por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Livros<br />
RUI GAUDÊNCIO<br />
Doors<br />
Rui Pedro Silva viu “Contigo torno-me real” premiado no Festival do Livro<br />
<strong>de</strong> Londres. Livro <strong>de</strong> fã, não <strong>de</strong> fanático, diz. Eduarda Sousa<br />
Não está vestido <strong>de</strong> couro preto. Também<br />
não vem com cigarro na mão. E<br />
muito menos com t-shirt dos Doors ou<br />
<strong>de</strong> Jim Morrison. Depois <strong>de</strong> ter escrito<br />
uma tese <strong>de</strong> licenciatura sobre Jim Morrison<br />
e <strong>de</strong> ter passado sete anos a investigar<br />
e a escrever um livro <strong>de</strong>dicado ao<br />
grupo, Rui Pedro Silva, 32 anos, não é<br />
o típico admirador que traz os ídolos<br />
no corpo, roupa ou gestos. Nele encontramos<br />
apenas um traço exterior que<br />
lembra Morrison: o cabelo pelos<br />
ombros, corte semelhante ao do Rei<br />
Lagarto. Não precisa <strong>de</strong> mais nada <strong>por</strong>que<br />
a banda já está gravada no seu ADN,<br />
explica ao Ípsilon.<br />
A versão nacional <strong>de</strong> “Contigo<br />
torno-me real” foi editada em 2003,<br />
pela Afrontamento. Em 2008, o autor<br />
reeditou o livro, numa versão internacional,<br />
que ganhou no mês passado<br />
menção honrosa (área não-ficção) no<br />
Festival do Livro <strong>de</strong> Londres. “Não é<br />
mais um livro sobre os Doors. É um<br />
Português à <strong>por</strong>ta dos<br />
novo livro sobre o grupo”, assegura<br />
Rui Pedro Silva que consi<strong>de</strong>ra as obras<br />
existentes <strong>de</strong>masiado centradas em<br />
Morrison.<br />
O título, inspirado na canção “You<br />
make me real” (“Morrison Hotel”,<br />
1970), preten<strong>de</strong> traduzir a sensação<br />
<strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que os Doors transmitiram<br />
a várias gerações. “Contigo tornome<br />
real”, escrito não com perspectiva<br />
<strong>de</strong> fã, mas com uma componente jornalística<br />
factual, prepara-se para ser<br />
publicado nos EUA, em versão inglesa,<br />
em 2009.<br />
Inéditos<br />
Uma simples pesquisa numa livraria<br />
online remete-nos para um conjunto<br />
interminável <strong>de</strong> livros sobre os Doors.<br />
O <strong>por</strong>tuguês não teve, contudo, muita<br />
dificulda<strong>de</strong> em encontrar espaço nessa<br />
bibliografia.<br />
A primeira e segunda parte <strong>de</strong> “Contigo<br />
torno-me real” são constituídas <strong>por</strong><br />
uma base factual extensa e testemunhos<br />
originais <strong>de</strong> dois Doors e <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s<br />
ligadas ao grupo, como<br />
Vince Treanor (“road manager”), Kathy<br />
Lisciandro (secretária dos Doors e <strong>de</strong><br />
Morrison), Bill Siddons (“manager”) ou<br />
Bruce Botnick (engenheiro <strong>de</strong> som).<br />
O livro apresenta ainda <strong>de</strong>poimentos<br />
<strong>de</strong> músicos cuja relação com os Doors<br />
era <strong>de</strong>sconhecida do gran<strong>de</strong> público:<br />
Larry Knechtel (baixista <strong>de</strong> estúdio do<br />
primeiro álbum, “The Doors”), Ray<br />
Neapolitan (baixista em “Morrison<br />
Hotel”) ou Chico Batera (baterista <strong>de</strong><br />
Chico Buarque que trabalhou com os<br />
Doors em 1972).<br />
A terceira parte é <strong>de</strong>dicada ao culto<br />
que é prestado a Morrison e à banda.<br />
Ray Manzarek, organista, escreveu<br />
para o livro um inédito: “Jim Morrison<br />
era um xamã. Ele era o Dionísio personificado<br />
numa veste do século XX”,<br />
lê-se. Já o guitarrista Robby Krieger<br />
contribui com um comentário,<br />
Ray Manzarek,<br />
organista, escreveu<br />
para o livro:<br />
“Jim Morrison<br />
era um xamã. Ele<br />
era o Dionísio<br />
personificado numa<br />
veste do século XX”<br />
abrindo uma excepção, já que não<br />
costuma participar nestes projectos.<br />
“O Jim foi o amigo mais influente e<br />
mais espectacular que alguma vez<br />
conheci”. De John Densmore, baterista,<br />
aparece um excerto da sua autobiografia,<br />
“Ri<strong>de</strong>rs on the Storm”,<br />
seleccionado <strong>por</strong> Rui Pedro Silva.<br />
Mas não é só <strong>de</strong> texto que vive “Contigo<br />
torno-me real”. Fotos novas dos<br />
três Doors acompanham os <strong>de</strong>poimentos.<br />
Elementos do “staff” original do<br />
grupo também não escaparam à objectiva<br />
<strong>de</strong> Rui Pedro Silva. Da ilustração<br />
<strong>de</strong>staca-se uma foto inédita do mítico<br />
clube “Whisky À Go-Go”, <strong>de</strong> 1966. Foi<br />
neste espaço que Jac Holzman <strong>de</strong>scobriu<br />
os Doors e assinou contrato com<br />
a banda. Um cartão <strong>de</strong> visita, raro, dos<br />
Rick and The Ravens (grupo <strong>de</strong> Manzarek<br />
que viria a dar origem aos Doors,<br />
<strong>de</strong>pois da entrada <strong>de</strong> Morrison, Densmore<br />
e Krieger), o menu <strong>de</strong> vinhos e<br />
cocktails, do Turkey Joint West, clube<br />
on<strong>de</strong> os Rick and The Ravens tocavam,<br />
são outras preciosida<strong>de</strong> do livro.<br />
Algo que se entranhou<br />
Depois <strong>de</strong> um livro com mais <strong>de</strong> 500<br />
páginas, que <strong>de</strong>morou sete anos a ser<br />
concluído, é <strong>por</strong> <strong>de</strong>mais evi<strong>de</strong>nte que<br />
não estamos perante um simples<br />
admirador. O autor realça, contudo,<br />
que a sua relação com o grupo não é<br />
<strong>de</strong> fanatismo: “Os Doors são a minha<br />
banda <strong>de</strong> eleição mas oiço outros grupos.<br />
Não acordo a pensar que tenho<br />
<strong>de</strong> ouvir Doors”. <strong>Le</strong>mbra-se <strong>de</strong> ouvir<br />
pela primeira vez os Doors aos sete<br />
anos, na festa <strong>de</strong> aniversário <strong>de</strong> um<br />
amigo. “Ninguém me <strong>de</strong>u a conhecer<br />
os Doors ou me influenciou. Foi algo<br />
que se entranhou”.<br />
O “mega processo <strong>de</strong> investigação”<br />
começou com uma tese <strong>de</strong> licenciatura<br />
sobre o contraste entre o homem Jim<br />
Morrison, e o seu mito, o Rei Lagarto.<br />
Em 2001, a Warner e a Rádio Comercial<br />
consi<strong>de</strong>raram Rui Pedro Silva o maior<br />
fã dos Doors em Portugal. O prémio?<br />
Uma viagem até Paris, a 3 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />
2001, para assistir ao 30º aniversário<br />
da morte <strong>de</strong> Morrison. A cerimónia<br />
<strong>de</strong>correu na presença <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong><br />
fãs no cemitério <strong>de</strong> Père Lachaise e<br />
houve também uma homenagem restrita<br />
na sala do teatro <strong>Le</strong>s Bouffes Du<br />
Nord on<strong>de</strong> estiveram presentes Manzarek<br />
e Danny Sugerman (biógrafo). Rui<br />
Pedro Silva não veio para casa sem mostrar<br />
a sua tese <strong>de</strong> licenciatura a Manzarek<br />
e Sugerman, que a autografaram.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, ambos pediram-lhe uma<br />
versão em inglês. O ponto <strong>de</strong> partida<br />
para o estabelecimento <strong>de</strong> uma relação<br />
com os membros dos Doors aconteceu<br />
a partir da tese.<br />
Após a viagem a Paris, surgiram<br />
convites <strong>de</strong> editoras <strong>por</strong>tuguesas para<br />
que escrevesse um livro a relatar os<br />
acontecimentos do Père Lachaise. Mas<br />
já existiam relatos na internet e, <strong>por</strong><br />
isso, Rui resolveu partir à <strong>de</strong>scoberta<br />
da “verda<strong>de</strong>ira essência dos Doors”.<br />
Fez-se à estrada e percorreu os trajectos<br />
parisienses <strong>de</strong> Morrison, entrevistou<br />
amigos do cantor e poeta, e com<br />
as informações recolhidas constituiu<br />
uma base factual precisa que se encontra<br />
narrada e ilustrada na terceira<br />
parte da obra. A viagem <strong>de</strong>correu<br />
física e virtualmente, muitas vezes<br />
pela noite <strong>de</strong>ntro, com a troca <strong>de</strong><br />
emails e faxes às quatro da manhã.<br />
Ganhou a confiança dos outros Doors.<br />
A convite <strong>de</strong> Michelle Campbell, fotógrafa<br />
que faz a cobertura dos aspectos<br />
<strong>de</strong> culto dos fãs do grupo em Paris,<br />
regressou ao Père Lachaise para celebrar<br />
o aniversário <strong>de</strong> Morrison, no dia<br />
8 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2001. Mais uma<br />
viagem, mais um conjunto <strong>de</strong> experiências,<br />
mais um capítulo no livro.<br />
Concluiu, em 2008, “Contigo tornome<br />
real”. Mas se surgir material inédito<br />
ou novos dados (poesia <strong>de</strong> Jim Morrison<br />
e outros trabalhos encontram-se<br />
retidos <strong>por</strong> entraves <strong>de</strong> copyright) não<br />
<strong>de</strong>scarta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a<br />
abrir as <strong>por</strong>tas da percepção, com a<br />
edição <strong>de</strong> um novo trabalho.<br />
16 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009