por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Luna Park<br />
Sober driver<br />
Inês Nadais<br />
Da camioneta em diante, sobretudo <strong>por</strong> causa<br />
dos jogos <strong>de</strong> cartas, <strong>de</strong>scobrimos que o<br />
telemóvel trazia auscultadores e então nunca<br />
mais parámos <strong>de</strong> ouvir Dengue Fever - e<br />
agora que, <strong>por</strong> causa dos Dengue Fever, <strong>por</strong><br />
causa da maneira como tudo nos pareceu maravilhoso<br />
da camioneta em diante, com um disco dos Dengue<br />
Fever no telemóvel e os efeitos secundários do<br />
Mephaquine, um <strong>por</strong> um, a marcar território em<br />
diferentes partes da cabeça, <strong>de</strong>cidimos apren<strong>de</strong>r a andar<br />
<strong>de</strong> mota, temos uma resolução para 2009 (e um disco<br />
para 2008, mas agora já não vamos a tempo).<br />
É do Mephaquine, como tudo o que aconteceu nesse<br />
mês foi do Mephaquine (os lençóis rasgados, a boca sem<br />
saliva, os pesa<strong>de</strong>los com mercados vietnamitas, o cada<br />
um <strong>por</strong> si diante <strong>de</strong> cada novo “king crab”, as aranhas<br />
num quarto do Number 9, as teorias da conspiração, o<br />
cerco ao aero<strong>por</strong>to <strong>de</strong> Banguecoque e possivelmente até<br />
os atentados em Bombaim: tudo o que nos caiu em cima<br />
caiu em cima do Mephaquine, mas antes isso do que em<br />
cima da malária), mas é sobretudo dos Dengue Fever,<br />
isso <strong>de</strong>, a haver uma resolução para 2009, a nossa<br />
resolução ser apren<strong>de</strong>r a andar <strong>de</strong> mota: da camioneta<br />
em diante tudo nos pareceu maravilhoso, mas não<br />
era disco para se ouvir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma camioneta, era<br />
disco para se ouvir em cima <strong>de</strong> uma mota, nessa parte<br />
do <strong>mundo</strong> em que tudo o que se faz se faz em cima <strong>de</strong><br />
uma mota. Também quisemos ouvir discos em cima<br />
<strong>de</strong> uma mota, dar <strong>de</strong> mamar em cima <strong>de</strong> uma mota,<br />
mudar <strong>de</strong> casa em cima <strong>de</strong> uma mota, trans<strong>por</strong>tar<br />
balões fluorescentes em cima<br />
Também quisemos<br />
ouvir discos em cima <strong>de</strong><br />
uma mota, dar <strong>de</strong><br />
mamar em cima <strong>de</strong> uma<br />
mota, mudar <strong>de</strong> casa<br />
em cima <strong>de</strong> uma mota<br />
<strong>de</strong> uma mota - e sobretudo<br />
quisemos apaixonar-nos para<br />
sempre em cima <strong>de</strong> uma<br />
mota, como nos fins-<strong>de</strong>-tar<strong>de</strong><br />
cada vez mais impossíveis <strong>de</strong><br />
Saigão.<br />
Desses fins-<strong>de</strong>-tar<strong>de</strong> em<br />
diante, também tudo nos<br />
pareceu maravilhoso. A<br />
chuva, os impermeáveis<br />
<strong>de</strong> dois lugares <strong>por</strong> cima<br />
dos faróis das motas, os<br />
faróis das motas a <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> ser amarelos e a<br />
ficarem vermelhos, roxos, ver<strong>de</strong>s, azuis, da cor dos<br />
impermeáveis, e Saigão a ser isso: o céu completamente<br />
negro e uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> água com <strong>de</strong>masiadas<br />
luzes vermelhas, roxas, ver<strong>de</strong>s, azuis à <strong>de</strong>riva <strong>por</strong><br />
avenidas que já foram francesas, num tempo em que o<br />
Vietname tinha uma vida bem pior, mas muito melhor<br />
arquitectura. Também podia ser do Mephaquine,<br />
mas Saigão não é assim só nessas partes avariadas da<br />
nossa cabeça, quando nos lembramos que o telemóvel<br />
continua a ter auscultadores e que po<strong>de</strong>mos continuar<br />
a ouvir o disco dos Dengue Fever, mesmo já sendo isto<br />
2009: Saigão também é assim no visor da máquina<br />
fotográfica, tudo escuro, gotas <strong>de</strong> chuva e <strong>de</strong>pois uns<br />
clarões <strong>de</strong> todas as cores, até parar <strong>de</strong> chover e voltar a<br />
ser uma cida<strong>de</strong> normal, daquelas que existem mesmo,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do Mephaquine.<br />
Já que escrever sobre andar <strong>de</strong> mota não é para todos<br />
(muito menos sobre andar <strong>de</strong> mota em Saigão, à noite,<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> chuva), e alguém <strong>de</strong>via - como alguém <strong>de</strong>via<br />
escrever sobre “slot machines”, mas teria <strong>de</strong> ser alguém<br />
que percebesse <strong>de</strong> música -, ao menos vamos apren<strong>de</strong>r<br />
a andar <strong>de</strong> mota (e levamos o telemóvel, apesar <strong>de</strong> ser<br />
proibido), pensámos. Ou isso ou tatuar Saigão 2008<br />
numa <strong>de</strong>ssas partes da nossa cabeça que nunca mais<br />
foram as mesmas.<br />
<br />
19:30 SALA SUGGIA<br />
Obras <strong>de</strong><br />
<br />
Partita nº 1, em Si bemol<br />
<br />
Sonata em Fá maior, k.332<br />
<br />
Sonata op.57, <br />
<br />
Variações sobre um tema <strong>de</strong> Haen<strong>de</strong>l<br />
O regresso do pianista norte-americano com um<br />
recital marcado pelo repertório Barroco e a sua<br />
influência no Romantismo.<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009 • 43