que forçam passagem por entreas casas. Mais de 90% dasresidências são de alvenaria.Sem acabamento, os tijolos àmostra, alocados de forma irregular,e os encontros e desencontrosdas paredes, apontama falta de planejamentodas construções. As casas sefundem, umas sobre as outras,acompanhando a inclinação domorro Dona Marta. Na racionalizaçãodo espaço, as paredessão comunitárias, aproveitadaspor várias casas, as lajestransformam-se em pisos paraas residências vizinhas. Asconstruções se unem, e a favelavai se formando na superfícieíngreme do morro como umagrande casa, com mais de 6mil moradores. A integraçãoda comunidade se dá tambémpela sua ocupação.“As pessoas são bem integradas,unidas. Isso é histórico. Num dia,almoço na casa do meu vizinho,no outro, se estou com sede, batona porta de uma família. Souda época que o natal não é só naminha casa, mas na cada de todomundo. Tu vai na casa de todos eas pessoas vão na sua casa. Essaunião tem se estendido entre asfavelas também, principalmentedepois das pacificações. Há umapreocupação dos moradores dasfavelas em se comunicarem. Foidescoberto, por exemplo, que umpolicial que não tem uma condutabacana aqui, quando reclamamosdele, ao invés de passar por umcurso de reciclagem, ele é apenasremovido para outra favela. Apunição dele é mudar de favela.A ideia é o pessoal se comunicar,pois tem muita gente morrendo.Na Copa do Mundo morreu muitogaroto, muito negro, muito moradorde favela, e as pessoas nemficam sabendo. Nem sempre sai namídia como o Amarildo (box)”.Cade o Amarildo?Em julho de 2014, Amarildo Dias de Souza, ajudante de pedreiro, desapareceu durante uma operaçãopolicial na favela da Rocinha, após ter sido detido por policiais militares e conduzido da portade sua casa para a sede da Unidade de Policia Pacificadora (UPP) do bairro. “Cadê o Amarildo?”,estampou inúmeros cartazes, camisetas, faixas, perfis nas redes sociais, repercutindo o desaparecimento,denunciando e cobrando das autoridades justiça contra os demandas policiais nas operaçõesnas favelas do Rio de Janeiro. Em outubro de 2013, 25 policiais militares da UPP da Rocinhaforam presos. A comoção popular e a mobilização nacional no caso Amarildo não se repetiu, noentanto, para os mais de 6 mil outros desaparecidos em todo o estado fluminense, segundo dadosdo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro.BrazilidadeFundada em 2010, a Brazilidade éuma empresa especializada no turismoà favela Santa Marta. Suaidealizadora é Sheila Souza, 40anos. Formada em Turismo, comMBA em Turismo e Negócios ecom experiência em intercâmbiocultural e guiamentos no Rio de Janeiro,Sheila, que nasceu e cresceuna Santa Marta, começou sua atuaçãocomo guia em 1992, com intercâmbiose vivências de turismono morro com grupos nacionais einternacionais.A Brazilidade, que é formada porSheila e sua sobrinha, Roberta,atua sob orientação do Turismo deBase Comunitária”, cuja preocupaçãoé mostrar a realidade da comunidade,levar os turistas ao morro,desenvolvendo também o comérciolocal.“A ideia da Brazilidade é retirar o esteriótipoda favela. Trazer as pessoaspara conhecer nossa realidade, vivero que as pessoas daqui vivem. Fazercom que elas conheçam os pontos bonse ruins, mostrar que hoje não tem só ocolorido da favela, mas nossos problemassociais também. Isso tudo incentivandoa rede de trabalho local. Aquitentamos ajudar todo mundo, com umturismo que todos lucram. Dá um poucomais de trabalho, mas que dá vontadede fazer”, afirma Roberta.Mesmo com o Plano Inclinado, segundo Roberta, asdificuldades de locomoção ainda são grandes paraquem mora do outro lado da favela.Mais de 6 mil pessoas moram na Favela Santa Marta,na zona sul do Rio de Janeiro, em Botafogo, bairronobre de classe média.“Pra mim o gratificante é poder desconstruir aideia que as pessoas têm do morro”, afirma RobertaFerreira de Souza, moradora e guia turística daFavela Santa Marta.46Revista do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná
No topo do favela, passados osinúmeros degraus e as passarelascimentadas, todas construídascom o recurso e trabalhoda comunidade, apesarda escuridão da noite, abre-se,para os turistas a vista para apraia de Botafogo e para o Cristo,à direita do morro DonaMarta. Já para os moradores,a distância das suas casas aopé do morro é diretamenteproporcional às dificuldades.“Construir uma casa aqui emcima é muito caro. Você acabapagando o dobro dela, sópor conta do transporte. Alémdisso, nos últimos anos, temmuita procura por casas aqui”,afirma Roberta.No alto da favela, o termo“gentrificação” na faixa coladaem uma das casas aponta apreocupação de Roberta e deoutros moradores com a valorizaçãoimobiliária e o deslocamentodas pessoas com menorpoder econômico para fora desuas casas. Segundo a turismóloga,os preços dos imóveis nafavela variam de R$ 100 a R$150 mil para as casas próximasao topo, a R$ 1 milhão, para asque estão no pé da favela.“Antes conseguia morar aquino morro locando uma casapor uns R$ 450. Hoje não achapor menos de R$ 800. Praquem ganha salário mínimo,como a maioria dos moradores,é muito difícil. Além disso,tem muita gente com grana,como artistas, procurandopara morar aqui, pois é umaárea central. Tem até uma áreana favela que estão buscandodespejar os moradores. Támudando muito a populaçãoda favela, e estamos preocupadosporque não sabemos atéquando será isso. Estamos lutandopara não ser removidos.Não queremos sair do morro.Lutamos para viver aqui, paraconquistar nossas casas. O quea gente quer é mais atenção dogoverno, para questões comosaneamento e transporte ”.Como diz o dito, “pra descertodo santo ajuda”, mas nasescadarias, um pouco de precauçãoreduzindo o embalo énecessário. No pequeno porémaconchegante Bar do Zequinha– para completar o conceito deTurismo de Base Comunitária- , perto da segunda estaçãodo Plano Inclinado, encerra-sea visita à Santa Marta. Fica ocansaço da subida num copovazio de refrigerante, e parte,junto com cada turista, a experiênciade mais uma realidadeconhecida.No pé do morro, de volta à ruaBarão de Macaúbas, perto daPraça Corumbá, um últimoolhar ao morro.Atrás de Roberta, que se despedecom um sempre presentesorriso, e com a promessa deportas abertas,as luzes acessas nas casas nãoindicam apenas a noite quehavia se instalado em Botafogo,mas sim a vida na FavelaSanta Marta, dos seus mais de6 mil moradores, mesmo comos problemas de acesso, saneamento,e vários outros, fincamos pés no morro, e lutam porjustiça social, por reconhecimentodos seus direitos, e pelasua identidade, pois o “o morroé Dona, mas a favela é Santa”.Faixa na Favela Dona Marta mostra a preocupação com o processo de “elitização” da comunidade que acaba expulsando os moradores para outros núcleos habitacionais.