PORTUGUÊS Eb) Na conversação apresentada no trecho, as falas de José Dias refle -tem a posição social que ele ocupa nessa “parentela”? Justifiquesua resposta.RESOLUÇÃO:“— Seguramente, acudiu José Dias; entretanto, pode ser que a senhoraD. Justina tenha alguma razão” e “— Justamente! confirmou José Diaspara não discordar dela.” Essas duas intervenções do agregado sãoexemplares de sua posição subserviente e sua habilidade em “opinarobedecendo”. No primeiro instante, parece dar razão à Prima Justina,que identifica o caráter “um tanto metediço” e os “olhos policiais” deEscobar. No instante seguinte, contradiz-se e concorda também com D.Glória, a quem Escobar parecia “um mocinho muito sério”.CXXXVOTELOJantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamenteOtelo, que eu não vira nem lera nunca; sabia apenas o assunto eestimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro, por causa deum lenço — um simples lenço! —, e aqui dou matéria à meditação dospsicólogos deste e de outros continentes, pois não me pude furtar àobservação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Otelo ecompor a mais sublime tragédia deste mundo. Os lenços perderamse,hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há,e valem só as camisas. Tais eram as ideias que me iam passando pelacabeça, vagas e turvas, à medida que o mouro rolava convulso, e Iagodestilava a sua calúnia. Nos intervalos não me levantava da cadeira;não queria expor-me a encontrar algum conhecido. As senhorasficavam quase todas nos camarotes, enquanto os homens iam fumar.Então eu perguntava a mim mesmo se alguma daquelas não teriaamado alguém que jazesse agora no cemitério, e vinham outrasincoerências, até que o pano subia e continuava a peça. O último atomostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas deDesdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro,e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.5. (FUVEST-SP) – O narrador afirma, no capítulo CXXXV, que“não vira nem lera nunca” Otelo e que estimou a coincidência, aochegar ao teatro.a) A que coincidência está se referindo?RESOLUÇÃO:Bentinho alude à coincidência entre o seu drama pessoal, centrado nociúme doentio e na suposta traição de sua esposa, e o núcleo dramático deOtelo, de Shakespeare, tragédia que se desenvolve em torno do mesmotema. O romance machadiano estabelece com a peça clássica umaconstante relação de intertextualidade. Já a partir da teoria do velho tenorMarcolini, exposta no capítulo IX, de que “a vida é uma ópera”, eendossada pelo narrador no capítulo seguinte, evidencia-se o paralelo, àsvezes desdobrado em paródia, entre o romance e a encenação dramática.Bentinho/D. Casmurro é Otelo, Capitu é Desdêmona, Escobar é Cássio, e aconsciência atormentada do narrador é Iago, a espicaçar-lhe o mórbidociúme. Como admitia o narrador, ele primeiro constituiu, como numa mon -tagem operística, um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor.Textos para as questões de 5 a 10.42 –LXXIIUMA REFORMA DRAMÁTICANem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa destahistória poderia responder mais, tão certo é que o destino, comotodos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho.Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes eos espectadores vão dormir. Nesse gênero há porventura algumacoisa que reformar, e eu proporia, como ensaio, que as peçascomeçassem pelo fim. Otelo mataria a si e a Desdêmona no primeiroato, os três seguintes seriam dados à ação lenta e decrescente dociúme e o último ficaria só com as cenas iniciais da ameaça dosturcos, as explicações de Otelo e Desdêmona, e o bom conselho dofino Iago: “Mete dinheiro na bolsa.” Desta maneira, o espectador,por um lado, acharia no teatro a charada habitual que os periódicoslhe dão, porque os últimos atos explicariam o desfecho do primeiro,espécie de conceito, e, por outro lado, ia para a cama com uma boaimpressão de ternura e de amor.
) Ele já tornara a peça assunto do capítulo LXXII, mas apenas agoratem ocasião de vê-la. Do ponto de vista da estru tura do romance,isso implicaria alguma contra di ção? Justificar, se for o caso.RESOLUÇÃO:Não há contradição. A ordem cronológica da ação do roman ce é truncadapelas digressões do narrador, que, posicionado no presente da narração,da escrita de suas memórias, interfere livremente no passado e na açãopara comentá-los. A técnica impressionista de recompor o passadoatravés de “manchas” de recordação permite, pela imposição do tempopsicológico, a fusão de presente e passado. O capítulo LXXII, de carátermetalin guístico, é uma reflexão do memorialista que interrompe e elucidaa ação romanesca. O capítulo CXXXV integra a própria ação doromance, recapitulando o passado. Não há, portanto, qualquercontradição estru tural no fato de, no capítulo LXXII, o narrador revelaro conhecimento de uma peça que a personagem, na sequência da ação, sóveria no capítulo CXXXV. Basta não confundir narrador e personagem.7. (FUVEST-SP) – Como bom espectador, o narrador sabia que Des -dê mona era inocente. Por que ele não se compadece da morte dela?RESOLUÇÃO:A tragédia de Shakespeare deixa patente a inocência de Desdêmona, e aprova incriminatória, o fatídico lenço, não passou de um ardil de Iago,que materializou, na consciência atormen tada de Otelo, a convicção doadultério. Bentinho, contudo, está tão envolvido nas teias do ciúme, e onarrador é tão solidário com Otelo, que a inocência de Desdêmona éirrelevante. O narrador-personagem identifica-se com Otelo e, como ele,assume o papel do marido que, supondo-se traído, exerce sua “justa”vingança. É um indício da subjetividade do ponto de vista.PORTUGUÊS E6. (FUVEST-SP) – “Os lenços perderam-se, hoje são precisos ospróprios lençóis; alguma vez nem lençóis há, e valem só as camisas.”Por que o narrador contrapõe lençóis e camisas, de seu tempo, alenços, do tempo da tragédia?RESOLUÇÃO:Há, na contraposição entre os lenços do passado e os lençóis e camisas dopresente, uma crítica à decadência dos costumes do tempo de enunciaçãode Dom Casmurro. Na época retratada por Shakespeare, bastavamindícios materiais para configurar o adultério; hoje (o presente danarração, da enunciação) são necessárias provas mais contun dentes: aexibição da intimidade dos amantes, dos “lençóis”, das “camisas” (=peças íntimas).8. (FUVEST-SP) – “Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suaspalavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhedeu entre aplausos frenéticos do público.” O modo como o narradorvê a reação do público revela algo. De que se trata?RESOLUÇÃO:O narrador, equivocadamente, interpreta os aplausos do público comoaplausos ao ato de vingança de Otelo, como se o público estivesseassumin do o papel do príncipe mouro, solidário com sua ira. Na verdade,o público aplaudia o espetáculo, o desempenho dos atores, não a atitudedo marido “traído”. É mais uma evidência da importância do foconarrativo na construção de Dom Casmurro.– 43