e não o <strong>de</strong> uma figura<br />
inventada, aconteceu em 2004, na<br />
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Glasgow e num contexto<br />
novo: o primeiro concerto ao vivo. Jan<strong>de</strong>k<br />
quebrava assim, <strong>de</strong> forma inesperada,<br />
um isolamento <strong>de</strong> décadas para<br />
se revelar enquanto pessoa pública,<br />
performer num palco - e nos últimos<br />
quatros anos até hoje, na Europa e nos<br />
EUA, outros concertos têm sido organizados<br />
com diversos músicos e, quase<br />
sempre, feitos <strong>de</strong> material inédito.<br />
Para os fãs e para o público trata-se<br />
do momento mais bizarro da história<br />
do músico, mas também, talvez, o<br />
mais <strong>de</strong>sejado. Afinal Jan<strong>de</strong>k sempre<br />
agiu segundo os seus apetites. Tocou,<br />
gravou e mostrou-se apenas e quando<br />
quis. Po<strong>de</strong>mos imaginá-lo como um<br />
artista interessado em interrogar as<br />
nossas noções <strong>de</strong> celebrida<strong>de</strong>, autoria,<br />
ficção. Ou apenas como alguém que<br />
construiu o seu próprio palco e <strong>de</strong>le<br />
tentou a sorte. Um escritor <strong>de</strong> canções,<br />
uma personagem chamada Jan<strong>de</strong>k.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 40 e<br />
A música, o palco<br />
e a vida<br />
Amanhã no Auditório <strong>de</strong> Serralves vai estar uma das personagens mais fascinantes<br />
da música contem<strong>por</strong>ânea. Vai <strong>de</strong>ixar no palco canções (da sua) vida. José Marmeleira<br />
24 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009<br />
segundo Jan<strong>de</strong>k
Música<br />
Il Giardino Armonico, um dos mais<br />
carismáticos agrupamentos italianos<br />
especializados no repertório barroco,<br />
cumpre 25 anos em 2010, mas a rotina<br />
é palavra que não faz parte do seu vocabulário.<br />
Descoberta, experimentação<br />
e revolução são termos mais a<strong>de</strong>quados<br />
para caracterizar o percurso do multipremiado<br />
grupo dirigido pelo flautista<br />
Giovanni Antonini, on<strong>de</strong> a trepidante<br />
interpretação <strong>de</strong> “As Quatro Estações”,<br />
<strong>de</strong> Vivaldi (1994) ou o “Vivaldi Album”,<br />
com Cecilia Bartoli (1999), para citar<br />
apenas dois dos registos mais mediáticos,<br />
marcaram <strong>de</strong>finitivamente o rumo<br />
da música antiga nas últimas décadas.<br />
Falando <strong>de</strong> aniversários, em 2009<br />
assinalam-se os 250 anos da morte <strong>de</strong><br />
Han<strong>de</strong>l e os 200 anos da morte <strong>de</strong><br />
Haydn, efeméri<strong>de</strong>s que preenchem<br />
uma boa parte da agenda <strong>de</strong> Il Giardino<br />
Armonico. A gravação dos 12 “Concerti<br />
Grossi” op. 6, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l (uma caixa <strong>de</strong><br />
três CDs editada pela Decca) será lançada<br />
em Portugal no final <strong>de</strong> Janeiro,<br />
mas já no próximo domingo será possível<br />
ouvir ao vivo, no Centro Cultural<br />
<strong>de</strong> Belém, alguns <strong>de</strong>stes concertos nas<br />
versões do grupo italiano. O programa<br />
inclui ainda o famoso Concerto op. 5,<br />
nº12, “La Folia”, <strong>de</strong> Geminiani, e o<br />
Concerto em Fá Maior para flauta, cordas<br />
e baixo contínuo, <strong>de</strong> Giuseppe Sammartini.<br />
Para Giovanni Antonini, os Concertos<br />
op. 6, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, são “um monumento<br />
da música barroca, com uma im<strong>por</strong>tância<br />
comparável à dos Concertos Bran<strong>de</strong>burgueses”,<br />
<strong>de</strong> Bach, ou à colecção<br />
“L’Estro Armonico”, <strong>de</strong> Vivaldi, mas<br />
têm sido subvalorizados. “Fazem parte<br />
dos nossos programas há muitos anos,<br />
pelo que o resultado <strong>de</strong>sta gravação<br />
é como uma fotografia<br />
actual <strong>de</strong> um longo trabalho<br />
<strong>de</strong> aprofundamento interpretativo.”<br />
Antonini realça que<br />
cada concerto encerra<br />
“um <strong>mundo</strong> expressivo<br />
diferente” e que o conjunto<br />
constitui “uma espécie<br />
<strong>de</strong> enciclopédia das<br />
formas musicais barrocas”.<br />
A interpretação procura<br />
“sublinhar a componente<br />
dramática da música,<br />
diferenciando-se da abordagem<br />
da escola inglesa,<br />
que tem vincado sobretudo<br />
a vertente celebrativa e a grandiloquência”.<br />
Antonini refere que esses “são<br />
aspectos que também existem na obra<br />
<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l - <strong>por</strong> exemplo, na “Música<br />
para os Reais Fogos <strong>de</strong> Artifício” ou no<br />
“Messias” - mas que nos Concertos op.<br />
6 se distinguem <strong>por</strong> “uma ligeireza e<br />
uma exploração <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s contrastes<br />
muito próxima do espírito teatral italiano”.<br />
“Creio que essa dimensão<br />
po<strong>de</strong>rá distinguir a nossa versão <strong>de</strong><br />
outras, como a <strong>de</strong> Trevor Pinnock ou a<br />
<strong>de</strong> Christopher Hogwood, que sublinham<br />
mais uma beleza <strong>de</strong> carácter<br />
estetizante.”<br />
O sabor italiano não é <strong>de</strong> todo forçado,<br />
já que o concerto grosso é uma<br />
forma dramática baseada em contrastes,<br />
on<strong>de</strong> um pequeno grupo <strong>de</strong> solistas<br />
e um grupo orquestral maior estão em<br />
permanente confronto, imitação ou<br />
colaboração. Para Antonini “a música<br />
Han<strong>de</strong>l<br />
contra a rotina<br />
“Estamos sempre<br />
interessados em<br />
música extrema, que<br />
revele uma certa<br />
ousadia<br />
experimental”, diz<br />
Antonini<br />
Na sua recente gravação dos “Concerti Grossi”, op. 6, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l,<br />
Giovanni Antonini e Il Giardino Armonico quiseram <strong>de</strong>stacar-se<br />
das interpretações inglesas <strong>de</strong> referência e realçar a teatralida<strong>de</strong><br />
italiana. A ouvir no domingo, ao vivo, no Centro Cultural <strong>de</strong><br />
Belém, <strong>Lisboa</strong>. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l não é só dramática nas<br />
óperas, a sua teatralida<strong>de</strong> também está<br />
presente no repertório instrumental”.<br />
I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />
Des<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007, que Il Giardino<br />
Armonico é o grupo barroco resi<strong>de</strong>nte<br />
do Centro Cultural Miguel Delibes <strong>de</strong><br />
Valhadolid. A colaboração com esta<br />
instituição espanhola contemplou a<br />
gravação dos Concertos op. 6 e implica<br />
vários outros projectos relacionados<br />
com Han<strong>de</strong>l e Haydn ao longo <strong>de</strong> 2009.<br />
A próxima produção será em torno das<br />
Sinfonias <strong>de</strong> Haydn do período Sturm<br />
und Drang, cujo carácter experimental<br />
vem especialmente ao encontro da<br />
linha <strong>de</strong> trabalho do grupo. “Estamos<br />
sempre interessados em música<br />
extrema, que revele uma certa ousadia<br />
experimental”, diz Antonini, lamentando<br />
que o gosto pela <strong>de</strong>scoberta se<br />
esteja a per<strong>de</strong>r. “Nos últimos 20 ou 25<br />
anos atingiu-se um nível técnico e <strong>de</strong><br />
conhecimento musical muito elevado,<br />
mas em contrapartida entrou-se na<br />
rotina interpretativa. Mas nós tentamos<br />
manter o gosto pela novida<strong>de</strong> e ir evoluindo.<br />
Não queremos ficar prisioneiros<br />
<strong>de</strong> esquemas. A música antiga entrou<br />
num sistema produtivo, que é o da<br />
música clássica em geral, muito propício<br />
ao conformismo.”<br />
Há também mudanças positivas a<br />
assinalar como o interesse das instituições<br />
e das orquestras mo<strong>de</strong>rnas pelas<br />
práticas <strong>de</strong> execução históricas. Antonini<br />
é convidado cada vez com mais<br />
frequência para dirigir agrupamentos<br />
convencionais e já chegou a actuar<br />
como flautista e maestro com a Filarmónica<br />
<strong>de</strong> Berlim. Em Março dirige a<br />
ópera “Alcina”, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, à frente da<br />
orquestra do Teatro alla scala <strong>de</strong> Milão,<br />
um feito digno <strong>de</strong> nota tendo em conta<br />
as tradições conservadoras da maior<br />
parte dos teatros italianos.<br />
O trabalho com intérpretes que<br />
tocam instrumentos mo<strong>de</strong>rnos tem<br />
sido aliciante, embora os resultados<br />
variem muito. “Depen<strong>de</strong> do interesse<br />
que os músicos têm, mas quando querem<br />
mesmo aprofundar o estilo po<strong>de</strong><br />
ser muito gratificante.”<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista prático, as maiores<br />
dificulda<strong>de</strong>s encontram-se geralmente<br />
na secção das cordas. “Tocar música<br />
barroca com um arco mo<strong>de</strong>rno é muito<br />
mais difícil <strong>por</strong>que está feito para outro<br />
tipo <strong>de</strong> técnica. O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio é em<br />
apenas dois ou três dias <strong>de</strong> ensaio comunicar<br />
conceitos estéticos, quando os<br />
meios técnicos para os pôr em prática<br />
não são os da época”, explica Antonini.<br />
“Às vezes funciona e chegamos a um<br />
terço do resultado. Não é o resultado<br />
dos instrumentos antigos nem o dos<br />
instrumentos mo<strong>de</strong>rnos, é algo intermédio,<br />
que mesmo assim po<strong>de</strong> ter uma<br />
gran<strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong>. As orquestras mo<strong>de</strong>rnas<br />
confrontam-se com um repertório<br />
que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Vivaldi aos contem<strong>por</strong>âneos<br />
e é impossível saber fazer tudo. A<br />
nossa vida musical contempla obras <strong>de</strong><br />
todas as épocas e <strong>de</strong>vemos dividirmonos,<br />
umas vezes somos antigos, outras<br />
mo<strong>de</strong>rnos! Esta é talvez a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />
nosso tempo, que no fundo acaba <strong>por</strong><br />
não ter uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria. Ou<br />
melhor, a marca do nosso tempo é ter<br />
tantas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s diferentes.”<br />
O carismático<br />
Il Giardino<br />
Armonico<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 25
Paulo Nozolino<br />
“Vivemos num <strong>mundo</strong> sujo”<br />
São 32 imagens inéditas, em pequeno formato, que parecem estar a ser consumidas pelo fogo.<br />
Não têm data, nem título, vão <strong>de</strong> 1976 até hoje. “bone lonely” é a nova exposição <strong>de</strong> Paulo<br />
Nozolino, a primeira individual em <strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há oito anos. Inaugurou ontem na Galeria<br />
Quadrado Azul. Óscar Faria<br />
Exposições<br />
Há uma solidão que chega ao osso. E<br />
nunca mais nos abandona. Atravessase<br />
o <strong>mundo</strong> e vê-se essa sombra cada<br />
vez mais vasta, <strong>por</strong>que o medo corrompe<br />
a paisagem, e a <strong>de</strong>lação contamina<br />
os humanos. “bone lonely” é a<br />
nova exposição <strong>de</strong> Paulo Nozolino,<br />
ontem inaugurada na Galeria Quadrado<br />
Azul.<br />
Uma individual que marca o<br />
regresso do fotógrafo a <strong>Lisboa</strong>,<br />
cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> já não apresentava<br />
trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001.<br />
São 32 imagens inéditas,<br />
em pequeno formato,<br />
que parecem<br />
estar a ser consumidas<br />
pelo fogo. Não datadas - o arco<br />
tem<strong>por</strong>al vem <strong>de</strong> 1976 até ao presente<br />
-, sem título, elas formam um<br />
contínuo, uma linha <strong>de</strong> escombros.<br />
Morte, i<strong>de</strong>ologia, ruína, sexo, consumo<br />
e usura são temas centrais<br />
<strong>de</strong>sta exposição, que<br />
viajará, ainda este ano, para os<br />
Encontros <strong>de</strong> Fotografia <strong>de</strong> Arles, em<br />
França. Em paralelo será lançado um<br />
livro, editado pela alemã Steidl, com<br />
poemas em inglês <strong>de</strong> Rui Baião.<br />
Qual é o tempo que abarcam as<br />
imagens na exposição?<br />
Esta série não tem data, nem título,<br />
nem localização. Estou farto que<br />
olhem para as minhas imagens e as<br />
reduzam a questões <strong>de</strong> tamanho e <strong>de</strong><br />
técnica. As fotografias vão <strong>de</strong> 1976 a<br />
2008: são provas únicas, todas verticais<br />
e <strong>de</strong> pequena dimensão - têm<br />
como objectivo fazer com que o<br />
espectador vá perto <strong>de</strong>las e<br />
tente <strong>de</strong>cifrar o que lá está.<br />
Nozolino, à<br />
esquerda,<br />
reveu todas as<br />
provas <strong>de</strong><br />
contacto<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973<br />
para escolher<br />
as fotografias:<br />
“Acabo<br />
sempre <strong>por</strong><br />
voltar aos<br />
escombros da<br />
II Guerra<br />
Mundial, que é<br />
o ponto <strong>de</strong><br />
partida da<br />
exposição”<br />
THOMAS CANET
O fundamental nesta exposição é a<br />
sequência das imagens.<br />
As fotografias são todas inéditas.<br />
Por que razão só agora são<br />
reveladas?<br />
Faço uma exposição quando sinto que<br />
tenho alguma coisa para dizer. Esta é<br />
a primeira mostra individual em <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, trabalhei nela<br />
durante mais <strong>de</strong> um ano para tentar<br />
respon<strong>de</strong>r a uma questão que me atormenta:<br />
como se vive hoje?<br />
Para obter a resposta foi<br />
necessário rever um percurso,<br />
olhar novamente para imagens<br />
<strong>por</strong>ventura esquecidas.<br />
Durante o processo <strong>de</strong> escolha<br />
das fotografias houve algum<br />
sentimento que prevaleceu?<br />
Mais do que numa exposição, estou<br />
sempre a pensar num livro e impus,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio, que elas seriam verticais.<br />
Esta já é uma restrição que <strong>de</strong><br />
uma certa maneira ajuda a rever o<br />
passado. Para esta mostra revi todas<br />
as provas <strong>de</strong> contacto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973 e<br />
fui escolhendo fotografias que fossem<br />
<strong>de</strong> alguma maneira notas musicais<br />
para uma espécie <strong>de</strong> melodia que<br />
estava a tentar com<strong>por</strong>. Tinha uma<br />
noção muito certa qual era o tempo,<br />
no sentido musical, qual era a cadência,<br />
o peso, a ressonância que as imagens<br />
tinham <strong>de</strong> ter.<br />
O confronto com tantas provas<br />
possibilitou certamente uma<br />
reflexão acerca do próprio modo<br />
<strong>de</strong> fotografar. Que diferenças há<br />
entre uma imagem captada há 30<br />
anos e outra em 2008?<br />
Um olhar retrospectivo é sempre<br />
mais distante, <strong>por</strong>que o tempo faz<br />
isso. É agradável ver que essas imagens<br />
existem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1976. O sentimento<br />
que me move agora já me<br />
movia nessa altura.<br />
Há <strong>por</strong>tanto um fio condutor...<br />
Sempre houve.<br />
É capaz <strong>de</strong> o <strong>de</strong>screver?<br />
Parte <strong>de</strong> uma pergunta algo filosófica:<br />
o que é que estou aqui a fazer? Qual<br />
é o meu lugar neste <strong>mundo</strong>? No<br />
fundo, trata-se <strong>de</strong> saber quem sou eu,<br />
como vivo e como vejo: tudo isto reunido<br />
dá fotografias, que po<strong>de</strong>m ficar<br />
esquecidas ou latentes em provas <strong>de</strong><br />
contacto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixas, durante<br />
anos. Até que <strong>de</strong>pois são revistas e<br />
lhes é atribuído um outro significado.<br />
Neste momento, quase não im<strong>por</strong>ta<br />
aquilo que fotografo, a essência está<br />
na carga dada àquilo que foi fotografado.<br />
As imagens estão cada vez mais<br />
simples, a preocupação estética é<br />
cada vez menor.<br />
O que quer dizer com<br />
preocupação estética?<br />
É fazer uma fotografia que seja “agradável.”<br />
Alguma vez o moveu fazer uma<br />
imagem <strong>de</strong>sse tipo?<br />
No início, isso move qualquer fotógrafo:<br />
uma imagem feita para agradar<br />
aos outros. O que me move agora é<br />
não agradar aos outros, o que faz com<br />
que talvez agra<strong>de</strong> a alguns, mas<br />
sobretudo a mim. Obviamente, o<br />
facto <strong>de</strong> ter começado a escolher imagens<br />
e a ampliá-las <strong>de</strong>sta forma um<br />
bocado <strong>de</strong>sleixada e suja - o papel é<br />
velado, mal fixado -, criou em mim<br />
uma apetência <strong>por</strong> produzir coisas<br />
imperfeitas.<br />
Percebe-se nesta exposição que,<br />
<strong>de</strong> facto, houve essa vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> agir directamente sobre as<br />
imagens, “sujando-as”...<br />
Por um lado, vivemos num <strong>mundo</strong><br />
sujo, que muitos não querem ver,<br />
<strong>por</strong> outro, vivemos ro<strong>de</strong>ados <strong>de</strong> imagens<br />
limpas, assépticas, a cores,<br />
coladas em su<strong>por</strong>tes plásticos, em<br />
gran<strong>de</strong>s formatos, coisas que me dão<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vomitar. Isto é uma reacção<br />
contra o <strong>mundo</strong> que me ro<strong>de</strong>ia:<br />
o da arte e o da vida real. Quando<br />
saio para a rua vejo pessoas com<br />
fome, bolor, prédios a caírem aos<br />
bocados. Vejo tudo a esmorecer à<br />
minha volta, algo que correspon<strong>de</strong><br />
ao meu estado <strong>de</strong> alma.<br />
“A exposição é um<br />
trabalho sobre um ser<br />
só que olha para os<br />
escombros, alguém<br />
que já não tem ilusões<br />
<strong>de</strong> que está a viver<br />
num <strong>mundo</strong> regido<br />
<strong>por</strong> falanges<br />
cinzentas e on<strong>de</strong><br />
reina a <strong>de</strong>lação e o<br />
pânico. Este homem<br />
vai produzindo<br />
imagens surdas sobre<br />
o bolor, a fome e o<br />
frio”<br />
A sua biografia foi também<br />
im<strong>por</strong>tante para a construção <strong>de</strong><br />
“bone lonely”?<br />
Se o momento fosse diferente não<br />
haveriam imagens, <strong>por</strong>que isso significava<br />
que estaria a ter prazer naquilo<br />
que vivo e faço. O prazer é a completa<br />
antítese do <strong>de</strong>sejo. O <strong>de</strong>sejo motivado<br />
pela paixão é o motor da criação. Se<br />
estivesse a ter prazer não fazia estas<br />
imagens, nem as escolhia.<br />
Quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> realizar uma<br />
imagem é possível precisar a<br />
sensação que o habita?<br />
Ela significar algo <strong>de</strong> profundo para<br />
mim. É fundamental que estejam ligadas<br />
à minha vida, <strong>por</strong>que se não estaria<br />
a contribuir para a feira das vaida<strong>de</strong>s<br />
e para o mercado das inutilida<strong>de</strong>s.<br />
Faço isto para mim, para me<br />
certificar que há um equivalente<br />
visual para aquilo que sinto. A exposição<br />
é um trabalho sobre um ser só<br />
que olha para os escombros, alguém<br />
que já não tem ilusões <strong>de</strong> que está a<br />
viver num <strong>mundo</strong> regido <strong>por</strong> falanges<br />
cinzentas e on<strong>de</strong> reina a <strong>de</strong>lação e o<br />
pânico. Este homem vai produzindo<br />
imagens surdas sobre o bolor, a fome<br />
e o frio. “bone lonely” é mais um trabalho<br />
<strong>de</strong> dissidência em relação à<br />
hipocrisia global que tenta ven<strong>de</strong>r a<br />
imagem da felicida<strong>de</strong> às pessoas.<br />
Sinto-me só, sinto-me <strong>de</strong>siludido,<br />
mas <strong>por</strong> outro lado há uma espécie<br />
<strong>de</strong> serenida<strong>de</strong> interior <strong>por</strong> ter chegado<br />
a estas conclusões.<br />
Não há uma vitalida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong> fazer<br />
e <strong>de</strong> ex<strong>por</strong>, que acompanha essa<br />
solidão?<br />
Tenho sempre a sensação que a<br />
doença, a angústia está lá. Po<strong>de</strong><br />
tomar-se um ansiolítico para a tirar,<br />
mas ela volta sempre. Po<strong>de</strong> fazer-se<br />
uma exposição, um livro, po<strong>de</strong><br />
mesmo ter-se a ilusão <strong>de</strong> que essa partilha<br />
é boa, contudo, já não dou muito<br />
valor a isto. A única coisa re<strong>de</strong>ntora<br />
em continuar a trabalhar é saber que<br />
as imagens po<strong>de</strong>rão ser intem<strong>por</strong>ais.<br />
As fotografias têm <strong>de</strong> sobreviver in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
<strong>de</strong> mim, como uma<br />
espécie <strong>de</strong> legado do meu tempo.<br />
A sequência das fotografias é<br />
cronológica?<br />
Não, <strong>por</strong>que a cronologia pouco interessa<br />
aqui. As fotografias têm uma<br />
história subjacente que está encriptada.<br />
Ela só será totalmente <strong>de</strong>cifrada<br />
<strong>por</strong> pessoas que conhecem o meu<br />
trabalho e têm preocupações comuns.<br />
Esta é uma exposição para pessoas<br />
que querem tentar perceber aquelas<br />
imagens.<br />
O livro que acompanha esta<br />
exposição tem poemas <strong>de</strong> Rui<br />
Baião. Como <strong>de</strong>correu esta<br />
colaboração?<br />
“bone lonely” é feito durante quase<br />
um ano e meio. De uma certa maneira,<br />
os poemas que o Rui Baião me entregou<br />
no Verão <strong>de</strong> 2007, numa forma<br />
ainda muito ru<strong>de</strong>, activaram em mim<br />
a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar nas coisas uma<br />
vez mais. Entretanto, os poemas foram<br />
evoluindo e as fotografias tomando<br />
forma. Foi um trabalho muito intenso<br />
e <strong>de</strong> <strong>de</strong>puração feito a dois.<br />
Há alguma equivalência entre<br />
imagens e textos?<br />
A fotografia não age como ilustração<br />
e vice-versa. Estamos ambos com a<br />
mesma ida<strong>de</strong>, a viver praticamente a<br />
500 metros um do outro, em <strong>Lisboa</strong>,<br />
e a vermo-nos quase todos os dias.<br />
Esta proximida<strong>de</strong> provoca uma reflexão<br />
muito mais aguda do que se cada<br />
um estivesse a trabalhar para seu lado.<br />
O livro arranca com 32 imagens, suce<strong>de</strong>m-se<br />
outros tantos poemas em<br />
inglês. São duas maneiras <strong>de</strong> olhar<br />
para o <strong>mundo</strong> com muitos pontos em<br />
comum. A mistura é eficaz.<br />
A exposição marca também uma<br />
nova fase da sua vida: o regresso<br />
a <strong>Lisboa</strong>, a sua cida<strong>de</strong> natal,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> oito anos a<br />
viver no Porto. O que sobreviveu<br />
<strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>?<br />
Sobrevive pouco. Foi um período<br />
intenso da minha vida, no qual vivi<br />
muito feliz e tive uma exposição antológica<br />
em Serralves. Depois seguiu-se<br />
o inevitável período <strong>de</strong> tédio com a<br />
pequenez do lugar. E as incontornáveis<br />
querelas intelectuais com as pessoas<br />
próximas e a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> uma<br />
certa hipocrisia. Isso foi uma espécie<br />
<strong>de</strong> surpresa, mas tratou-se <strong>de</strong> uma<br />
fase da minha vida, que passou.<br />
“bone lonely” reflecte esse<br />
tédio?<br />
Não. Sempre achei que a arte era uma<br />
espécie <strong>de</strong> antevisão da vida. Em<br />
todos os trabalhos que tenho feito<br />
sinto que estou a trabalhar em algo<br />
que vou viver mais tar<strong>de</strong>. Não é uma<br />
reacção, é uma espécie <strong>de</strong> premonição<br />
das coisas que irão acontecer.<br />
Quando começo a trabalhar na<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 27
As imagens<br />
também<br />
po<strong>de</strong>m ser<br />
entendidas<br />
como uma<br />
reflexão sobre<br />
o pós-11 <strong>de</strong><br />
Setembro<br />
exposição é quase a sentir que há<br />
uma felicida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sfazer-se, há um<br />
local que para mim começa a per<strong>de</strong>r<br />
interesse e finalmente só po<strong>de</strong>mos<br />
ter alguma verda<strong>de</strong> neste trabalho se<br />
o levarmos até às últimas consequências.<br />
O que <strong>de</strong>pois acontece à nossa<br />
vida já é indiferente.<br />
As fotografias po<strong>de</strong>m ser<br />
agrupadas tematicamente:<br />
morte, i<strong>de</strong>ologia, ruína, sexo<br />
e consumo são alguns dos<br />
assuntos abordados pelas<br />
imagens. Há, contudo, um<br />
que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar-se, até pela<br />
relação possível <strong>de</strong> estabelecer<br />
com alguns poemas <strong>de</strong> Ezra<br />
Pound, que é o da usura...<br />
Acabo sempre <strong>por</strong> voltar aos escombros<br />
da II Guerra Mundial, que é o<br />
ponto <strong>de</strong> partida da exposição. On<strong>de</strong><br />
estamos <strong>de</strong>pois do que aconteceu em<br />
1945? É pensar não só na reconstrução<br />
da Europa, mas também nas falhas<br />
dos sistemas, quer o capitalista, quer<br />
o comunista. Voltar a passar pelo<br />
genocídio da Bósnia e chegar à conclusão<br />
<strong>de</strong> que o crime perdura. A<br />
reconstrução não se vê. Há edifícios<br />
inacabados, cassetes que pingam sangue,<br />
i<strong>de</strong>ologias sem sentido. Sexo em<br />
casas <strong>de</strong> alterne, homens que discutem<br />
em bares. O neo-fascismo em que<br />
vivemos. O medo e o pânico. O terror<br />
global. No fundo, sermos prisioneiros<br />
da liberda<strong>de</strong> que nos tentaram ven<strong>de</strong>r<br />
e pela qual pagámos caro.<br />
Po<strong>de</strong>m ser estas imagens também<br />
entendidas como uma reflexão<br />
acerca do pós-11 <strong>de</strong> Setembro?<br />
Sem dúvida. O 11 <strong>de</strong> Setembro<br />
mudou tudo. É inevitável termos <strong>de</strong><br />
pensar que estamos num <strong>mundo</strong> no<br />
qual a procura da “felicida<strong>de</strong>” - que<br />
fez pessoas endividarem-se e comprarem<br />
viagens para irem para o Brasil<br />
<strong>de</strong>itarem-se <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> coqueiros<br />
a pensar ser era essa a solução - po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong>struída <strong>por</strong> um indivíduo com<br />
uma botija <strong>de</strong> gás e um <strong>de</strong>spertador,<br />
a viver algures, num apartamento<br />
sórdido. Nós tentamos viver, essa pessoa<br />
quer morrer. Como se po<strong>de</strong><br />
ganhar a luta contra tal tenacida<strong>de</strong>?<br />
Numa das fotografias da<br />
exposição há um puzzle on<strong>de</strong> se<br />
vê uma paisagem a que falta uma<br />
peça. Que peça é esta?<br />
Sou eu. O <strong>mundo</strong> é como é e, embora<br />
não consiga mudar a paisagem do<br />
puzzle, aquilo que ainda posso fazer<br />
é não me encaixar nela.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> exposições pág. 29<br />
28 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Exposições<br />
“Bone Lonley”, Paulo Nozolino<br />
Contra<br />
mundum<br />
Trinta e duas imagens<br />
<strong>de</strong> resistência ao <strong>mundo</strong>.<br />
Óscar Faria<br />
Bone Lonely<br />
De Paulo Nozolino.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Quadrado Azul - <strong>Lisboa</strong>. Largo dos<br />
Stephens, 4. Tel.: 213476280. Até 21/02. 3ª a Sáb. das<br />
13h às 20h.<br />
Fotografia.<br />
mmmmm<br />
<strong>Le</strong>mbremos a frase <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong><br />
“Quel Che Resta di Auschwitz”, livro<br />
escrito em 1998 <strong>por</strong> Giorgio Agamben:<br />
“Num campo, uma das razões para<br />
sobreviver, é a <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>mos<br />
tornarmo-nos uma testemunha.” O<br />
poeta Yitskhok Katzenelson, um dos<br />
gaseados nesse lugar infame, <strong>de</strong>ixounos<br />
em herança um texto intitulado<br />
“O Canto do Povo Ju<strong>de</strong>u Assassinado”,<br />
composto <strong>por</strong> versos escritos em<br />
yiddish, numa prisão para<br />
“personalida<strong>de</strong>s” situada em Vittel,<br />
entre 3 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1943 e 18 <strong>de</strong><br />
Janeiro <strong>de</strong> 1944. “Exterminaram-nos a<br />
todos sobre esta terra, do mais<br />
pequeno ao mais/ gran<strong>de</strong>,<br />
assassinaram-nos a todos” lê-se na<br />
última parte do poema (XV, “Depois<br />
do Fim”), que termina assim: “Não se<br />
amontoem numa bola <strong>de</strong> matéria para<br />
aniquilar os maus <strong>de</strong>ste <strong>mundo</strong>,<br />
<strong>de</strong>ixem-nos <strong>de</strong>struírem-se a eles<br />
próprios sobre esta terra!”<br />
Os escombros da II Guerra Mundial<br />
são o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> “bone<br />
lonely”. A viagem proposta na<br />
exposição <strong>de</strong> Paulo Nozolino traduz o<br />
estado <strong>de</strong> incerteza que hoje se vive,<br />
mas essa inquietu<strong>de</strong> tem uma origem<br />
e essa é a do mal absoluto,<br />
simbolizado <strong>por</strong> Auschwitz - e no<br />
momento presente pelos<br />
acontecimentos em Gaza.<br />
Ninguém<br />
sobreviveu<br />
àquele lugar:<br />
cada um <strong>de</strong><br />
nós vive<br />
recluso <strong>de</strong><br />
uma época<br />
sem fim, na<br />
qual a barbárie<br />
continua a ditar,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o campo<br />
<strong>de</strong> concentração,<br />
a lei. Homens<br />
sós, resta-nos<br />
olhar e<br />
testemunhar esse<br />
crime sem legenda<br />
possível: <strong>por</strong> isso as<br />
imagens surgemnos<br />
na penumbra,<br />
numa linha<br />
contínua, sem data,<br />
nem geografia, ao<br />
contrário do que tinha<br />
acontecido até agora<br />
no percurso <strong>de</strong><br />
Nozolino. Captadas nos<br />
últimos trinta anos,<br />
estas fotografias,<br />
inéditas, procuram<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
A dança, como coreografia<br />
da sedução, sempre<br />
interesssou Picasso<br />
revelar silêncios, o não dito, o<br />
abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, a usura.<br />
Escutamos agora Ezra Pound,<br />
que, em 1942, recusou a permissão<br />
para ser evacuado, juntamente com<br />
alguns dos seus compatriotas, <strong>de</strong><br />
Itália para <strong>Lisboa</strong>. Ouvimos a sua<br />
“Voz da Europa”, uma das alocuções<br />
que o levaram a ser acusado <strong>de</strong> traição<br />
pelos Estados Unidos, tendo, <strong>por</strong> isso,<br />
sido internado no St Elizabeths<br />
Hospital for the Criminally Insane, um<br />
manicómio on<strong>de</strong> ficará mais <strong>de</strong> uma<br />
década e do qual só irá sair em 1958, já<br />
com setenta e dois anos. São palavras<br />
<strong>de</strong> um Pound fascista, transmitidas na<br />
Rádio Roma, a 28 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1942:<br />
“Até on<strong>de</strong> a minha memória chega, a<br />
América quis a diplomacia do dólar.<br />
Não ten<strong>de</strong>s quaisquer escrúpulos com<br />
a diplomacia do dólar, com essa<br />
penetração comercial a pretexto da<br />
expansão do domínio; faz agora<br />
quarenta anos, ainda eu não tinha o<br />
Dodge preto.” (in “Esta é a Voz da<br />
Europa”, Hugin Editores, <strong>Lisboa</strong>,<br />
1996).<br />
De um lado o campo <strong>de</strong><br />
concentração, do outro a expansão do<br />
domínio. E ainda há os totalitarismos<br />
e a pequenez da <strong>de</strong>lação. Ninguém<br />
está imune. Há o lixo que se amontoa.<br />
I<strong>de</strong>ologias ar<strong>de</strong>m: <strong>Le</strong>nine e Estaline,<br />
os carros parados, cobertos <strong>de</strong> neve<br />
americana, as chaminés sem fumo. A<br />
revolução industrial há muito que<br />
estagnou e o neo-liberalismo não tem<br />
saída, tal como do outro lado dos<br />
muros não há solução. Um homem<br />
está parado no meio <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>struição,<br />
“bone lonely.” Testemunha que “nada<br />
dura para sempre”; sente “a carne a<br />
envelhecer e prova a saliva seca na sua<br />
boca” (excertos da apresentação do<br />
livro que acompanha a exposição, a<br />
ser editado pela Steidl, em Maio <strong>de</strong>ste<br />
ano, com poemas em inglês <strong>de</strong> Rui<br />
Baião). Tenta resistir dando-nos a ver<br />
imagens <strong>de</strong>sse anunciado <strong>de</strong>stino,<br />
<strong>por</strong>que estas são também imagens <strong>de</strong><br />
guerra: “contra mundum”, elas<br />
<strong>de</strong>safiam qualquer crença aceite sem<br />
discussão.<br />
Tente-se o jogo da adivinha. São 32<br />
imagens a preto e branco colocadas<br />
numa sequência não cronológica,<br />
quase coladas umas às outras. O<br />
formato é pequeno. Sabe-se que<br />
foram captadas entre 1976 e 2008. A<br />
primeira mostra prédios em ruína:<br />
Londres após o Blitz, fotografia tirada<br />
no Imperial War Museum. A última<br />
revela uma re<strong>de</strong> em arame,<br />
pontiaguda nas pontas: mais ruínas,<br />
as do fórum romano, em Roma. Nada<br />
está <strong>de</strong> pé, contudo a história<br />
testemunha os acontecimentos: os<br />
impérios caíram, as i<strong>de</strong>ologias ruíram,<br />
os homens retiraram-se para uma<br />
noite que percorrem sem saberem<br />
muito bem <strong>por</strong>quê. Entre estas obras,<br />
há imagens <strong>de</strong> morte, <strong>de</strong> uma<br />
morgue, <strong>de</strong> funerárias, <strong>de</strong> mortos, <strong>de</strong><br />
prédios, <strong>de</strong> colchões, <strong>de</strong> tanques <strong>de</strong><br />
lavar a roupa, <strong>de</strong> um sem abrigo, <strong>de</strong><br />
um bar <strong>de</strong> alterne, <strong>de</strong> estreitos<br />
corredores, <strong>de</strong> graffitis, <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s<br />
sem saída, <strong>de</strong> sombras, <strong>de</strong> montras,<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos. Angeiras e Sarajevo,<br />
<strong>Lisboa</strong> e Berlim. Não existe passado,<br />
nem futuro. Apenas tédio. E está tudo<br />
a ar<strong>de</strong>r, está tudo coberto <strong>de</strong> sujida<strong>de</strong><br />
nestas fotografias on<strong>de</strong> um único<br />
corpo se <strong>de</strong>spe para<br />
nós, <strong>de</strong> frente, oferecendo-nos<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sexo, sonhado <strong>de</strong><br />
encontro a um vidro on<strong>de</strong> a<br />
<strong>por</strong>nografia é vizinha <strong>de</strong> um<br />
esqueleto.<br />
“Cadáveres dispostos no banquete/<br />
às or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> usura”, assim se po<strong>de</strong><br />
resumir, com recurso ao célebre canto<br />
XLV, <strong>de</strong> Ezra Pound, “bone lonely”.<br />
As bailarinas<br />
<strong>de</strong> Picasso<br />
Picasso y la Danza<br />
CASCAIS. Fundação D. Luís I. Centro Cultural <strong>de</strong><br />
Cascais. Av. Rei Humberto II <strong>de</strong> Itália. De 3ª a<br />
domingo, das 10h às 18h. Até 11 <strong>de</strong> Janeiro.<br />
mmmmn<br />
Está já nos últimos dias a exposição<br />
que a Fundação D. Luís I <strong>de</strong>dicou à<br />
obra <strong>de</strong> Picasso que tem <strong>por</strong> temática<br />
a dança: não apenas as gravuras que<br />
realizou durante os últimos anos da<br />
sua vida, mas também os cenários e<br />
figurinos feitos para bailados. Esta é<br />
uma exposição que se teve a sua<br />
origem no núcleo <strong>de</strong> múltiplos<br />
pertencentes à fundação Bancaja, <strong>de</strong><br />
Valência, que já tem colaborado com a<br />
instituição <strong>de</strong> Cascais em outras<br />
ocasiões. Para os <strong>por</strong>tugueses é a<br />
o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usufruírem uma<br />
obra gráfica única e exemplar, tanto<br />
plástica como tecnicamente.<br />
O interesse <strong>de</strong> Picasso pela dança<br />
manifesta-se cedo, em <strong>de</strong>senhos e<br />
esboços realizados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1899. Mas é<br />
em 1917, quando recebe um convite <strong>de</strong><br />
Diaghilev para realizar figurinos e<br />
telões para “Para<strong>de</strong>”, bailado <strong>de</strong> Jean<br />
Cocteau e Léoni<strong>de</strong> Massine, com<br />
música <strong>de</strong> Satie, que surge a primeira<br />
o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>senvolver um<br />
projecto específico nesta área. Nos<br />
anos seguintes, sempre com Diaghilev,<br />
trabalha para “<strong>Le</strong> Tricorne”,<br />
“Pulcinella”, “<strong>Le</strong> Train Bleu” e muitos<br />
outros. Diaghilev, empresário dos<br />
Ballets Russes, sabia captar a<br />
colaboração dos artistas seus<br />
contem<strong>por</strong>âneos para uma i<strong>de</strong>ia da<br />
dança que se afastava do bailado<br />
romântico sem hipótese <strong>de</strong> retorno.<br />
Picasso foi um <strong>de</strong>les.<br />
A exposição revela justamente<br />
reproduções do telão pintado para<br />
“<strong>Le</strong> Tricorne” (juntamente com um<br />
filme que apresenta excertos do<br />
bailado) e <strong>de</strong>senhos dos seus<br />
figurinos. Mas não só. De facto, a<br />
dança, como coreografia da sedução,<br />
sempre interesssou o pintor espanhol.<br />
E, na sequência do seu projecto <strong>de</strong><br />
apropriação total da história da arte,<br />
revisita as bailarinas e cortesãs<br />
celebrizadas pela pintura: Salomé<br />
seduzindo Hero<strong>de</strong>s, ninfas bailando<br />
ao luar, odaliscas e outras musas,<br />
todas são pretexto para o pintor se<br />
auto-retratar passivo, músico,<br />
espectador, e sempre seduzido: em<br />
suma, a dança revela-se aqui como<br />
um tema apropriado às obsessões <strong>de</strong><br />
Picasso. Luísa Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
Chinoiserie<br />
De Ana<br />
Pérez-<br />
Quiroga.<br />
<strong>Lisboa</strong>. 3 + 1 Arte<br />
Contem<strong>por</strong>ânea.<br />
Rua António Maria<br />
Cardoso, 31. Tel.:<br />
210170765. Até<br />
21/02. 3ªa Sáb. das<br />
12h30 às 20h.<br />
Inaugura 9/1 às<br />
22h.<br />
Objectos,<br />
Desenho.<br />
Even If You Win<br />
The Rat Race,<br />
You’re Still a Rat<br />
De Alexandre Farto.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Avenida<br />
24 <strong>de</strong> Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até<br />
21/02. 3ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 15h às<br />
20h. Inaugura 9/1 às 22h.<br />
Instalação, Escultura.<br />
Max Frey<br />
<strong>Lisboa</strong>. Vera Cortês - Agência <strong>de</strong> Arte. Avenida<br />
24 <strong>de</strong> Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até<br />
21/02. 3ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 15h às<br />
20h. Inaugura 9/1 às 22h.<br />
Instalação.<br />
Vestígio<br />
De Ana Anacleto, Ana Fonseca,<br />
Ângelo Ferreira <strong>de</strong> Sousa, Carla<br />
Cruz, Carlos Correia, Carlos<br />
Noronha Feio, Cecília Costa,<br />
Gabriel Abrantes, João<br />
<strong>Le</strong>onardo, Mara Castilho, Maria<br />
Condado, Marta Moura, Mikael<br />
Larsson, Paulo Brighenti,<br />
Romeu Gonçalves, Samuel<br />
Rama, Valter Barros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão 28. Av. do Brasil, 53. Tel.:<br />
217917000. Até 27/01. 2ª a 6ª das 10h às 17h.<br />
Inaugura 9/1 às 21h30.<br />
Instalação, Performance, Ví<strong>de</strong>o,<br />
Desenho, Fotografia, Pintura,<br />
Escultura.<br />
Flatland<br />
De Catarina <strong>Le</strong>itão.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Pedro Cera. Rua do Patrocínio,<br />
67E. Tel.: 218162032. Até 21/02. 3ª a Sáb. das<br />
14h30 às 19h30. Inaugura 10/1 às 18h.<br />
Pintura, Desenho, Outros.<br />
O Banquete<br />
De Elsa Marques.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Carlos Carvalho - Arte Contem<strong>por</strong>ânea.<br />
Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.:<br />
217261831. Até 15/02. 2ª a 6ª das 10h30 às<br />
19h30. Sáb. das 12h às 19h30. <strong>Lisboa</strong>rte.<br />
Inaugura 10/1 às 16h.<br />
Pintura.<br />
White Landscape<br />
De Ana Cintra.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Arte Periférica. Praça do Império<br />
- Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, Loja 3. Tel.:<br />
213617100. Até 25/02. 2ª a Dom. das 10h às 20h.<br />
<strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 10/1 das 15h às 20h.<br />
Pintura, Desenho.<br />
Trinta Anos <strong>de</strong> Diferença II<br />
De vários autores.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Diferença. Rua São Filipe Neri,<br />
42 - Cave. Tel.: 213832193. Atéa 28/02. 3ª a Sáb.<br />
das 15h às 20h. <strong>Lisboa</strong>rte. Inaugura 10/1 das<br />
15h às 20h.<br />
Fotografia.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 29
Teatro/Dança<br />
Internet<br />
Reiquejavique<br />
no Alto<br />
Minho<br />
Pedro Penim foi ao Alto<br />
Minho e encontrou o<br />
“Eldorado”. Inês Nadais<br />
Já temos a Cetbase, a base <strong>de</strong><br />
dados do Centro <strong>de</strong> Estudos<br />
<strong>de</strong> Teatro da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Le</strong>tras <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, para<br />
consultar na Internet fichas<br />
<strong>de</strong> espectáculos, “currículos”<br />
<strong>de</strong> actores, encenadores,<br />
etc. Mas ainda não há uma<br />
enciclopédia do teatro<br />
<strong>por</strong>tuguês como a que foi<br />
criada agora no Brasil com<br />
a Enciclopédia Itaú Cultural<br />
<strong>de</strong> Teatro on<strong>de</strong> se encontram<br />
a história do teatro<br />
brasileiro, com programas<br />
Eldorado<br />
Pelas Comédias do Minho.<br />
Encenação <strong>de</strong> Pedro Penim. Com<br />
Gonçalo Fonseca, Luís Filipe Silva,<br />
Mónica Tavares, Rui Mendonça e<br />
Tânia Almeida.<br />
Porto. Balleteatro Auditório. Praça 9 <strong>de</strong> Abril, 76.<br />
Tel. 22 5508918. Hoje e amanhã, às 21h30. €5<br />
Há uns meses, quando saiu <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
e se meteu na estrada nacional 301 as<br />
vezes suficientes para amaldiçoar<br />
esses 14 quilómetros que separam<br />
Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura do futuro a que tem<br />
direito, Pedro Penim não imaginava<br />
que se tinha posto a caminho do<br />
Eldorado. Convidaram-no para ir<br />
trabalhar com uma companhia do<br />
Alto Minho, e ele foi, sem fazer muitas<br />
perguntas: “Conhecia mal o Alto<br />
Minho e <strong>por</strong> isso passei uma semana a<br />
visitar aquilo, mas mais para conhecer<br />
os actores da companhia e para<br />
perceber em que condições a peça<br />
que era suposto eu fazer ia ser<br />
apresentada. Já tinha <strong>de</strong>cidido antes<br />
<strong>de</strong> ir para lá que não ia fazer nada <strong>de</strong><br />
muito regionalista, no sentido<br />
etnográfico do termo, nem nenhum<br />
espectáculo que fosse o meu ponto <strong>de</strong><br />
vista sobre a região. Percebi muito<br />
rapidamente que queria fazer um<br />
espectáculo universal, que tanto<br />
pu<strong>de</strong>sse funcionar em Melgaço como<br />
em Reiquejavique”, explica ao Ípsilon.<br />
Funcionou em Melgaço -<br />
um dos cinco concelhos<br />
que, com Monção,<br />
Pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Coura,<br />
Valença e Vila Nova<br />
<strong>de</strong> Cerveira,<br />
fundou a<br />
companhia <strong>de</strong><br />
teatro<br />
profissional<br />
Comédias do<br />
Minho, uma<br />
estrutura<br />
radicalmente<br />
itinerante cujos<br />
espectáculos<br />
circulam pelos<br />
cinco concelhos -,<br />
funcionou em<br />
<strong>Lisboa</strong> e<br />
<strong>de</strong> peças, sites <strong>de</strong> grupos e<br />
publicações especializadas.<br />
A i<strong>de</strong>ia inicial, conta a “Folha<br />
<strong>de</strong> São Paulo”, foi do crítico<br />
polaco radicado no Brasil<br />
Yan Michalski (1932-1990),<br />
“que pretendia publicar<br />
um ‘quem é quem’ da cena<br />
nacional”. Agora, estão lá<br />
ainda críticas, re<strong>por</strong>tagens,<br />
dissertações e artigos<br />
académicos dos arquivos da<br />
Funarte e do Centro Cultural<br />
São Paulo e das bibliotecas<br />
Jenny Klabin Segall, da<br />
vai funcionar no Porto, hoje e<br />
amanhã (quanto a Reiquejavique,<br />
não temos indicações), no Balleteatro<br />
Auditório. Somos todos iguais, diz<br />
Pedro Penim (no Alto Minho, em<br />
<strong>Lisboa</strong> ou na Islândia): “A televisão já<br />
nivelou tanto as referências que não<br />
há gran<strong>de</strong>s diferenças. Só na nossa<br />
cabeça é que o Alto Minho ainda é<br />
outro <strong>mundo</strong>. As pessoas reagem<br />
exactamente da mesma maneira<br />
numa casa do povo em Monção e<br />
num teatro em <strong>Lisboa</strong>.”<br />
O “Eldorado” podia ser isso - esta<br />
globalização aparentemente <strong>por</strong>reira,<br />
pá - mas foi outra coisa: “Tentei<br />
concertar várias vonta<strong>de</strong>s <strong>por</strong>que não<br />
queria fazer só o meu espectáculo.<br />
Queria que isto fosse um processo<br />
comum, a partir das circunstâncias<br />
muito específicas da companhia, dos<br />
objectivos da direcção artística<br />
[assegurada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005 <strong>por</strong> Isabel<br />
Alves Costa, com consultoria <strong>de</strong><br />
Miguel Honrado] e dos meus<br />
interesses.” <strong>Le</strong>vou ferramentas -<br />
“Kvetch”, <strong>de</strong> Steven Berkoff, uma peça<br />
muito anos 80, e vários ví<strong>de</strong>os do<br />
YouTube, que reescreveu com a<br />
companhia. “A peça do Berkoff tem<br />
um mecanismo muito simples, mas<br />
muito ‘clever’: as personagens falam<br />
normalmente umas com as outras,<br />
mas subitamente dirigem-se ao<br />
público e dizem aquilo em que<br />
realmente estão a pensar.<br />
Reproduzimos esse mecanismo, mas<br />
misturámos o texto com vi<strong>de</strong>oblogues<br />
do YouTube, que vão minando a peça,<br />
como corpos estranhos”, explica.<br />
O sítio on<strong>de</strong> o texto <strong>de</strong> Steven<br />
Berkoff (muito contaminado, como<br />
qualquer criatura dos anos 80, “pela<br />
ameaça iminente da bomba”) se cruza<br />
com os diários vi<strong>de</strong>ográficos que<br />
milhares <strong>de</strong> pessoas disponibilizam na<br />
Internet (diários “muito<br />
contraditórios, <strong>por</strong>que funcionam<br />
como os velhos diários íntimos e<br />
intransmissíveis, mas ao mesmo<br />
tempo estão ali para quem quiser usálos,<br />
à disposição, literalmente, <strong>de</strong> todo<br />
o <strong>mundo</strong>”) é um “Eldorado”, mas o<br />
tipo <strong>de</strong> Eldorado <strong>de</strong> que fugiríamos, se<br />
tivéssemos pernas para isso. “Na<br />
maior parte dos vi<strong>de</strong>oblogues que<br />
encontrámos as pessoas relatam<br />
ataques <strong>de</strong> pânico,<br />
situações-limite,<br />
momentos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sespero. Isso que já<br />
estava na peça do<br />
Berkoff também está<br />
nos materiais<br />
que<br />
trouxemos<br />
do<br />
YouTube, e<br />
UNI-Rio e da ECA/USP. São<br />
mais <strong>de</strong> 700 verbetes, que<br />
incluem personalida<strong>de</strong>s<br />
e companhias, além das<br />
fichas resumidas <strong>de</strong> 10 mil<br />
profissionais e <strong>de</strong> seis mil<br />
espectáculos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1938<br />
a 2006. Neste momento, a<br />
enciclopédia concentra-se<br />
no eixo São Paulo - Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro mas a partir <strong>de</strong><br />
Fevereiro vai incluir Minas<br />
Gerais, Pernambuco e Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />
acabou <strong>por</strong> transformar-se no tema<br />
central da peça. As personagens estão<br />
sempre a falar <strong>de</strong> como é sentir pânico<br />
e <strong>de</strong> como gostariam <strong>de</strong> não sentir<br />
pânico - noutro sítio, um sítio melhor<br />
do que aquele on<strong>de</strong> estão”, continua<br />
Penim. A bomba, o cancro, o<br />
<strong>de</strong>semprego, os atentados, a crise, a<br />
obesida<strong>de</strong>, as multas <strong>de</strong><br />
estacionamento, a velhice, os<br />
impostos - eles trocavam estas coisas<br />
todas <strong>por</strong> um paraíso, nem que fosse<br />
fiscal (e, mesmo sem indicações <strong>de</strong><br />
Reiquejavique, estamos em condições<br />
<strong>de</strong> afirmar que os islan<strong>de</strong>ses também).<br />
A família em ruínas<br />
Shadow Play: Jogo Sombra<br />
De Maila Dimas, Susana Nunes,<br />
Carlos Marques e Francisco Campos<br />
Encenação: Francisco Campos. Pelo<br />
Projecto Ruínas<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. De 7 a<br />
11/01. Tel.: 217221770. 4ª a dom., às 21h30.<br />
mmmnn<br />
“Shadow Play” foi concebido a partir<br />
<strong>de</strong> improvisações e <strong>de</strong> memórias<br />
pessoais dos actores, tendo como<br />
premissas temas como a família, a<br />
velhice ou o silêncio. O resultado foi a<br />
criação <strong>de</strong> quatro personagens que<br />
<strong>de</strong>stilam memórias como se<br />
passeassem <strong>por</strong> um álbum <strong>de</strong><br />
fotografias. Instalando-se numa<br />
cartografia edipiana, focando a<br />
disfuncionalida<strong>de</strong> do núcleo familiar,<br />
abordam-se assuntos como o fim do<br />
amor, a inveja, o suicídio, a<br />
homossexualida<strong>de</strong> encapuçada, a<br />
perversão sexual e a asfixia familiar.<br />
O tom, dada a espessura da<br />
temática, é inusitadamente<br />
coloquial. Tudo isto surge polvilhado<br />
com um humor cáustico, que em<br />
tudo remete para o teatro <strong>de</strong> Spiro<br />
Scimone. Mas um dos aspectos mais<br />
singulares <strong>de</strong>ste espectáculo é a<br />
proposta do próprio título:<br />
“Shadow Play”/ “Jogo Sombra”.<br />
Assim, a peça sobre esta família<br />
estabelece um “jogo <strong>de</strong> sombras”<br />
com uma outra peça, que a<br />
emoldura, num dispositivo <strong>de</strong><br />
teatro-<strong>de</strong>ntro-do-teatro. Desta<br />
maneira, aquilo a que assistimos é a<br />
um grupo <strong>de</strong> actores que chega para<br />
apresentar uma peça, interpretando<br />
<strong>de</strong>pois o insólito quarteto familiar. O<br />
quarteto <strong>de</strong> actores joga em diversos<br />
registos, do clownesco à comédia <strong>de</strong><br />
palavra, não mostrando fragilida<strong>de</strong>s<br />
em nenhum <strong>de</strong>les, assegurando<br />
interpretações equilibradas e<br />
mantendo sempre um interessante<br />
grau <strong>de</strong> suspensão e<br />
imprevisibilida<strong>de</strong>.Rui Pina Coelho<br />
Mona Lisa Show<br />
Agenda<br />
Estreiam<br />
Tu e Eu<br />
De Friedrich Karl Waechter.<br />
Encenação: Sofia <strong>de</strong> Portugal. Com<br />
Adriano Carvalho, André Patrício,<br />
Pedro Carraca.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto. Pç. Espanha. De 15/01 a<br />
31/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
213880089. 15€ (público em geral), 12€ (mais 65<br />
anos) e 7,5€ (até 25 anos).<br />
Caveman<br />
De Rob Becker. Encenação: António<br />
Pires. Com Jorge Mourato.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Casa do Artista - Teatro Armando Cortez.<br />
Est. Pontinha, 7. De 14/01 a 15/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb.<br />
às 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 217154057.<br />
Continuam<br />
Os Produtores<br />
De Mel Brooks. Encenação: Cláudio<br />
Hochman. Com Rita Pereira, Miguel<br />
Dias, Manuel Marques, Rodrigo<br />
Saraiva, Custódia Galego. Direcção<br />
Musical: Nuno Feist.<br />
Portimão. Arena. Pq. <strong>de</strong> Feiras e Expos. Até 11/01.<br />
4ª e 5ª às 21h30. 6ª às 17h00 e 21h30. Dom. às<br />
21h45 (dia 4). Sáb. e Dom. às 21h30 (dias 10 e 11).<br />
Tel.: 282410440. 3€.<br />
Solrir - 3º Festival <strong>de</strong> Humor.<br />
Ver texto pág. 18 e 19<br />
Mona Lisa Show<br />
De Pedro Gil. Encenação: Pedro Gil.<br />
Com Ainhoa Vidal, António<br />
Fonseca, David Almeida, Mónica<br />
Garnel, Raquel Castro, Ricardo<br />
Gageiro, Romeu Costa.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Meridional. R. do Açúcar, 64 -<br />
Poço do Bispo. De 15/01 a 01/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb.<br />
às 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 218689245<br />
A Tempesta<strong>de</strong><br />
De William Shakespeare. Encenação:<br />
John Mowat. Com Jorge Cruz, Marta<br />
Cerqueira, Tiago Viegas.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. Até<br />
01/03. 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.:<br />
218855550. 25€ e 30€.<br />
Acamarrados<br />
De Enda Walsh. Companhia:<br />
Artistas Unidos. Com Carla Galvão,<br />
António Simão.<br />
Almada. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Professor Egas<br />
Moniz. Até 01/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom.<br />
às 16h00. Tel.: 212739360. 11€ e 8€.<br />
O Mercador <strong>de</strong> Veneza<br />
De William Shakespeare.<br />
Encenação: Ricardo Pais. Com<br />
António Durães, Lígia Roque, Luís<br />
Araújo, Micaela Cardoso, Sara<br />
Carinhas, Pedro Ribeiro, Pedro<br />
Manana, entre outros.<br />
Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />
18/01. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às<br />
16h00. Tel.: 223401910. 7€ a 15€.<br />
Imaculados<br />
De Dea Loher. Encenação: João<br />
Lourenço. Com, Ana Brandão, Ana<br />
Nave, Ana Rita Trinda<strong>de</strong>, Carlos<br />
Pisco, Cátia Ribeiro, Inês Rosado,<br />
Irene Cruz, Luís Barros, Pedro<br />
Ramos, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto. Pç. Espanha. Até 01/02.<br />
4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.:<br />
213880089. 7,5€ a 15€.<br />
Cabaret<br />
De Joe Masteroff, Fred Ebb.<br />
Encenação: Diogo Infante. Com Ana<br />
Lúcia Palminha, Adriana Queiroz,<br />
Carlos Gomes, Dima Pavlenko,<br />
Fernando Gomes, Henrique Feist,<br />
Isabel Ruth, Pedro Laginha, Sandra<br />
Rosado, Sara Campina, entre<br />
outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos. Av. Frei<br />
Miguel Contreiras, 52. Até 15/02. 4ª, 5ª, 6ª e<br />
Sáb. às 21h30. Dom. às 17h00. Tel.: 218438801.<br />
15€ a 25€.<br />
30 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Livros<br />
Ficção<br />
Felizmente,<br />
ainda há<br />
Henry James<br />
A <strong>de</strong>licada arte da escrita<br />
<strong>de</strong> Henry James. Helena<br />
Vasconcelos<br />
Daisy Miller e Outros Contos<br />
Henry James<br />
(tradução <strong>de</strong> Contos e Prefácio <strong>por</strong><br />
Manuel Abrantes e da Introdução<br />
<strong>por</strong> Daniela Agostinho)<br />
Edições Vega, €16,80<br />
mmmmm<br />
A edição <strong>de</strong> “Daisy<br />
Miller e Outros<br />
Contos” chama a<br />
atenção para a<br />
<strong>de</strong>licada arte da<br />
escrita <strong>de</strong> Henry<br />
James, autor quase<br />
esquecido durante<br />
décadas mas que<br />
renasceu para o<br />
gran<strong>de</strong> público, primeiro graças ao<br />
cinema que não se cansa das suas<br />
tramas psicológicas e <strong>de</strong>pois pelo<br />
sucesso <strong>de</strong> livros como “Autor, Autor”<br />
e “The Year of Henry James” <strong>de</strong> David<br />
Lodge, “O Mestre” <strong>de</strong> Colm Tóibín, “A<br />
Linha da Beleza” <strong>de</strong> Alan Hollinghurst<br />
e “Felony” <strong>de</strong> Emma Tennant, todos<br />
directamente relacionados ou sobre o<br />
eminente escritor.<br />
Henry James (1843-1916) e Mark<br />
Twain (1835-1910) são referidos como<br />
dois representantes opostos da<br />
literatura e cultura americanas da<br />
segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. O<br />
primeiro, educado numa elite<br />
intelectual e social - era filho do<br />
Henry James esteve quase esquecido durante décadas<br />
teólogo e erudito Henry James Senior<br />
e irmão do filósofo e psicologista<br />
William James e da diarista Alice<br />
James - viveu quase toda a vida na<br />
Europa, em Inglaterra, França e Itália,<br />
e era cosmopolita <strong>por</strong> gosto e<br />
vocação; o segundo, que preferia a<br />
sua terra natal, foi o exemplo perfeito<br />
do americanismo. James era tímido,<br />
sério, discretamente irónico e, em<br />
vida, nunca chegou a receber o<br />
reconhecimento que lhe era <strong>de</strong>vido;<br />
Twain, imprevisível e truculento, foi<br />
uma pop-star que arrastou multidões,<br />
chocando e fazendo rir os fãs, em<br />
idênticas pro<strong>por</strong>ções. Twain<br />
professava um <strong>de</strong>sdém cómico pelos<br />
estranhos hábitos e vetustas pedras<br />
dos monumentos dos “nativos”<br />
europeus (o seu tour pelo<br />
Mediterrâneo ficou registado no<br />
satírico “The Innocents Abroad”,<br />
1869, e, mais tar<strong>de</strong>, em “A Tramp<br />
Abroad”, 1880) e preferia as gran<strong>de</strong>s<br />
planícies americanas e o sensual rio<br />
Mississipi, enquanto James não<br />
imaginava a existência sem a<br />
sofisticação dos costumes e modos<br />
europeus.<br />
Twain e James foram os rostos do<br />
novo realismo mas, como frisou o<br />
crítico Philip Rahv, James imprimiulhe<br />
elaborada riqueza, apoiando-se<br />
numa refinada análise psicológica,<br />
estética e moral e penetrando fundo<br />
na mente das personagens, enquanto<br />
Twain preferiu soltar a linguagem e<br />
explorar o materialismo caótico do<br />
pós-guerra civil, com as suas<br />
confusões, contradições, esperanças e<br />
nostalgias.<br />
Os dois homens - o “cara-pálida”<br />
James e o “pele-vermelha” Twain -<br />
tinham em comum a percepção nítida<br />
<strong>de</strong> que viviam tempos <strong>de</strong> profundas<br />
alterações na América e ambos<br />
<strong>de</strong>sejaram - e conseguiram - mudar o<br />
rumo da literatura, privilegiando o<br />
conto como género e fazendo <strong>de</strong>le um<br />
campo <strong>de</strong> experiências para<br />
posteriores romances e novelas.<br />
Em “Daisy Miller e Outros Contos” é<br />
possível observar como James -<br />
meticuloso apreciador da revisão dos<br />
seus textos - “treinou a mão” com o<br />
intuito <strong>de</strong> utilizar este material em<br />
obras posteriores. É inegável que,<br />
aqui, a “jóia da coroa” é “Daisy Miller”<br />
(1878), uma novela perfeita que<br />
con<strong>de</strong>nsa o que existe <strong>de</strong> mais<br />
“jameseano”, isto é, o tema da jovem<br />
americana, bonita, fresca, <strong>de</strong>sinibida<br />
e “livre” à solta numa Europa<br />
envelhecida, <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte e cínica<br />
(representada pelo italiano<br />
Giovanelli), seguida <strong>de</strong> perto <strong>por</strong> um<br />
americano europeizado,<br />
Winterbourne, que observa,<br />
constrangido e fascinado, a queda da<br />
compatriota, literalmente corrompida<br />
pelos vírus do Velho Continente.<br />
Daisy não é uma heroína e <strong>de</strong>seja<br />
apenas divertir-se, atraindo os<br />
homens com a sua inocência e<br />
ingenuida<strong>de</strong>, virtu<strong>de</strong>s que<br />
contribuirão para a sua perda. Não é<br />
promíscua mas impetuosa, ignorante<br />
e <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosa das convenções,<br />
“pecados” imperdoáveis que serão<br />
punidos. Pateticamente caprichosa e<br />
dramaticamente tonta esta<br />
“margarida” que per<strong>de</strong> o viço tornouse<br />
o protótipo <strong>de</strong> um “produto”, fruto<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
<strong>de</strong> um país <strong>de</strong>masiado<br />
novo e que<br />
enriqueceu<br />
rapidamente, e um<br />
leitmotiv em inúmeros<br />
contos <strong>de</strong> James, mais<br />
tar<strong>de</strong> plenamente<br />
conseguido na figura <strong>de</strong><br />
Isabel Archer em “Retrato<br />
<strong>de</strong> Uma Senhora” (1880).<br />
A história <strong>de</strong> “O Último dos Valerii”<br />
(1874), que <strong>Le</strong>on E<strong>de</strong>l incluiu na<br />
categoria dos “contos<br />
fantasmagóricos” relata o<br />
enamoramento e casamento <strong>de</strong> uma<br />
jovem (mais uma) “americanazinha<br />
estúpida” com um con<strong>de</strong> italiano.<br />
Tudo corre bem até que o idílio é<br />
quebrado quando, no jardim da villa,<br />
é <strong>de</strong>senterrada uma estátua <strong>de</strong> Juno.<br />
O con<strong>de</strong> Valeri fica <strong>de</strong> tal forma<br />
ensimesmado pela <strong>de</strong>usa que per<strong>de</strong> o<br />
interesse pela mulher e pelo <strong>mundo</strong>,<br />
fechando-se com a sua amada <strong>de</strong><br />
mármore numa ciumenta reclusão.<br />
James enfatiza aqui o fascínio pelo<br />
antigo universo pagão da Itália clássica<br />
- representado pelo con<strong>de</strong> - em<br />
contraste com o pragmatismo dos<br />
nativos do Novo Mundo, mentalmente<br />
mais saudáveis e relutantes em<br />
<strong>de</strong>ixarem-se arrastar pelos fantasmas<br />
da memória e pelo peso da História.<br />
Em “Os Originais” (1892) relata a<br />
complicada procura <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los<br />
a<strong>de</strong>quados para ilustrações <strong>de</strong> novelas<br />
populares <strong>por</strong> parte <strong>de</strong> um artista que<br />
é abordado <strong>por</strong> um venerável casal, os<br />
Monarch, membros da aristocracia<br />
britânica falida - e <strong>de</strong>sesperada - que<br />
insistem em ser aceites para o<br />
trabalho <strong>de</strong> pose. Argumentam que<br />
são “genuínos” (o título original do<br />
conto é “The Real Thing”), a<br />
verda<strong>de</strong>ira essência da nobreza,<br />
perfeitos para os papéis <strong>de</strong> gente<br />
respeitável. No entanto, com mo<strong>de</strong>los<br />
tão perfeitos, as imagens per<strong>de</strong>m a<br />
emoção, e os <strong>de</strong>senhos on<strong>de</strong> eles<br />
surgem, rígidos e pomposos, para<br />
ilustrar romances audazes, <strong>de</strong><br />
mistérios e aventuras, revelam-se<br />
insatisfatórios uma vez que o artista<br />
percebe que precisa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los que<br />
sejam capazes <strong>de</strong> criar uma perfeita<br />
ilusão.<br />
Quanto à “Lição do Mestre” (1888) é<br />
um conto enigmático e cruel sobre o<br />
casamento, o celibato - temas que<br />
reflectem as angustiantes opções<br />
pessoais <strong>de</strong> James - e sobre a posição<br />
do artista no <strong>mundo</strong>. O jovem e<br />
ambicioso escritor Paul Overt instalase<br />
para um fim <strong>de</strong> semana numa casa<br />
nos arredores <strong>de</strong> Londres, on<strong>de</strong> reúne<br />
um número <strong>de</strong> convidados nos quais<br />
se inclui o famoso romancista Henry<br />
St. George e a mulher. Paul quer<br />
observar <strong>de</strong> perto a “gran<strong>de</strong> figura” e<br />
fica perplexo quando se apercebe que<br />
a Senhora St. George consi<strong>de</strong>ra a<br />
insigne obra do marido uma<br />
“mercadoria”, cuja função é<br />
pro<strong>por</strong>cionar-lhes bem estar material.<br />
Paul conhece também a jovem,<br />
simpática e inteligente Marian (que<br />
cresceu na Índia e é <strong>por</strong> isso mais uma<br />
figura <strong>de</strong> mulher “diferente”) <strong>por</strong><br />
quem <strong>de</strong>senvolve um interesse<br />
amoroso. Mas, uma noite, St. George,<br />
numa conversa em que começa <strong>por</strong><br />
elogiar os dotes do jovem escritor,<br />
lança-se num longo discurso sobre o<br />
Max Aub: “Crimes Exemplares”<br />
é o assassínio consi<strong>de</strong>rado<br />
como uma das artes fatais do quotidiano<br />
<strong>de</strong>stino do<br />
artista - a<br />
“lição” do<br />
título - e<br />
aconselha o<br />
<strong>de</strong>slumbrado<br />
pupilo a<br />
<strong>de</strong>dicar-se <strong>de</strong><br />
alma e coração à<br />
escrita, referindo o<br />
seu próprio falhanço - avaliação<br />
que Paul não partilha - e atribuindo-o<br />
à vida mundana e aos<br />
constrangimentos do matrimónio.<br />
Convencido, Paul renuncia a Marian e<br />
parte para a Europa, <strong>de</strong>cidido a<br />
procurar a “perfeição artística” no<br />
isolamento. Mas, quando regressa, é<br />
surpreendido pela notícia do<br />
casamento do seu ídolo, que<br />
entretanto enviuvara, com Marian e<br />
pela <strong>de</strong>claração da renúncia à arte, em<br />
prol da vida, <strong>por</strong> parte do Mestre.<br />
Henry James, que nestas histórias<br />
<strong>de</strong>senha os esboços das suas gran<strong>de</strong>s<br />
obras, o magnífico narrador que, com<br />
a sua amiga Edith Wharton,<br />
aprofundou as subtilezas dos<br />
contrastes entre o Velho e o Novo<br />
Mundo, fazendo a ponte entre a<br />
literatura do século XIX e a corrente<br />
mo<strong>de</strong>rnista, nasceu americano e<br />
morreu europeu. Em 1915, um ano<br />
antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer <strong>de</strong>ste <strong>mundo</strong>,<br />
naturalizou-se inglês como forma <strong>de</strong><br />
protesto <strong>por</strong> os EUA não entrarem na<br />
Guerra, ao lado dos Aliados. Estava<br />
convicto <strong>de</strong> que o jovem sangue<br />
americano <strong>de</strong>veria servir para<br />
proteger, <strong>de</strong> todas as barbáries, a<br />
cultura e os tesouros europeus.<br />
Em nome<br />
<strong>de</strong> todos nós<br />
O juízo, moral ou legal, que<br />
possa ir na palavra “crimes”<br />
é puro equívoco. Mário<br />
Santos<br />
Crimes Exemplares<br />
Max Aub<br />
(tradução <strong>de</strong> Jorge Lima Alves)<br />
Antígona, € 25<br />
mmmmn<br />
Max Aub (1903-<br />
1972) não integra a<br />
canónica “Antologia<br />
do Humor Negro”<br />
<strong>de</strong> André Breton<br />
(que é dado como<br />
teorizador do<br />
“género”), mas<br />
<strong>de</strong>via integrar. Os seus “Crimes<br />
Exemplares” - e esta qualificação, a<br />
condição ambivalentemente<br />
“exemplar” daquilo que se narra, tem<br />
história na literatura espanhola <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
Cervantes até Vila-Matas (ou Sophia<br />
<strong>de</strong> Mello Breyner, em <strong>por</strong>tuguês) - não<br />
são nada estranhos àquele exemplo,<br />
“grosseiro mas suficiente”, que Breton<br />
foi buscar a Freud - o do con<strong>de</strong>nado<br />
que, levado à forca numa segundafeira,<br />
comenta: “Aqui está uma<br />
semana que começa bem.” Pois o<br />
humor negro é sobretudo, como<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 31
Livros<br />
Edição<br />
“A Solidão dos Números<br />
Primos”, o primeiro<br />
romance do jovem<br />
escritor Paolo Giordano<br />
e “best-seller” em Itália<br />
(ven<strong>de</strong>u mais <strong>de</strong> um<br />
milhão exemplares),<br />
vai ser editado pela<br />
Bertrand e irá para<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
as livrarias <strong>por</strong>tuguesas<br />
a 23 <strong>de</strong> Janeiro. O autor,<br />
que nasceu em 1982, é<br />
licenciado em Física<br />
na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Turim e está a fazer o<br />
doutoramento em Física<br />
<strong>de</strong> Partículas, e vai estar<br />
em Portugal na primeira<br />
semana <strong>de</strong> Fevereiro. O<br />
livro venceu a 62ª edição<br />
do Prémio Strega e obteve<br />
uma menção honrosa<br />
na edição <strong>de</strong> 2008 do<br />
Prémio Campiello. Os<br />
direitos para adaptação ao<br />
cinema também já foram<br />
vendidos.<br />
Isabel<br />
Coutinho<br />
Ciberescritas<br />
Bem-vindo, 2009<br />
É provável que as<br />
tendências incluam<br />
livros <strong>de</strong> “memórias”<br />
escritos <strong>por</strong><br />
celebrida<strong>de</strong>s<br />
iRex Digital<br />
Rea<strong>de</strong>r<br />
http://www.<br />
irextechnologies.<br />
com/irexdr1000<br />
Plastic Logic<br />
http://www.<br />
plasticlogic.com/<br />
Apple<br />
http://www.<br />
apple.com/<br />
itunes/<br />
Oque esperar <strong>de</strong> 2009? Crise, crise, crise. Todos<br />
os dias aparecem notícias <strong>de</strong> cortes e<br />
<strong>de</strong>spedimentos em grupos editorais<br />
estrangeiros. Por cá, o que po<strong>de</strong>rá mudar no<br />
<strong>mundo</strong> editorial <strong>por</strong>tuguês? Dois gran<strong>de</strong>s<br />
grupos editoriais espanhóis - a Planeta e a Santillana - vão<br />
entrar no mercado. Quer um, quer o outro estão a organizar<br />
as suas equipas e vão começar a publicar as suas colecções<br />
<strong>de</strong> ficção e não-ficção durante este ano. Depois da<br />
concentração das editoras que aconteceu em Portugal (em<br />
2007 e se prolongou pelo ano passado) vamos estar todos a<br />
seguir com atenção o que a concorrência <strong>de</strong>stes grupos irá<br />
trazer (<strong>de</strong> bom ou <strong>de</strong> mau) ao mercado <strong>por</strong>tuguês.<br />
Que género <strong>de</strong> livros vão invadir as livrarias<br />
<strong>por</strong>tuguesas? É provável que as tendências incluam<br />
livros <strong>de</strong> “memórias” escritos <strong>por</strong> celebrida<strong>de</strong>s - tal<br />
como já aconteceu no mercado internacional. Des<strong>de</strong><br />
há dois, três anos, nas feiras <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong><br />
direitos, quer <strong>de</strong> Londres, quer <strong>de</strong> Frankfurt, que se<br />
negoceiam os chamados “misery books”, histórias<br />
da <strong>de</strong>sgraçadinha verda<strong>de</strong>iras, que estão a <strong>de</strong>morar<br />
a chegar cá. Alguns até já foram publicados e não<br />
ven<strong>de</strong>ram muito mas é provável que outros comecem<br />
a surgir e quem sabe se, finalmente, a vingar no nosso<br />
mercado.<br />
Com as eleições à <strong>por</strong>ta <strong>de</strong>verão surgir nas editoras<br />
<strong>por</strong>tuguesas biografias <strong>de</strong> políticos. É claro que o<br />
primeiro-ministro José Sócrates é o tema mais tentador.<br />
E haverá certamente livros sobre a crise e como lidar<br />
com ela pois essa foi a principal tendência da última<br />
Feira <strong>de</strong> Frankfurt, em Outubro. 2009 po<strong>de</strong>rá também<br />
ser o ano em que o novo romance <strong>de</strong> Dan Brown será<br />
publicado. O escritor tem que entregar o manuscrito ao<br />
seu editor e pelo que tem sido<br />
tornado público ainda não o<br />
fez. Talvez na Feira do Livro<br />
<strong>de</strong> Londres já se saiba se vai<br />
haver livro ou não.<br />
Logo nos primeiros dias<br />
<strong>de</strong>ste ano a empresa holan<strong>de</strong>sa<br />
iRex Technologies lançou<br />
um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> leitor <strong>de</strong><br />
e-Books, o iRex Rea<strong>de</strong>r 1000.<br />
Tem um ecrã maior do que<br />
o habitual, tem uma caneta que permite escrever no ecrã<br />
táctil e tem ligação <strong>de</strong> WIFI e Bluetooth. Este aumento<br />
do tamanho do ecrã po<strong>de</strong> ser seguido <strong>por</strong> empresas<br />
concorrentes que lançarão também novos mo<strong>de</strong>los.<br />
Lá para o final <strong>de</strong> ano a Plastic Logic <strong>de</strong>verá começar a<br />
comercializar o seu aparelho (ainda sem nome) que serve<br />
para ler livros em formato electrónico, jornais, revistas e<br />
outros documentos. Além <strong>de</strong> ser muito fino e leve, tem<br />
um ecrã maior que o dos leitores <strong>de</strong> livros electrónicos<br />
existentes e é também “touch screen” (no You Tube existem<br />
já ví<strong>de</strong>os com o protótipo e vale a pena ir ver).<br />
O seu ecrã <strong>de</strong> e-Ink (tinta electrónica) ainda não é a cores<br />
mas tem tudo para revolucionar o mercado. Ainda não<br />
se sabe quanto vai custar e em ano <strong>de</strong> crise, o preço será<br />
<strong>de</strong>cisivo. Este ano po<strong>de</strong>rão finalmente aparecer ecrãs <strong>de</strong><br />
e-Ink a cores mas só em 2012 é que esses mesmos ecrãs<br />
permitirão a visualização <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os. Tudo isso já está<br />
disponível num telemóvel.<br />
A verda<strong>de</strong> é que a Apple (com o iPhone e o iPod Touch)<br />
já fez mais pelos e-Books do que qualquer um <strong>de</strong>stes<br />
aparelhos. A prová-lo está o sucesso que durante 2008<br />
tiveram todas as aplicações que servem para ler livros<br />
nestes gadgets e os acordos que editoras norte-americanas<br />
já fizeram para lançar livros em formatos compatíveis. Têm<br />
uma vantagem sobre todos os outros: ecrã a cores e são<br />
aparelhos multifunções. Pertencem ao grupo dos objectos<br />
que você nunca quer esquecer quando sai <strong>de</strong> casa.<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)<br />
dizia o gran<strong>de</strong> surrealista, “o<br />
inimigo mortal da sentimentalida<strong>de</strong>”.<br />
Aliás, e <strong>por</strong> acasos bem objectivos,<br />
os “crimes” <strong>de</strong> Aub foram escritos e<br />
pela primeira vez publicados<br />
(primeiro dispersamente, <strong>de</strong>pois em<br />
volume, em 1957) no México, país que<br />
era ou foi para Breton a “terra<br />
prometida do humor negro”. Os<br />
acasos <strong>por</strong> que Max Aub foi parar ao<br />
México foram dois: o franquismo em<br />
Espanha e o nazismo em França.<br />
Falta-nos dizer que o “escritor<br />
espanhol e cidadão mexicano”, como<br />
Aub se auto-<strong>de</strong>finiu pelo final da vida,<br />
coleccionou nacionalida<strong>de</strong>s e exílios:<br />
filho <strong>de</strong> pai alemão e mãe francesa,<br />
nasceu em Paris; foi para Espanha<br />
com 11 anos, adquirindo a<br />
nacionalida<strong>de</strong> espanhola dois anos<br />
<strong>de</strong>pois (e também a língua, que fez<br />
sua); mas perdida a Guerra Civil (ele<br />
esteve do lado dos Republicanos)<br />
regressou a França, em 1939; foi preso<br />
e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><strong>por</strong>tado para a Argélia, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> escapou em 1942, para o México,<br />
seu exílio final. Publicou algumas<br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> livros (ficção narrativa,<br />
poesia, teatro, ensaio).<br />
“Crimes Exemplares” é o assassínio<br />
consi<strong>de</strong>rado como uma das artes<br />
fatais do quotidiano. Talvez uma<br />
questão <strong>de</strong> acaso e o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong>.<br />
“Matei-o <strong>por</strong>que tinha a certeza <strong>de</strong><br />
que ninguém me estava a ver” - conta<br />
um dos “criminosos” <strong>de</strong> Aub. Há<br />
muitas <strong>de</strong>srazões para assassinar e<br />
todas elas são (<strong>por</strong> assim dizer) boas,<br />
se não houver premeditação.<br />
Apresenta-se o livro, <strong>por</strong>tanto, como<br />
um catálogo <strong>de</strong> “confissões<br />
espontâneas” <strong>de</strong> assassínios ingénuos<br />
e até mesmo líricos, alguns,<br />
arrebatados, absurdos, risíveis,<br />
<strong>de</strong>spropositados. O livro, que tem<br />
variado quanto ao número <strong>de</strong> textos e<br />
respectiva or<strong>de</strong>nação, inventaria 87<br />
“crimes” na presente edição. O juízo,<br />
moral ou legal, que possa ir na palavra<br />
“crimes” é puro equívoco. O “bem”<br />
não tem morada certa: “Nunca vos<br />
apeteceu assassinar um cauteleiro<br />
quando eles começam a chatear e não<br />
largam, a suplicar? Eu fi-lo em nome<br />
<strong>de</strong> todos nós.” E uma outra voz<br />
pergunta-nos (supomos que<br />
retoricamente): “Nunca matou<br />
ninguém <strong>por</strong> tédio, <strong>por</strong>que não sabia<br />
o que fazer?” (o belo “acto gratuito”<br />
<strong>de</strong> tão alta ascendência literária). As<br />
citações evi<strong>de</strong>nciam a principal<br />
característica <strong>de</strong>stes textos: uma<br />
extrema brevida<strong>de</strong>, que obriga a<br />
uma narração secamente elíptica<br />
e como que indirecta. Estas<br />
micronarrativas <strong>de</strong> Aub<br />
<strong>de</strong>safiam as <strong>de</strong> Augusto<br />
Monterroso (ou o inverso).<br />
Cada uma <strong>de</strong>las, funcionando<br />
embora autonomamente,<br />
mantém alguma<br />
<strong>de</strong>pendência da<br />
macronarrativa do<br />
conjunto. Em alguns casos,<br />
a inter<strong>de</strong>pendência entre<br />
um texto e outro(s) é mesmo<br />
sublinhada pela or<strong>de</strong>m que<br />
assume no conjunto.<br />
“Crimes Exemplares”, <strong>de</strong><br />
Max Aub, já é (e ainda bem)<br />
um título clássico e recorrente<br />
(foi mais do que uma vez<br />
reimpresso) do catálogo da<br />
editora Antígona, que o publicou pela<br />
primeira vez há mais <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong><br />
século. Mas a presente e pródiga<br />
edição é uma novida<strong>de</strong>: vale também<br />
como objecto gráfico <strong>por</strong> assim dizer<br />
“exemplar”. Trata-se <strong>de</strong> uma<br />
reprodução da edição feita em 2001<br />
em Valência, Espanha, pela Media<br />
Vaca, uma editora especializada em<br />
livros ilustrados e “atípicos”. O <strong>de</strong> Aub<br />
tem 32 ilustrações (uma <strong>de</strong>las sendo<br />
um retrato do autor) <strong>de</strong> outros tantos<br />
artistas espanhóis. E todas elas, notese,<br />
estão nas páginas ímpares.<br />
O contador<br />
<strong>de</strong> histórias<br />
Dezasseis pequenos contos<br />
revelam um contador <strong>de</strong><br />
histórias <strong>por</strong> vezes exímio.<br />
João Bonifácio<br />
Histórias Possíveis<br />
David Machado<br />
Presença, €10<br />
mmmnn<br />
Sem contar com os<br />
livros infantis que<br />
escreveu,<br />
“Histórias<br />
Possíveis” é a<br />
segunda obra <strong>de</strong><br />
David Machado,<br />
após um romance<br />
marcado pelo<br />
“fantástico”: “O<br />
Fabuloso Teatro do Gigante” era uma<br />
estreia feliz, mas fica abaixo da<br />
exactidão que <strong>por</strong> vezes Machado<br />
exibe neste “Histórias<br />
Possíveis”.<br />
Cortando a eito,<br />
diga-se que há<br />
dois contos <strong>de</strong><br />
excepção nos 16<br />
que compõem<br />
o volume: “O<br />
Mundo<br />
silencioso<br />
David Machado traz<br />
a narrativa <strong>por</strong> uma<br />
ré<strong>de</strong>a bem curta<br />
<strong>de</strong> Diamantino” e “Três memórias”.<br />
Há outros dois que nos parecem<br />
apenas simpáticos: “As viagens <strong>de</strong><br />
Dom Renato” e “O violinista”.<br />
Não é preciso muito para contar<br />
uma boa história e estas tomam mais<br />
tempo a recordar que a ler: têm todas<br />
a mesma dimensão, escassas cinco<br />
páginas (à excepção dos dois últimos,<br />
que têm nove), o que obriga a uma<br />
rara economia <strong>de</strong> linguagem, sageza<br />
na escolha da informação essencial e<br />
or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias - mais valias que<br />
Machado manifestamente possui,<br />
bem como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir<br />
uma personagem num par <strong>de</strong> linhas.<br />
A sua escrita é pouco dada a piruetas e<br />
é parca em adjectivos, antes procura<br />
que o leitor se passeie pelas páginas<br />
sem cansar os olhos. Isto implica<br />
precisão e minúcia.<br />
Todos estes contos são narrados<br />
não <strong>por</strong> quem experienciou o que se<br />
conta, mas <strong>por</strong> quem assistiu aos<br />
factos à distância ou é próximo do<br />
protagonista, o que traz credibilida<strong>de</strong><br />
à narração, mas não diminui uma<br />
possível a<strong>de</strong>são emocional. Não sendo<br />
um livro <strong>de</strong> “fantástico”, vive <strong>de</strong>ssa<br />
ambiência e estas histórias são<br />
atravessadas pelo insólito. Em alguns<br />
casos este revela-se nos actos dos<br />
protagonistas (como o homem que<br />
procurava obsessivamente ser<br />
costurado em “A costura <strong>de</strong><br />
Clemente”), noutros é inexplicável<br />
(em “Zanga <strong>de</strong> padres” um homem<br />
compra um par <strong>de</strong> estatuetas, mas<br />
uma <strong>de</strong>las insiste em <strong>de</strong>saparecer).<br />
Venha o insólito <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vier, <strong>por</strong><br />
norma persiste, após a leitura, uma<br />
atmosfera <strong>de</strong> estranheza que se <strong>de</strong>ve,<br />
antes do mais, à própria escrita, que<br />
instala <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira linha um<br />
clima <strong>de</strong> suspense - sendo que o mais<br />
exímio exemplo <strong>de</strong>sse talento <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> ambientes encontra-se<br />
em “Sete gatos cagam às escuras”.<br />
Por norma, o facto que <strong>de</strong>termina<br />
os acontecimentos narrados é<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado pelo protagonista sem<br />
que este tenha consciência das<br />
consequências dos seus actos. É assim<br />
com a Bernardina <strong>de</strong> “A doce <strong>de</strong>sgraça<br />
<strong>de</strong> Bernardina dos Prazeres” que,<br />
após uma vida asceta, <strong>de</strong>scobre um<br />
prazer que a conduz à <strong>de</strong>sgraça. É<br />
assim com o Emílio <strong>de</strong> “Emílio, o<br />
negociador <strong>de</strong> amores”,<br />
homem para quem o amor<br />
era um comércio até ser<br />
exposto à falência do<br />
seu corpo. É assim<br />
com o Hél<strong>de</strong>r Vaz <strong>de</strong><br />
“Penélope” que passa<br />
43 anos à espera da<br />
morte da mulher,<br />
para <strong>de</strong>scobrir que<br />
o que pensara a<br />
seu respeito<br />
estava errado.<br />
Este sistema<br />
com<strong>por</strong>ta<br />
variações: o<br />
protagonista <strong>de</strong><br />
“Nada <strong>por</strong> nós,<br />
Caetano”, um<br />
rapaz cujo pai<br />
aspirava a ver o<br />
filho tornar-se<br />
em exímio<br />
nadador, <strong>de</strong>ixa a<br />
natação após<br />
32 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Internet<br />
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ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
connosco.<br />
Pedro Paixão já não tem<br />
nada a acrescentar<br />
ao tema mil vezes repetido<br />
do vício que é perseguir<br />
a beleza que se <strong>de</strong>sfaz<br />
provar a carne que o pai lhe proibia.<br />
Não é ele a provocar a alteração na sua<br />
vida - mas é o pai que, <strong>de</strong> tanto proibir<br />
o rapaz, lhe cria a curiosida<strong>de</strong> pela<br />
carne que, após fartamente provada,<br />
lhe provoca uma indigestão que quase<br />
o mata. Em “Inácio e Isabel: o último<br />
capítulo” a variação é mais pungente,<br />
<strong>por</strong>que o motor da tragédia raia o<br />
absurdo.<br />
Não se retira (pelo menos<br />
explicitamente) qualquer moral<br />
<strong>de</strong>stes contos - Machado parece mais<br />
interessado em registar a forma como<br />
as manias a que as pessoas se<br />
arreigam (para conseguirem o que<br />
querem ou <strong>por</strong> feitio ou <strong>por</strong>que sim)<br />
têm implicações que lhes fogem ao<br />
controlo. Isto é: que uma forma <strong>de</strong><br />
controlo (ou <strong>de</strong> conforto) com<strong>por</strong>ta<br />
sempre a possibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>struição.<br />
Isso é patente em dois textos do livro:<br />
em “O Mundo silencioso <strong>de</strong><br />
Diamantino” a procura obsessiva do<br />
silêncio <strong>de</strong> Diamantino provoca uma<br />
<strong>de</strong>sgraça, num conto que, escrito <strong>de</strong><br />
forma muito simples, se torna<br />
comovente. E em “Três memórias” a<br />
lealda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um filho a uma exigência<br />
muito particular do pai conduz o<br />
primeiro ao <strong>de</strong>sespero.<br />
“O Mundo silencioso <strong>de</strong><br />
Diamantino” e “Três memórias” são<br />
dois contos superlativos (estou<br />
tentado a dizer o mesmo <strong>de</strong> “Inácio e<br />
Isabel”), em que se consegue mais que<br />
capturar a curiosida<strong>de</strong> do leitor,<br />
entretê-lo ou contar uma boa história.<br />
São dois contos que, brincando com a<br />
sorte e o acaso, não só se tornam<br />
comoventes como obrigam a uma<br />
reflexão final - e é isso que faz a<br />
melhor literatura.<br />
Num país com escassíssimos<br />
contadores <strong>de</strong> histórias, sabe bem<br />
<strong>de</strong>scobrir um autor que traz a<br />
narrativa <strong>por</strong> uma ré<strong>de</strong>a bem curta,<br />
es<strong>por</strong>a o texto quando é preciso e<br />
nunca se põe em bicos <strong>de</strong> pés.<br />
A América<br />
contra a<br />
América<br />
Paul Auster diz tudo o que<br />
pensa sobre a era Bush.<br />
Vanessa Rato<br />
Paul Auster<br />
Homem na Escuridão<br />
Asa, €14<br />
mmnnn<br />
Eis um livro pouco<br />
brilhante mas<br />
o<strong>por</strong>tuno e que, na<br />
altura do seu<br />
lançamento nos<br />
Estados<br />
Unidos, em<br />
Agosto <strong>de</strong><br />
2008,<br />
teria<br />
servido <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida<br />
para uma boa entrevista sobre<br />
política. Afinal, à época, ainda<br />
não se sabia que ao fundo do túnel<br />
brilhava uma luz chamada Obama na<br />
Casa Branca. Havia esperança, claro,<br />
mas nenhumas certezas, e, para os<br />
<strong>de</strong>mocratas, uma vitória republicana<br />
prefigurava-se como o fim, o <strong>de</strong>finitivo<br />
fechar do negrume. No meio da<br />
dúvida, Paul Auster, que nunca<br />
escon<strong>de</strong>u qual a sua exacta posição no<br />
mapa político norte-americano,<br />
<strong>de</strong>ixou verter todo o seu <strong>de</strong>sencanto:<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>, em “As Loucuras <strong>de</strong><br />
Brooklyn” (2005), nos ter feito andar<br />
atrás <strong>de</strong> Nathan Glass <strong>por</strong> uma<br />
América em pleno período eleitoral<br />
<strong>de</strong> 2000, quando “um i<strong>de</strong>ólogo <strong>de</strong><br />
extrema-direita” e um “Governo <strong>de</strong><br />
lunáticos” conseguiram tomar o<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> assalto com um “golpe legal”<br />
na Florida, em “Homem na<br />
Escuridão” Auster <strong>de</strong>speja tudo o que<br />
pensa sobre os EUA da era Bush.<br />
É multiplicar <strong>por</strong> dois a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um<br />
clássico e virá-la do avesso: em 1819,<br />
36 anos <strong>de</strong>pois do fim da guerra <strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>pendência norte-americana,<br />
Washington Irving imaginou um certo<br />
Rip van Winkle a adormecer <strong>de</strong>baixo<br />
<strong>de</strong> uma árvore enquanto súbdito do<br />
rei <strong>de</strong> Inglaterra para acordar 20 anos<br />
<strong>de</strong>pois sem saber que já não tinha que<br />
prestar vassalagem a ninguém; em<br />
2008, sete anos <strong>de</strong>pois dos atentados<br />
do 11 <strong>de</strong> Setembro, Paul Auster<br />
imaginou um certo August Brill<br />
insomne, um crítico literário viúvo e<br />
acamado que preenche mais uma<br />
noite em claro com a escrita<br />
imaginária <strong>de</strong> um romance, um<br />
romance passado num universo<br />
paralelo em que as Torres Gémeas não<br />
ruíram e a América não foi para o<br />
Iraque, mas, em vez disso, se tornou<br />
num país a ameaçar a implosão, tendo<br />
voltado a entrar em guerra civil.<br />
Um livro <strong>de</strong>ntro do livro, <strong>por</strong>tanto.<br />
Duplicação especular, sim, mas não<br />
em “mise-en-abîme” clássica. Um livro<br />
<strong>de</strong>ntro do livro que, em vez <strong>de</strong> se abrir<br />
caixa sobre caixa, se vai <strong>de</strong>senrolando<br />
em espiral, como a casca <strong>de</strong> uma<br />
laranja, acabando <strong>por</strong> se fechar sobre<br />
si mesmo, com os fios das suas duas<br />
ficções a entrecruzarem-se - ficção<br />
como reflexo artístico da realida<strong>de</strong>,<br />
mas também como agente sobre a<br />
realida<strong>de</strong>.<br />
Auster, sabemo-lo todos, é dono <strong>de</strong><br />
uma escrita particularmente fluída e<br />
não é <strong>por</strong> aí que este seu novo<br />
romance o <strong>de</strong>ixa ficar mal.<br />
“Homem na Escuridão” lê-se<br />
bem. Lê-se, aliás, numa tar<strong>de</strong>.<br />
Lê-se e esquece-se, como se<br />
nada nos tivesse acontecido.<br />
À excepção <strong>de</strong> uma<br />
imagem: o Rip<br />
van Winkle da<br />
ficção <strong>de</strong>ntro<br />
da ficção -<br />
Em “Homem na Escuridão”<br />
Paul Auster <strong>de</strong>speja tudo<br />
o que pensa sobre os EUA<br />
da era Bush<br />
um homem que um belo dia acorda<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um buraco fundo na terra<br />
sem qualquer i<strong>de</strong>ia sobre como ali foi<br />
parar ou sobre como <strong>de</strong> lá sair. Num<br />
momento, este homem era um<br />
mágico a tentar sobreviver em Nova<br />
Iorque, no seguinte está a acordar<br />
num buraco escavado na terra <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> é resgatado para se tornar<br />
combatente-instantâneo numa guerra<br />
que <strong>de</strong>sconhecia existir.<br />
Apetecia que Auster tivesse ficado<br />
<strong>por</strong> ali mesmo, que nunca se tivesse<br />
permitido tirar Owen Brick do escuro -<br />
resolver um romance centrado numa<br />
personagem enfiada num buraco seria<br />
um exercício mais “beckettiano” do<br />
que “austeriano”, mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
“Viagens no Scriptorium” -<br />
essencialmente uma revisão <strong>de</strong> “O<br />
Inominável” -, seria um exercício mais<br />
<strong>de</strong>safiador do que uma<br />
inconsequência aqui e ali<br />
estrategicamente <strong>de</strong>calcada <strong>de</strong><br />
“eXistenz” (lembram-se?).<br />
Nem tudo o<br />
que acontece<br />
O <strong>mundo</strong> é tudo o que<br />
acontece, mas nem tudo o<br />
que acontece merece ficar<br />
escrito. Pedro Mexia<br />
O Mundo É Tudo o que Acontece<br />
Pedro Paixão<br />
Quetzal, €18.85<br />
a<br />
“Genuíno. Fui ver<br />
ao dicionário. Um<br />
dicionário <strong>de</strong> 1881.<br />
Nos actuais po<strong>de</strong><br />
já não aparecer a<br />
palavra. As<br />
palavras<br />
<strong>de</strong>saparecem com<br />
os <strong>mundo</strong>s.<br />
Genuíno.<br />
Adjectivo. Puro, próprio, natural, sem<br />
alteração ou mistura. As pessoas<br />
também são as palavras que usam.”<br />
Isto escreve Pedro Paixão na página<br />
202 do seu mais recente livro,<br />
“O Mundo é Tudo o que<br />
Acontece”. Esta<br />
passagem, juntamente<br />
com o título, resume o<br />
beco criativo em que<br />
Paixão se meteu nos<br />
últimos anos. É verda<strong>de</strong><br />
que ele sempre cultivou o<br />
genuíno, ou seja, o sincero<br />
e o espontâneo; mas isso,<br />
que a princípio fazia o<br />
interesse e a<br />
diferença da sua<br />
literatura,<br />
tornou-se<br />
álibi para<br />
uma espécie<br />
<strong>de</strong> fuga à<br />
literatura.<br />
Porque<br />
quando<br />
chegamos a<br />
um livro<br />
como “O<br />
Mundo é Tudo o que Acontece”, uma<br />
mescla <strong>de</strong> histórias, pequenos ensaios<br />
e anotações, já não encontramos nada<br />
que seja literário mas apenas a tal<br />
sensação do genuíno, daquilo que não<br />
tem alteração ou mistura. Só que a<br />
literatura faz-se com palavras, e as<br />
palavras <strong>de</strong> Paixão per<strong>de</strong>ram força,<br />
per<strong>de</strong>ram secura, per<strong>de</strong>ram o norte.<br />
Claro que ele ainda escreve com uma<br />
correcção intocável, mas agora<br />
também <strong>de</strong>scamba: “Tenho na<br />
garganta uma magnólia a florescer,<br />
nadam minúsculos peixes azuis <strong>por</strong><br />
<strong>de</strong>baixo das minhas unhas, tenho o<br />
sexo transformado em ramos <strong>de</strong><br />
açúcar” (pág. 35). Isto, que é péssimo,<br />
aparece <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> vezes, espelhando<br />
em má poesia a sofreguidão do <strong>de</strong>sejo.<br />
O <strong>mundo</strong> é tudo o que acontece? É<br />
verda<strong>de</strong>, mas nem tudo o que<br />
acontece merece ficar escrito. O jogo<br />
perigoso com a autobiografia, que era<br />
motivo <strong>de</strong> fascínio no Paixão da<br />
década <strong>de</strong> 1990, cai agora num<br />
confessionalismo que não interessa a<br />
ninguém: <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte,<br />
uma operação, um divórcio, úteis<br />
talvez em termos terapêuticos mas<br />
textualmente inúteis. O escritor<br />
confessa que não tem imaginação,<br />
mas isso não justifica certos exageros.<br />
Há passagens que parecem copiadas<br />
<strong>de</strong> cartas mandadas a alguém,<br />
certamente fortíssimas em contexto<br />
pessoal, mas estéreis nesta colectânea<br />
<strong>de</strong> tentativas. E ao vigésimo primeiro<br />
livro, o mínimo que se po<strong>de</strong> dizer é<br />
que sentimos um certo cansaço com a<br />
enésima <strong>de</strong>clinação <strong>de</strong> um restrito<br />
número <strong>de</strong> tópicos (Auschwitz,<br />
Wittgenstein, os ansiolíticos, os<br />
restaurantes da moda, o <strong>de</strong>sdém pela<br />
<strong>de</strong>mocracia, as evocações equívocas<br />
da amiza<strong>de</strong> masculina). É verda<strong>de</strong> que<br />
todos os autores têm um pequeno<br />
universo, mas há uma diferença entre<br />
a evolução e a simples reiteração: vejase<br />
como falha o texto que tinha tudo<br />
para ser bom, o <strong>de</strong> Beckett em Cascais<br />
em 1969. Ou como o famoso episódio<br />
do encontro entre Joyce e Proust não<br />
produz uma única reflexão relevante.<br />
Sobram as histórias <strong>de</strong> mulheres<br />
conhecidas e <strong>de</strong>sconhecidas, amadas<br />
e fodidas. Essa oscilação entre o<br />
sublime e o animal tem uma dinâmica<br />
curiosa, mas Paixão já não tem nada a<br />
acrescentar ao tema mil vezes<br />
repetido do vício que é perseguir a<br />
beleza que se <strong>de</strong>sfaz. Pelo que os<br />
textos são uma galeria <strong>de</strong> mulheres <strong>de</strong><br />
lábios <strong>de</strong>senhados, nariz arrebitado,<br />
vestidos sem mangas, fotografadas em<br />
várias capitais, lascivas, insensatas,<br />
adoráveis. Às vezes são esboços <strong>de</strong><br />
poucas linhas, outras vezes<br />
prolongam-se em narrativas sobre<br />
miúdas rebel<strong>de</strong>s ou troféus (há<br />
mesmo um incomodativo texto sobre<br />
uma governanta, aparente mo<strong>de</strong>lo da<br />
mulher i<strong>de</strong>al).<br />
Nada disto tem a frescura daquelas<br />
narrativas enxutas e admiráveis que<br />
vão <strong>de</strong> “A Noiva Judia” (1992) a<br />
“Amor Portátil” (1999). O Paixão que<br />
conta está nos oito livros reunidos<br />
em “Do Mal o Menos” (2000). Depois<br />
disso, foi-se dissipando em romances<br />
fracassados e numa <strong>de</strong>slocada<br />
angústia wittgensteiniana sobre o<br />
que dizer e o que manter em<br />
silêncio.<br />
Saídas<br />
Romance<br />
Slam<br />
Nick Hornby<br />
(tradução <strong>de</strong> Rita<br />
Graña)<br />
Teorema, €17,5<br />
No seu novo<br />
livro, Nick<br />
Hornby escreve<br />
sobre Sam, um<br />
rapaz<br />
aparentemente<br />
nomal, <strong>de</strong> 15 anos, que adora<br />
andar <strong>de</strong> skate. Tem como<br />
confi<strong>de</strong>nte um poster <strong>de</strong> Tony<br />
Hawk, o maior skater do <strong>mundo</strong>,<br />
que lhe respon<strong>de</strong> sempre. O seu<br />
dia-a-dia é interrompido quando a<br />
sua namorada engravida, graças a<br />
uma distracção <strong>de</strong> 5 minutos. O<br />
autor <strong>de</strong> “Alta Fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>” propõe,<br />
com um gran<strong>de</strong> sentido <strong>de</strong> humor,<br />
uma reflexão sobre o que po<strong>de</strong> ser<br />
a vida <strong>de</strong> qualquer jovem no nosso<br />
tempo.<br />
Alabama Song<br />
Gilles <strong>Le</strong>roy<br />
(tradução <strong>de</strong> José<br />
Júdice e José<br />
Alberto<br />
Quaresma)<br />
Esfera do Caos,<br />
€18,90<br />
A Esfera do<br />
Caos acaba <strong>de</strong><br />
publicar<br />
“Alabama Song”, <strong>de</strong> Gilles <strong>Le</strong>roy,<br />
vencedor do prémio literário mais<br />
im<strong>por</strong>tante <strong>de</strong> França, o<br />
Goncourt, em 2007. Trata-se da<br />
autobiografia ficcional <strong>de</strong> Zelda<br />
Fitzgerald, mulher do escritor<br />
norte-americano Scott Fitzgerald.<br />
Gilles <strong>Le</strong>roy vestiu a pela <strong>de</strong> Zelda<br />
para escrever, com gran<strong>de</strong><br />
sensibilida<strong>de</strong>, sobre as alegrias e<br />
tormentos <strong>de</strong> uma mulher que<br />
teve <strong>de</strong> lutar não ser canibalizada<br />
pelo seu marido.<br />
Citações<br />
A Sabedoria e o<br />
Humor <strong>de</strong><br />
Shakespeare<br />
Compilado <strong>por</strong><br />
Dominique<br />
Enright<br />
(tradução <strong>de</strong><br />
Marta Tomé)<br />
Casa das <strong>Le</strong>tras,<br />
€14<br />
“A Sabedoria e<br />
o Humor <strong>de</strong><br />
Shakespeare” é uma compilação<br />
<strong>de</strong> citações William Shakespeare -<br />
actor, poeta, escritor e maior<br />
dramaturgo <strong>de</strong> todos os tempos.<br />
Nele encontramos também as<br />
percepções irónicas das suas<br />
personagens e os gran<strong>de</strong>s<br />
discursos trágicos cujo<br />
espírito resi<strong>de</strong> na<br />
sua linguagem<br />
genial. O livro<br />
abre com<br />
uma<br />
introdução<br />
sobre a vida<br />
e trabalho <strong>de</strong><br />
Shakespeare.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 33
DVD<br />
Edição<br />
Cinema<br />
A moral é<br />
uma farsa<br />
A história dos “Contos” é a<br />
história <strong>de</strong> uma “moral” que<br />
é uma permanente “mise<br />
en scène” da negação. Luís<br />
Miguel Oliveira<br />
Caixa Eric<br />
Rohmer<br />
A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Monceau, A<br />
Carreira <strong>de</strong><br />
Suzanne, A<br />
Coleccionadora, A<br />
Minha Noite em<br />
Casa <strong>de</strong> Maud, O<br />
Joelho <strong>de</strong> Claire,<br />
O Amor às Três da Tar<strong>de</strong><br />
De Eric Rohmer<br />
Edição Atalanta Filmes.<br />
mmmmm<br />
Sem extras<br />
Eric Rohmer, nascido em 1920, era o<br />
mais velho dos cineastas da “nouvelle<br />
vague”, e um pouco <strong>por</strong> essa razão,<br />
reforçada <strong>por</strong> outras (formação,<br />
interesses), também o corpo mais<br />
estranho nesse bloco só<br />
superficialmente compacto. Era o<br />
mais culto <strong>de</strong> todos e o que tinha uma<br />
relação mais sólida com a literatura,<br />
<strong>por</strong> oposição ao diletantismo autodidacta<br />
dos sues colegas mais jovens.<br />
Ora se a literatura, e já estamos a<br />
chegar aos “Contos Morais”, foi a<br />
frustração, o “peso”, que conduziu os<br />
rapazes da “nouvelle vague” ao<br />
cinema (na célebre formulação <strong>de</strong><br />
Godard, “como podíamos esperar<br />
escrever melhor do que Joyce ou<br />
Rilke?”), quem mais nela avançou foi<br />
Rohmer. Todos os seis “Contos<br />
Quando se trata, no cinema <strong>de</strong> Rohmer, <strong>de</strong> justificar o seu lugar<br />
num <strong>mundo</strong> entre mulheres, cada homem inventa o seu filme, consigo<br />
no lugar do herói: “A Minha Noite em Casa <strong>de</strong> Maud”<br />
O brilho efémero do cinema<br />
checo dos anos 1960, essa<br />
“Nova Vaga” que anunciou a<br />
Primavera <strong>de</strong> Praga e <strong>de</strong>u os<br />
sinais do seu esmagamento<br />
com a invasão soviética<br />
Morais” começaram <strong>por</strong> ser projectos<br />
literários, escritos durante as décadas<br />
<strong>de</strong> 40 e 50, numa época em que<br />
Rohmer estava longe <strong>de</strong> imaginar vir a<br />
ser realizador. Mais tar<strong>de</strong>, já <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
estreados todos os filmes da série, os<br />
“Contos” foram publicados em livro<br />
(edição <strong>por</strong>tuguesa da Cotovia), e no<br />
prefácio Rohmer fazia uma confissão<br />
<strong>de</strong> fracasso, com ironia “ma non<br />
troppo”: “Se os filmei, foi <strong>por</strong>que não<br />
fui capaz <strong>de</strong> os escrever”. Morreu o<br />
escritor falhado, nasceu o gran<strong>de</strong><br />
cineasta.<br />
Os “Contos Morais” também<br />
representaram a imposição (tardia,<br />
mais uma vez <strong>por</strong> relação com os<br />
parceiros <strong>de</strong> movimento) <strong>de</strong> Rohmer<br />
como realizador. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />
curioso que um “fracasso” tenha<br />
remediado outro fracasso - este menos<br />
relativo e sem aspas: “<strong>Le</strong> Signe du<br />
Lion”, primeira longa <strong>de</strong> Rohmer, fora<br />
uma má experiência pessoal, passara<br />
sem gran<strong>de</strong> atenção, e ainda hoje é o<br />
menos conhecido dos filmes iniciais da<br />
“nouvelle vague”. Para resolver o<br />
impasse, Rohmer lembrou-se <strong>de</strong> puxar<br />
da cartola os seus <strong>de</strong>vaneios literários<br />
da juventu<strong>de</strong>. Com a ajuda <strong>de</strong> Barbet<br />
Schroe<strong>de</strong>r, que praticamente fundou a<br />
“<strong>Le</strong>s Films du Losange” só para<br />
produzir o projecto <strong>de</strong> Rohmer, atirouse<br />
aos “Contos Morais”, a princípio<br />
num artesanato quase amadorístico<br />
mas muito “nouvelle vague” (entre os<br />
primeiros filmes, “A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Monceau” e “A Carreira <strong>de</strong> Suzanne”,<br />
para todos os efeitos uma curta e uma<br />
média, e os últimos, “O Joelho <strong>de</strong><br />
Claire” e “O Amor às Três da Tar<strong>de</strong>” há<br />
uma gritante diferença <strong>de</strong> valores <strong>de</strong><br />
produção). Os “Contos” ocuparam<br />
Rohmer durante os anos 60, entre 1963<br />
e 1972 (apesar <strong>de</strong> ser uma década em<br />
que o cineasta fez muito trabalho para<br />
TV), e garantiram-lhe a notorieda<strong>de</strong> a<br />
partir dos terceiro e quarto episódios<br />
(“A Coleccionadora” e “A Minha Noite<br />
em Casa <strong>de</strong> Maud”, rodados e<br />
estreados <strong>por</strong> or<strong>de</strong>m inversa do seu<br />
posicionamento na série). Foi a<br />
primeira série <strong>de</strong> Rohmer, que <strong>de</strong>pois<br />
repetiu esse princípio estruturante nos<br />
anos 80 (as “Comédias e Provérbios”) e<br />
nos anos 90 (os “Contos das Quatro<br />
Estações”).<br />
“Serialista”, Rohmer é também um<br />
“geómetra” da narrativa. Todos os<br />
“Contos” assentam numa proposição<br />
triangular: um homem, uma mulher,<br />
outra mulher, <strong>de</strong> novo a primeira<br />
mulher. Profundo admirador <strong>de</strong><br />
Murnau, terá baseado estes<br />
movimentos em triângulo no arquétipo<br />
estabelecido pelo “Sunrise” do alemão<br />
- mas o certo é que (e visto que<br />
arquétipos são arquétipos) se pensa<br />
mais, durante o visionamento dos<br />
“Contos”, em variações sobre o<br />
mo<strong>de</strong>lo das “screwballs” americanas e<br />
das “comédias do re-casamento”. O<br />
humor, <strong>de</strong> resto, nunca está longe em<br />
nenhum dos “Contos”, comédias sem<br />
sinais exteriores <strong>de</strong> comédia, talvez<br />
com excepção do último, “O Amor às<br />
Três da Tar<strong>de</strong>”, que sendo o filme com<br />
o tom mais grave é aquele em que com<br />
mais proprieda<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> falar em “recasamento”.<br />
De resto, ao longo da série<br />
a faixa etária das personagens vai<br />
subindo: na “Pa<strong>de</strong>ira” e na “Suzanne”<br />
são miúdos, têm 18 anos, no último é<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
- e foi uma curiosida<strong>de</strong> muito<br />
apetecida do Oci<strong>de</strong>nte nesses<br />
tempos, com direito a óscares <strong>de</strong><br />
Hollywood e tudo - tem exemplares<br />
magníficos em edições<br />
da Zon Luso<strong>mundo</strong>: “O Baile<br />
um homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> acometido<br />
<strong>de</strong> claustrofobia matrimonial.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, o tema central dos<br />
“Contos” é o <strong>de</strong>sejo masculino, e a sua<br />
volatilida<strong>de</strong> face às circunstâncias. Não<br />
é a primeira vez, nem será a última,<br />
que citamos uma frase <strong>de</strong> Rohmer,<br />
homem <strong>de</strong>masiado antigo (e dirão<br />
alguns, <strong>de</strong>masiado reaccionário) para<br />
não <strong>de</strong>sconfiar da psicanálise: “o<br />
inconsciente é o corpo”. Isto é a chave<br />
<strong>de</strong> muito Rohmer, e a principal chave<br />
dos “Contos”. Como lida o homem<br />
urbano, civilizado, “intelectual”, com<br />
as flutuações do <strong>de</strong>sejo, com o<br />
aleatório dos sentimentos?<br />
Obviamente, racionaliza: se os<br />
“Contos” são “Morais” é <strong>por</strong>que todos<br />
os protagonistas fazem um esforço<br />
para integrar tudo numa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
premeditação que tanto é uma âncora<br />
para a sua existência como a<br />
reivindicação <strong>de</strong> uma “superiorida<strong>de</strong><br />
moral” perante os outros (e as outras).<br />
Diz, resumindo todos os outros<br />
“Contos”, o jovem protagonista <strong>de</strong> “A<br />
Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Monceau”, <strong>de</strong>pois <strong>por</strong> um<br />
acaso em que não foi tido nem achado<br />
troca uma mulher <strong>por</strong> outra: “fiz uma<br />
escolha moral”. A história dos<br />
“Contos” é a história <strong>de</strong>sta “moral”,<br />
uma “moral” que no fundo não é mais<br />
do que uma ficção essencial à<br />
sobrevivência, uma permanente “mise<br />
en scène” da negação. O génio <strong>de</strong><br />
Rohmer é conseguir filmá-la dando a<br />
ver em cada plano uma situação e, ao<br />
mesmo tempo, a sua leitura: o<br />
“falsamente objectivo” e o “falsamente<br />
subjectivo” equivalem-se, andam <strong>de</strong><br />
braço dado, habitam o mesmo corpo e<br />
o mesmo olhar. O corpo e o olhar do<br />
cinema, pois o que os “Contos”<br />
mostram é que, quando se trata <strong>de</strong><br />
justificar o seu lugar num <strong>mundo</strong> entre<br />
mulheres, cada homem é um cineasta,<br />
cada homem inventa o seu filme,<br />
consigo no lugar do herói. O que eles<br />
projectam como drama, Rohmer filma<br />
como farsa (mas sem danificar o drama<br />
<strong>de</strong>les). Genial, claro. Mas mais<br />
im<strong>por</strong>tante do que isso, único. Rever<br />
os “Contos” é um prazer, <strong>de</strong>scobri-los<br />
uma maravilha.<br />
Edição sem extras significativos, em<br />
cinco discos (“A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Monceau” e<br />
“A Carreira <strong>de</strong> Suzanne” partilham o<br />
mesmo disco).<br />
O “outsi<strong>de</strong>r”<br />
(Re)<strong>de</strong>scobrir um cineasta<br />
notável que sempre<br />
confundiu as expectativas.<br />
Jorge Mourinha<br />
mmmmn<br />
Extras<br />
mmmmm<br />
Colecção Louis<br />
Malle - 1<br />
A<strong>de</strong>us, Rapazes, O<br />
Colaboracionista,<br />
Os Malucos De<br />
Maio, O Unicórnio,<br />
Calcutá<br />
Avalon, Exclusivo<br />
Fnac<br />
dos Bombeiros”/ “Os Amores <strong>de</strong><br />
uma Loira”, <strong>de</strong> Milos Forman,<br />
e “Comboios Rigorosamente<br />
Vigiados”, <strong>de</strong> Jiri Menzel/”A<br />
Pequena Loja da Rua Principal”,<br />
Jan Kadar e Elmar Klos.<br />
Duas histórias <strong>de</strong> aprendizagem<br />
durante a II Guerra, uma farsa familiar<br />
em pleno Maio <strong>de</strong> 1968, uma fantasia<br />
surreal num futuro apocalíptico e dois<br />
documentários sobre a Índia, tudo<br />
rodado ao longo <strong>de</strong> vinte anos. On<strong>de</strong> é<br />
que se po<strong>de</strong> encontrar a marca <strong>de</strong><br />
autor que una estes filmes para lá <strong>de</strong><br />
uma simples assinatura?<br />
É o problema que percorre qualquer<br />
olhar sobre Louis Malle (1932-1995),<br />
contem<strong>por</strong>âneo <strong>de</strong> Godard, Truffaut<br />
ou Resnais, e <strong>por</strong> isso i<strong>de</strong>ntificado com<br />
a Nouvelle Vague (a sua primeira longa<br />
<strong>de</strong> ficção, “Fim-<strong>de</strong>-Semana no<br />
Ascensor”, <strong>de</strong> 1957, tinha no papel<br />
principal Jeanne Moreau, uma das<br />
divas do movimento). Só que ele nunca<br />
fez parte <strong>de</strong>la - nem <strong>de</strong> outro<br />
movimento: longe da formação teórica<br />
e crítica dos seus contem<strong>por</strong>âneos,<br />
nascera numa abastada família<br />
aristocrática, tinha não apenas cursado<br />
cinema como alinhado experiência<br />
prática após quatro anos como<br />
operador <strong>de</strong> câmara do comandante<br />
Cousteau, e foi o único cineasta francês<br />
da sua geração a manter uma carreira<br />
constante dos dois lados do Atlântico.<br />
Rodou o que quis, quando quis,<br />
como quis. E é <strong>por</strong> isso que, passados<br />
quinze anos sobre a sua morte, o seu<br />
nome não ganhou a aura dos seus<br />
contem<strong>por</strong>âneos. Porque não parece<br />
haver - para lá <strong>de</strong> um cuidado formal<br />
invejável; da atracção <strong>por</strong> gente<br />
encostada à pare<strong>de</strong> pelas<br />
circunstâncias que a ro<strong>de</strong>iam; da<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> não fazer o mesmo filme<br />
duas vezes - uma marca <strong>de</strong> autor que<br />
permita dizer “isto é um Malle”.<br />
E, contudo, que injustiça esquecer o<br />
modo humanista como o cineasta não<br />
julga as suas personagens, que<br />
procuram apenas sobreviver num<br />
universo em convulsão. Quer sejam o<br />
herói-vilão <strong>de</strong> “O Colaboracionista”,<br />
camponês adolescente da França<br />
ocupada na II Guerra, colaborador <strong>por</strong><br />
conveniência pragmática mais do que<br />
<strong>por</strong> crença política. Ou o miúdo<br />
parisiense <strong>de</strong> boas famílias, mimado e<br />
convencido, enviado para um colégio<br />
católico durante a Guerra em “A<strong>de</strong>us,<br />
Rapazes”. Ou a rapariga mimada <strong>de</strong> “O<br />
Unicórnio”, que foge a uma guerra sem<br />
quartel num futuro incerto para dar<br />
<strong>por</strong> si num casarão on<strong>de</strong> nada parece<br />
seguir as regras do <strong>mundo</strong> real. Ou o<br />
clã <strong>de</strong> “Os Malucos <strong>de</strong> Maio”, que se<br />
<strong>de</strong>gladia mesquinhamente pela última<br />
jóia <strong>de</strong> família após a morte inesperada<br />
da matriarca, no momento em que o<br />
Maio <strong>de</strong> 1968 vem abalar a França<br />
gaullista.<br />
E que injustiça esquecer o modo<br />
discreto como Malle <strong>de</strong>ixou a sua<br />
própria vida contagiar cada uma <strong>de</strong>stas<br />
quatro ficções, todas elas situadas na<br />
província (e na região on<strong>de</strong> passava as<br />
férias). “A<strong>de</strong>us, Rapazes” ficciona o<br />
trauma fundador da sua adolescência:<br />
Julien, o miúdo snob que se trava <strong>de</strong><br />
amiza<strong>de</strong> pelo novo colega do colégio<br />
interno, ju<strong>de</strong>u acolhido pelos padres<br />
do colégio, é o próprio Malle. “O<br />
Colaboracionista” (1974) inspira-se em<br />
episódios ocorridos perto da casa<br />
familiar, casa essa on<strong>de</strong> Malle rodou<br />
logo a seguir, em regime <strong>de</strong><br />
improvisação, com apenas quatro<br />
actores, “O Unicórnio” (1974). E há algo<br />
<strong>de</strong> dolorosamente conhecedor no<br />
34 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Edição<br />
“O Cinema Americano<br />
dos anos 70- Uma<br />
década em revolução”<br />
é a homenagem <strong>de</strong><br />
Ted Demme e Richard<br />
LaGranvanese<br />
à revolução cultural<br />
americana dos anos 70<br />
tal como ficou registada<br />
no cinema <strong>de</strong>ssa época.<br />
Documentário (edição<br />
da Midas), com participação<br />
<strong>de</strong> muitas das<br />
estrelas <strong>de</strong>sse momento,<br />
para servir eventualmente<br />
<strong>de</strong> contraponto à<br />
leitura <strong>de</strong> “Easy Ri<strong>de</strong>rs,<br />
Raging Bulls: How the<br />
Sex, Drugs and Rock ‘N’<br />
Roll Generation Saved<br />
Hollywood”, o livro <strong>de</strong><br />
Peter Biskind.<br />
Chris (Julian<br />
McMahon), o narcísico<br />
com momentos <strong>de</strong><br />
generosida<strong>de</strong>, e Sean<br />
(Dylan Walsh), o sonso<br />
com momentos <strong>de</strong><br />
sacanice,<br />
“A<strong>de</strong>us, Rapazes”,<br />
exercício sobre a<br />
<strong>de</strong>scoberta brutal do<br />
<strong>mundo</strong> adulto<br />
retrato da burguesia <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte a que o<br />
realizador se entrega em “Os Malucos<br />
<strong>de</strong> Maio” (1989), também ele rodado na<br />
região da sua infância.<br />
Não estão, claro, todos ao mesmo<br />
nível. Extraordinários: os gémeos “O<br />
Colaboracionista” e “A<strong>de</strong>us,<br />
Rapazes”, exercícios sobre a<br />
aprendizagem da solidão e a<br />
<strong>de</strong>scoberta brutal do <strong>mundo</strong> adulto<br />
<strong>por</strong> parte <strong>de</strong> adolescentes protegidos.<br />
<strong>Le</strong>vezinho: “Os Malucos <strong>de</strong> Maio”,<br />
comédia renoiriana, melhor na<br />
melancolia encantadora do lento<br />
a<strong>de</strong>us a um passado que fica lá atrás<br />
do que na farsa a traço grosso da<br />
sátira da revolução burguesa. Falhado<br />
mas fascinante: “O Unicórnio”,<br />
bizarria surreal praticamente sem<br />
diálogos, fábula metafórica sobre o<br />
paraíso perdido, tentativa <strong>de</strong> cinema<br />
em estado puro magistralmente<br />
fotografada <strong>por</strong> mestre Sven Nykvist.<br />
Os dois documentários, contudo,<br />
tornam a edição imperdível. Entre<br />
Janeiro e Maio <strong>de</strong> 1968, um Malle<br />
<strong>de</strong>sencantado com o que sentia ser<br />
uma carreira estagnada percorreu a<br />
Índia durante cinco meses,<br />
acompanhado pelo câmara Etienne<br />
Becker e pelo engenheiro <strong>de</strong> som<br />
Jean-Clau<strong>de</strong> Laureux. De regresso a<br />
Paris, tirou do material dois filmes<br />
autónomos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma concepção<br />
clássica do documentário como<br />
registo vivencial, mas transcen<strong>de</strong>ndo<br />
quer a simples lógica turística do<br />
“filme <strong>de</strong> viagem” quer a tendência<br />
politicizante <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1968 (mesmo<br />
que elas estejam presentes). Trata-se<br />
<strong>de</strong> construir uma sucessão <strong>de</strong><br />
impressões recolhidas ao acaso dos<br />
encontros, em diálogo constante<br />
entre a emoção e a razão, recusando<br />
o <strong>de</strong>slumbramento oci<strong>de</strong>ntal do<br />
“bom selvagem” em favor <strong>de</strong> um<br />
olhar lúcido e neutro que se constrói<br />
na própria duração <strong>de</strong> cada plano. A<br />
própria condição <strong>de</strong> observador<br />
externo <strong>de</strong> Malle torna-se num dos<br />
“leit-motifs” da viagem, <strong>por</strong>que - nas<br />
suas próprias palavras - “na Índia, um<br />
oci<strong>de</strong>ntal com uma câmara é<br />
duplamente oci<strong>de</strong>ntal”.<br />
Um dos filmes, “A Índia Fantasma”,<br />
são sete episódios <strong>de</strong> 50 minutos<br />
pensados para TV (e é espantoso<br />
pensar: quarenta anos <strong>de</strong>pois,<br />
nenhuma televisão aceitaria exibir<br />
“isto”...). É um extraordinário mosaico<br />
sobre os esplendores e misérias da<br />
Índia mo<strong>de</strong>rna, mais datado quando<br />
explora a componente política, mais<br />
estimulante quando se <strong>de</strong>ixa levar<br />
pelos momentos que regista e quando<br />
questiona a própria pureza da formadocumentário,<br />
num precursor “avant<br />
la lettre” das questões que trabalham<br />
actualmente os cineastas da área. O<br />
outro, “Calcutá”, é um “oitavo<br />
episódio” pensado para cinema e<br />
centrado no quotidiano daquela<br />
cida<strong>de</strong>; está mais perto da convenção<br />
do “filme <strong>de</strong> viagem” ou do<br />
documentário etnográfico, faz-lhe falta<br />
a duração sem pressas do seu<br />
companheiro televisivo, mas sente-se<br />
nele o olhar generoso <strong>de</strong> Malle. A<br />
experiência indiana e os dois<br />
documentários funcionaram como<br />
“charneira” entre as duas fases da<br />
carreira do realizador, e po<strong>de</strong>mos<br />
sentir como essa atenção às pessoas,<br />
essa aposta na duração do plano, esse<br />
olhar lúcido contamina toda a restante<br />
obra.<br />
“A Índia Fantasma” é o único “extra”<br />
<strong>de</strong>sta caixa <strong>de</strong> preço apetecível e<br />
apresentação sóbria mas acabamentos<br />
pobres organizada pelo editor<br />
espanhol Avalon, que não correspon<strong>de</strong><br />
a (nem aproveita nenhum dos extras<br />
<strong>de</strong>) nenhuma das edições<br />
internacionais <strong>de</strong>stes filmes, nem<br />
contextualiza quer o realizador quer as<br />
obras reunidas. A lógica que reúne<br />
estes títulos (bem como os cinco<br />
presentes numa segunda caixa do<br />
mesmo editor) é <strong>de</strong> catálogo -<br />
pertencem todos ao acervo da<br />
distribuidora francesa Pyrami<strong>de</strong> - e as<br />
cópias estão em excelentes condições,<br />
ou, no caso <strong>de</strong> “Calcutá” e “A Índia<br />
Fantasma”, nas melhores possíveis<br />
(restauradas pelos Archives Françaises<br />
du Film a partir <strong>de</strong> originais bastante<br />
gastos). As legendagens vão do bom ao<br />
mau (em “O Colaboracionista” e nos<br />
documentários, com muitas<br />
transferências directas do espanhol e a<br />
mesma palavra grafada <strong>de</strong> modo<br />
diferente <strong>de</strong> filme para filme), e a<br />
divisão dos sete episódios <strong>de</strong> “A Índia<br />
Fantasma” pelos vários discos não<br />
surgem pela or<strong>de</strong>m indicada na contracapa.<br />
Mesmo assim, face ao preço em<br />
conta (40 euros) e à qualida<strong>de</strong> do<br />
material reunido, é uma edição a ter<br />
em conta para (re)<strong>de</strong>scobrir um<br />
cineasta que já merecia ser reavaliado<br />
com atenção.<br />
Televisão<br />
Bizarrias, outra vez<br />
mmnnn<br />
Extras<br />
mnnnn<br />
Nip/Tuck<br />
5ª tem<strong>por</strong>ada,<br />
Parte I<br />
Criador Ryan<br />
Murphy<br />
Distr. Castello-<br />
Lopes<br />
Pior do que uma má série é uma série<br />
muito boa que se torna irrelevante. Bom,<br />
não tão má que nos afaste do ecrã, mas<br />
má ao ponto <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>ixar nostálgicos<br />
em relação aos primeiros episódios - que<br />
é o sinal mais evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que algo vai<br />
mal no reino da quinta tem<strong>por</strong>ada <strong>de</strong><br />
“Nip/Tuck”, a série sobre dois cirurgiões<br />
plásticos que nos continua a dar a<br />
medicina à lupa mas não a surpreen<strong>de</strong>r.<br />
Com a mudança dos dois cirurgiões <strong>de</strong><br />
Miami para Los Angeles, território do<br />
hedonismo <strong>por</strong> excelência, per<strong>de</strong>u-se a<br />
ironia da “tagline” <strong>de</strong> “Nip/Tuck”, a<br />
“série profundamente superficial”.<br />
Per<strong>de</strong>u-se a ironia <strong>por</strong>que ela tornou-se,<br />
<strong>de</strong> facto, naquilo que anunciava,<br />
superficial. E per<strong>de</strong>u-se também o mais<br />
interessante das personagens: a<br />
espessura e, acima <strong>de</strong> tudo, a<br />
credibilida<strong>de</strong>. Os “twists” passaram a ser<br />
isso mesmo, meros “twists”, que nada<br />
acrescentam, antes são manobras <strong>de</strong><br />
diversão <strong>de</strong> argumentistas/criadores que<br />
já não sabem fazer crescer as “pessoas”<br />
que criaram. A galeria <strong>de</strong> freaks que vão<br />
passando pelo consultório (do bem<br />
sucedido empresário que é masoquista à<br />
velhota que quer que o seu jovem noivo<br />
volte a ter os pêlos que ela em tempos<br />
quis mandar tirar) e os jactos <strong>de</strong><br />
surrealismo à la “Twin Peaks” são mais<br />
do mesmo, com a diferença <strong>de</strong> que o<br />
mesmo já foi melhor nas três primeiras<br />
tem<strong>por</strong>adas.<br />
Resumimos, então, o argumento <strong>de</strong>sta<br />
semi-quinta tem<strong>por</strong>ada (semi <strong>por</strong>que o<br />
DVD vai até ao episódio 14; o resto, que<br />
vai até ao 22, estreia este mês nos EUA):<br />
Chris (Julian McMahon), o narcísico com<br />
momentos <strong>de</strong> generosida<strong>de</strong>, e Sean<br />
(Dylan Walsh), o sonso com momentos<br />
<strong>de</strong> sacanice, mudam-se para LA on<strong>de</strong><br />
montam nova clínica. Como o negócio<br />
não arranca, tentam atingir os fins <strong>por</strong><br />
outros meios. Sean torna-se a estrela <strong>de</strong><br />
uma série que glosa o próprio “Nip/<br />
Tuck” (chama-se “Corações e Bisturis”) e<br />
Chris fica em crise <strong>de</strong> egocentrismo,<br />
invertendo o papel com Sean. Julia tem<br />
um caso com uma mulher, e a filha<br />
adolescente <strong>de</strong>la, uma Lolita a assombrar<br />
o já não puritano Sean, torna-se a<br />
verda<strong>de</strong>ira vilã.<br />
É pena, então, que o criador Ryan<br />
Murphy tenha adormecido à sombra do<br />
sucesso da série estreada em 2003 nos<br />
EUA. A “crise”, é verda<strong>de</strong>, já se anunciara<br />
na tem<strong>por</strong>ada quatro, com as<br />
personagens a chegarem a um impasse.<br />
A quinta tem<strong>por</strong>ada só o confirma - a ver<br />
vamos a parte II.<br />
Os extras, não legendados, são uma<br />
conversa com Ryan Murphy e alguns<br />
actores sobre o hedonismo ou cenas <strong>de</strong><br />
apanhados. Joana Gorjão Henriques<br />
SÁB <br />
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REMIX ENSEMBLE<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 35
Cinema<br />
No fundo, no fundo<br />
esta turma po<strong>de</strong>mos ser todos<br />
nós: “A Onda”<br />
Estreiam<br />
A turma<br />
O fascismo não passará?<br />
Um professor <strong>de</strong> liceu<br />
<strong>de</strong>monstra <strong>por</strong> A+B que não<br />
é bem assim e abre uma<br />
caixa <strong>de</strong> Pandora.<br />
Jorge Mourinha<br />
A Onda<br />
Die Welle / The Wave<br />
De Dennis Gansel,<br />
com Jürgen Vogel, Fre<strong>de</strong>rick Lau, Max<br />
Riemelt. M/16<br />
MMMMn<br />
As estrelas do público<br />
<strong>Lisboa</strong>: Luso<strong>mundo</strong> - Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h30,<br />
23h50; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h, 21h40, 00h10<br />
Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h, 21h40, 00h10;<br />
Porto: Luso<strong>mundo</strong> - Mar Shopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10, 18h50, 21h20,<br />
23h50; UCI Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h10, 16h40, 19h15, 21h50, 00h30 3ª<br />
4ª 16h40, 19h15, 21h50, 00h30;<br />
Não era tão bom que todos os<br />
professores fossem tão fixes como<br />
Rainer Wenger, que treina a equipa <strong>de</strong><br />
polo aquático do liceu, ensina<br />
História, tem o cabelo rapado, usa<br />
blusão <strong>de</strong> cabedal e vai para o<br />
trabalho a ouvir os Ramones? Pois era.<br />
E os problemas começam aí.<br />
No âmbito dos projectos <strong>de</strong> grupo<br />
semanais do liceu on<strong>de</strong> ensina,<br />
Wenger é forçado a ensinar a<br />
autocracia em vez da anarquia.<br />
Apanhado <strong>de</strong> surpresa <strong>por</strong> um tema<br />
<strong>de</strong> que não gosta, confrontado com o<br />
cinismo <strong>de</strong> uma turma que já <strong>de</strong>u para<br />
a culpa do Holocausto e do nazismo e<br />
que acha que a Alemanha apren<strong>de</strong>u a<br />
lição, o professor fixe <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>-se a<br />
<strong>de</strong>senvolver com a turma uma<br />
experiência laboratorial: provar que<br />
as condições i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> temperatura e<br />
pressão permitem a re-emergência <strong>de</strong><br />
uma ditadura, mesmo na Alemanha. E<br />
a coisa resulta para lá <strong>de</strong> todas as<br />
expectativas: a experiência<br />
laboratorial começa a ganhar uma<br />
vida própria e a transcen<strong>de</strong>r os limites<br />
da sala <strong>de</strong> aula. A bola <strong>de</strong> neve,<br />
alimentada pelo carisma <strong>de</strong> Wenger<br />
(uma interpretação espantosa <strong>de</strong><br />
Jürgen Vogel, notabilíssimo actor<br />
alemão que conhecemos mal <strong>por</strong> cá) e<br />
pela leitura distorcida que alguns dos<br />
alunos fazem das i<strong>de</strong>ias centrais da<br />
autocracia, ganha uma velocida<strong>de</strong><br />
incontrolável, vai direitinha aos<br />
atavismos tribais embutidos nos genes<br />
humanos. E o que começou como um<br />
simples projecto escolar ganha<br />
contornos <strong>de</strong> tragédia anunciada: uma<br />
espécie <strong>de</strong> caixa <strong>de</strong> Pandora que se<br />
abriu a brincar, sem ter consciência<br />
das forças que se libertam e que<br />
<strong>de</strong>pois não voltam a entrar lá <strong>de</strong>ntro<br />
sem cobrar um preço.<br />
Não é uma mera criação <strong>de</strong><br />
argumentista, a autocrática<br />
experiência teve realmente lugar — só<br />
que em 1967, num liceu californiano.<br />
“A Onda” pega no protocolo original<br />
do professor Ron Jones (e na sua<br />
recriação num telefilme americano <strong>de</strong><br />
1981) e ficciona-o na Alemanha<br />
contem<strong>por</strong>ânea — o que eleva a<br />
premissa <strong>de</strong> intrigante a explosiva.<br />
Dennis Gansel assume a<br />
especificida<strong>de</strong> nacional que empresta<br />
a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> necessária à história, ao<br />
mesmo tempo que a universaliza<br />
através <strong>de</strong> uma apropriação<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
inteligente dos códigos do filme <strong>de</strong><br />
liceu, <strong>de</strong>senhando paralelos entre as<br />
regras comunitárias impostas na<br />
ditadura simulada <strong>de</strong> Wenger e o<br />
próprio funcionamento das cliques e<br />
grupinhos <strong>de</strong> liceu. Gansel filma com<br />
uma energia e um ritmo que quase se<br />
diriam adolescentes, captando na<br />
perfeição o entusiasmo que vai<br />
crescendo, como uma (lá está) onda<br />
<strong>de</strong> adrenalina que começa a percorrer<br />
a turma e “acorda” alunos até aí<br />
<strong>de</strong>sinteressados ou isolados.<br />
Não é <strong>de</strong>scabido que seja também<br />
essa a i<strong>de</strong>ia subjacente – usar esse<br />
entusiasmo para captar espectadores<br />
para um filme que, no papel, seria um<br />
pouco seco; e, <strong>de</strong> facto, “A Onda” tem<br />
sido acusado <strong>de</strong> excessivo didactismo.<br />
Sim, é verda<strong>de</strong>, esse didactismo está<br />
presente, mas está muito longe <strong>de</strong> ser<br />
metido a martelo ou enfiado pela<br />
boca, <strong>por</strong>que é precisamente esse o<br />
tema e o método do filme — o modo<br />
como nos <strong>de</strong>ixamos levar sem darmos<br />
<strong>por</strong> isso. Dennis Gansel torna um<br />
filme que podia ser <strong>de</strong> tese numa<br />
montanha russa engenhosamente<br />
<strong>de</strong>senhada, trata os seus espectadores<br />
como os alunos <strong>de</strong> Wenger – sedu-los<br />
primeiro para <strong>de</strong>pois lhes explicar, em<br />
inteira lealda<strong>de</strong>, como foram<br />
manipulados, espelhando na<br />
perfeição o próprio <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da experiência <strong>de</strong> Ron Jones.<br />
No fundo, no fundo, a turma <strong>de</strong><br />
Wenger po<strong>de</strong>mos ser (somos?) nós<br />
todos.<br />
Razão<br />
sem fúria<br />
Este é um filme <strong>de</strong> um<br />
Clint que trocou o instinto<br />
profundo que alimenta os<br />
seus melhores filmes<br />
pelas boas maneiras<br />
que dominam<br />
os seus filmes<br />
assim-assim. Luís<br />
Miguel Oliveira<br />
A Troca<br />
Changeling<br />
De Clint Eastwood,<br />
com Angelina Jolie,<br />
Gattlin Griffith, Michelle<br />
Martin, John Malkovich.<br />
M/12<br />
MMMnn<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Austrália MMmmm nnnnn mmmmn mnnnn<br />
Caos Calmo MMmnn MMmnn mmmnn MMmnn<br />
A Onda MMmmn mnnnn nnnnn nnnnn<br />
A Troca mmmnn mmmnn mmmnn mmnnn<br />
Sete Vidas MMmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
O Silêncio <strong>de</strong> Lorna nnnnn mmmnn mnnnn mnnnn<br />
RocknRolla mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Sim! mmnnn mmnnn nnnnn mnnnn<br />
Três Macacos nnnnn mmmnn mmnnn mnnnn<br />
Valsa com Bashir mmmmn mmnnn mmnnn mmmnn<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h, 21h10,<br />
00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h, 21h, 24h; Luso<strong>mundo</strong><br />
- Cascaishopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 16h40, 21h20, 00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Colombo: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h40, 21h10,<br />
00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 16h10, 21h10,<br />
00h20; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h,<br />
21h45, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9:<br />
5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h, 21h30, 00h25<br />
Domingo 11h30, 15h, 18h, 21h30, 00h25; Castello<br />
Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h30,<br />
00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h10, 21h15, 00h25;<br />
Porto: Luso<strong>mundo</strong> - GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h40, 21h40 6ª Sábado<br />
12h40, 15h40, 18h40, 21h40, 00h45; Luso<strong>mundo</strong> -<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h50, 17h20, 21h10, 00h30; Luso<strong>mundo</strong> - Parque<br />
Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />
16h50, 21h10, 00h20; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala<br />
1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 18h,<br />
21h40; UCI Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h20, 21h30, 00h40;<br />
Nos tempos heróicos em que os<br />
miúdos dos “Cahiers” tomaram em<br />
mãos a tarefa <strong>de</strong> resgatarem Samuel<br />
Fuller ao opróbrio do ogre-vermelho<br />
Georges Sadoul (e à indiferença dos<br />
americanos), o mais miúdo <strong>de</strong>les<br />
todos, Luc Moullet, estabeleceu uma<br />
tipologia <strong>de</strong>finitiva: havia dois Fullers,<br />
um Fuller “temperamental” e um<br />
Fuller “racional”, e o primeiro era<br />
mais interessante do que o segundo.<br />
Fora, eventualmente, o plágio, não<br />
incorremos em nenhum crime se<br />
transpusermos essas categorias para<br />
Clint Eastwood, pela boa razão <strong>de</strong> que<br />
elas nos vêm à memória durante o<br />
visionamento <strong>de</strong> “A Troca”. Este é um<br />
filme <strong>de</strong> um Clint em modo razoável<br />
(digamos, uma razão sem fúria), um<br />
Clint que trocou o instinto profundo<br />
que alimenta os seus melhores filmes<br />
(o instinto que, como em Fuller,<br />
originou não poucos equívocos) pelas<br />
boas maneiras que dominam os seus<br />
filmes assim-assim (se quiserem, “As<br />
Cartas <strong>de</strong> Iwo Jima” versus “As<br />
Ban<strong>de</strong>iras dos Nossos Pais”). Um Clint<br />
que prestou menos atenção às suas<br />
tripas e mais àquela conversa do<br />
“último dos clássicos” em que<br />
teria que acabar <strong>por</strong><br />
acreditar <strong>de</strong> tanto lha<br />
repetirem aos<br />
ouvidos. Inteligente<br />
e competente, mas<br />
também disperso e<br />
<strong>de</strong>corativo (e coisa<br />
rara em Clint, com<br />
planos a mais, cenas<br />
que se prolongam<br />
sem outra razão<br />
aparente que não<br />
seja fazer<br />
brilhar os<br />
actores),<br />
“A<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h20<br />
6ª Sábado 12h50, 15h40, 18h30, 21h20,<br />
00h10; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h45, 21h30 6ª<br />
Sábado 13h15, 16h, 18h45, 21h30,<br />
00h15; Castello Lopes - Loures<br />
Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h30,<br />
18h30, 21h20, 24h; CinemaCity Alegro<br />
Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h55,<br />
21h10, 00h05; CinemaCity Beloura<br />
Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h25, 17h20,<br />
21h10, 00h05; CinemaCity Campo<br />
Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h10, 17h, 21h10,<br />
00h05; Luso<strong>mundo</strong> - Alvaláxia:<br />
Clint cria uma versão <strong>de</strong> si mesmo,<br />
um “travesti ao contrário”, numa das<br />
mulheres mais bonitas do <strong>mundo</strong>,<br />
Angelina Jolie (“A Troca”)<br />
36 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
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ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
connosco.<br />
Troca”, se não for o filme mais<br />
indistinto que Clint fez <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “The<br />
Rookie” (em 1991), é o que tem mais<br />
momentos indistintos, mais redondos,<br />
que mais se contenta com a eficácia<br />
melodramática, que mais cultiva o<br />
bem-acabado pelo bem-acabado.<br />
Falha até a relação directa com a<br />
Hollywood clássica (tudo se passa em<br />
Los Angeles nos anos 20 e 30, fala-se<br />
<strong>de</strong> Óscares, <strong>de</strong> Tom Mix e <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong><br />
Capra e <strong>de</strong> DeMille), esboçada mas<br />
reduzida a rodapés referenciais nunca<br />
verda<strong>de</strong>iramente integrados.<br />
Isto <strong>de</strong>ixado claro, po<strong>de</strong>mos abrir a<br />
<strong>por</strong>ta da ambivalência. Nem tudo é<br />
indistinto em “A Troca”. Quase<br />
subrepticiamente vislumbram-se<br />
“flashes” <strong>de</strong> um trabalho que vem <strong>de</strong><br />
trás, continuida<strong>de</strong>s “eastwoodianas”.<br />
Marcas <strong>de</strong> “autoria”, que são<br />
diferentes <strong>de</strong> simples marcas <strong>de</strong><br />
“reconhecimento”. Tal como não se<br />
trata <strong>de</strong> resgatar o “todo” pela<br />
“parte”, antes <strong>de</strong> reiterar uma<br />
verda<strong>de</strong> óbvia: entre um filme pouco<br />
convincente <strong>de</strong> um bom cineasta e<br />
um filme pouco convincente <strong>de</strong> um<br />
cineasta qualquer é sempre preferível<br />
o filme pouco convincente do bom<br />
cineasta. Se, apesar do exposto, não<br />
conseguimos fazer “fine bouche” a “A<br />
Troca” isso acontece pelas duas<br />
razões que tentaremos explicar a<br />
seguir. Uma, a insistência,<br />
tremendamente “eastwoodiana”,<br />
num conflito entre o indivíduo e um<br />
grupo, conflito que a lei, bloqueada,<br />
<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r regular. Richard<br />
Schickel, na entrevista concedida ao<br />
Ípsilon há semanas, lembrava que em<br />
“Dirty Harry” o confronto<br />
fundamental não era entre a<br />
personagem <strong>de</strong> Eastwood e o<br />
assassino, mas entre Eastwood e a<br />
cor<strong>por</strong>ação policial a que ele<br />
pertencia. A polícia <strong>de</strong> “A Troca”<br />
lembra a polícia <strong>de</strong> “Dirty Harry”,<br />
sendo como é um paroxismo <strong>de</strong><br />
corrupção e incompetência, incapaz<br />
<strong>de</strong> aplicar a lei sem ser <strong>de</strong> forma<br />
<strong>de</strong>turpada, e em função <strong>de</strong> interesses<br />
próprios. Ou seja, como em tantos<br />
filmes <strong>de</strong> Eastwood, tudo está “fora<br />
da lei”. O<br />
<strong>de</strong>senho<br />
<strong>de</strong>ste<br />
estado <strong>de</strong><br />
coisas e a<br />
sua<br />
prepon<strong>de</strong>rância como conflito<br />
essencial mantêm o filme coeso<br />
durante boa parte da sua duração,<br />
tanto que, quando <strong>de</strong>saparecem (essa<br />
parte da intriga “resolve-se” a uma<br />
boa meia-hora do final), “A Troca”<br />
per<strong>de</strong> força, e se esvai em diversos<br />
“falsos epílogos”, como um longo<br />
apêndice justificado apenas pela<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar a conduzir<br />
o melodrama sentimental (Angelina<br />
Jolie à procura <strong>de</strong> sinais do filho<br />
<strong>de</strong>saparecido) e o melodrama <strong>de</strong><br />
crime e castigo (toda a história com o<br />
“serial killer”, espécie <strong>de</strong> Scorpio dos<br />
anos 20 com uns pozinhos <strong>de</strong> “Mystic<br />
River”).<br />
Neste cenário, neste território “sem<br />
lei” que está muito próximo do do<br />
“western” (“genuíno” ou “urbano”), a<br />
personagem <strong>de</strong> Angelina Jolie é um<br />
equivalente óbvio <strong>de</strong> várias<br />
personagens <strong>de</strong> Clint. Sozinha e<br />
obstinada, ela é um pouco a “cowgirl”<br />
forasteira que chega a uma cida<strong>de</strong><br />
corrupta e, <strong>por</strong> efeito directo ou<br />
indirecto da sua acção, a mete na<br />
or<strong>de</strong>m (“mutatis mutandis”, é o<br />
momento em que a corrupção policial<br />
é <strong>de</strong>smascarada e con<strong>de</strong>nada). É a<br />
narrativa que a põe nessa situação,<br />
certo; mas é a construção visual da<br />
sua personagem que a reforça, como<br />
se o seu mo<strong>de</strong>lo fosse o próprio...<br />
Clint Eastwood, o “cowboy” dos anos<br />
60 e 70 (o sorriso <strong>de</strong>safiador, o<br />
sobrolho franzido, os gran<strong>de</strong>s planos<br />
com a aba do chapéu a cair sobre a<br />
testa). É a verda<strong>de</strong>ira versão feminina<br />
do “Clint-ícone”, com, no lugar da<br />
cigarrilha e da barba <strong>por</strong> fazer, uns<br />
lábios muito vermelhos, uns olhos<br />
muito azuis, um chapéu cor <strong>de</strong><br />
azeitona (sempre tudo da mesma<br />
maneira, como se fosse <strong>de</strong> uniforme).<br />
Espécie <strong>de</strong> cúmulo <strong>de</strong> um narcisismo<br />
temperado <strong>por</strong> um impulso<br />
pigmaleónico: Clint cria uma versão<br />
<strong>de</strong> si mesmo, um “travesti ao<br />
contrário”, numa das mulheres mais<br />
bonitas do <strong>mundo</strong>. É a segunda razão.<br />
De qualquer modo, não<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 37
Cinema<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
Will Smith está cada vez mais<br />
interessante como actor e produtor:<br />
“Sete Vidas”<br />
Alexandra<br />
Lucas<br />
Coelho<br />
Viagens com bolso<br />
Teremos sempre<br />
os livros<br />
Acabo <strong>de</strong> ler um livro que esperou 15 anos. Em<br />
caso <strong>de</strong> pobreza súbita, é bom saber que os<br />
livros que temos dão para várias vidas, sem<br />
contar com aqueles a que po<strong>de</strong>remos sempre<br />
voltar. Os livros esperam <strong>por</strong> nós - e então<br />
acontecem coisas.<br />
Tenho uma amiga que foi às Ilhas Maurícias <strong>por</strong> causa<br />
<strong>de</strong>ste livro, “O Caçador <strong>de</strong> Tesouros”, <strong>de</strong> J.M.G. <strong>Le</strong><br />
Clézio.<br />
Não me lembro <strong>de</strong> alguma vez pensar nas Maurícias.<br />
O mais próximo que quis ir foi a Moçambique, e<br />
cheguei pouco além <strong>de</strong> Maputo. Continuo a querer ir a<br />
Moçambique, muito até lá acima, à Ilha - ou a Zanzibar.<br />
A única ilha do Índico que conheço é a pequena Inhaca,<br />
indo num bote <strong>de</strong> pescador e voltando com tempesta<strong>de</strong>.<br />
Mas mal entrei neste “Caçador <strong>de</strong> Tesouros”, as<br />
Maurícias começaram a aparecer no Tejo. As águas<br />
ao largo do Barreiro eram já as águas ao largo do<br />
Tamarindo; aquele cargueiro vindo do Porto <strong>de</strong> <strong>Le</strong>ixões<br />
era já o veleiro do capitão Bradmer a caminho da ilhaanel<br />
interdita às mulheres; e lá ia eu, como antes com<br />
Stevenson e Melville. Então ainda havia disto! - <strong>por</strong>ões,<br />
timoneiros, capitães, tesouros, um anel <strong>de</strong> corais <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> qualquer mulher é arrancada pelas ondas e as<br />
tartarugas vogam como se não conhecessem o homem,<br />
o seu rasto <strong>de</strong> sangue.<br />
Mas à proa eu não via <strong>Le</strong> Clézio, talvez <strong>por</strong>que nunca<br />
o tenha visto. Via Ernesto Sampaio a passar-nos tudo<br />
do francês, e voltei a ver o seu rosto, a barba queimada<br />
pelo cigarro, a elegância, o silêncio. Cigarro após<br />
cigarro, à picareta, quantos<br />
Mas à proa eu não via<br />
<strong>Le</strong> Clézio, talvez <strong>por</strong>que<br />
nunca o tenha visto. Via<br />
Ernesto Sampaio a<br />
passar-nos tudo do<br />
francês<br />
meses-anos terá levado ele<br />
a atravessar esta infância<br />
resplan<strong>de</strong>cente, tenebrosa,<br />
<strong>de</strong> “O Caçador <strong>de</strong> Tesouros”,<br />
em que dois irmãos dão as<br />
mãos até vir um ciclone, a<br />
febre do ouro, a guerra?<br />
A edição <strong>por</strong>tuguesa é <strong>de</strong><br />
1994. Demorei 15 anos para<br />
chegar lá e reencontrar o<br />
tradutor que já me levara ao<br />
Equador e à Ásia com Henri Michaux - duas aventuras<br />
daquelas a que po<strong>de</strong>rei sempre voltar em caso <strong>de</strong><br />
pobreza súbita.<br />
A minha amiga que foi às Maurícias também foi ao<br />
Equador <strong>por</strong> causa <strong>de</strong> Michaux. Eu nunca pensara no<br />
Equador até ler Michaux e não <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> pensar até<br />
hoje. Ainda não lá fui, mas sempre é uma forma <strong>de</strong><br />
alimento. E dos países que estão em “Um Bárbaro na<br />
Ásia” - Índias, China, Malásia, Indonésia, Japão -, só<br />
an<strong>de</strong>i <strong>de</strong> relance pela Costa do Malabar.<br />
Aí, nas imediações <strong>de</strong> Bombaim, lembro-me <strong>de</strong><br />
ter na cabeça outro livro, “O Suspiro do Mouro”, <strong>de</strong><br />
Salman Rushdie. Os livros fazem lugares, e esses lugares<br />
coexistem com os reais <strong>por</strong>que são também eles uma<br />
forma <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>.<br />
Se <strong>de</strong> repente for às estantes encontro a Moscovo<br />
<strong>de</strong> Bulgakov que julguei ver em Moscovo (subindo a<br />
Tverskaia, para lá do Conservatório, há-<strong>de</strong> aparecer o<br />
diabo). Tolstoi entre os mujiques <strong>de</strong> Iasnaia Poliana. Os<br />
moinhos <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> Criptana, La Mancha. Denver,<br />
Colorado, com Kerouac. Frankfurt sem Bud<strong>de</strong>nbrooks.<br />
E a promessa dos lugares lidos on<strong>de</strong> nunca fui (Argel,<br />
Ho Chi Minh, A<strong>de</strong>n, Dublin, Weimar, Buenos Aires,<br />
Cuernavaca, Rio Congo, Yorkshire, Aracataca, Lima,<br />
Belém do Pará, Cabo Horn, Finisterra) - ou aquela<br />
cida<strong>de</strong> que Pessoa realizou e on<strong>de</strong> me parece que vivo.<br />
viagenscombolso@gmail.com<br />
<strong>de</strong>sesperemos: “Gran Torino”<br />
chega num par <strong>de</strong> meses, e pelo seu<br />
temperamento juramos nós.<br />
Engana-me<br />
que eu gosto<br />
Will Smith reencontra o<br />
italiano Gabriele Muccino<br />
para voltar a explicar como<br />
é que se faz um melodrama<br />
<strong>de</strong> fazer chorar as pedras da<br />
calçada. Jorge Mourinha<br />
Sete Vidas<br />
Seven Pounds<br />
De Gabriele Muccino,<br />
com Will Smith, Rosario Dawson,<br />
Woody Harrelson. M/16<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h40 6ª<br />
Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h40, 00h10; Castello<br />
Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40, 21h40,<br />
00h15; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª<br />
2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h05, 21h25, 00h25 Sábado<br />
Domingo 11h50, 14h10, 16h40, 19h05, 21h25,<br />
00h25; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />
2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 18h55, 21h30, 23h55 Sábado<br />
Domingo 11h40, 14h, 16h20, 18h55, 21h30,<br />
23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15,<br />
16h40, 19h, 21h30, 24h Domingo 11h50, 14h15,<br />
16h40, 19h, 21h30, 24h; Luso<strong>mundo</strong> - Alvaláxia: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h55, 18h50,<br />
21h30, 00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Amoreiras: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40,<br />
21h40, 00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Cascaishopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h20,<br />
21h10, 24h; Luso<strong>mundo</strong> - Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h45, 18h30, 21h25,<br />
00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h25,<br />
00h10; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h,<br />
00h20; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h10, 21h50, 00h20<br />
Domingo 11h30, 14h, 16h30, 19h10, 21h50,<br />
00h20; Castello Lopes - Barreiro: Sala 4: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h20,<br />
21h30, 00h25; Castello Lopes - Rio Sul<br />
Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h, 15h30, 18h10, 21h40, 00h10; Luso<strong>mundo</strong> -<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 15h50, 18h40, 21h25, 00h10; UCI Free<strong>por</strong>t: Sala<br />
1: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h40, 21h30 6ª 16h10,<br />
18h40, 21h30, 24h Sábado 13h40, 16h10, 18h40,<br />
21h30, 24h Domingo 13h40, 16h10, 18h40, 21h30;<br />
Porto: Luso<strong>mundo</strong> - Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50,<br />
21h40, 00h25; Luso<strong>mundo</strong> - GaiaShopping: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h30 6ª<br />
Sábado 13h20, 16h, 18h50, 21h30,<br />
00h10; Luso<strong>mundo</strong> - Mar Shopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30,<br />
00h10; Luso<strong>mundo</strong> - NorteShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h50, 21h50,<br />
00h50; Luso<strong>mundo</strong> - Parque Nascente: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 18h20,<br />
21h20, 00h30; UCI Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 14h, 16h40, 19h20, 22h, 00h40<br />
3ª 4ª 16h40, 19h20, 22h, 00h40; Castello Lopes - 8ª<br />
Avenida: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30,<br />
18h30, 21h30 6ª Sábado 13h, 15h30, 18h30, 21h30,<br />
24h; Luso<strong>mundo</strong> - Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20, 00h20;<br />
Will Smith <strong>de</strong>ve ao italiano Gabriele<br />
Muccino, realizador <strong>de</strong> “O Último<br />
Beijo”, a sua mais recente nomeação<br />
para os Óscares, pelo enxutíssimo<br />
melodrama baseado-em-caso-verídico<br />
“Em Busca da Felicida<strong>de</strong>” (2006). E<br />
que a maior ve<strong>de</strong>ta <strong>de</strong> cinema do<br />
<strong>mundo</strong> escolha voltar a trabalhar com<br />
um realizador europeu para um novo<br />
melodrama enxuto <strong>de</strong> fazer chorar as<br />
pedras da calçada é algo <strong>de</strong><br />
significativo. Por um lado, há a<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> repetir uma experiência<br />
que correu bem, mesmo correndo os<br />
riscos inerentes à exploração <strong>de</strong> uma<br />
fórmula; <strong>por</strong> outro, uma admissão<br />
que não há, hoje, em Hollywood<br />
quem consiga actualizar a este nível<br />
<strong>de</strong> requinte e justeza a fórmula do<br />
melodrama clássico.<br />
Muccino sabe que a sua história –<br />
um misterioso funcionário dos<br />
impostos com um peso na consciência<br />
torna-se numa espécie <strong>de</strong> “anjo da<br />
guarda” <strong>de</strong> pessoas a quem o <strong>de</strong>stino<br />
trocou as voltas– cumpre todos os<br />
requisitos (e mais alguns) do<br />
melodrama <strong>de</strong> puxar à lágrima e<br />
estica a plausibilida<strong>de</strong> da narrativa até<br />
um ponto que, visto a frio, é<br />
escandalosamente forçado e com o<br />
seu quê <strong>de</strong> calculismo sonso.<br />
É a diferença entre um cineasta que<br />
compreen<strong>de</strong> as regras do jogo e<br />
trabalha <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las, como Muccino,<br />
e um que finge fazê-lo para melhor<br />
mostrar o seu <strong>de</strong>sprezo pela tradição,<br />
como Lars von Trier fez no<br />
abominável “Dancer in the Dark”: vá<br />
<strong>de</strong> compensar isso com uma<br />
sobrieda<strong>de</strong> elegante e um luxo<br />
discreto a que se po<strong>de</strong>ria chamar<br />
“<strong>de</strong>sign italiano”. A aposta é em<br />
extrair toda a emoção da história e do<br />
espectador como quem não quer a<br />
coisa, aproveitando a simpatia natural<br />
da sua ve<strong>de</strong>ta ao mesmo tempo que o<br />
força a um “jogo duplo” sempre à<br />
beirinha da manipulação <strong>de</strong>miúrgica.<br />
On<strong>de</strong> essa simpatia mascara uma dor<br />
profunda levada quase ao ponto da<br />
flagelação crística, mas conduzindo<br />
discretamente o espectador a<br />
compreendê-lo <strong>por</strong> si próprio, sem<br />
nunca sublinhar nada a traço grosso,<br />
com uma contenção <strong>de</strong> tal modo seca<br />
que fica pare<strong>de</strong>s-meias com o<br />
<strong>de</strong>sarmante.<br />
É essa contenção, muitíssimo bem<br />
traduzida <strong>por</strong> um Smith frágil e<br />
torturado (e cada vez mais<br />
interessante enquanto actor e<br />
produtor) e <strong>por</strong> uma Rosario Dawson<br />
<strong>de</strong>slumbrantemente <strong>de</strong>licada, que<br />
trans<strong>por</strong>ta “Sete Vidas” em crescendo<br />
até um final <strong>de</strong>vastador, certeiro no<br />
modo como transcen<strong>de</strong> a<br />
implausibilida<strong>de</strong> para<br />
tornar comovente o<br />
que noutras mãos seria<br />
apenas lacrimejante. De<br />
pouco<br />
im<strong>por</strong>ta que<br />
“Sete Vidas” se<br />
pareça <strong>de</strong>smoronar<br />
uma vez terminada a<br />
projecção; enquanto<br />
dura, a convicção com<br />
que Smith e Muccino se<br />
entregam a esta história<br />
<strong>de</strong> generosida<strong>de</strong> e<br />
altruísmo levados ao<br />
limite do sacrifício<br />
masoquista anulam<br />
qualquer resistência. Não é<br />
outro “Em Busca da<br />
Felicida<strong>de</strong>”, mas é isto que<br />
um melodrama tem obrigação<br />
<strong>de</strong> ser.<br />
Do que mais gostamos em “Valsa com<br />
Bashir” é dos momentos em que Folman<br />
<strong>de</strong>ixa sobre<strong>por</strong> um lirismo onírico<br />
Continuam<br />
Austrália<br />
Australia<br />
De Baz Luhrmann,<br />
com Nicole Kidman, Hugh Jackman,<br />
David Wenham. M/12<br />
MMMMn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h20,<br />
21h30; Castello Lopes - Feira Nova: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h30,<br />
21h20; Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h45,<br />
21h45; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 4: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h20,<br />
21h30; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h30; CinemaCity<br />
Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h30, 16h45, 21h, 00h15; CinemaCity Beloura<br />
Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 16h50, 21h20; CinemaCity Campo Pequeno<br />
Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 17h15, 21h, 00h15; Luso<strong>mundo</strong> - Alvaláxia:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h10, 21h,<br />
00h25; Luso<strong>mundo</strong> -<br />
O que mais seduz é o <strong>de</strong>spudor<br />
com que Luhrmann trata<br />
a memória fílmica: “Austrália”<br />
38 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
an<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />
17h30, 20h50, 00h10; Luso<strong>mundo</strong> - Cascaishopping:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 17h10, 21h,<br />
00h25; Luso<strong>mundo</strong> - Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 17h, 21h,<br />
00h30; Luso<strong>mundo</strong> - Dolce Vita Miraflores: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h30,<br />
22h; Luso<strong>mundo</strong> - Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 16h30, 21h, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />
Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h45, 18h15, 21h30; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
15h, 18h10, 21h20, 00h30; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h15, 17h45, 21h20; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 11: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h30, 19h,<br />
22h30 Domingo 11h30, 15h30, 19h, 22h30; Castello<br />
Lopes - Barreiro: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h, 16h30, 21h20; Castello Lopes - C. C.<br />
Jumbo: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h10, 16h20, 21h30; Castello Lopes - Rio Sul<br />
Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
16h20, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala<br />
6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
23h50; Luso<strong>mundo</strong> - Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h10, 20h45, 00h15; UCI<br />
Free<strong>por</strong>t: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
15h15, 18h30, 21h50;<br />
Porto: Luso<strong>mundo</strong> - Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h30, 21h,<br />
00h30; Luso<strong>mundo</strong> - GaiaShopping: 5ª Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 14h, 17h30, 21h 6ª Sábado 14h, 17h30,<br />
21h, 00h20; Luso<strong>mundo</strong> - MaiaShopping: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 16h50, 21h 6ª Sábado 16h50,<br />
21h, 00h30; Luso<strong>mundo</strong> - Mar Shopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h,<br />
00h30; Luso<strong>mundo</strong> - NorteShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 17h, 20h50,<br />
00h20; Luso<strong>mundo</strong> - Parque Nascente: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h10, 21h,<br />
00h40; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15,<br />
21h30; UCI Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h45, 22h20; UCI<br />
Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
13h45, 17h15, 21h, 00h20 3ª 4ª 17h15, 21h,<br />
00h20; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 3: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 16h,<br />
21h10; Luso<strong>mundo</strong> - Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h20, 17h05, 20h50 6ª Sábado 13h20,<br />
17h05, 20h50, 00h35; Luso<strong>mundo</strong> - Glicínias: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 19h20, 23h10;<br />
O que mais seduz neste excessivo<br />
“Austrália” é o <strong>de</strong>spudor com que Baz<br />
Luhrmann continua a tratar a<br />
memória fílmica que insiste em<br />
convocar. Percebe-se que haja quem<br />
o<strong>de</strong>ie este misturada <strong>de</strong> influências,<br />
<strong>de</strong> estilos triturados e servidos com<br />
pompa e circunstância, mas também<br />
com uma certa dose <strong>de</strong> humor – já<br />
uma vez chamámos ao realizador uma<br />
máquina trituradora <strong>de</strong> cultura e <strong>de</strong><br />
referências – o que não exclui a sua<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong> um fôlego<br />
épico que sabe impossível, nos<br />
tempos que vão correndo (<strong>de</strong> “póstudo”).<br />
O que enten<strong>de</strong>mos pior é que<br />
quem gostava <strong>de</strong> “Moulin Rouge”<br />
(on<strong>de</strong> a sua estratégia “ruminante”<br />
ainda ia mais longe) venha agora<br />
arrasar “Austrália”. Ou será que<br />
“brincar” com o melodramático torna<br />
o filme mais dificilmente recuperável?<br />
Mário Jorge Torres<br />
Valsa com Bashir<br />
Waltz with Bashir<br />
De Ari Folman,<br />
com Ron Ben-Yishai (Voz), Ronny<br />
Dayag (Voz), Ari Folman (Voz). M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h,<br />
16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 14h, 16h, 18h, 20h,<br />
22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />
00h15;<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 3: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h, 19h15, 22h;<br />
Todos os obscurecidos caminhos da<br />
memória do soldado Ari vão dar a<br />
Sabra e a Chatila, e o <strong>mundo</strong>, pelo<br />
menos o <strong>mundo</strong> que vai ver “Valsa<br />
com Bashir”, parece dividir-se entre<br />
os que acham que as “imagens reais”<br />
<strong>de</strong> Sabra e Chatila que aparecem no<br />
fim são fundamentais <strong>por</strong> ilustrarem<br />
a “cena primitiva” e os que,<br />
justamente <strong>por</strong> serem a ilustração da<br />
“cena primitiva”, os acham<br />
escusados. Ou apenas<br />
excessivamente lógico: num filme<br />
sobre a memória como buraco negro<br />
exaspera um bocadinho esta precisão<br />
<strong>de</strong> relojoaria a suspen<strong>de</strong>r a vertigem<br />
(e do que mais gostamos é dos<br />
momentos em que Folman <strong>de</strong>ixa<br />
sobre<strong>por</strong> um lirismo onírico e<br />
absurdo, a cena no barco ou a da<br />
propriamente dita valsa com Bashir,<br />
não muito longe das guerras <strong>de</strong> Fuller<br />
e <strong>de</strong> Coppola). Mas, que sabemos<br />
nós?, escrevemos estas linhas e<br />
parecem-nos picuinhices (ah, o<br />
“primado da estética”), quando a<br />
realida<strong>de</strong> faz tudo o que está ao seu<br />
alcance para confirmar a pertinência<br />
<strong>de</strong> um filme como este. Israel tem<br />
feridas na alma: não o saberíamos se<br />
lêssemos apenas a opinião publicada<br />
em Portugal, mais o seu sacrossanto<br />
“direito à auto-<strong>de</strong>fesa”. Po<strong>de</strong> ser que<br />
ainda estreie o Mograbi. Luís Miguel<br />
Oliveira<br />
Os Três Macacos<br />
Üç maymun / Three Monkeys<br />
De Nuri Bilge Ceylan,<br />
com Yavuz Bingol, Hatice Aslan,<br />
Hatice Aslan. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h30, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h30,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h20, 16h40, 19h20, 21h30, 24h;<br />
Esta espécie <strong>de</strong> saga familiar, com<br />
personagens pouco <strong>de</strong>finidas e uma<br />
superabundância <strong>de</strong> efeitos<br />
<strong>de</strong>corativistas, pouco ou nada<br />
acrescenta à obra interessante do<br />
turco Nuri Bilge Ceylan: nem se trata<br />
apenas do facto <strong>de</strong> tantos bonitinhos<br />
fotográficos tirarem força ao conflito<br />
dramático, que consegue apesar <strong>de</strong><br />
tudo romper, aqui e além; o mais<br />
grave passa pelo inesperado <strong>de</strong><br />
soluções que não imaginávamos<br />
possíveis num universo rigoroso e<br />
económico, como o <strong>de</strong> Ceylan,<br />
conduzindo mais ao bocejo do que<br />
ao olhar crítico sobre as estruturas<br />
sociais. Esperemos que este<br />
exercício <strong>de</strong> estilo, vazio e<br />
amaneirado, não passe <strong>de</strong> um<br />
aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> percurso. M.J.T.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 39
Concertos<br />
O timbre escuro, a agilida<strong>de</strong>, o instinto<br />
teatral e o sentido <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong> Marijana<br />
Mijanovic a<strong>de</strong>quam-se especialmente<br />
bem ao repertório dos antigos “castrati”<br />
Murray Perahia, consi<strong>de</strong>rado um dos<br />
melhores pianistas do nosso tempo<br />
Clássica<br />
Marijana<br />
Mijanovic,<br />
a voz do<br />
barroco<br />
O virtuosismo da música <strong>de</strong><br />
Han<strong>de</strong>l e Vivaldi. Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Marijana Mijanovic e Orquestra<br />
<strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Basileia<br />
Com Marijana Mijanovic (meiosoprano).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />
Berna, 45A. Dom. às 19h00. Tel.: 217823700. 17,5€ a<br />
35€.<br />
Em 2009 passam 250 anos da morte<br />
<strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, efeméri<strong>de</strong> que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já<br />
começa a ser assinalada <strong>por</strong> várias<br />
instituições musicais. O ciclo <strong>de</strong><br />
Música Antiga da Gulbenkian propõe,<br />
no domingo, um programa imperdível<br />
com a contralto Marijana Mijanovic e a<br />
Orquestra <strong>de</strong> Câmara <strong>de</strong> Basileia,<br />
on<strong>de</strong> se presta homenagem ao famoso<br />
“castrato” Francesco Bernardi (mais<br />
conhecido como Senesino), um dos<br />
intérpretes privilegiados <strong>de</strong> algumas<br />
das mais brilhantes óperas <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l.<br />
O programa contempla árias das<br />
óperas “Ro<strong>de</strong>linda”, “Orlando” e<br />
“Giulio Cesare” e três “Concerti<br />
Grossi”, <strong>de</strong> Han<strong>de</strong>l, mas reserva<br />
também lugar para Vivaldi, cuja<br />
escrita vocal testemunha igualmente a<br />
exuberância do virtuosismo barroco.<br />
Será possível ouvir árias da<br />
“Andromeda Liberata” e <strong>de</strong> “Orlando<br />
Furioso”, bem como a extraordinária<br />
cantata “Cessate, omai cessate”, uma<br />
das peças <strong>de</strong> eleição dos contraltos<br />
femininos e masculinos<br />
(contratenores) que se <strong>de</strong>dicam a este<br />
repertório. Esta obra conta com<br />
impressionantes interpretações em<br />
disco, das quais se <strong>de</strong>stacam as <strong>de</strong><br />
Andreas Scholl, Sara Mingardo ou da<br />
mezzo-soprano Anne Sophie von<br />
Otter.<br />
O timbre escuro, a agilida<strong>de</strong>, o<br />
instinto teatral e o sentido <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong><br />
Marijana Mijanovic a<strong>de</strong>quam-se<br />
especialmente bem ao repertório dos<br />
antigos “castrati”. Nascida em Valjevo,<br />
na antiga Jugoslávia, causou sensação<br />
no meio musical quando se estreou na<br />
ópera “Il Ritorno d’Ulisse”, <strong>de</strong><br />
Monteverdi, no Festival <strong>de</strong> Aix-en-<br />
Provence <strong>de</strong> 2000, sob a direcção <strong>de</strong><br />
William Christie. Nos últimos anos<br />
converteu-se numa das mais<br />
requesitadas intérpretes <strong>de</strong> ópera<br />
barroca, contando com uma<br />
im<strong>por</strong>tante discografia que inclui<br />
títulos como “Bajazet”, “Montezuma”<br />
e “Tito Manlio”, <strong>de</strong> Vivaldi, e<br />
“Ro<strong>de</strong>linda” e “Giulio Cesare”, <strong>de</strong><br />
Han<strong>de</strong>l, sob a direcção <strong>de</strong> maestros<br />
como Alan Curtis, Mark Minkowski e<br />
Fabio Biondi. Recentemente, a<br />
cantora gravou o seu primeiro álbum<br />
a solo, “Affetti barocchi” (árias <strong>de</strong><br />
Han<strong>de</strong>l para Senesino), para a Sony<br />
Classical, <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>remos ouvir<br />
alguns excertos no concerto da<br />
Gulbenkian.<br />
O regresso <strong>de</strong><br />
Murray Perahia<br />
Murray Perahia<br />
Com Murray Perahia (piano).<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. 5ª às 19h30. Tel.: 220120220. 25€.<br />
Murray Perahia quase não precisa <strong>de</strong><br />
apresentações. Consi<strong>de</strong>rado um dos<br />
mais im<strong>por</strong>tantes pianistas do nosso<br />
tempo, tem cultivado ao longo <strong>de</strong> uma<br />
carreira <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> três décadas um<br />
estilo que se caracteriza <strong>por</strong> uma<br />
aproximação rigorosa ao texto<br />
original, pela sensibilida<strong>de</strong> poética e<br />
<strong>por</strong> um certo gosto pela sobrieda<strong>de</strong><br />
em <strong>de</strong>trimento do exibicionismo<br />
técnico gratuito. O primeiro prémio<br />
do Concurso Internacional <strong>de</strong> <strong>Le</strong>eds,<br />
em 1972, funcionou como rampa <strong>de</strong><br />
lançamento para o seu bem sucedido<br />
percurso internacional, marcado pela<br />
sólida reputação num repertório<br />
amplo que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bach a<br />
Bartók. Entre as suas últimas<br />
gravações <strong>de</strong>staca-se o CD <strong>de</strong>dicado às<br />
Partitas nºs 2, 3 e 4, <strong>de</strong> Bach, na Sony<br />
Classics.<br />
De regresso a Portugal, on<strong>de</strong> tem<br />
tocado com alguma regularida<strong>de</strong>,<br />
Perahia apresenta no dia 15, na Casa<br />
da Música, um interessante programa<br />
que parte da repertório barroco (com<br />
a Partita nº6, <strong>de</strong> Bach) e termina com<br />
a influência barroca no Romantismo<br />
(com as “Variações sobre um tema <strong>de</strong><br />
Han<strong>de</strong>l”, <strong>de</strong> Brahms), passando <strong>por</strong><br />
Mozart (Sonata em Fá Maior, K. 332) e<br />
Beethoven (Sonata op. 57,<br />
“Appassionata”). No dia 18, o pianista<br />
repete as mesmas obras em <strong>Lisboa</strong>, na<br />
Gulbenkian. C.F.<br />
Contem<strong>por</strong>ânea<br />
Jonathan<br />
Harvey,<br />
o mestre da<br />
electrónica<br />
Jonathan Harvey será o compositor<br />
resi<strong>de</strong>nte da Casa da Música nesta tem<strong>por</strong>ada<br />
Primeiro concerto da<br />
residência do gran<strong>de</strong><br />
compositor britânico na<br />
Casa da Música. Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Remix Ensemble: Portrait<br />
Jonathan Harvey<br />
Direcção Musical: Peter Run<strong>de</strong>l.<br />
Com Hidéki Nagano (piano),<br />
Christophe Desjardins (viola), Simon<br />
Breyer (trompa), Sound Intermedia<br />
(informática musical).<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. Sáb. às 21h. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Durante a tem<strong>por</strong>ada <strong>de</strong> 2009, a Casa<br />
da Música terá como compositor<br />
resi<strong>de</strong>nte o britânico Jonathan<br />
Harvey, que cumpre este ano o seu<br />
70º aniversário. A panorâmica sobre<br />
a sua extensa produção inicia-se este<br />
sábado, às 21h, com um concerto<br />
pelo Remix Ensemble em<br />
colaboração com im<strong>por</strong>tantes<br />
solistas na área do repertório<br />
contem<strong>por</strong>âneo: Hidéki Nagano<br />
(piano), Christophe Desjardins (viola)<br />
e Simon Breyer (trompa). Um<br />
programa variado com obras para<br />
viola solo, concertos para diferentes<br />
instrumentos, peças para ensemble e<br />
electrónica preten<strong>de</strong> fazer um<br />
primeiro retrato da activida<strong>de</strong><br />
criativa <strong>de</strong> Harvey entre 1992 e 2003.<br />
Serão interpretadas as obras “Chant”,<br />
“Jubilus”, “Moving Trees”, “Bird<br />
Concerto with Pianosong”, com a<br />
estreia nacional <strong>de</strong> uma obra fora do<br />
comum <strong>de</strong> Ligeti: “Hamburg<br />
Concerto”, para trompa solo, quatro<br />
trompas naturais e ensemble.<br />
Nascido em 1939, em Sutton<br />
Coldfield, Jonathan Harvey foi<br />
menino <strong>de</strong> coro no St. Michael<br />
College <strong>de</strong> Tenbury - prática<br />
responsável pela sua forte afinida<strong>de</strong><br />
com a música polifónica da<br />
Renascença - e mais tar<strong>de</strong> estudou<br />
violoncelo, instrumento que se<br />
tornará bastante presente nas<br />
suas criações. Prosseguiu<br />
<strong>de</strong>pois a sua formação na<br />
Universida<strong>de</strong> Saint John <strong>de</strong><br />
Cambridge e trabalhou com<br />
Erwin Stein e Hans Keller<br />
(alunos <strong>de</strong> Schoenberg) <strong>por</strong><br />
conselho <strong>de</strong> Britten. O contacto<br />
com as novas tecnologias nos anos<br />
60 influenciou <strong>de</strong>cisivamente o seu<br />
percurso, sendo hoje consi<strong>de</strong>rado<br />
um dos mais imaginativos<br />
compositores na área da música<br />
electrónica. A sua produção<br />
abarca também géneros como a<br />
música coral “a capella”, o<br />
repertório para orquestra,<br />
música <strong>de</strong> câmara e música para<br />
instrumentos solistas.<br />
Pop<br />
O trovador<br />
eterno da<br />
Espanha livre<br />
Hoje, em <strong>Lisboa</strong>, Paco<br />
Ibáñez cantará várias<br />
canções do seu disco mas<br />
também várias outras do seu<br />
extenso re<strong>por</strong>tório. Nuno<br />
Pacheco<br />
Paco Ibañez<br />
Cenografia: Fre<strong>de</strong>ric Amat. Com<br />
Paco Ibañez (voz e guitarra).<br />
Encenação: Fre<strong>de</strong>ric Amat.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego, Ed. CGD. 6ª às<br />
21h30. Tel.: 217905155. 20€. -30 anos: 5€.<br />
Paco Ibáñez vem cantar em Portugal<br />
e esse é um acontecimento raro que<br />
merece celebração. Não apenas<br />
<strong>por</strong>que são escassos os cantores<br />
espanhóis que aqui actuam mas<br />
também <strong>por</strong>que ele é um dos mais<br />
lendários representantes da Espanha<br />
que nunca abdicou da liberda<strong>de</strong>,<br />
mesmo quando vivia em ditadura.<br />
Nascido em Valência, em 1934,<br />
viveu muitos anos no exílio, em Paris,<br />
e foi aí que <strong>de</strong>scobriu a sua vocação<br />
<strong>de</strong> trovador, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> escutar<br />
Brassens e Atahualpa Yupanqui.<br />
Proscrito <strong>por</strong> Franco, cantou e canta<br />
ainda poetas como Lorca, Góngora,<br />
Alberti, Goytisolo, Celaya, Machado,<br />
Cernuda, Hérnan<strong>de</strong>z, Quevedo, Blas<br />
<strong>de</strong> Otero. Para ele, repetir hoje que “a<br />
poesia é uma arma carregada <strong>de</strong><br />
futuro” (título <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong><br />
Gabriel Celaya que gravou) faz tanto<br />
sentido “quanto dizer que o mar<br />
existe e que cada vez o que vemos<br />
nos dá vida”.<br />
Pelo telefone, antes do concerto,<br />
Paco Ibáñez explica que é ainda a luta<br />
pela liberda<strong>de</strong> que o move. “É a<br />
condição fundamental. Porque cada<br />
palavra é já um acto. E qualquer passo<br />
que damos na vida, se não está<br />
baseado nessa liberda<strong>de</strong> em que<br />
acreditamos e que se converte em<br />
princípios e em critérios, é um passo<br />
em falso que há-<strong>de</strong> levar o vento.”<br />
Com vários discos gravados <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
1964 (a capa do primeiro ostentava<br />
um <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> Salvador<br />
Dalí, que se tornou<br />
seu amigo), o<br />
cantor lançou<br />
em 2008 um<br />
Paco Ibañez:<br />
a luta pela liberda<strong>de</strong><br />
ainda o move<br />
40 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Internet<br />
Estamos online. Clique em<br />
ipsilon.publico.pt. É o mesmo<br />
suplemento, é outro <strong>de</strong>safio.<br />
Venha construir este site<br />
connosco.<br />
Brodinsky pertence<br />
a uma geração<br />
<strong>de</strong>scomplexada<br />
Bárbara<br />
Reis<br />
Coffee-break<br />
Dez minutos<br />
Ter <strong>de</strong>z minutos para fazer uma coisa é como<br />
ter um copo à nossa frente. Po<strong>de</strong>mos acreditar<br />
que <strong>de</strong>z minutos fazem toda a diferença ou<br />
que <strong>de</strong>z minutos não servem para nada.<br />
O que escolheria eu se vivesse em Gaza e<br />
um soldado israelita me avisasse - como está a acontecer<br />
há 14 dias - que a minha casa ia ser bombar<strong>de</strong>ada<br />
“<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos”? O que se faz em <strong>de</strong>z minutos?<br />
Corro ou telefono a avisar para que ninguém venha<br />
para casa? Agarro nas crianças ou levo a minha avó ao<br />
colo <strong>por</strong>que senão ela não foge a tempo? E levo o quê?<br />
Fotografias antigas ou documentos im<strong>por</strong>tantes? Livros<br />
ou a roupa das crianças? Ou simplesmente comida e<br />
remédios? Aviso os vizinhos? “<strong>Le</strong>vo o quê?”, perguntava<br />
em 1988 ao irmão, aflito, um amigo meu do Chiado<br />
quando viu as chamas avançarem em direcção à sua casa<br />
(“Só as coisas afectivas!”, respon<strong>de</strong>u o irmão. “As coisas<br />
efectivas?! Efectivas como?” “Não, as coisas a-fectivas!”).<br />
Na versão solar da vida, sentimos que andar a pé pelo<br />
menos 10 minutos <strong>por</strong> dia é bom, que ler um livro “nem<br />
que seja <strong>de</strong>z minutos” à noite é melhor do que nada,<br />
que o mínimo dos mínimos é brincarmos durante <strong>de</strong>z<br />
minutos com os nossos filhos e que temos que conseguir<br />
conversar <strong>de</strong>z minutos a sós, olhos nos olhos e sem<br />
interrupções, com os nossos maridos, já não peço mais.<br />
Até parece fácil, dito assim e pensando que o dia tem<br />
24 horas. Mas quando nos pomos a juntar todos os 10<br />
minutos diários fundamentais percebemos que já só<br />
temos mesmo tempo para<br />
fazer coisas em... 10 minutos.<br />
O que escolheria eu se<br />
vivesse em Gaza e um<br />
soldado israelita me<br />
avisasse que a minha<br />
casa ia ser<br />
bombar<strong>de</strong>ada “<strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos”?<br />
Em 2008, <strong>de</strong>z minutos é o<br />
nosso máximo. “10 minutos<br />
para relaxar” é um best-seller<br />
na Amazon, que se encontra<br />
no meio <strong>de</strong> todas as fórmulas<br />
<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> Alsa, todos<br />
os “faça 10 coisas em 10<br />
minutos para melhorar a sua<br />
vida” (uma <strong>de</strong>las é escrever<br />
“ao chefe as 10 razões <strong>por</strong><br />
que <strong>de</strong>ve ter um aumento <strong>de</strong><br />
10 <strong>por</strong> cento”).<br />
Na versão escura da vida,<br />
tememos que bastem 10<br />
minutos a falar ao telemóvel para, como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u um<br />
estudo universitário recente, serem <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas as<br />
mudanças químicas no nosso cérebro que aumentam o<br />
risco <strong>de</strong> cancro.<br />
Sejamos solares ou sombrios, sabemos que em apenas<br />
<strong>de</strong>z minutos acontecem coisas extraordinárias. Bastam<br />
<strong>de</strong>z minutos para a cafeína ter efeito em nós, para o<br />
sistema bancário britânico processar 25 mil cheques e<br />
entregar três milhões <strong>de</strong> libras através do multibanco.<br />
Aos 90 anos, bastam <strong>de</strong>z minutos <strong>de</strong> conversa com<br />
um amigo para manter a memória ágil e combater a<br />
Alzheimer, e <strong>de</strong>z minutos foi o tempo necessário para<br />
Tim Brown conseguir comer 33 cachorros quentes e<br />
entrar no Guinness.<br />
Dez minutos é três vezes mais do que o tempo<br />
<strong>de</strong> leitura <strong>de</strong>sta crónica e é o tempo que o exército<br />
israelita dá aos resi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Gaza para saírem das<br />
suas casas antes <strong>de</strong> uma bomba as rebentar. O exército<br />
israelita chama a este aviso <strong>de</strong> guerra mo<strong>de</strong>rna o “roof<br />
knocking” (bater “ao telhado” em vez <strong>de</strong> “à <strong>por</strong>ta”).<br />
Eu não sei bem o que lhe chamaria, talvez “reflexo<br />
<strong>de</strong> complexo <strong>de</strong> culpa antecipado” (não é do Freud)<br />
<strong>de</strong> alguém que precisa <strong>de</strong> uma resposta - “mas nós<br />
avisámos...”.<br />
É claro que <strong>de</strong>z minutos em Gaza não são <strong>de</strong>z minutos<br />
em <strong>Lisboa</strong>. Em Gaza <strong>de</strong>z minutos são a diferença entre<br />
a vida e a morte. Li que nos primeiros <strong>de</strong>z minutos do<br />
primeiro dia da operação militar morreu uma criança.<br />
Por esta altura, já são mais <strong>de</strong> 100. É <strong>por</strong> isso que o<br />
tempo, lá, passa mais <strong>de</strong>vagar do que aqui.<br />
breis@publico.pt<br />
álbum duplo intitulado “Paco Ibáñez<br />
Canta a los Poetas Andaluces”. “A<br />
Junta da Andaluzia ajudou-nos a<br />
montar um espectáculo na Ópera <strong>de</strong><br />
Barcelona e, em troca, gravei um<br />
disco com os poetas andaluzes. Eles<br />
ficaram com 3 mil exemplares para<br />
distribuir pelos colégios, o que me<br />
parece uma iniciativa pedagógica<br />
interessante, para que os alunos<br />
possam ser formados não só pela<br />
matemática, que é im<strong>por</strong>tante, mas<br />
também pela sensibilida<strong>de</strong>.”<br />
Hoje, em <strong>Lisboa</strong>, Paco Ibáñez<br />
cantará várias canções <strong>de</strong>sse disco<br />
mas também várias outras do seu<br />
extenso re<strong>por</strong>tório. “E vou atreverme<br />
a cantar um bocado, não mais,<br />
<strong>de</strong> uma canção <strong>por</strong>tuguesa, <strong>por</strong>que<br />
também trago Portugal <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
mim. Na verda<strong>de</strong>, sinto-me basco,<br />
catalão, espanhol, francês, italiano,<br />
<strong>por</strong>tuguês e provençal.”<br />
Será uma canção <strong>de</strong> Luís Cília,<br />
cantor que ele conheceu em Paris,<br />
num comício contra a ditadura<br />
<strong>por</strong>tuguesa. “A certa altura, eu<br />
estava no camarim e ouvi uma voz<br />
cantar: ‘Sou barco, abandonado/ na<br />
praia ao pé do mar’”. Era Luís Cília.<br />
MECENAS ORQUESTRA<br />
NACIONAL DO PORTO<br />
APOIO INSTITUCIONAL<br />
“Des<strong>de</strong> então, somos como irmãos.<br />
É certo que entre Espanha e Portugal<br />
sempre houve um distanciamento<br />
imbecil e idiota, mas a realida<strong>de</strong> é<br />
idiota e continua a ser. Felizmente,<br />
estamos a mudá-la.”<br />
Para começar o ano<br />
<strong>de</strong> braços no ar<br />
Brodinsky<br />
Braga, Theatro Circo Café. Sábado, 10. Às 23h30. Tel<br />
253112772<br />
Com meia dúzia <strong>de</strong> lançamentos em<br />
formatos reduzidos e algumas<br />
remisturas (Klaxons, Bon<strong>de</strong> Do Role,<br />
Radio Clit), o francês Brodinsky, 20<br />
anos, transformou-se na nova<br />
coqueluche da música <strong>de</strong> dança<br />
gaulesa e tudo indica que 2009 será<br />
o ano da sua expansão <strong>de</strong>finitiva.<br />
Influenciado tanto pelo tecno<br />
minimalista, como pelas<br />
electrónicas super vitaminadas, na<br />
linha das produções da editora<br />
parisiense Ed Banger ( Justice,<br />
Sebastian), é alguém que aproveita<br />
tudo o que seja maximal, incisivo e<br />
MECENAS DA CASA DA MÚSICA<br />
SÁB 17 JAN<br />
18:00 SALA SUGGIA<br />
Christoph König e Luís Carvalho<br />
direcção musical<br />
Jonathan Harvey Timepieces<br />
(compositor em residência)<br />
Anton Bruckner Sinfonia n.º 7<br />
eficaz, para induzir ao clímax na<br />
pista <strong>de</strong> dança.<br />
Uma filosofia partilhada <strong>por</strong><br />
muitos outros nomes<br />
contem<strong>por</strong>âneos (dos 2 Many DJs a<br />
Boys Noize), mas que no seu caso<br />
guarda também espaço para a<br />
construção <strong>de</strong> momentos <strong>de</strong><br />
subtileza. É alguém que pertence a<br />
uma geração <strong>de</strong>scomplexada, como<br />
se constata ouvindo as suas sessões<br />
como DJ - mistura <strong>de</strong> tecno ruidoso,<br />
house circular e electro ácido - e essa<br />
<strong>de</strong>scontracção em relação às<br />
diferentes famílias musicais também<br />
se sente fora das pistas <strong>de</strong> dança.<br />
À revista “<strong>Le</strong>s Inrocktibles”,<br />
Brodinsky elegeu como álbum <strong>de</strong><br />
2008 os Vampire Weekend, como<br />
tema (“Archangel” <strong>de</strong> Burial), como<br />
ví<strong>de</strong>o (“Flashing lights” <strong>de</strong> Kanye<br />
West) e como concerto os Buraka Som<br />
Sistema no Festival Sónar em<br />
Barcelona. Vítor Belanciano<br />
J. P. Simões e Sérgio Costa<br />
<strong>Lisboa</strong>. Musicbox. Hoje, 00h. €8<br />
Nos idos <strong>de</strong> 1970, e após a estreia<br />
ao piano, Tom Waits editou<br />
O britânico Jonathan Harvey, Compositor<br />
em Residência na Casa da Música em<br />
2009, coloca-nos perante a existência<br />
<strong>de</strong> universos paralelos: dois maestros<br />
dirigem a orquestra em tempos diferentes.<br />
Em programa também a mais célebre obra<br />
<strong>de</strong> Bruckner, em cujo Adagio o compositor<br />
presta homenagem a Wagner.<br />
Encontro com o compositor Jonathan Harvey mo<strong>de</strong>rado <strong>por</strong><br />
Paulo <strong>de</strong> Assis CYBERMUSICA 17:00<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />
DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 41
Concertos<br />
Feromona: a banda<br />
dos irmãos Diego<br />
e Marco Armés<br />
e Bernardo Barata<br />
tem a energia necessária<br />
para convocar dança<br />
<strong>de</strong>scontrolada<br />
J.P. Simões: novo<br />
álbum para ouvir hoje<br />
no Maxime<br />
como segundo disco um<br />
maravilhoso duplo álbum ao vivo,<br />
“Nighthawks at the Diner”,<br />
constituído unicamente <strong>por</strong><br />
originais. É raro que isto aconteça,<br />
<strong>por</strong>que <strong>por</strong> norma os artistas<br />
temem que as novas canções não<br />
recebam a atenção <strong>de</strong>vida, já que<br />
os discos ao vivo são vistos mais<br />
como um objecto <strong>de</strong> colecção (uma<br />
celebração) do que como um acto<br />
criativo. No entanto, foi esse o<br />
mo<strong>de</strong>lo que J.P. Simões escolheu<br />
para o seu novo disco a solo,<br />
“Boatos”, que hoje apresenta, com<br />
a companhia <strong>de</strong> Sérgio Costa (seu<br />
habitual colaborador), no<br />
MusicBox, em <strong>Lisboa</strong>. Depois <strong>de</strong><br />
li<strong>de</strong>rar os Belle Chase Hotel, cuja<br />
música <strong>de</strong> cabaret criou, em<br />
escassos dois discos, um férreo<br />
conjunto <strong>de</strong> seguidores, Simões fez<br />
uma inflexão na direcção da<br />
música brasileira, tanto no<br />
Quinteto Tati como na sua estreia a<br />
solo, “1970”. “Boato”, que foi<br />
gravado em Novembro no Teatro<br />
São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>, inclui canções<br />
<strong>de</strong> todos esses projectos, e ainda<br />
algumas da “Ópera do Falhado”,<br />
que o autor compôs e levou à cena,<br />
mas cuja edição em disco ficou até<br />
hoje engavetada <strong>por</strong> problemas<br />
burocráticos. Além <strong>de</strong>ssas versões<br />
existem 12 novas canções, e a i<strong>de</strong>ia<br />
é arrumar um período que agora J.<br />
P. <strong>de</strong>seja ser passado, antes <strong>de</strong>,<br />
como escreveu na sua página no<br />
MySpace, fazer “qualquer coisa<br />
absolutamente diferente”. Morte a<br />
J.P. Simões, viva J.P. Simões.<br />
João Bonifácio<br />
Feromona<br />
<strong>Lisboa</strong>. Maxime. Pç. Alegria, 58. 6ª às 22h00. Tel.:<br />
213467090.<br />
Neste momento, os Feromona,<br />
“power trio” <strong>de</strong> contadores <strong>de</strong><br />
histórias e também<br />
“rock’n’rollers” fervilhantes, são<br />
ainda um nome <strong>de</strong> culto. “Uma<br />
Vida a Direito”, o muito<br />
recomendável álbum <strong>de</strong> estreia da<br />
banda lisboeta, editado em<br />
meados <strong>de</strong> 2007, po<strong>de</strong> ter passado<br />
relativamente <strong>de</strong>spercebido, mas<br />
o tempo tratará <strong>de</strong> pôr as coisas<br />
no <strong>de</strong>vido lugar. Porque a banda<br />
dos irmãos Diego e Marco Armés e<br />
Bernardo Barata tem a energia<br />
necessária para convocar dança<br />
<strong>de</strong>scontrolada e refrões que se<br />
colam à memória<br />
instantaneamente - num ponto<br />
para on<strong>de</strong> confluem a<br />
agressivida<strong>de</strong> dos Nirvana, a<br />
“coolness” dos Pavement ou a<br />
capacida<strong>de</strong> pop <strong>de</strong> uns Ornatos<br />
Violeta. Porque há aqui um<br />
imaginário que se inspira em<br />
lógica cinematográfica para criar<br />
curtas-metragens sobre amores<br />
em queda, excessos boémios ou<br />
gloriosos per<strong>de</strong>dores que acabam<br />
vencedores em canção.<br />
Ao vivo, diz quem viu, são uma<br />
máquina afinada capaz <strong>de</strong><br />
transformar “indies” sisudos em<br />
sorri<strong>de</strong>ntes praticantes <strong>de</strong> “air<br />
guitar” - e há um concerto no<br />
Maxime, hoje pelas 22h30, para o<br />
confirmar. Mário Lopes<br />
Agenda<br />
sexta 9<br />
César Viana e XaSonaiP<br />
Com César Viana (flauta), Hél<strong>de</strong>r<br />
Alves (saxofone), Cândido<br />
Fernan<strong>de</strong>s (piano).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu do Oriente. Av. Brasília - Ed. Pedro<br />
Álvares Cabral - Doca <strong>de</strong> Alcântara Norte. 6ª às<br />
19h00. Tel.: 213585200. Entrada livre.<br />
Strauss Festival Orchestra e<br />
Strauss Ballet Ensemble<br />
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. 6ª às 21h30.<br />
Tel.: 223394947. 15€ a 48€.<br />
Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />
Com Carlos Barretto (contrabaixo),<br />
Mário Delgado (guitarra), José<br />
Salgueiro (bateria).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Hot Clube <strong>de</strong> Portugal. Pç. Alegria, 39<br />
cave. 5ª, 6ª e Sáb. às 23h00. Tel.: 213467369.<br />
Quarteto Lacerda<br />
Com Alexan<strong>de</strong>r Stewart (violino),<br />
Marcos Lázaro (violino), Paul<br />
Wakabayashi (viola), Luís André<br />
Ferreira (violoncelo).<br />
Faro. Teatro <strong>Municipal</strong>. Horta das Figuras -<br />
EN125. 6ª às 21h30. Tel.: 289888100.<br />
Orquestra Nacional<br />
do Porto<br />
Direcção Musical: Christoph König.<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. 6ª às 21h00. Tel.: 220120220. 16€.<br />
Phear Fest: My Own Private<br />
Alaska + Suchi Rukara<br />
<strong>Le</strong>iria. Orfeão Velho. R. Latino Coelho, 12. 6ª às<br />
22h00. Tel.: 964189098. 7€. Pré-venda: 5€.<br />
B (Fachada)<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 -<br />
Bairro Alto. 6ª às 23h00. Tel.: 213430205.<br />
Ver texto pág. 20 e 21<br />
Anaidcram<br />
<strong>Lisboa</strong>. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7 - Campo das<br />
Cebolas. 6ª às 23h30. Tel.: 919184867. 6€.<br />
Moonspell<br />
+ Studio Hunters<br />
+ Hacksaw + Square<br />
Guimarães. São Mame<strong>de</strong> - Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos.<br />
R. Dr. José Sampaio, 17-25. 6ª às 21h00.<br />
Tel.: 253547028. 20€ a 25€. Pré-venda: 15€ a 20€.<br />
Jaques Morelenbaum: Trio<br />
Cello Samba<br />
Ponta Delgada. Teatro Micaelense. Lg. <strong>de</strong> S. João.<br />
6ª às 21h30. Tel.: 296284242.<br />
sábado 10<br />
Orquestra da Universida<strong>de</strong> do<br />
Minho<br />
Direcção Musical: Vítor Matos. Com<br />
Luís Pipa (piano), Ângelo Martingo<br />
(piano).<br />
Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. Sáb. às<br />
21h30. Tel.: 253203800. 10€.<br />
Maria João e Mário Laginha<br />
+ Big Band do Hot Clube <strong>de</strong><br />
Portugal<br />
Direcção Musical: Pedro Moreira.<br />
Com Maria João (voz), Mário<br />
Laginha (piano).<br />
Guimarães. CC Vila Flor. Av. D. Afonso Henriques,<br />
701. Sáb. às 22h00. Tel.: 253424700. 15€<br />
Rui Vargas & Tozé Diogo + Miss<br />
Dove + Pinkboy<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />
Armazém A. Sáb. às 23h00. Tel.: 218820890.<br />
Consumo mínimo.<br />
Jan<strong>de</strong>k<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. D. João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Sáb. às 19h00. Tel.: 226156500. 15€.<br />
Ver texto pág. 24<br />
Green Machine<br />
The Living Dead<br />
Orchestra<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 -<br />
Bairro Alto. Sáb. às 23h00. Tel.: 213430205.<br />
Radu Ungureanu<br />
Com Radu Ungureanu (violino).<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. Sáb. às 18h00. Tel.: 220120220. 5€.<br />
Amor <strong>de</strong> Perdição<br />
De Camilo <strong>de</strong> Castelo Branco.<br />
Encenação: Marcos Barbosa.<br />
Coreografia: <strong>Le</strong>onor Zertuche. Com<br />
Coro do Centro <strong>de</strong> Estudos em<br />
Ópera e Teatro Musical da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiro, Ballet<br />
Teatro Escola Profissional. Com<br />
Orquestra Sinfónica da ESMAE.<br />
Maestro: António Saiote.<br />
Compositor: João Arroyo.<br />
Bragança. Teatro <strong>Municipal</strong>. Pç Cavaleiro Ferreira.<br />
Sáb. às 21h30. Tel.: 273302740. 10€.<br />
domingo 11<br />
Rui Paiva e Quarteto Arabesco<br />
Com Rui Paiva (órgão).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />
Berna, 45A. Dom. às 12h00. Tel.: 217823700.<br />
Entrada livre.<br />
Il Giardino Armonico<br />
Direcção Musical: Giovanni Antonini.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Pç. Império. Dom.<br />
às 21h00. Tel.: 213612400. 10€ a 30€ (sujeito a<br />
<strong>de</strong>scontos).<br />
OrchestrUtopica<br />
Com Paolo Pinamonti (comentários),<br />
Alexandra Moura (soprano), Cátia<br />
Moreso (mezzo-soprano), João<br />
Merino (barítono). Maestro: Cesário<br />
Costa.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego, Ed. CGD. Dom.<br />
às 11h00. Tel.: 217905155. 2,5€.<br />
Bruno Monteiro e João Paulo<br />
Santos<br />
Com Bruno Monteiro (violino), João<br />
Paulo Santos (piano).<br />
Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. Dom. às<br />
17h30. Tel.: 253203800. 7€.<br />
segunda 12<br />
Nikolai Lugansky<br />
Com Nikolai Lugansky (piano).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />
Berna, 45A. 2ª às 19h00. Tel.: 217823700. 15€ a 30€.<br />
Li’L Twister<br />
<strong>Lisboa</strong>. Casino. Al. dos Oceanos Lt 1.03.01 - Pq. das<br />
Nações. 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.:<br />
218929070. Entrada livre.<br />
terça 13<br />
Trio<br />
Com Samuel Bastos (oboé), Susana<br />
Janeiro (fagote), Sara Men<strong>de</strong>s<br />
(piano).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av.<br />
Berna, 45A. 3ª às 19h00. Tel.: 217823700. 10€.<br />
quinta 15<br />
Elektra<br />
Com Deborah Polaski (soprano),<br />
Rosalind Plowright (soprano), John<br />
Botha (tenor), Regina Schörg<br />
(soprano), Jochen Schmeckenbecher<br />
(barítono). Com Orquestra<br />
Gulbenkian. Maestro: Lawrence<br />
Foster. Compositor: Richard Strauss.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Av. Berna, 45A. 2ª e 5ª às 20h00. Tel.: 217823700.<br />
20€ a 40€.<br />
Maria João + João Farinha<br />
Com Maria João (voz), João Farinha<br />
(piano).<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB. Pç. Império. 5ª às 22h00. Tel.:<br />
213612400. Entrada livre.<br />
Pinkboy & Pan Sorbe<br />
+ Trol 2000 & Victor Silveira<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />
Armazém A. 5ª às 23h00. Tel.: 218820890.<br />
Consumo mínimo.<br />
42 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Luna Park<br />
Sober driver<br />
Inês Nadais<br />
Da camioneta em diante, sobretudo <strong>por</strong> causa<br />
dos jogos <strong>de</strong> cartas, <strong>de</strong>scobrimos que o<br />
telemóvel trazia auscultadores e então nunca<br />
mais parámos <strong>de</strong> ouvir Dengue Fever - e<br />
agora que, <strong>por</strong> causa dos Dengue Fever, <strong>por</strong><br />
causa da maneira como tudo nos pareceu maravilhoso<br />
da camioneta em diante, com um disco dos Dengue<br />
Fever no telemóvel e os efeitos secundários do<br />
Mephaquine, um <strong>por</strong> um, a marcar território em<br />
diferentes partes da cabeça, <strong>de</strong>cidimos apren<strong>de</strong>r a andar<br />
<strong>de</strong> mota, temos uma resolução para 2009 (e um disco<br />
para 2008, mas agora já não vamos a tempo).<br />
É do Mephaquine, como tudo o que aconteceu nesse<br />
mês foi do Mephaquine (os lençóis rasgados, a boca sem<br />
saliva, os pesa<strong>de</strong>los com mercados vietnamitas, o cada<br />
um <strong>por</strong> si diante <strong>de</strong> cada novo “king crab”, as aranhas<br />
num quarto do Number 9, as teorias da conspiração, o<br />
cerco ao aero<strong>por</strong>to <strong>de</strong> Banguecoque e possivelmente até<br />
os atentados em Bombaim: tudo o que nos caiu em cima<br />
caiu em cima do Mephaquine, mas antes isso do que em<br />
cima da malária), mas é sobretudo dos Dengue Fever,<br />
isso <strong>de</strong>, a haver uma resolução para 2009, a nossa<br />
resolução ser apren<strong>de</strong>r a andar <strong>de</strong> mota: da camioneta<br />
em diante tudo nos pareceu maravilhoso, mas não<br />
era disco para se ouvir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma camioneta, era<br />
disco para se ouvir em cima <strong>de</strong> uma mota, nessa parte<br />
do <strong>mundo</strong> em que tudo o que se faz se faz em cima <strong>de</strong><br />
uma mota. Também quisemos ouvir discos em cima<br />
<strong>de</strong> uma mota, dar <strong>de</strong> mamar em cima <strong>de</strong> uma mota,<br />
mudar <strong>de</strong> casa em cima <strong>de</strong> uma mota, trans<strong>por</strong>tar<br />
balões fluorescentes em cima<br />
Também quisemos<br />
ouvir discos em cima <strong>de</strong><br />
uma mota, dar <strong>de</strong><br />
mamar em cima <strong>de</strong> uma<br />
mota, mudar <strong>de</strong> casa<br />
em cima <strong>de</strong> uma mota<br />
<strong>de</strong> uma mota - e sobretudo<br />
quisemos apaixonar-nos para<br />
sempre em cima <strong>de</strong> uma<br />
mota, como nos fins-<strong>de</strong>-tar<strong>de</strong><br />
cada vez mais impossíveis <strong>de</strong><br />
Saigão.<br />
Desses fins-<strong>de</strong>-tar<strong>de</strong> em<br />
diante, também tudo nos<br />
pareceu maravilhoso. A<br />
chuva, os impermeáveis<br />
<strong>de</strong> dois lugares <strong>por</strong> cima<br />
dos faróis das motas, os<br />
faróis das motas a <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> ser amarelos e a<br />
ficarem vermelhos, roxos, ver<strong>de</strong>s, azuis, da cor dos<br />
impermeáveis, e Saigão a ser isso: o céu completamente<br />
negro e uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> água com <strong>de</strong>masiadas<br />
luzes vermelhas, roxas, ver<strong>de</strong>s, azuis à <strong>de</strong>riva <strong>por</strong><br />
avenidas que já foram francesas, num tempo em que o<br />
Vietname tinha uma vida bem pior, mas muito melhor<br />
arquitectura. Também podia ser do Mephaquine,<br />
mas Saigão não é assim só nessas partes avariadas da<br />
nossa cabeça, quando nos lembramos que o telemóvel<br />
continua a ter auscultadores e que po<strong>de</strong>mos continuar<br />
a ouvir o disco dos Dengue Fever, mesmo já sendo isto<br />
2009: Saigão também é assim no visor da máquina<br />
fotográfica, tudo escuro, gotas <strong>de</strong> chuva e <strong>de</strong>pois uns<br />
clarões <strong>de</strong> todas as cores, até parar <strong>de</strong> chover e voltar a<br />
ser uma cida<strong>de</strong> normal, daquelas que existem mesmo,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do Mephaquine.<br />
Já que escrever sobre andar <strong>de</strong> mota não é para todos<br />
(muito menos sobre andar <strong>de</strong> mota em Saigão, à noite,<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> chuva), e alguém <strong>de</strong>via - como alguém <strong>de</strong>via<br />
escrever sobre “slot machines”, mas teria <strong>de</strong> ser alguém<br />
que percebesse <strong>de</strong> música -, ao menos vamos apren<strong>de</strong>r<br />
a andar <strong>de</strong> mota (e levamos o telemóvel, apesar <strong>de</strong> ser<br />
proibido), pensámos. Ou isso ou tatuar Saigão 2008<br />
numa <strong>de</strong>ssas partes da nossa cabeça que nunca mais<br />
foram as mesmas.<br />
<br />
19:30 SALA SUGGIA<br />
Obras <strong>de</strong><br />
<br />
Partita nº 1, em Si bemol<br />
<br />
Sonata em Fá maior, k.332<br />
<br />
Sonata op.57, <br />
<br />
Variações sobre um tema <strong>de</strong> Haen<strong>de</strong>l<br />
O regresso do pianista norte-americano com um<br />
recital marcado pelo repertório Barroco e a sua<br />
influência no Romantismo.<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />
PARA O CONCERTO DE MURRAY PERAHIA NA CASA DA MÚSICA. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 43
Discos<br />
Espaço<br />
Público<br />
Clássica<br />
O talento<br />
inesgotável<br />
<strong>de</strong> Zelenka<br />
Uma das gran<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>scobertas das últimas<br />
décadas no âmbito do<br />
repertório barroco.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Zelenka<br />
Missa Votiva ZWV 18<br />
Collegium 1704 & Collegium Vocale<br />
1704<br />
Václav Luks (direcção)<br />
Zig-Zag Territoires ZZT 080801<br />
mmmmn<br />
Nos últimos tempos a República Checa<br />
começou a dar cartas no que toca a interpretações<br />
historicamente informadas<br />
Estar a par <strong>de</strong> tudo o<br />
que sai durante um<br />
ano discográfico é uma<br />
tarefa árdua, <strong>de</strong> que<br />
me <strong>de</strong>smarquei sem<br />
qualquer complexo<br />
<strong>de</strong> culpa. De qualquer<br />
forma, quero partilhar<br />
os três discos que mais<br />
tocaram no meu <strong>por</strong>tátil,<br />
carro, aparelhagem ou<br />
um outro leitor dado<br />
à mobilida<strong>de</strong>. Entrem<br />
em 2009 abraçados<br />
Esquecida durante<br />
mais <strong>de</strong> dois<br />
séculos, a música<br />
<strong>de</strong> Jan Dimas<br />
Zelenka (1679-1745)<br />
constitui uma das<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas das últimas<br />
décadas no âmbito do repertório<br />
barroco.<br />
Actualmente, a discografia <strong>de</strong>ste<br />
músico <strong>de</strong> origem boémia que<br />
trabalhou quase toda a vida ao serviço<br />
da corte <strong>de</strong> Dres<strong>de</strong>n como<br />
contrabaixista e compositor, tem já<br />
uma dimensão consi<strong>de</strong>rável mas<br />
reserva ainda surpresas. Registos<br />
recentes, como a interpretação da<br />
Missa Votiva ZWV 18 apresentada pelo<br />
agrupamento Collegium 1704 na 30ª<br />
edição do Festival <strong>de</strong> Sablé (2008),<br />
mostram a criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Zelenka em<br />
toda a sua pujança através <strong>de</strong> uma<br />
obra exuberante profundamente<br />
expressiva.<br />
Escrita em 1739, na sequência <strong>de</strong><br />
um voto do compositor pela<br />
recuperação <strong>de</strong> uma doença grave, a<br />
Missa Votiva tem <strong>por</strong> base o mo<strong>de</strong>lo<br />
da missa-cantata napolitana, com a<br />
subdivisão das várias rubricas em<br />
andamentos contrastantes em<br />
carácter, textura e estilo (antigo e<br />
mo<strong>de</strong>rno). Secções corais aparentadas<br />
com o motete ou em escrita fugada<br />
combinam-se com “ritornelli”<br />
instrumentais, passagens<br />
concertantes com vários solistas e<br />
árias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes com elementos<br />
virtuosísticos e influências do estilo<br />
galante. Os vários elementos<br />
heterogéneos agregam-se numa<br />
arquitectura equilibrada (que forma<br />
um arco pela repetição no “Agnus<br />
Dei” da música do primeiro “Kyrie”),<br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> sobressai uma fecunda<br />
inspiração melódica e um hábil<br />
domínio da retórica musical,<br />
características transmitidas com<br />
gran<strong>de</strong> brilho pelo Collegium 1704 e<br />
pelo Collegium Vocale 1704. Fundados<br />
pelo trompista e cravista Václav Luks,<br />
respectivamente em 1991 e 2005, estes<br />
agrupamentos prestam homenagem a<br />
Zelenka, recordando a data da<br />
primeira apresentação pública, em<br />
Praga, <strong>de</strong> uma das suas obras. A<br />
sonorida<strong>de</strong> opulenta, a energia<br />
rítmica, um perspicaz sentido <strong>de</strong><br />
estilo e prestações <strong>de</strong> nível elevado do<br />
coro e dos solistas são algumas das<br />
suas virtu<strong>de</strong>s. Por razões históricas e<br />
políticas (a música antiga em<br />
instrumentos da época era mal vista<br />
nos países comunistas antes da queda<br />
do muro <strong>de</strong> Berlim), a República<br />
Checa chegou tar<strong>de</strong> ao universo das<br />
interpretações historicamente<br />
informadas, mas nos últimos tempos<br />
começou a dar cartas que merecem<br />
ser seguidas com atenção.<br />
Pop<br />
O melhor <strong>de</strong><br />
dois <strong>mundo</strong>s<br />
Hush Arbors<br />
Hush Arbors<br />
Ecstatic Peace; distri. Compact Records<br />
mmmmn<br />
pela boa música!<br />
3. “Með Suð í Eyrum<br />
Við Spilum Endalaust”,<br />
Sigur Rós<br />
2. “Vampire Weekend”,<br />
Vampire Weekend<br />
1. “Songs in A&E”,<br />
Spiritualized<br />
Lista completa em<br />
http://fusco-lusco.<br />
blogspot.com<br />
Pedro Miguel Silva,<br />
35 anos, Técnico <strong>de</strong><br />
Comunicação<br />
É o melhor dos dois<br />
<strong>mundo</strong>s. Temos<br />
folk <strong>de</strong> cantautor<br />
talentoso, com a<br />
guitarra a espraiar<br />
luminosida<strong>de</strong> sobre<br />
as palavras e as palavras cantadas<br />
num registo, próximo do falsete, que<br />
nos cativa pela estranheza. Temos<br />
blues alucinado, com pés no pântano<br />
e cabeça na estratosfera, que inebria e<br />
hipnotiza e se dança como o bom e<br />
velho rockn’roll.<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
Há um par <strong>de</strong> anos, Keith Wood,<br />
mentor dos Hush Arbors, seria mais<br />
um nome associado à aparentemente<br />
inesgotável vaga free-folk. Quando<br />
lança este álbum homónimo que, para<br />
a maioria, será o primeiro contacto<br />
com a sua música, po<strong>de</strong> ser apenas<br />
amigo <strong>de</strong> Ben Chasny, que ouvimos<br />
em “Follow closely”, e colaborador <strong>de</strong><br />
David Tibet - “free folk” é expressão<br />
gasta e os Hush Arbors po<strong>de</strong>m ser<br />
simplesmente aquilo que são: o<br />
melhor <strong>de</strong> dois <strong>mundo</strong>s, repetimos.<br />
Temos o fingerpicking recordando a<br />
folk britânica <strong>de</strong> Ian Matthews -<br />
bucolismo pare<strong>de</strong>s meias com fantasia<br />
em “Rue hollow” -, aventuras sónicas<br />
que recusam qualquer sinal <strong>de</strong><br />
serenida<strong>de</strong> (a feérica “Water II” podia<br />
ser obra <strong>de</strong> uns Comets On Fire) e<br />
drones encantatórios que nos<br />
entontecem antes <strong>de</strong> se<br />
transformarem em canção (“Bless<br />
you”).<br />
Pés no pântano e cabeça na<br />
estratosfera, Keith Wood põe a<br />
guitarra ao ombro e parte <strong>mundo</strong> fora<br />
em busca <strong>de</strong> histórias para as canções.<br />
Cabeça na estratosfera e pés no<br />
pântano, transforma a folk em matéria<br />
incan<strong>de</strong>scente e <strong>de</strong>rrama-a sobre nós.<br />
Descobrimos os Hush Arbors algures<br />
entre Bert Jansch e Six Organs Of<br />
Admittance, entre Neil Michael<br />
Hagerty e os Comets On Fire. Ou<br />
melhor, não os <strong>de</strong>scobrimos.<br />
Deixamo-los revelarem-se que esta<br />
música não per<strong>de</strong> tempo. Impõe-se a<br />
nós ao primeiro contacto. Mário<br />
Lopes<br />
Yo Majesty<br />
Futuristically Speaking... Never Be<br />
Afraid<br />
Domino, distri. E<strong>de</strong>l<br />
mmmnn<br />
americanas Yo<br />
Majesty passou<br />
<strong>de</strong>spercebido no<br />
turbilhão do final do<br />
ano. Não que seja<br />
uma obra<br />
As Yo Majesty<br />
têm alguns dos temas<br />
mais foliões<br />
dos últimos meses<br />
naquela categoria<br />
difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir<br />
que começa na cultura<br />
hip-hop mas já não o é<br />
O álbum <strong>de</strong> estreia<br />
das<br />
Keith Wood (Hush Arbors)<br />
põe a guitarra ao ombro<br />
e parte <strong>mundo</strong> fora em busca<br />
<strong>de</strong> histórias para as canções<br />
inesquecível - não<br />
tem a consistência e a<br />
intencionalida<strong>de</strong> dos<br />
gran<strong>de</strong>s discos - mas<br />
contém alguns dos temas (“Grindin’ &<br />
shakin’”, “Party hardy”, “Club<br />
action”) mais foliões dos últimos<br />
meses naquela categoria difícil <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finir que começa na cultura hip-hop<br />
mas já não o é <strong>por</strong> inteiro,<br />
<strong>de</strong>sembocando numa terra <strong>de</strong><br />
ninguém on<strong>de</strong> se inserem outras<br />
figuras contem<strong>por</strong>âneas como<br />
Santogold, Lady Sovereign, M.I.A., as<br />
Fannypack ou Kid Sister. Ajudadas na<br />
produção pelos Radio Clit (The Very<br />
Best), Basement Jaxx ou Chris <strong>de</strong> Luca<br />
(ex-Funkstorung), as duas Yo Majesty<br />
discorrem apaixonadamente sobre a<br />
sua condição particular (negras,<br />
cristãs e lésbicas), ao mesmo tempo<br />
que provocam, com ironia, o <strong>mundo</strong><br />
exterior. É um disco <strong>de</strong> festim sem<br />
limites, algures entre o fraseado vocal<br />
<strong>de</strong> Missy Elliott e a electrónica urbana<br />
dos Spank Rock, pecando apenas <strong>por</strong><br />
não ser mais focado. Vítor<br />
Belanciano<br />
O supergrupo<br />
<strong>de</strong> Kim Gordon<br />
Free Kitten<br />
Inherit<br />
Ecstatic Peace; distri. Compact Records<br />
mmmnn<br />
E eis que, em<br />
2008, subsistem<br />
ainda essas<br />
entida<strong>de</strong>s que os<br />
anos 1970 nos<br />
legaram: os<br />
habitualmente tenebrosos<br />
supergrupos. Contudo, estas Free<br />
Kitten, ao contrário <strong>de</strong> monstrengos<br />
do progressivo como os Asia, não têm<br />
nada <strong>de</strong> tenebroso. No que a<br />
supergrupos diz respeito, serão até o<br />
que <strong>de</strong> mais próximo temos<br />
<strong>de</strong> um sonho indie.<br />
Enunciemos: Kim<br />
Gordon, dos Sonic<br />
Youth, Julie Cafritz,<br />
dos Pussy Galore, e<br />
Yoshimi, baterista<br />
dos Boredoms - e,<br />
como convidado a<br />
tocar as seis cordas e<br />
a percutir as peles <strong>de</strong><br />
bateria, J Mascis,<br />
“guitar-hero” dos<br />
Dinosaur Jr.<br />
“Inherit”, que é o terceiro<br />
álbum do trio - foi antecedido<br />
<strong>por</strong> “Nice Ass”, em 1995, e<br />
“Sentimental Education”<br />
dois anos <strong>de</strong>pois -, tem como<br />
principal virtu<strong>de</strong> não se levar<br />
a sério e soar exactamente<br />
aquilo que é: três músicos<br />
talentosos a “jammar” sobre<br />
44 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
Kim Gordon e Julie Cafritz<br />
vestiram-se como versões femininas<br />
<strong>de</strong> Marc Bolan e vaguearam <strong>por</strong><br />
on<strong>de</strong> a intuição as levou<br />
Espaço<br />
Público<br />
Tenho muito gosto em<br />
partilhar as minhas<br />
escolhas pessoais em<br />
termos dos discos que<br />
mais me marcaram no ano<br />
<strong>de</strong> 2008. Músicos que têm<br />
direito ao merecidíssimo<br />
reconhecimento do seu<br />
trabalho. Destaco Peter<br />
Bro<strong>de</strong>rick, multiinstrumentista<br />
norteamericano<br />
a trabalhar<br />
na Dinamarca, autor do<br />
sublime “Home”. Os Fleet<br />
Foxes com o seu álbum<br />
homónimo remexeram<br />
nas suas raízes musicais<br />
e fizeram um belíssimo<br />
retrato dos EUA. A banda<br />
inglesa The Acci<strong>de</strong>ntal, no<br />
seu álbum <strong>de</strong> estreia “There<br />
were wolves”, conseguiu<br />
<strong>de</strong>monstrar como se fazem<br />
excelentes canções. O norteamericano<br />
Justin Vernon,<br />
sob a capa Bon Iver, <strong>de</strong>u<br />
uma lição <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong><br />
e criativida<strong>de</strong> com o seu<br />
melancólico “For Emma,<br />
forever ago”. Joan Wasser,<br />
a mulher-polícia <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque, apresentou “To<br />
survive” em gran<strong>de</strong> forma<br />
e cheia <strong>de</strong> segurança.<br />
Em Portugal e em bom<br />
<strong>por</strong>tuguês, <strong>de</strong>staco<br />
B Fachada que, carregado<br />
<strong>de</strong> orgulho nacional,<br />
surpreen<strong>de</strong>u com a sua<br />
“Viola Braguesa”.<br />
João Semog, 39 anos, artista<br />
plástico<br />
padrões imediatamente<br />
reconhecíveis. A voz glaciar e<br />
sussurrada <strong>de</strong> Gordon e as<br />
guitarras, distorcidas, cruzando-se<br />
em espirais eléctricas (os Sonic Youth<br />
<strong>de</strong> “Dirty”, mas sem canções, só com<br />
uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> som). O garage-punk<br />
corrosivo berrado <strong>por</strong> Julie Cafritz,<br />
violência sónica cuspida com<br />
fervor, e a libertinagem rítmica<br />
<strong>de</strong> Yoshimi, em equilíbrio<br />
precário à beira do<br />
precipício.<br />
“Inherit” não é um<br />
álbum <strong>de</strong> quem procura<br />
explorar novas vertentes<br />
criativas em projecto<br />
secundário - “The poet” e<br />
“Erected girl” caberiam, <strong>de</strong>vidamente<br />
trabalhadas, num álbum dos Sonic<br />
Youth -, é um encontro<br />
<strong>de</strong>scomprometido numa garagem<br />
on<strong>de</strong>, <strong>por</strong> acaso, até havia um<br />
gravador e, vai daí, <strong>por</strong>que não gravar<br />
um disco? A história não é<br />
exactamente esta, mas é a isso que soa<br />
este ocasionalmente interessante,<br />
ocasionalmente redundante “Inherit”.<br />
Gordon e Cafritz vestiram-se como<br />
versões femininas <strong>de</strong> Marc Bolan (fase<br />
Tyranossaurus Rex) e vaguearam <strong>por</strong><br />
on<strong>de</strong> a intuição as levou: chegaram ao<br />
xamanismo psicadélico <strong>de</strong> “Free<br />
kitten on the mountain”, que no seu<br />
<strong>de</strong>lírio opiáceo, na sua escuridão<br />
pantanosa, é a melhor canção do<br />
álbum, e chegaram à agressivida<strong>de</strong><br />
riot-grrrl <strong>de</strong> “Bananas”, canção<br />
afogada em fuzz, canção que nos<br />
agarra pelos colarinhos para vociferar<br />
não sabemos bem o quê (mas é<br />
melhor levá-la a sério).<br />
Nada do que aqui ouvimos é<br />
particularmente inspirador - falta-lhe<br />
foco, falta-lhe transformar muitas das<br />
divagações eléctricas em matéria viva.<br />
Nada nos levará a consi<strong>de</strong>rar as Free<br />
Kitten mais que curiosida<strong>de</strong><br />
interessante a que<br />
regressaremos <strong>de</strong><br />
muito em muito<br />
tempo. Bem vistas as<br />
coisas, já é feito<br />
assinalável para uma<br />
coisa chamada<br />
“supergrupo”. M.L.<br />
Bernardo Devlin<br />
Ágio<br />
Nau, distri. Flur<br />
mmmnn<br />
Pop<br />
hermética<br />
po<strong>de</strong> ser um<br />
oxímoro,<br />
mas é isso<br />
que<br />
Bernardo Devlin propõe há<br />
muito. Com uma carreira<br />
on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca uma<br />
passagem pelos Osso Exótico e<br />
um percurso a solo on<strong>de</strong> cabe<br />
a banda-sonora do filme <strong>de</strong><br />
animação “A Suspeita”, o<br />
lisboeta lança agora “Ágio”,<br />
quarto álbum em nome<br />
próprio. De novo, Devlin,<br />
que se assume<br />
fundamentalmente como<br />
cantor, faz canções, mas<br />
que se <strong>de</strong>sviam do apelo<br />
fácil e das estruturas simples próprias<br />
da pop. “Ágio” é pesado, estranho e<br />
difícil, como os discos anteriores,<br />
todos eles impossíveis <strong>de</strong> colocar<br />
numa prateleira, mas, ao mesmo<br />
tempo, caloroso. A voz, cavernosa,<br />
lembra Scott Walker, mas é única a<br />
forma como Devlin coloca as palavras,<br />
cheia <strong>de</strong> maneirismos. Este é um disco<br />
mais rico que o antecessor, “Circa<br />
1999”, <strong>de</strong> 2003, menos classicista,<br />
mais dado ao ritmo e à tensão,<br />
mudanças conseguidas com a ajuda<br />
<strong>de</strong> músicos convidados como Tiago<br />
Miranda (Loosers, Slight Delay, etc.) e<br />
Pedro Oliveira, dos Sétima <strong>Le</strong>gião -<br />
banda que, curiosamente, parece<br />
pairar sobre estas melancólicas<br />
canções que vinham sendo<br />
preparadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. Em “Desvio<br />
para o vermelho”, os sintetizadores<br />
(instrumento central no disco) fazem<br />
a cama para Devlin, que repete coisas<br />
como “noite, dia, dia, noite” - também<br />
as letras assumem riscos. O álbum<br />
ganha quando é mais directo e<br />
<strong>de</strong>spido, como em “Turno da noite”,<br />
construída em torno <strong>de</strong> batidas<br />
simples, com a voz <strong>de</strong> Devlin<br />
multiplicada, ou “Solário”, espécie <strong>de</strong><br />
balada em que o canto é engolido pela<br />
reverberação e linhas <strong>de</strong> sintetizador<br />
glaciais. Pela sua radicalida<strong>de</strong>, “Ágio”<br />
é um daqueles objectos capazes <strong>de</strong><br />
apaixonar uns, afastar alguns e <strong>de</strong>ixar<br />
outros tantos perplexos, sem saberem<br />
on<strong>de</strong> o situar. Pedro Rios<br />
Lucky Dragons<br />
Dream Island Laughing Language<br />
Upset! The Rhythm, distri. Sabotage<br />
mmmmn<br />
Bernardo Devlin<br />
apaixonará uns,<br />
afastará alguns<br />
e <strong>de</strong>ixará outros<br />
tantos perplexos<br />
Há algo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sconcertante na<br />
música dos Lucky<br />
Dragons, o projecto<br />
em que o<br />
californiano Luke<br />
Fischbeck se ro<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> outros<br />
músicos (com <strong>de</strong>staque para<br />
Sarah Rara - o duo esteve em<br />
Portugal em Outubro). Não<br />
fazem canções, mas também<br />
ocupam um lugar único no<br />
cenário experimental. Neste<br />
disco, o último <strong>de</strong> uma série<br />
<strong>de</strong> 20 registos em vários<br />
formatos,<br />
aprofundam a sua<br />
visão peculiar do<br />
que po<strong>de</strong> ser a<br />
música filtrada<br />
pelas<br />
tecnologias<br />
digitais. Além<br />
<strong>de</strong> tocar<br />
vários<br />
instrumentos<br />
(flautas,<br />
piano,<br />
dulcimer,<br />
entre outros),<br />
cabe também<br />
a Fischbeck a<br />
função <strong>de</strong><br />
editar este<br />
caleidoscópio<br />
sonoro, on<strong>de</strong><br />
cabem<br />
elementos<br />
como<br />
retalhos <strong>de</strong> guitarras folk, gongos,<br />
percussão tribal e vozes<br />
murmurantes. O método dos Lucky<br />
Dragons consiste em provocar um<br />
acontecimento (um objecto percutido,<br />
uma frase <strong>de</strong> guitarra) para, em<br />
seguida, manipulá-lo, num jogo entre<br />
banda e maquinaria electrónica que<br />
impele o ouvinte a participar <strong>de</strong><br />
alguma forma (ao vivo, esta i<strong>de</strong>ia<br />
ganha força, com a banda a convidar o<br />
público a interferir na performance).<br />
A simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas como “Free<br />
guys by the sea” (uma flauta<br />
<strong>de</strong>sgarrada, percussão básica) é<br />
<strong>de</strong>sarmante. Em “Band hammer”,<br />
com uma guitarra acústica em “loop”<br />
e a voz <strong>de</strong> Fischbeck, evocam a<br />
austerida<strong>de</strong> doce <strong>de</strong> Richard Youngs.<br />
“Givers” lembra os Black Dice dos<br />
últimos discos, enveredando <strong>por</strong><br />
caminhos mais lúdicos mas também<br />
fortemente rítmicos, e “My are<br />
singing”, outro momento alto, põe<br />
uma guitarra acústica roufenha em<br />
círculos <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> vozes em cascata.<br />
Como os Lucky Dragons já nos<br />
habituaram, “Dream Island Laughing<br />
Language” inclui várias faixas que não<br />
são mais do que a simples exploração<br />
<strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia. Este lado ingénuo e<br />
brincalhão é, ao mesmo tempo, o seu<br />
trunfo e calcanhar <strong>de</strong> Aquiles, já que<br />
fica a impressão que a banda só<br />
beneficiaria <strong>de</strong> uma maior filtragem<br />
antes <strong>de</strong> editar um disco. P.R.<br />
Jazz<br />
Som <strong>de</strong><br />
mestre<br />
Acompanhado <strong>por</strong> uma<br />
big band e uma orquestra<br />
sinfónica, Joe Lovano<br />
apresenta um dos seus<br />
projectos mais ambiciosos.<br />
Paulo Barbosa<br />
Joe Lovano<br />
Symphonica<br />
Blue Note; Dist. EMI<br />
mmmnn<br />
À excepção<br />
<strong>de</strong> “Duke<br />
Ellington’s<br />
sound of<br />
love”, <strong>de</strong><br />
Charles<br />
Joe Lovano<br />
Mingus, todo o material <strong>de</strong>ste álbum é<br />
da autoria <strong>de</strong> Joe Lovano, que não<br />
escon<strong>de</strong> a sua enorme satisfação <strong>por</strong><br />
ter a o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, pela primeira<br />
vez, apresentar as suas composições<br />
ornamentadas com arranjos para uma<br />
orquestra sinfónica (a Rundfunk<br />
Orchester) e uma orquestra <strong>de</strong> jazz (a<br />
WDR Big Band).<br />
As primeiras notas com que Lovano<br />
faz planar o seu saxofone sobre uma<br />
massa orquestral <strong>de</strong> quase 80 músicos<br />
fazem com que <strong>de</strong> imediato nos<br />
reconheçamos na presença <strong>de</strong> um dos<br />
gran<strong>de</strong>s mestres do jazz das últimas<br />
duas décadas. Empunhando o<br />
saxofone tenor em cinco temas e o<br />
soprano em outros dois, Lovano<br />
apresenta-se em apuradíssima forma<br />
ao longo <strong>de</strong> todo o álbum. Com um<br />
som tipicamente cheio e<br />
inconfundível - mais sensual e<br />
envolvente ou mais nervoso e picante,<br />
consoante cada ocasião -, Lovano<br />
acaba, como seria <strong>de</strong> esperar, <strong>por</strong><br />
dominar quase todo o álbum. E<br />
melhor seria que, enquanto voz<br />
solista, o dominasse <strong>por</strong> completo, já<br />
que, <strong>por</strong> comparação com a<br />
excelência <strong>de</strong> Lovano, as intervenções<br />
improvisadas <strong>por</strong> músicos da WDR Big<br />
Band acabam <strong>por</strong> constituir<br />
momentos anti-climáticos que em<br />
nada beneficiam este registo. Os<br />
arranjos <strong>de</strong> Michael Abene são<br />
ambiciosos, mas acabam <strong>por</strong> se<br />
revelar como meramente funcionais<br />
na criação <strong>de</strong> um contexto para os<br />
mais diversos movimentos do<br />
saxofonista.<br />
Por tudo isto se prevê que o ouvinte<br />
mais atento compare os resultados<br />
aqui obtidos com os <strong>de</strong> “Rush Hour”,<br />
álbum com orquestrações entregues a<br />
Gunther Schuller, e reconheça uma<br />
clara vantagem àquela gravação,<br />
<strong>por</strong>ventura uma das melhores que o<br />
jazz nos ofereceu nos últimos anos<br />
com este tipo <strong>de</strong> formação.<br />
“Symphonica” é recomendável aos<br />
mais acérrimos seguidores do gran<strong>de</strong><br />
som <strong>de</strong> Lovano; os outros <strong>de</strong>verão<br />
iniciar o contacto com este<br />
im<strong>por</strong>tante saxofonista através <strong>de</strong><br />
outros álbuns, alguns dos quais<br />
verda<strong>de</strong>iramente essenciais, como<br />
“Landmarks”, “Sounds of Joy”, “From<br />
the Soul”, “Quartets” ou o referido<br />
“Rush Hour”.<br />
O som<br />
do cinema<br />
O trompetista luso faz uma<br />
revisão jazzística a músicas<br />
que marcaram a<br />
história da sétima<br />
arte. Nuno<br />
Catarino<br />
Laurent Filipe<br />
Flick Music<br />
iPlay<br />
mmmnn<br />
O que é mais<br />
sensual, o corpo<br />
lânguido <strong>de</strong><br />
Maria Schnei<strong>de</strong>r<br />
no “Último Tango<br />
em Paris” ou o<br />
saxofone fogoso <strong>de</strong><br />
Gato Barbieri a<br />
crepitar sobre esse<br />
mesmo filme? A resposta fica para o<br />
leitor, mas não há dúvida que a ligação<br />
entre imagens e música sempre foi<br />
frutuosa. São inúmeros os exemplos,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o cinema integrou o som<br />
(<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o pioneiro “The Jazz Singer”)<br />
até aos nossos dias, da união da<br />
música à imagem animada. De facto,<br />
alguma da melhor música <strong>de</strong> sempre<br />
foi composta para cinema - as<br />
ligações <strong>de</strong> Bernard Herrmann a<br />
Hitchcock e <strong>de</strong> Ennio Morricone a<br />
<strong>Le</strong>one são lendárias e no campo do<br />
jazz também há casos <strong>de</strong> relevo,<br />
como o trabalho <strong>de</strong> Herbie Hancock<br />
no “Blow Up” <strong>de</strong> Antonioni, Ellington<br />
para “Anatomia <strong>de</strong> um Crime” <strong>de</strong><br />
Preminger ou Miles em “Ascenseur<br />
<strong>por</strong> l’échafaud” <strong>de</strong> Louis Malle. Se<br />
muitas vezes a música tem papel<br />
meramente <strong>de</strong>corativo, outras vezes<br />
ganha mais im<strong>por</strong>tância que as<br />
imagens - que po<strong>de</strong>m valer mais que<br />
mil palavras, mas menos que um solo<br />
<strong>de</strong> trompete.<br />
O trompetista Laurent Filipe<br />
aventura-se agora numa revisão<br />
jazzística <strong>de</strong> alguns clássicos que<br />
ficaram famosos enquanto “banda<br />
sonora”. Já sabemos que o som do<br />
seu trompete é <strong>de</strong> uma rara doçura<br />
(faz sentido lembrar a sua recente<br />
homenagem a Chet Baker, “O<strong>de</strong> to<br />
Chet”) e os comparsas neste projecto<br />
estão em bom nível - Filipe conta com<br />
as colaborações <strong>de</strong> André Fernan<strong>de</strong>s<br />
na guitarra, Demian Cabaud no<br />
contrabaixo e Pedro Viana na bateria.<br />
A tarefa torna-se complicada quando<br />
se levanta a questão: o que fazer<br />
quando as músicas originais já são<br />
tão boas? A tarefa não é fácil e o<br />
resultado não é sempre igual. Se <strong>por</strong><br />
vezes a nova roupagem proposta<br />
assenta que nem uma luva sobre as<br />
melodias (particularmente quando à<br />
partida estas já assumem um registo<br />
bala<strong>de</strong>iro, como é o caso <strong>de</strong> “Il<br />
Postino”, do filme “O Carteiro <strong>de</strong><br />
Pablo Neruda”), outras vezes o<br />
resultado soa <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quado. Há dois<br />
casos flagrantes: “Can’t Buy Me Love”<br />
e “Raindrops (Keep Falling On My<br />
Head)”. Antes <strong>de</strong> mais po<strong>de</strong>ríamos<br />
questionar a escolha daquela música<br />
dos Beatles, quando haveriam tantas<br />
outras mais cinéfilas - nesta versão<br />
Laurent Filipe opta <strong>por</strong> manter<br />
alguma frescura rítmica, mas acaba<br />
sempre <strong>por</strong> ficar longe do original,<br />
per<strong>de</strong>ndo-se num meio termo<br />
jazzístico, num limbo incaracterístico.<br />
Já a versão do clássico <strong>de</strong> Burt<br />
Bacharach assume uma dimensão<br />
popularucha que <strong>de</strong>stoa da essência<br />
original - ingénua, agridoce, feliz. A<br />
forma como estes temas são<br />
maltratados po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sconcentrarnos<br />
do resto do projecto, bem<br />
intencionado, e que <strong>por</strong> vezes alcança<br />
resultados bem satisfatórios - a<br />
penúltima, “Chinatown”, é talvez a<br />
mais conseguida, a que melhor<br />
<strong>de</strong>monstra a envolvência do grupo e<br />
on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca a guitarra <strong>de</strong> André<br />
Fernan<strong>de</strong>s, em intervenções discretas<br />
mas precisas.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 45
Vamos ouvi-los pela p<br />
Quem serão os Vampire Weekend, Santogold, Duffy ou MGMT <strong>de</strong> 2009? As e<br />
De<br />
Brooklyn,<br />
Mixel Pixel,<br />
artistas<br />
visuais<br />
transformados<br />
em<br />
músicos<br />
Em 2008, algumas das estreias mais<br />
badaladas do ano estiveram <strong>por</strong> conta<br />
dos Vampire Weekend, Santogold,<br />
MGMT, Ting Tings, Lykke Li ou Duffy.<br />
Há um ano, uma minoria conheciaos.<br />
Hoje são nomes firmados. Para os<br />
atentos, a consagração dos<br />
Vampire ou Duffy não foi surpresa.<br />
Mas quem imaginava<br />
que os americanos<br />
Fleet Foxes seriam<br />
a banda preferida <strong>de</strong><br />
2008 para muito<br />
boa gente?<br />
É nessa<br />
fronteira,<br />
entre projectar<br />
o<br />
que aí<br />
vem, com<br />
base em<br />
factos<br />
concretos,<br />
e o<br />
espaço da<br />
imprevisibilida<strong>de</strong>,<br />
que<br />
se fazem<br />
apostas para<br />
2009. Uma<br />
coisa é certa:<br />
algumas tendências<br />
<strong>de</strong><br />
2008 não se<br />
esgotarão<br />
apenas <strong>por</strong>que<br />
dobrámos mais um<br />
ano.<br />
Sim, vivemos<br />
num <strong>mundo</strong> global,<br />
os centros <strong>de</strong> influên-<br />
cia multiplicaram-se, a internet cria<br />
a i<strong>de</strong>ia que po<strong>de</strong>mos obter visibilida<strong>de</strong><br />
mesmo habitando num país<br />
recôndito. Verda<strong>de</strong>. Mas se estivermos<br />
em Nova Iorque ou Londres as<br />
hipóteses aumentam.<br />
É isso que apetece dizer quando se<br />
olha para os que estão na linha <strong>de</strong><br />
partida para obterem reconhecimento<br />
quando se estrearem em<br />
breve. Em Nova Iorque, com epicentro<br />
no fervilhante ambiente criativo<br />
<strong>de</strong> Brooklyn, continua a trabalharse.<br />
Que o diga David Sitek que, o ano<br />
passado, para além <strong>de</strong> ter estado<br />
activo com o seu grupo, TV On The<br />
Radio ainda teve tempo para produzir<br />
os álbuns <strong>de</strong> Scarlett Johansson e<br />
Foals. Reinci<strong>de</strong> com Busy Gangnes e<br />
Melissa Livaudais, as Telepathe, dupla<br />
que lança em Fevereiro “Dance<br />
Mother”, ou seja pop mutante que se<br />
dança, mas com cabeça.<br />
Também <strong>de</strong> Brooklyn são os Mirror<br />
Mirror ou os Mixel Pixel, trio <strong>de</strong> artistas<br />
visuais transformados em músicos,<br />
<strong>por</strong> via da simbiose entre pop<br />
angelical, psica<strong>de</strong>lismo barroco e<br />
electro caseiro.<br />
Se, o ano passado, a editora novaiorquina<br />
DFA <strong>de</strong> James Murphy (LCD<br />
Soundsystem) foi comentada pelo<br />
álbum <strong>de</strong> estreia dos Hercules & Love<br />
Affair, agora a aposta chama-se Holy<br />
Ghost, entre o electro musculado e o<br />
neo-disco. A mesma linha seguida<br />
<strong>por</strong> outra dupla nova-iorquina, os<br />
Runaway.<br />
Quem vai continuar nas bocas do<br />
<strong>mundo</strong> é a Austrália. Há mais para<br />
além dos Cut Copy ou Midnight Juggernauts.<br />
Já em Fevereiro vamos<br />
ouvir Empire Of The Sun ou seja Luke<br />
Steele dos Sleepy Jackson e Nick Littlemore<br />
dos Pnau, numa veia pop<br />
electrónica dançante não distante<br />
dos Cut Copy. Mais improváveis são<br />
The Temper Trap, com um rock<br />
épico, i<strong>de</strong>al para ouvir nos estádios<br />
frequentados pelos U2 ou Coldplay.<br />
Quem continuará a ex<strong>por</strong>tar pop<br />
irreal e colorida são os suecos, via<br />
The Sound Of Arrows, mas a inglesa<br />
Little Boots promete rivalizar nos<br />
excessos.<br />
Nos meses que aí vêm, Santogold<br />
e M.I.A., <strong>de</strong> um lado, e Amy<br />
Winehouse e Duffy, do outro, vão<br />
<strong>de</strong>bater-se com concorrência. A<br />
competir com as primeiras está<br />
Mapei, sueca cortejada <strong>por</strong> produtores<br />
como Sin<strong>de</strong>n e<br />
Spank Rock, pelo que o<br />
seu futuro está assegurado.<br />
Outra tribalista<br />
urbana que promete<br />
dar que falar é a londrina, <strong>de</strong> ascendência<br />
ganesa, Thecocknbullkid,<br />
espécie <strong>de</strong> elo perdido entre<br />
Madonna e M.I.A., apesar <strong>de</strong> citar<br />
como inspiração Abba ou Pharrell<br />
Williams.<br />
Também londrina, VV Brown não<br />
tem o vozeirão <strong>de</strong> Winehouse, nem<br />
o apelo transversal <strong>de</strong> Duffy, mas tem<br />
mais pinta, mescla <strong>de</strong> Ella Fitzgerald<br />
e B-52’s, Cansei <strong>de</strong> Ser Sexy e Elvis<br />
Presley, exemplo <strong>de</strong> que a pop dos<br />
anos 60 está mesmo <strong>de</strong> regresso.<br />
Outra londrina, La Roux, vai ser<br />
“convidada especial” na digressão<br />
que se vai seguir <strong>de</strong> Lilly Allen, mas<br />
a sua pop electrónica dançante promete<br />
fazer estragos sem necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> terceiros.<br />
Quem está mais do que lançada<br />
é a inglesa Florence and the<br />
Machine, com concertos elogiados<br />
<strong>por</strong> todo o lado. Vai lançar álbum<br />
<strong>de</strong> estreia e tem canções <strong>de</strong> apelo<br />
popular para se im<strong>por</strong> sem gran<strong>de</strong>s<br />
dificulda<strong>de</strong>s.<br />
Sim, vivemos num<br />
<strong>mundo</strong> global, os<br />
centros <strong>de</strong> influência<br />
multiplicaram-se, com<br />
a net po<strong>de</strong>mos obter<br />
visibilida<strong>de</strong> mesmo<br />
habitando num país<br />
recôndito. Mas se<br />
estivermos em Nova<br />
Iorque ou Londres as<br />
hipóteses aumentam<br />
La Roux: a<br />
sua pop<br />
electrónica<br />
dançante<br />
promete<br />
fazer<br />
estragos<br />
Janelle<br />
Monae: a<br />
versão<br />
feminina<br />
<strong>de</strong> Prince?<br />
Do Kansas, EUA, virá Janelle<br />
Monae. A forma, fácil, <strong>de</strong> a <strong>de</strong>finir, é<br />
qualquer coisa como a “versão feminina<br />
<strong>de</strong> Prince”. Adulada <strong>por</strong> outro<br />
<strong>de</strong>voto <strong>de</strong> Prince, André 3000 dos<br />
OutKast, será referência a ter <strong>de</strong>baixo<br />
<strong>de</strong> olho no mo<strong>de</strong>rno R&B.<br />
No Verão ninguém se surpreen<strong>de</strong>rá<br />
se Kid Cudi, “rapper” <strong>de</strong> Cleveland,<br />
EUA, que <strong>de</strong>u nas vistas no último<br />
álbum <strong>de</strong> Kanye West, ser muito<br />
comentado. É que os seus talentos<br />
não são apenas vocais, com um som<br />
minimal que não se fica pelo hiphop.<br />
Outro impacto previsível é o <strong>de</strong> Kid<br />
Sister. Já era uma das promessas <strong>de</strong><br />
2008 mas o seu álbum <strong>de</strong> estreia,<br />
“Dream Nate”, tem vindo a ser<br />
adiado, pelo que é este ano que a<br />
nativa <strong>de</strong> Chicago vai estoirar. O<br />
“rapper” Kanye West adora-a, o DJ<br />
A-Trak não a larga e o seu som, composto<br />
<strong>de</strong> hip-hop multicolorido e<br />
electro gorduroso, é aditivo.<br />
Situação semelhante é a da inglesa<br />
Ebony Bones, que até já actuou em<br />
Portugal duas vezes, atestando que<br />
o seu álbum <strong>de</strong> estreia tem tudo para<br />
dar certo.<br />
Há um ano os MGMT eram ilustres<br />
<strong>de</strong>sconhecidos. Em 2009 terão seguidores.<br />
Como os ingleses The Big Pink,<br />
os americanos Apes and Androids ou<br />
os The Passion Pits, do Massachusets,<br />
EUA, movendo-se entre a electrónica<br />
poética, o psica<strong>de</strong>lismo muito colorido<br />
e sensibilida<strong>de</strong> pop.<br />
Quem também já parece ter criado<br />
<strong>de</strong>scendência são os Vampire<br />
Weekend. O veterano David Bowie<br />
já o percebeu. Os ingleses Fanfarlo<br />
são a sua última paixão e percebe-se<br />
<strong>por</strong>quê, com um som melódico,<br />
algures entre os Vampire e os The<br />
Dodos.<br />
Outros britânicos, os Man Like Me,<br />
não andam longe <strong>de</strong>sta equação,<br />
embora a influência dos Vampire seja<br />
diluída <strong>por</strong> um sentido <strong>de</strong> humor britânico,<br />
com alusões a The Streets ou<br />
Hot Chip.<br />
Por falar em linhagem, quem<br />
parece ter assegurado a sua são os<br />
New Or<strong>de</strong>r e os Magnetic Fields. Conferir,<br />
no primeiro caso, com os Delphic<br />
e, no segundo, com The Ballet e<br />
The Homophones.<br />
O que também se vai continuar a<br />
ver é gente munida <strong>de</strong> guitarras acústicas<br />
a fazer canções intimistas, como<br />
Fredo Viola<br />
promete<br />
folk-pop<br />
polifónica<br />
familiarida<strong>de</strong><br />
Kid Cudi,<br />
“rapper”<br />
<strong>de</strong><br />
Cleveland<br />
46 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009
imeira vez em 2009<br />
estreias que po<strong>de</strong>rão virar estrelas? Eis algumas hipóteses. Vítor Belanciano<br />
Alexi Murdoch ou o nova-iorquino<br />
Fredo Viola que se estreará com um<br />
álbum que promete folk-pop polifónica,<br />
com doses iguais <strong>de</strong> estranheza<br />
e familiarida<strong>de</strong>. Do eixo Paris-Los<br />
Angeles vem Soko, com folk tosca<br />
mas cheia <strong>de</strong> graça, entre o <strong>de</strong>sengonçado<br />
Daniel Johnston e o brilho<br />
das irmãs CocoRosie. E na secção<br />
cantautores brancos <strong>de</strong> alma soul<br />
con<strong>de</strong>nados ao sucesso há dois<br />
nomes que po<strong>de</strong>rão vir a sobressair<br />
- Daniel Merriweather e Jonathan<br />
Jeremiah.<br />
Também <strong>de</strong>stinados a serem acontecimento,<br />
e a serem apelidados <strong>de</strong><br />
sucedâneos dos Killers, são os ingleses<br />
White Lies ou os Red Light Company.<br />
Gente que se <strong>de</strong>siludiu com grupos<br />
e vai enveredar <strong>por</strong> carreiras a solo<br />
também não falta. É esse o caso do<br />
inglês Dan Black que <strong>de</strong>ixou os Servant<br />
para criar música para guitarra,<br />
caixa <strong>de</strong> ritmos e “samples”, e a verda<strong>de</strong><br />
é que resulta.<br />
O ex-guitarrista dos Secret Machines,<br />
Benjamin Curtis, tem também<br />
projecto novo, School Of Seven Bells,<br />
aventura com duas cantoras, entre o<br />
rock sonhador e a electrónica ambiental,<br />
com pontos <strong>de</strong> encontro com os<br />
Blon<strong>de</strong> Redhead.<br />
Conhecido pelo duo DJ Gucci Soundsystem<br />
e <strong>por</strong> trabalhos a solo, o<br />
inglês Riton vai lançar-se na aventura<br />
Eine Kleine Nacht Musik, numa linha<br />
electrónica nocturna melancólica,<br />
capaz <strong>de</strong> evocar os crescendos rítmicos<br />
dos alemães Can.<br />
Em Portugal quem foi conquistado<br />
pelo regresso do rock literato em <strong>por</strong>tuguês<br />
- Os Pontos Negros e Tiago<br />
Guillul - não vai per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista os<br />
Doismileoito ou Os Golpes, mas a surpresa<br />
po<strong>de</strong>rão ser os Aquaparque,<br />
capazes <strong>de</strong> agarrar em alguns indícios<br />
semelhantes (António Variações,<br />
Heróis do Mar), mas trans<strong>por</strong>tandoos<br />
para um lugar novo, arriscado,<br />
universal.<br />
No campo das electrónicas <strong>de</strong><br />
dança feitas em Portugal - mas <strong>de</strong><br />
vocação internacional - atenções<br />
viradas para o álbum <strong>de</strong> estreia dos<br />
Photonz e para os novos capítulos<br />
a serem ensaiados <strong>por</strong> Slight Delay<br />
ou Moulinex, enquanto em Inglaterra<br />
se dançará ao som dos<br />
AutoKratz, ou seja o regresso do<br />
conceito <strong>de</strong> super-grupo electrónico,<br />
na linha dos anos 90<br />
(Un<strong>de</strong>rworld, Chemical Brothers).<br />
Mas no, cada vez mais, complexo,<br />
estilhaçado e aparentemente <strong>de</strong>scontrolado<br />
mercado da cultura<br />
pop, é certo que algumas das revelações<br />
do ano surgirão <strong>de</strong> quadrantes<br />
- geográficos, estéticos e sociais<br />
- que ninguém consegue prever.<br />
Oxalá.<br />
Todos estes artistas po<strong>de</strong>m ser ouvidos<br />
no MySpace<br />
Do eixo<br />
Paris-Los<br />
Angeles<br />
vem Soko,<br />
folk tosca<br />
mas cheia<br />
<strong>de</strong> graça<br />
The Passion<br />
Pits: entre a<br />
electrónica<br />
poética, o<br />
psica<strong>de</strong>lismo<br />
colorido e a<br />
pop<br />
Dan Black:<br />
música<br />
para<br />
guitarra,<br />
caixa <strong>de</strong><br />
ritmos e<br />
“samples”<br />
VV Brown :<br />
sem o<br />
vozeirão <strong>de</strong><br />
Winehouse,<br />
mas com<br />
mais pinta<br />
Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 47