MÓDULO 18Literatura e Análise de Textos Literários (XII)PORTUGUÊS ETexto para as questões 1 e 2.De manhã escureçoDe dia tardoDe tarde anoiteçoDe noite ardoA oeste a morteContra quem vivoDo sul cativoO este é meu norte.POÉTICA2. (UNICAMP-SP-2011)a) A poesia é um lugar privilegiado para constatarmos que a línguaé muito mais produtiva do que preveem as normas gramaticais.Isso é particularmente visível no modo como o poema explora osmarcadores temporais e espaciais. Comente dois exemplos pre -sentes no poema que confirmem essa afirmação.RESOLUÇÃO:Os marcadores espaciais e temporais aparecem associados, no poematranscrito, a ações e predicados inesperados, que se relacionam com elesem virtude de associações antitéticas (“De manhã escureço”) e de nexosaparentemente arbitrários (“O este é meu norte”) ou absurdos (“Eumorro ontem”, “Nasço amanhã”). Os sentidos assim produzidosperturbam os parâmetros semânticos habituais, obedientes às “normasgramaticais”.Outros que contemPasso por passo:Eu morro ontemNasço amanhãAndo onde há espaço— Meu tempo é quando.(Vinicius de Moraes, Antologia Poética)1. (FUVEST-SP-2011)a) Do ponto de vista da organização formal dada ao conjunto dopoema, o poeta mostra-se vinculado à tradição literária. Essaafirmação tem fundamento? Justifique sua resposta.RESOLUÇÃO:A afirmação tem fundamento porque “Poética” é um soneto, forma poé -tica tradicional que remonta ao fim da Idade Média e foi intensamentecultivada a partir do Renascimento. Ressalve-se que o soneto de Viniciusde Moraes não é ortodoxo na disposição das rimas e pode ser chamadosonetilho, em razão de seus versos curtos, de quatro ou cinco sílabas.b) Do ponto de vista da mensagem configurada no poema, o poetaexpressa sua oposição até mesmo a coordenadas fundamentais daexperiência. Você concorda com essa afirmação? Justifique suaresposta.RESOLUÇÃO:A afirmação é pertinente, porque as coordenadas fundamentais daexperiência são contrariadas pelo eu lírico na série de antíteses queresultam nos oxímoros que exprimem sua concepção da origem enatureza do fenômeno poético, que associa manhã não a claridade, mas aescuridão, situando a morte no passado e o nascimento no futuro.b) As duas últimas estrofes apresentam uma oposição entre o eulírico e os outros. Explique o sentido dessa oposição.RESOLUÇÃO:O eu lírico define-se como oposto aos outros que, diferentemente dele, sepautam pelos parâmetros habituais da experiência, em que os eventos sesucedem “passo por passo”, e passado e futuro são irredutíveis um aooutro. Na experiência do eu lírico, o futuro pode reduzir-se ao passado(“Eu morro ontem”) e o passado situar-se no futuro (“Nasço amanhã”).Diferentemente do habitual, a experiência do eu lírico não conhece limitestemporais nem espaciais: “Ando onde há espaço. / — Meu tempo équando.” [Note-se como esta questão amplia o que já se discutiu no itemb da questão anterior.]52 –
3. (FUVEST-SP) – Leia este trecho do poema de Vinicius deMoraes:MENSAGEM À POESIANão possoNão é possívelDigam-lhe que é totalmente impossívelAgora não pode serÉ impossívelNão posso.Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu[encontro.Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrarMuitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundoE as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindoA saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuoNos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lheQue a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso[reconquistar a vida.Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os[caminhosPronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.(...)(Vinicius de Moraes, Antologia Poética)a) No trecho, o poeta expõe alguns dos motivos que o impedem de irao encontro da poesia. A partir da observação desses motivos,procure deduzir a concepção dessa poesia ao encontro da qual opoeta não poderá ir: como se define essa poesia? quais suascaracterísticas principais? Explique sucintamente.RESOLUÇÃO:O poeta exprime rejeição à poesia que fuja do contato imediato com omundo e os seus problemas.4. (UNICAMP-SP) – O poeta Vinicius de Moraes, apesar de moder -nista, explorou formas clássicas, como o soneto abaixo, em versosalexandrinos (12 sílabas) rimados:SONETO DE INTIMIDADENas tardes de fazenda há muito azul demais.Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agoraMastigando um capim, o peito nu de foraNo pijama irreal de há três anos atrás.Desço o rio no vau dos pequenos canaisPara ir beber na fonte a água fria e sonoraE se encontro no mato o rubro de uma amoraVou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.Fico ali respirando o cheiro bom do estrumeEntre as vacas e os bois que me olham sem ciúmeE quando por acaso uma mijada ferveSeguida de um olhar não sem malícia e verveNós todos, animais, sem comoção nenhumaMijamos em comum numa festa de espuma.(MORAES, Vinicius de. Antologia Poética.São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 86.)a) Essa forma clássica tradicionalmente exigiu tema e linguagem ele -vados. O “Soneto de Intimidade” atende a essa exigência? Jus ti fique.RESOLUÇÃO:Nem o tema, nem a linguagem desse soneto são “elevados”. Com efeito, otema é “baixo” (o congraçamento “fisiológico” com os animais) e a lin gua -gem não evita o vulgar (“cheiro bom do estrume”) e chega a beirar o chulo(“uma mijada ferve”, “mijamos em comum numa festa de espuma”).PORTUGUÊS Eb) Na “Advertência”, que abre sua Antologia Poética, Vinicius deMoraes declarou haver “dois períodos distintos”, ou duas fases, emsua obra. Considerando-se as características dominantes do tre cho,a qual desses períodos ele pertence? Justifique sua resposta.RESOLUÇÃO:“Mensagem à Poesia” pertence à segunda fase da obra de Vinicius deMoraes, pois há no texto a preocupação em fazer a poesia abandonar oinefável e buscar o cotidiano e as preocupações do mundo (“milhões decorpos a enterrar”, “criança chorando”, “é preciso reconquistar a vida”).b) Como os quartetos anunciam a identificação do eu lírico com osanimais? Como os tercetos a confirmam?RESOLUÇÃO:Os quartetos exprimem a identificação do eu lírico com os animais,apresentando-o em ações mais comumente esperadas deles: mastigarcapim (v. 3), andar sem roupa (v. 3), beber água na fonte dos rios (v. 6),comer amoras direto das árvores e cuspi-las em torno dos currais (vv. 7-8). A confirmação dessa identificação vem nos tercetos de formainusitada, na menção ao congraçamento do eu lírico com os bois e asvacas na satisfação de uma necessidade fisiológica comum.– 53