por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa
por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa
por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Discos<br />
Espaço<br />
Público<br />
Clássica<br />
O talento<br />
inesgotável<br />
<strong>de</strong> Zelenka<br />
Uma das gran<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>scobertas das últimas<br />
décadas no âmbito do<br />
repertório barroco.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Zelenka<br />
Missa Votiva ZWV 18<br />
Collegium 1704 & Collegium Vocale<br />
1704<br />
Václav Luks (direcção)<br />
Zig-Zag Territoires ZZT 080801<br />
mmmmn<br />
Nos últimos tempos a República Checa<br />
começou a dar cartas no que toca a interpretações<br />
historicamente informadas<br />
Estar a par <strong>de</strong> tudo o<br />
que sai durante um<br />
ano discográfico é uma<br />
tarefa árdua, <strong>de</strong> que<br />
me <strong>de</strong>smarquei sem<br />
qualquer complexo<br />
<strong>de</strong> culpa. De qualquer<br />
forma, quero partilhar<br />
os três discos que mais<br />
tocaram no meu <strong>por</strong>tátil,<br />
carro, aparelhagem ou<br />
um outro leitor dado<br />
à mobilida<strong>de</strong>. Entrem<br />
em 2009 abraçados<br />
Esquecida durante<br />
mais <strong>de</strong> dois<br />
séculos, a música<br />
<strong>de</strong> Jan Dimas<br />
Zelenka (1679-1745)<br />
constitui uma das<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas das últimas<br />
décadas no âmbito do repertório<br />
barroco.<br />
Actualmente, a discografia <strong>de</strong>ste<br />
músico <strong>de</strong> origem boémia que<br />
trabalhou quase toda a vida ao serviço<br />
da corte <strong>de</strong> Dres<strong>de</strong>n como<br />
contrabaixista e compositor, tem já<br />
uma dimensão consi<strong>de</strong>rável mas<br />
reserva ainda surpresas. Registos<br />
recentes, como a interpretação da<br />
Missa Votiva ZWV 18 apresentada pelo<br />
agrupamento Collegium 1704 na 30ª<br />
edição do Festival <strong>de</strong> Sablé (2008),<br />
mostram a criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Zelenka em<br />
toda a sua pujança através <strong>de</strong> uma<br />
obra exuberante profundamente<br />
expressiva.<br />
Escrita em 1739, na sequência <strong>de</strong><br />
um voto do compositor pela<br />
recuperação <strong>de</strong> uma doença grave, a<br />
Missa Votiva tem <strong>por</strong> base o mo<strong>de</strong>lo<br />
da missa-cantata napolitana, com a<br />
subdivisão das várias rubricas em<br />
andamentos contrastantes em<br />
carácter, textura e estilo (antigo e<br />
mo<strong>de</strong>rno). Secções corais aparentadas<br />
com o motete ou em escrita fugada<br />
combinam-se com “ritornelli”<br />
instrumentais, passagens<br />
concertantes com vários solistas e<br />
árias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes com elementos<br />
virtuosísticos e influências do estilo<br />
galante. Os vários elementos<br />
heterogéneos agregam-se numa<br />
arquitectura equilibrada (que forma<br />
um arco pela repetição no “Agnus<br />
Dei” da música do primeiro “Kyrie”),<br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> sobressai uma fecunda<br />
inspiração melódica e um hábil<br />
domínio da retórica musical,<br />
características transmitidas com<br />
gran<strong>de</strong> brilho pelo Collegium 1704 e<br />
pelo Collegium Vocale 1704. Fundados<br />
pelo trompista e cravista Václav Luks,<br />
respectivamente em 1991 e 2005, estes<br />
agrupamentos prestam homenagem a<br />
Zelenka, recordando a data da<br />
primeira apresentação pública, em<br />
Praga, <strong>de</strong> uma das suas obras. A<br />
sonorida<strong>de</strong> opulenta, a energia<br />
rítmica, um perspicaz sentido <strong>de</strong><br />
estilo e prestações <strong>de</strong> nível elevado do<br />
coro e dos solistas são algumas das<br />
suas virtu<strong>de</strong>s. Por razões históricas e<br />
políticas (a música antiga em<br />
instrumentos da época era mal vista<br />
nos países comunistas antes da queda<br />
do muro <strong>de</strong> Berlim), a República<br />
Checa chegou tar<strong>de</strong> ao universo das<br />
interpretações historicamente<br />
informadas, mas nos últimos tempos<br />
começou a dar cartas que merecem<br />
ser seguidas com atenção.<br />
Pop<br />
O melhor <strong>de</strong><br />
dois <strong>mundo</strong>s<br />
Hush Arbors<br />
Hush Arbors<br />
Ecstatic Peace; distri. Compact Records<br />
mmmmn<br />
pela boa música!<br />
3. “Með Suð í Eyrum<br />
Við Spilum Endalaust”,<br />
Sigur Rós<br />
2. “Vampire Weekend”,<br />
Vampire Weekend<br />
1. “Songs in A&E”,<br />
Spiritualized<br />
Lista completa em<br />
http://fusco-lusco.<br />
blogspot.com<br />
Pedro Miguel Silva,<br />
35 anos, Técnico <strong>de</strong><br />
Comunicação<br />
É o melhor dos dois<br />
<strong>mundo</strong>s. Temos<br />
folk <strong>de</strong> cantautor<br />
talentoso, com a<br />
guitarra a espraiar<br />
luminosida<strong>de</strong> sobre<br />
as palavras e as palavras cantadas<br />
num registo, próximo do falsete, que<br />
nos cativa pela estranheza. Temos<br />
blues alucinado, com pés no pântano<br />
e cabeça na estratosfera, que inebria e<br />
hipnotiza e se dança como o bom e<br />
velho rockn’roll.<br />
¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />
Há um par <strong>de</strong> anos, Keith Wood,<br />
mentor dos Hush Arbors, seria mais<br />
um nome associado à aparentemente<br />
inesgotável vaga free-folk. Quando<br />
lança este álbum homónimo que, para<br />
a maioria, será o primeiro contacto<br />
com a sua música, po<strong>de</strong> ser apenas<br />
amigo <strong>de</strong> Ben Chasny, que ouvimos<br />
em “Follow closely”, e colaborador <strong>de</strong><br />
David Tibet - “free folk” é expressão<br />
gasta e os Hush Arbors po<strong>de</strong>m ser<br />
simplesmente aquilo que são: o<br />
melhor <strong>de</strong> dois <strong>mundo</strong>s, repetimos.<br />
Temos o fingerpicking recordando a<br />
folk britânica <strong>de</strong> Ian Matthews -<br />
bucolismo pare<strong>de</strong>s meias com fantasia<br />
em “Rue hollow” -, aventuras sónicas<br />
que recusam qualquer sinal <strong>de</strong><br />
serenida<strong>de</strong> (a feérica “Water II” podia<br />
ser obra <strong>de</strong> uns Comets On Fire) e<br />
drones encantatórios que nos<br />
entontecem antes <strong>de</strong> se<br />
transformarem em canção (“Bless<br />
you”).<br />
Pés no pântano e cabeça na<br />
estratosfera, Keith Wood põe a<br />
guitarra ao ombro e parte <strong>mundo</strong> fora<br />
em busca <strong>de</strong> histórias para as canções.<br />
Cabeça na estratosfera e pés no<br />
pântano, transforma a folk em matéria<br />
incan<strong>de</strong>scente e <strong>de</strong>rrama-a sobre nós.<br />
Descobrimos os Hush Arbors algures<br />
entre Bert Jansch e Six Organs Of<br />
Admittance, entre Neil Michael<br />
Hagerty e os Comets On Fire. Ou<br />
melhor, não os <strong>de</strong>scobrimos.<br />
Deixamo-los revelarem-se que esta<br />
música não per<strong>de</strong> tempo. Impõe-se a<br />
nós ao primeiro contacto. Mário<br />
Lopes<br />
Yo Majesty<br />
Futuristically Speaking... Never Be<br />
Afraid<br />
Domino, distri. E<strong>de</strong>l<br />
mmmnn<br />
americanas Yo<br />
Majesty passou<br />
<strong>de</strong>spercebido no<br />
turbilhão do final do<br />
ano. Não que seja<br />
uma obra<br />
As Yo Majesty<br />
têm alguns dos temas<br />
mais foliões<br />
dos últimos meses<br />
naquela categoria<br />
difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir<br />
que começa na cultura<br />
hip-hop mas já não o é<br />
O álbum <strong>de</strong> estreia<br />
das<br />
Keith Wood (Hush Arbors)<br />
põe a guitarra ao ombro<br />
e parte <strong>mundo</strong> fora em busca<br />
<strong>de</strong> histórias para as canções<br />
inesquecível - não<br />
tem a consistência e a<br />
intencionalida<strong>de</strong> dos<br />
gran<strong>de</strong>s discos - mas<br />
contém alguns dos temas (“Grindin’ &<br />
shakin’”, “Party hardy”, “Club<br />
action”) mais foliões dos últimos<br />
meses naquela categoria difícil <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>finir que começa na cultura hip-hop<br />
mas já não o é <strong>por</strong> inteiro,<br />
<strong>de</strong>sembocando numa terra <strong>de</strong><br />
ninguém on<strong>de</strong> se inserem outras<br />
figuras contem<strong>por</strong>âneas como<br />
Santogold, Lady Sovereign, M.I.A., as<br />
Fannypack ou Kid Sister. Ajudadas na<br />
produção pelos Radio Clit (The Very<br />
Best), Basement Jaxx ou Chris <strong>de</strong> Luca<br />
(ex-Funkstorung), as duas Yo Majesty<br />
discorrem apaixonadamente sobre a<br />
sua condição particular (negras,<br />
cristãs e lésbicas), ao mesmo tempo<br />
que provocam, com ironia, o <strong>mundo</strong><br />
exterior. É um disco <strong>de</strong> festim sem<br />
limites, algures entre o fraseado vocal<br />
<strong>de</strong> Missy Elliott e a electrónica urbana<br />
dos Spank Rock, pecando apenas <strong>por</strong><br />
não ser mais focado. Vítor<br />
Belanciano<br />
O supergrupo<br />
<strong>de</strong> Kim Gordon<br />
Free Kitten<br />
Inherit<br />
Ecstatic Peace; distri. Compact Records<br />
mmmnn<br />
E eis que, em<br />
2008, subsistem<br />
ainda essas<br />
entida<strong>de</strong>s que os<br />
anos 1970 nos<br />
legaram: os<br />
habitualmente tenebrosos<br />
supergrupos. Contudo, estas Free<br />
Kitten, ao contrário <strong>de</strong> monstrengos<br />
do progressivo como os Asia, não têm<br />
nada <strong>de</strong> tenebroso. No que a<br />
supergrupos diz respeito, serão até o<br />
que <strong>de</strong> mais próximo temos<br />
<strong>de</strong> um sonho indie.<br />
Enunciemos: Kim<br />
Gordon, dos Sonic<br />
Youth, Julie Cafritz,<br />
dos Pussy Galore, e<br />
Yoshimi, baterista<br />
dos Boredoms - e,<br />
como convidado a<br />
tocar as seis cordas e<br />
a percutir as peles <strong>de</strong><br />
bateria, J Mascis,<br />
“guitar-hero” dos<br />
Dinosaur Jr.<br />
“Inherit”, que é o terceiro<br />
álbum do trio - foi antecedido<br />
<strong>por</strong> “Nice Ass”, em 1995, e<br />
“Sentimental Education”<br />
dois anos <strong>de</strong>pois -, tem como<br />
principal virtu<strong>de</strong> não se levar<br />
a sério e soar exactamente<br />
aquilo que é: três músicos<br />
talentosos a “jammar” sobre<br />
44 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009