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por Le Clézio revelado O mundo - Fonoteca Municipal de Lisboa

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DVD<br />

Edição<br />

Cinema<br />

A moral é<br />

uma farsa<br />

A história dos “Contos” é a<br />

história <strong>de</strong> uma “moral” que<br />

é uma permanente “mise<br />

en scène” da negação. Luís<br />

Miguel Oliveira<br />

Caixa Eric<br />

Rohmer<br />

A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Monceau, A<br />

Carreira <strong>de</strong><br />

Suzanne, A<br />

Coleccionadora, A<br />

Minha Noite em<br />

Casa <strong>de</strong> Maud, O<br />

Joelho <strong>de</strong> Claire,<br />

O Amor às Três da Tar<strong>de</strong><br />

De Eric Rohmer<br />

Edição Atalanta Filmes.<br />

mmmmm<br />

Sem extras<br />

Eric Rohmer, nascido em 1920, era o<br />

mais velho dos cineastas da “nouvelle<br />

vague”, e um pouco <strong>por</strong> essa razão,<br />

reforçada <strong>por</strong> outras (formação,<br />

interesses), também o corpo mais<br />

estranho nesse bloco só<br />

superficialmente compacto. Era o<br />

mais culto <strong>de</strong> todos e o que tinha uma<br />

relação mais sólida com a literatura,<br />

<strong>por</strong> oposição ao diletantismo autodidacta<br />

dos sues colegas mais jovens.<br />

Ora se a literatura, e já estamos a<br />

chegar aos “Contos Morais”, foi a<br />

frustração, o “peso”, que conduziu os<br />

rapazes da “nouvelle vague” ao<br />

cinema (na célebre formulação <strong>de</strong><br />

Godard, “como podíamos esperar<br />

escrever melhor do que Joyce ou<br />

Rilke?”), quem mais nela avançou foi<br />

Rohmer. Todos os seis “Contos<br />

Quando se trata, no cinema <strong>de</strong> Rohmer, <strong>de</strong> justificar o seu lugar<br />

num <strong>mundo</strong> entre mulheres, cada homem inventa o seu filme, consigo<br />

no lugar do herói: “A Minha Noite em Casa <strong>de</strong> Maud”<br />

O brilho efémero do cinema<br />

checo dos anos 1960, essa<br />

“Nova Vaga” que anunciou a<br />

Primavera <strong>de</strong> Praga e <strong>de</strong>u os<br />

sinais do seu esmagamento<br />

com a invasão soviética<br />

Morais” começaram <strong>por</strong> ser projectos<br />

literários, escritos durante as décadas<br />

<strong>de</strong> 40 e 50, numa época em que<br />

Rohmer estava longe <strong>de</strong> imaginar vir a<br />

ser realizador. Mais tar<strong>de</strong>, já <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

estreados todos os filmes da série, os<br />

“Contos” foram publicados em livro<br />

(edição <strong>por</strong>tuguesa da Cotovia), e no<br />

prefácio Rohmer fazia uma confissão<br />

<strong>de</strong> fracasso, com ironia “ma non<br />

troppo”: “Se os filmei, foi <strong>por</strong>que não<br />

fui capaz <strong>de</strong> os escrever”. Morreu o<br />

escritor falhado, nasceu o gran<strong>de</strong><br />

cineasta.<br />

Os “Contos Morais” também<br />

representaram a imposição (tardia,<br />

mais uma vez <strong>por</strong> relação com os<br />

parceiros <strong>de</strong> movimento) <strong>de</strong> Rohmer<br />

como realizador. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />

curioso que um “fracasso” tenha<br />

remediado outro fracasso - este menos<br />

relativo e sem aspas: “<strong>Le</strong> Signe du<br />

Lion”, primeira longa <strong>de</strong> Rohmer, fora<br />

uma má experiência pessoal, passara<br />

sem gran<strong>de</strong> atenção, e ainda hoje é o<br />

menos conhecido dos filmes iniciais da<br />

“nouvelle vague”. Para resolver o<br />

impasse, Rohmer lembrou-se <strong>de</strong> puxar<br />

da cartola os seus <strong>de</strong>vaneios literários<br />

da juventu<strong>de</strong>. Com a ajuda <strong>de</strong> Barbet<br />

Schroe<strong>de</strong>r, que praticamente fundou a<br />

“<strong>Le</strong>s Films du Losange” só para<br />

produzir o projecto <strong>de</strong> Rohmer, atirouse<br />

aos “Contos Morais”, a princípio<br />

num artesanato quase amadorístico<br />

mas muito “nouvelle vague” (entre os<br />

primeiros filmes, “A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Monceau” e “A Carreira <strong>de</strong> Suzanne”,<br />

para todos os efeitos uma curta e uma<br />

média, e os últimos, “O Joelho <strong>de</strong><br />

Claire” e “O Amor às Três da Tar<strong>de</strong>” há<br />

uma gritante diferença <strong>de</strong> valores <strong>de</strong><br />

produção). Os “Contos” ocuparam<br />

Rohmer durante os anos 60, entre 1963<br />

e 1972 (apesar <strong>de</strong> ser uma década em<br />

que o cineasta fez muito trabalho para<br />

TV), e garantiram-lhe a notorieda<strong>de</strong> a<br />

partir dos terceiro e quarto episódios<br />

(“A Coleccionadora” e “A Minha Noite<br />

em Casa <strong>de</strong> Maud”, rodados e<br />

estreados <strong>por</strong> or<strong>de</strong>m inversa do seu<br />

posicionamento na série). Foi a<br />

primeira série <strong>de</strong> Rohmer, que <strong>de</strong>pois<br />

repetiu esse princípio estruturante nos<br />

anos 80 (as “Comédias e Provérbios”) e<br />

nos anos 90 (os “Contos das Quatro<br />

Estações”).<br />

“Serialista”, Rohmer é também um<br />

“geómetra” da narrativa. Todos os<br />

“Contos” assentam numa proposição<br />

triangular: um homem, uma mulher,<br />

outra mulher, <strong>de</strong> novo a primeira<br />

mulher. Profundo admirador <strong>de</strong><br />

Murnau, terá baseado estes<br />

movimentos em triângulo no arquétipo<br />

estabelecido pelo “Sunrise” do alemão<br />

- mas o certo é que (e visto que<br />

arquétipos são arquétipos) se pensa<br />

mais, durante o visionamento dos<br />

“Contos”, em variações sobre o<br />

mo<strong>de</strong>lo das “screwballs” americanas e<br />

das “comédias do re-casamento”. O<br />

humor, <strong>de</strong> resto, nunca está longe em<br />

nenhum dos “Contos”, comédias sem<br />

sinais exteriores <strong>de</strong> comédia, talvez<br />

com excepção do último, “O Amor às<br />

Três da Tar<strong>de</strong>”, que sendo o filme com<br />

o tom mais grave é aquele em que com<br />

mais proprieda<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> falar em “recasamento”.<br />

De resto, ao longo da série<br />

a faixa etária das personagens vai<br />

subindo: na “Pa<strong>de</strong>ira” e na “Suzanne”<br />

são miúdos, têm 18 anos, no último é<br />

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente<br />

- e foi uma curiosida<strong>de</strong> muito<br />

apetecida do Oci<strong>de</strong>nte nesses<br />

tempos, com direito a óscares <strong>de</strong><br />

Hollywood e tudo - tem exemplares<br />

magníficos em edições<br />

da Zon Luso<strong>mundo</strong>: “O Baile<br />

um homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> acometido<br />

<strong>de</strong> claustrofobia matrimonial.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, o tema central dos<br />

“Contos” é o <strong>de</strong>sejo masculino, e a sua<br />

volatilida<strong>de</strong> face às circunstâncias. Não<br />

é a primeira vez, nem será a última,<br />

que citamos uma frase <strong>de</strong> Rohmer,<br />

homem <strong>de</strong>masiado antigo (e dirão<br />

alguns, <strong>de</strong>masiado reaccionário) para<br />

não <strong>de</strong>sconfiar da psicanálise: “o<br />

inconsciente é o corpo”. Isto é a chave<br />

<strong>de</strong> muito Rohmer, e a principal chave<br />

dos “Contos”. Como lida o homem<br />

urbano, civilizado, “intelectual”, com<br />

as flutuações do <strong>de</strong>sejo, com o<br />

aleatório dos sentimentos?<br />

Obviamente, racionaliza: se os<br />

“Contos” são “Morais” é <strong>por</strong>que todos<br />

os protagonistas fazem um esforço<br />

para integrar tudo numa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

premeditação que tanto é uma âncora<br />

para a sua existência como a<br />

reivindicação <strong>de</strong> uma “superiorida<strong>de</strong><br />

moral” perante os outros (e as outras).<br />

Diz, resumindo todos os outros<br />

“Contos”, o jovem protagonista <strong>de</strong> “A<br />

Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Monceau”, <strong>de</strong>pois <strong>por</strong> um<br />

acaso em que não foi tido nem achado<br />

troca uma mulher <strong>por</strong> outra: “fiz uma<br />

escolha moral”. A história dos<br />

“Contos” é a história <strong>de</strong>sta “moral”,<br />

uma “moral” que no fundo não é mais<br />

do que uma ficção essencial à<br />

sobrevivência, uma permanente “mise<br />

en scène” da negação. O génio <strong>de</strong><br />

Rohmer é conseguir filmá-la dando a<br />

ver em cada plano uma situação e, ao<br />

mesmo tempo, a sua leitura: o<br />

“falsamente objectivo” e o “falsamente<br />

subjectivo” equivalem-se, andam <strong>de</strong><br />

braço dado, habitam o mesmo corpo e<br />

o mesmo olhar. O corpo e o olhar do<br />

cinema, pois o que os “Contos”<br />

mostram é que, quando se trata <strong>de</strong><br />

justificar o seu lugar num <strong>mundo</strong> entre<br />

mulheres, cada homem é um cineasta,<br />

cada homem inventa o seu filme,<br />

consigo no lugar do herói. O que eles<br />

projectam como drama, Rohmer filma<br />

como farsa (mas sem danificar o drama<br />

<strong>de</strong>les). Genial, claro. Mas mais<br />

im<strong>por</strong>tante do que isso, único. Rever<br />

os “Contos” é um prazer, <strong>de</strong>scobri-los<br />

uma maravilha.<br />

Edição sem extras significativos, em<br />

cinco discos (“A Pa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Monceau” e<br />

“A Carreira <strong>de</strong> Suzanne” partilham o<br />

mesmo disco).<br />

O “outsi<strong>de</strong>r”<br />

(Re)<strong>de</strong>scobrir um cineasta<br />

notável que sempre<br />

confundiu as expectativas.<br />

Jorge Mourinha<br />

mmmmn<br />

Extras<br />

mmmmm<br />

Colecção Louis<br />

Malle - 1<br />

A<strong>de</strong>us, Rapazes, O<br />

Colaboracionista,<br />

Os Malucos De<br />

Maio, O Unicórnio,<br />

Calcutá<br />

Avalon, Exclusivo<br />

Fnac<br />

dos Bombeiros”/ “Os Amores <strong>de</strong><br />

uma Loira”, <strong>de</strong> Milos Forman,<br />

e “Comboios Rigorosamente<br />

Vigiados”, <strong>de</strong> Jiri Menzel/”A<br />

Pequena Loja da Rua Principal”,<br />

Jan Kadar e Elmar Klos.<br />

Duas histórias <strong>de</strong> aprendizagem<br />

durante a II Guerra, uma farsa familiar<br />

em pleno Maio <strong>de</strong> 1968, uma fantasia<br />

surreal num futuro apocalíptico e dois<br />

documentários sobre a Índia, tudo<br />

rodado ao longo <strong>de</strong> vinte anos. On<strong>de</strong> é<br />

que se po<strong>de</strong> encontrar a marca <strong>de</strong><br />

autor que una estes filmes para lá <strong>de</strong><br />

uma simples assinatura?<br />

É o problema que percorre qualquer<br />

olhar sobre Louis Malle (1932-1995),<br />

contem<strong>por</strong>âneo <strong>de</strong> Godard, Truffaut<br />

ou Resnais, e <strong>por</strong> isso i<strong>de</strong>ntificado com<br />

a Nouvelle Vague (a sua primeira longa<br />

<strong>de</strong> ficção, “Fim-<strong>de</strong>-Semana no<br />

Ascensor”, <strong>de</strong> 1957, tinha no papel<br />

principal Jeanne Moreau, uma das<br />

divas do movimento). Só que ele nunca<br />

fez parte <strong>de</strong>la - nem <strong>de</strong> outro<br />

movimento: longe da formação teórica<br />

e crítica dos seus contem<strong>por</strong>âneos,<br />

nascera numa abastada família<br />

aristocrática, tinha não apenas cursado<br />

cinema como alinhado experiência<br />

prática após quatro anos como<br />

operador <strong>de</strong> câmara do comandante<br />

Cousteau, e foi o único cineasta francês<br />

da sua geração a manter uma carreira<br />

constante dos dois lados do Atlântico.<br />

Rodou o que quis, quando quis,<br />

como quis. E é <strong>por</strong> isso que, passados<br />

quinze anos sobre a sua morte, o seu<br />

nome não ganhou a aura dos seus<br />

contem<strong>por</strong>âneos. Porque não parece<br />

haver - para lá <strong>de</strong> um cuidado formal<br />

invejável; da atracção <strong>por</strong> gente<br />

encostada à pare<strong>de</strong> pelas<br />

circunstâncias que a ro<strong>de</strong>iam; da<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> não fazer o mesmo filme<br />

duas vezes - uma marca <strong>de</strong> autor que<br />

permita dizer “isto é um Malle”.<br />

E, contudo, que injustiça esquecer o<br />

modo humanista como o cineasta não<br />

julga as suas personagens, que<br />

procuram apenas sobreviver num<br />

universo em convulsão. Quer sejam o<br />

herói-vilão <strong>de</strong> “O Colaboracionista”,<br />

camponês adolescente da França<br />

ocupada na II Guerra, colaborador <strong>por</strong><br />

conveniência pragmática mais do que<br />

<strong>por</strong> crença política. Ou o miúdo<br />

parisiense <strong>de</strong> boas famílias, mimado e<br />

convencido, enviado para um colégio<br />

católico durante a Guerra em “A<strong>de</strong>us,<br />

Rapazes”. Ou a rapariga mimada <strong>de</strong> “O<br />

Unicórnio”, que foge a uma guerra sem<br />

quartel num futuro incerto para dar<br />

<strong>por</strong> si num casarão on<strong>de</strong> nada parece<br />

seguir as regras do <strong>mundo</strong> real. Ou o<br />

clã <strong>de</strong> “Os Malucos <strong>de</strong> Maio”, que se<br />

<strong>de</strong>gladia mesquinhamente pela última<br />

jóia <strong>de</strong> família após a morte inesperada<br />

da matriarca, no momento em que o<br />

Maio <strong>de</strong> 1968 vem abalar a França<br />

gaullista.<br />

E que injustiça esquecer o modo<br />

discreto como Malle <strong>de</strong>ixou a sua<br />

própria vida contagiar cada uma <strong>de</strong>stas<br />

quatro ficções, todas elas situadas na<br />

província (e na região on<strong>de</strong> passava as<br />

férias). “A<strong>de</strong>us, Rapazes” ficciona o<br />

trauma fundador da sua adolescência:<br />

Julien, o miúdo snob que se trava <strong>de</strong><br />

amiza<strong>de</strong> pelo novo colega do colégio<br />

interno, ju<strong>de</strong>u acolhido pelos padres<br />

do colégio, é o próprio Malle. “O<br />

Colaboracionista” (1974) inspira-se em<br />

episódios ocorridos perto da casa<br />

familiar, casa essa on<strong>de</strong> Malle rodou<br />

logo a seguir, em regime <strong>de</strong><br />

improvisação, com apenas quatro<br />

actores, “O Unicórnio” (1974). E há algo<br />

<strong>de</strong> dolorosamente conhecedor no<br />

34 • Ípsilon • Sexta-feira 9 Janeiro 2009

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