por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa
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e<br />
possível<br />
g queen. A versão <strong>por</strong>tuguesa <strong>de</strong> “Os Produtores”, gran<strong>de</strong><br />
. Eduarda Sousa<br />
tainment, em <strong>Lisboa</strong>. Para um espectáculo<br />
tão gran<strong>de</strong>, que coloca em cima<br />
do palco perto <strong>de</strong> 30 actores, uma<br />
orquestra com 20 músicos e 60 pessoas<br />
na parte da produção, assistir a<br />
um ensaio <strong>de</strong> “Os Produtores” num<br />
espaço relativamente pequeno po<strong>de</strong><br />
tornar-se uma verda<strong>de</strong>ira aventura.<br />
Numa sala, os autores aquecem a voz<br />
com uma série <strong>de</strong> exercícios. Os músicos<br />
começam a ensaiar, à medida que<br />
a orquestra se vai compondo. No<br />
palco, os actores treinam alguns passos<br />
<strong>de</strong> dança, lêem pela última vez o<br />
texto, enquanto começam a <strong>de</strong>sesperar<br />
<strong>por</strong> o ensaio nunca mais começar.<br />
Pôr a máquina <strong>de</strong> engrenagem <strong>de</strong> “Os<br />
Produtores” a trabalhar leva algum<br />
tempo até se conseguir coor<strong>de</strong>nar<br />
todos os elementos que participam na<br />
peça e no “back stage”.<br />
Os protagonistas <strong>Le</strong>o Bloom e Max<br />
Bialystock são interpretados <strong>por</strong><br />
Manuel Marques e Miguel Dias, respectivamente,<br />
que não se cansam <strong>de</strong><br />
ensaiar vários passos <strong>de</strong> dança. Rita<br />
Pereira, com as atenções centradas em<br />
si, tem a missão <strong>de</strong> dar vida<br />
à sueca escultural Ulla.<br />
Pedro Pernas, Rui Mello,<br />
Rodrigo Saraiva ou Custódia<br />
Gallego são outros<br />
nomes conhecidos do<br />
gran<strong>de</strong> público que<br />
integram o elenco.<br />
Hitler é gay<br />
“Os Produtores” <strong>de</strong>corre<br />
na Primavera <strong>de</strong> 1959,<br />
em Nova Iorque. Max<br />
Bialystock é um produtor<br />
arruinado da Broadway<br />
que recebe em<br />
sua casa o contabilista<br />
neurótico <strong>Le</strong>o Bloom.<br />
Sem querer, <strong>Le</strong>o <strong>de</strong>scobre<br />
que os dois po<strong>de</strong>m<br />
ganhar mais se produzirem<br />
um espectáculo<br />
<strong>de</strong>sastroso para arrecadarem<br />
o dinheiro dos investidores,<br />
no caso um grupo <strong>de</strong> velhinhas<br />
com quem Max vai para a cama.<br />
A dupla <strong>de</strong>dica-se então a procurar a<br />
pior obra jamais escrita e os piores actores<br />
e encenador possíveis. Um musical<br />
neonazi escrito pelo louco fanático<br />
Franz Liebkind, “Primavera para<br />
Hitler”, acaba <strong>por</strong> ser a peça escolhida.<br />
Roger De Bris, um gay estereotipado,<br />
cheio <strong>de</strong> tiques e trejeitos, que aparece<br />
em palco pela primeira vez com um<br />
vestido <strong>de</strong> baile e uns sapatos <strong>de</strong> salto<br />
alto, é contratado <strong>por</strong> Max e <strong>Le</strong>o.<br />
Daqui até <strong>de</strong>scobrir os piores actores<br />
possíveis é um passo. Ulla, uma<br />
loira sueca explosiva e burra, acha que<br />
vai para o “casting” <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong><br />
produção mas torna-se secretária <strong>de</strong><br />
Max e <strong>Le</strong>o, acabando <strong>por</strong> seduzir o<br />
contabilista neurótico. Na noite <strong>de</strong><br />
estreia, Franz, que ia interpretar Hitler,<br />
parte uma perna e acaba <strong>por</strong> ser substituído<br />
<strong>por</strong> De Bris, que aproveita a<br />
o<strong>por</strong>tunida<strong>de</strong> para realizar o sonho da<br />
sua vida. O ditador nazi é nada mais<br />
nada menos do que uma drag queen,<br />
ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> coristas vestidas como os<br />
membros das tropas nazis, em perfeita<br />
formação suástica. “Primavera para<br />
Hitler” acaba <strong>por</strong> ser, surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />
confundido pela crítica<br />
e pelo público como uma<br />
sátira genial, tornandose<br />
um sucesso estrondoso.<br />
Gonçalo Castel-Branco e<br />
Pedro Costa, o outro produtor<br />
da versão <strong>por</strong>tuguesa, não procuram,<br />
ao contrário <strong>de</strong> Max e <strong>Le</strong>o,<br />
criar um mau espectáculo e nem<br />
sequer se revêem nos protagonistas.<br />
“Nós preten<strong>de</strong>mos criar um bom<br />
espectáculo. Nenhum <strong>de</strong> nós está<br />
também acabado, como o Max, ou<br />
irritadiço, como o <strong>Le</strong>o”, diz a rir<br />
Gonçalo Castel-Branco. O riso é,<br />
aliás, um dos elementos presentes<br />
no espectáculo o tempo todo. Não<br />
são só gargalhadas dos espectadores<br />
que se ouvem, os próprios actores<br />
não conseguem controlar, durante<br />
“Não existem muitos<br />
teatros capazes <strong>de</strong><br />
acolher um<br />
espectáculo com as<br />
dimensões <strong>de</strong> ‘Os<br />
Produtores’”<br />
o ensaio, o riso pela piada das situações<br />
que criam. No intervalo, Miguel<br />
Dias <strong>de</strong>ixa escapar que já todos estão<br />
a precisar da estreia da peça.<br />
“Os Produtores” mantém o contexto<br />
da Broadway e todo o imaginário americano<br />
da época, assim como o texto<br />
e as músicas adaptadas <strong>por</strong> Rui Mello<br />
e Sílvia Baptista. Sob a direcção musical<br />
<strong>de</strong> Nuno Feist, o conjunto <strong>de</strong> músicas<br />
tocadas <strong>por</strong> uma orquestra é<br />
extenso e constitui um pilar im<strong>por</strong>tante<br />
do espectáculo.<br />
“Esperamos que esta peça represente<br />
um ponto <strong>de</strong> viragem<br />
no panorama dos musicais<br />
<strong>por</strong>tugueses. É muito diferente<br />
a nível musical, estético<br />
e conceptual dos musicais<br />
que já se produziram<br />
em Portugal”, conclui Gonçalo<br />
Castel-Branco.<br />
Em 2005, Susan Stroman<br />
realizou uma nova<br />
versão cinematográfica <strong>de</strong><br />
“Os Produtores”, colocando<br />
Uma Thurman no<br />
papel <strong>de</strong> Ulla. O musical<br />
apresentou o seu último<br />
espectáculo no St. James Theater,<br />
da Broadway, no dia 22<br />
<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007, seis anos<br />
<strong>de</strong>pois da estreia.<br />
Entre o cinema e a Broadway<br />
Depois do filme, tirado <strong>de</strong> uma peça, originada <strong>por</strong> um<br />
filme, sempre com Mel Brooks a controlar tudo, regressa-se<br />
à dimensão teatral <strong>de</strong> “Os Produtores”. Mário Jorge Torres<br />
Vários exemplos existem da<br />
transposição <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> sucesso para um musical<br />
<strong>de</strong> semelhante impacte nos palcos<br />
da Broadway. Basta lembrar<br />
os casos paradigmáticos <strong>de</strong><br />
“Ninotchka” (1939), veículo criado<br />
<strong>por</strong> Ernst Lubitsch para Greta<br />
Garbo transformado em “Silk<br />
Stockings” (1955), com Hil<strong>de</strong>gard<br />
Neff e Don Ameche nos papéis<br />
que Cyd Charisse e Fred Astaire<br />
consagrariam no filme homónimo<br />
(1958) <strong>de</strong> Rouben Mamoulian.<br />
Ou “Eva” (1950), <strong>de</strong> Mankiewicz,<br />
pensado para o ressurgimento<br />
<strong>de</strong> uma estrela em <strong>de</strong>clínio,<br />
como Bette Davis, que originou<br />
“Applause” (1970), fornecendo a<br />
Lauren Bacall a<strong>de</strong>quado meio <strong>de</strong><br />
triunfar nos domínios complexos<br />
do musical.<br />
“The Producers”/ “Os<br />
Produtores” (1968), da fase (ainda)<br />
áurea da comédia <strong>de</strong>stravada <strong>de</strong><br />
Mel Brooks, constituía material<br />
<strong>de</strong> óbvio interesse, não tanto pelo<br />
manancial cómico da prestação<br />
algo histérica <strong>de</strong> Gene Wil<strong>de</strong>r (a<br />
exibir essa histeria como marca<br />
distintiva) ou pelo inexistente<br />
“sex-appeal” <strong>de</strong> Zero Mostel, mas<br />
sobretudo pela força da peça <strong>de</strong>ntro<br />
do filme, “Springtime for Hitler”,<br />
que já incluía um bom motivo<br />
para se po<strong>de</strong>r pensar no palco:<br />
um número musical, em pastiche<br />
<strong>de</strong> Busby Berkeley, com os jovens<br />
alemães formando uma suástica.<br />
A i<strong>de</strong>ia da caricatura do<br />
nazismo, bem como dos<br />
meandros da produção teatral (e<br />
cinematográfica) prestava-se a um<br />
aproveitamento condigno, tirando<br />
partido da loucura <strong>de</strong>sbragada<br />
da relação entre o “pior produtor<br />
do <strong>mundo</strong>” e as velhinhas que<br />
o apoiavam e criando para a<br />
i<strong>de</strong>ia original uma partitura<br />
apropriada, <strong>de</strong> Mel Brooks e Glen<br />
Kelly, com letras e libreto (este em<br />
colaboração com Thomas Meehan)<br />
do primeiro.<br />
Em tempo <strong>de</strong> vacas magras,<br />
parecia uma receita <strong>de</strong> sucesso<br />
imbatível, uma vez que a carga<br />
anti politicamente correcta <strong>de</strong><br />
todo o entrecho, incluindo nazis<br />
ridicularizados, travestis, o<br />
tratamento maldoso da terceira<br />
ida<strong>de</strong> ou o puro sadismo do<br />
aproveitamento “político”<br />
do absurdo total das<br />
situações propostas,<br />
era <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a suscitar<br />
a ressurreição do<br />
material, tantos anos<br />
<strong>de</strong>pois.<br />
O resultado não<br />
podia revelar-se<br />
mais compensador:<br />
estreando na<br />
Broadway, em 19 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2001,<br />
o “show” teve uma longuíssima<br />
carreira <strong>de</strong> 2502 performances<br />
(até 22 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2007), com<br />
vários “casts” alternativos, obteve<br />
um recor<strong>de</strong> absoluto <strong>de</strong> 12 Tonys,<br />
os Óscares teatrais, culminando<br />
na adaptação cinematográfica<br />
<strong>de</strong> 2005, que correu <strong>mundo</strong> e<br />
estreou em Portugal, sem gran<strong>de</strong><br />
entusiasmo, diga-se em abono da<br />
verda<strong>de</strong>.<br />
O excelente filme homónimo,<br />
“Os Produtores”, recuperava,<br />
aliás, uma parte do elenco original<br />
- Nathan Lane, no papel <strong>de</strong> Max<br />
Bialystock, e Matthew Bro<strong>de</strong>rick<br />
em <strong>Le</strong>opold “<strong>Le</strong>o” Bloom, a que<br />
acrescentava o carisma fílmico<br />
<strong>de</strong> Uma Thurman e <strong>de</strong> Will<br />
Ferrell - cabendo, inclusive, a<br />
realização à responsável pela<br />
encenação teatral, Susan Stroman.<br />
A divertidíssima banda sonora<br />
(com números imparáveis, como<br />
“I Wanna Be a Producer”, “In<br />
Old Bavaria” ou “Springtime for<br />
Hitler”) fornecia à realizadora<br />
estreante ocasião para citar<br />
os clássicos <strong>de</strong> Hollywood da<br />
época dourada, embora uma boa<br />
parte da crítica (<strong>de</strong> certo modo,<br />
injustamente) insistisse no facto<br />
<strong>de</strong> que a empresa teria necessitado<br />
<strong>de</strong> mais experimentada visão<br />
cinematográfica. A película visava<br />
sobretudo a revisita a mo<strong>de</strong>los<br />
passados, tornando o absurdo do<br />
divertimento o foco <strong>de</strong> toda a teia<br />
urdida, em volta do musical como<br />
género e como memória - tratava-se<br />
<strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> “pós-Musical”.<br />
De facto, se “Os Produtores”<br />
possuía uma forte componente<br />
teatral, tinha, <strong>por</strong> outro lado,<br />
a honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não querer<br />
enganar ninguém, não “fazendo”<br />
cinema <strong>de</strong> efeitos e mau gosto,<br />
como no caso lamentável da<br />
adaptação <strong>de</strong> “O Fantasma da<br />
Ópera” (para já nem mencionar a<br />
insu<strong>por</strong>tável partitura <strong>de</strong> Andrew<br />
Lloyd Webber).<br />
Depois do filme, tirado <strong>de</strong> uma<br />
peça, originada <strong>por</strong> um filme,<br />
sempre com Mel Brooks - após<br />
nova tentativa musical, estreada<br />
em 2007, <strong>de</strong>sta vez em torno <strong>de</strong><br />
“Young Frankenstein” - a controlar<br />
tudo (o labirinto não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
constituir, só <strong>por</strong> si, um interesse<br />
acrescido), regressa-se, entre<br />
nós, à dimensão teatral <strong>de</strong> “Os<br />
Produtores”, na esteira do que<br />
tem vindo a suce<strong>de</strong>r, um pouco<br />
<strong>por</strong> todo o <strong>mundo</strong>: da Austrália ao<br />
Japão, da Dinamarca à Itália ou à<br />
Espanha, não esquecendo a versão<br />
brasileira, que estreou no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, em Abril <strong>de</strong> 2008, com<br />
Miguel Falabella como Bialystock.<br />
A ver vamos...<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 19