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cultura e política em cuba sob o prisma da revista - UFG

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁSFACULDADE DE CIENCIAS HUMANAS E FILOSOFIADEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIAMARIA MARTHA LUÍZA CINTRA RABELOCULTURA E POLÍTICAEM CUBA SOB O PRISMA DA REVISTA“ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA”Goiânia2006


2MARIA MARTHA LUÍZA CINTRA RABELOCULTURA E POLÍTICAEM CUBA SOB O PRISMA DA REVISTA“ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA”Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Curso de Mestrado <strong>em</strong>História do Departamento de Pós-Graduação <strong>em</strong> História<strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Ciências Humanas e Filosofia <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong>de Federal de Goiás para obtenção do título deMestre <strong>em</strong> História.Linha de Pesquisa: Identi<strong>da</strong>des, Fronteiras e Culturasde MigraçãoÁrea de concentração: Culturas, Fronteiras eIdenti<strong>da</strong>desOrientadora: Prof ª. Dra. Isabel Ibarra Cabrera


3Goiânia2006MARIA MARTHA LUÍZA CINTRA RABELOCULTURA E POLÍTICAEM CUBA SOB O PRISMA DA REVISTA“ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA”Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao Curso de Mestrado <strong>em</strong> História do Departamento de Pós-Graduação <strong>em</strong> História <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Ciências Humanas e Filosofia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>deFederal de Goiás para obtenção do titulo de Mestre <strong>em</strong> História, aprova<strong>da</strong> <strong>em</strong> ________ de_______________ de _______, pela Banca Examinadora constituí<strong>da</strong> pelos seguintesProfessores:________________________________________________Professora Dra. Isabel Ibarra Cabrera - <strong>UFG</strong>Presidente <strong>da</strong> Banca________________________________________________Professora Dra. Brígi<strong>da</strong> Manuela Pastor Pastor - <strong>UFG</strong>________________________________________________Professora Dra. Maria Therezinha Ferraz Negrão de Mello - UnB


4A minha mãe, Lin<strong>da</strong> Jorge Cintra, inm<strong>em</strong>orian, pelo carinho, ex<strong>em</strong>plo deesforço, dedicação e valor prestados ato<strong>da</strong> iniciativa de buscar conhecimento.Ao meu irmão, Tarcísio Cintra Jorge, inm<strong>em</strong>orian, que s<strong>em</strong>pre incentivou meusestudos.


5AGRADECIMENTOSÀ professora e orientadora desta dissertação, Isabel Ibarra Cabrera, pela confiança eestímulo.Em especial, agradeço ao companheiro Afonso Rabelo Júnior por sua presençacarinhosa, não deixando faltar seu apoio incansável, persistente e decisivo à realização <strong>da</strong>pesquisa.As minhas filhas, Mariana e Aman<strong>da</strong>, pelo incentivo e entusiasmo compartilhados.A to<strong>da</strong> minha família que compreendeu inúmeras vezes minha ausência por saber <strong>da</strong>importância <strong>da</strong> realização deste projeto.À Gina Louise pela amiga de s<strong>em</strong>pre e com qu<strong>em</strong> pude trocar idéias acerca doconteúdo do trabalho.Aos amigos e amigas que acreditaram na concretização desta pesquisa.Ao CECAB – <strong>UFG</strong> (Centro de Estudos do Caribe <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal de Goiás)pelo suporte material na consulta <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, <strong>em</strong> especial, à professora Olga Cabrera <strong>em</strong>incentivar a seguir adiante. Ao professor e amigo Danilo Rabelo pela motivação eoportuni<strong>da</strong>de de compartilhar sugestões acerca desta dissertação.


6“¿Cómo puede seguir uno viviendoCon dos lenguas, dos casas, dos nostalgiasDos tentaciones, dos melancolías?”Heberto Padilla“Y yo te respondo, Heberto, talmúdicamente:¿Cómo no seguir viviendo con dosLenguas, casas, nostalgias, tentaciones, melancolías?Porque no puedo apuntarme una lengua,Ni tumbar una casaNi enterrar una melancolía.”Gustavo Pérez Firmat


7RESUMOO objetivo deste trabalho é retratar o estudo <strong>sob</strong>re a representação do pensamento<strong>cuba</strong>no atual acerca <strong>da</strong> coexistência entre <strong>cultura</strong> e política, no contexto <strong>da</strong>s relações entreCuba e exílio, <strong>sob</strong> o enfoque discursivo <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, e de qu<strong>em</strong>aneira sua narrativa influi na história presente. Compreender o distanciamento do conteúdodesta representação diante dos discursos comumente conhecidos como o oficialrevolucionário dentro de Cuba e os setores mais conservadores <strong>da</strong> direita de Miami,historicamente situados <strong>em</strong> pólos extr<strong>em</strong>os de conflito.O trabalho pretende ain<strong>da</strong> situar a publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la CulturaCubana no contexto pós-revolucionário, especialmente após a derroca<strong>da</strong> dos regimes políticosno Leste Europeu na déca<strong>da</strong> de 1990, quando o exílio se diferencia <strong>em</strong> sua interpretação nanarrativa de seus colaboradores, cujo objetivo é apontar a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na como categoriarelevante de um contexto histórico de transformação política e de superação do muro divisorentre os de “dentro” e os de “fora”.


8ABSTRACTThe objective of the present work is to portrait the study on the representation ofthe cont<strong>em</strong>porary Cuban thought on the coexistence between culture and politics, underthe relation between Cuba and exile. This study is carried out under the perspective of thediscursive vision of the journal Encuentro de la Cultura Cubana and how its narrative hasinfluenced in the cont<strong>em</strong>porary history. Another objective is to understand the gap betweensuch representation and the so called revolutionary official discourse inside Cuba, and amongthe right wing conservative sectors of Miami, both of which in different extr<strong>em</strong>e poles.Also we aim at understand the positioning the publication of this journal in thepost-revolutionary context, in particular after the crash of the east-european regime, whenexile had acquired a new meaning in the narrative of its collaborators, whose objectives is tohighlight Cuban culture as a relevant category within a historical context ofpolitical transformation and the overthrown of a divisor wall between "insiders" and"outsiders".


9LISTA DE TABELASNúmero Descrição Página1Lista dos fun<strong>da</strong>dores e fun<strong>da</strong>doras <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de laCultura Cubana com indicação de suas i<strong>da</strong>des, país de orig<strong>em</strong> e 38residência.2Distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des e percentuais do total decolaboradores do sexo masculino e f<strong>em</strong>inino.502.1Derivação <strong>da</strong> Tabela 2 com a distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des epercentuais de colaboradores do sexo masculino e f<strong>em</strong>inino, 50<strong>cuba</strong>nos e não-<strong>cuba</strong>nos.2.2Derivação <strong>da</strong> Tabela 2 com a distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des epercentuais de colaboradores apenas <strong>cuba</strong>nos do sexo masculino e 52f<strong>em</strong>inino, exilados e não-exilados.3Distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des e percentuais dos países de orig<strong>em</strong>dos colaboradores.544Distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des e percentuais dos países deresidência dos colaboradores exilados.565Distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des e percentuais dos países deresidência de todos os colaboradores.576Distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des e percentuais <strong>da</strong>s profissõesdeclara<strong>da</strong>s dos colaboradores.597Distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des e percentuais dos t<strong>em</strong>as dos artigos<strong>da</strong> <strong>revista</strong>618Distribuição <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des e percentuais dos tipos de artigos <strong>da</strong><strong>revista</strong>65


10SUMÁRIOLISTA DE TABELAS...................................................................................................................... 91. INTRODUÇÃO..................................................................................................................112. CONTEXTUALIZAÇÃO E PERFIL DA REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURACUBANA.............................................................................................................................192.1. REFERÊNCIA TEÓRICA ...................................................................................................192.2. CONTEXTO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DA REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURACUBANA..............................................................................................................................252.3. A FUNDAÇÃO DA REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA.......................362.4. JESÚS DÍAZ E SUA ÉPOCA ..............................................................................................422.5. O PERFIL DA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA .................................................493. AS REPRESENTAÇÕES DA RELAÇÃO CUBA E EXÍLIO NA NARRATIVA DAREVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA ...................................................673.1. INSERÇÃO DOS INTELECTUAIS NA CULTURA E NA POLÍTICA EM CUBA.......673.2. EXÍLIO – A IDENTIDADE DO OUTRO ............................................................................923.3. A TEMÁTICA DA TRANSIÇÃO CUBANA NA REVISTA ENCUENTRO DE LACULTURA CUBANA..........................................................................................................1114. CARTAS A ENCUENTRO: UMA DIMENSÃO TEÓRICO-HISTÓRICA ...................1234.1. O LEITOR COMO SUJEITO NA RELAÇÃO OBRA E PÚBLICO ...................................1234.2. TEMÁTICA DAS CARTAS ...................................................................................................1304.2.1. COMO A REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA É ADQUIRIDA PELOSCUBANOS ........................................................................................................................1314.2.2. CARTAS QUE POLEMIZAM COM OS ARTIGOS DA REVISTA ENCUENTRO DE LACULTURA CUBANA..........................................................................................................1374.2.3. A REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA COMO FONTE DE ESTUDO NASUNIVERSIDADES EM DIVERSOS PAÍSES....................................................................1434.2.4. A EXPECTATIVA DOS LEITORES DA REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURACUBANA............................................................................................................................1484.2.4.1. A TEMÁTICA DA IDENTIDADE NAS CARTAS À REVISTA ENCUENTRO DE LACULTURA CUBANA..........................................................................................................1504.2.4.2. A TEMÁTICA DA RECONCILIAÇÃO NAS CARTAS À REVISTA ENCUENTRO DE LACULTURA CUBANA..........................................................................................................1585. CONCLUSÃO ..................................................................................................................1666. REFERÊNCIAS ...............................................................................................................171


111. INTRODUÇÃORetratar a história de Cuba nos dias atuais se apresenta como uma tarefacomplexa, pois suscita, inevitavelmente, posicionamentos que esbarram <strong>em</strong> posturasideológicas e políticas, bastante heterogêneas. Este cenário abrange os defensores <strong>da</strong>revolução, que apóiam a manutenção de Fidel Castro à frente do poder, passando por setoresque questionam probl<strong>em</strong>as de estrutura política s<strong>em</strong> propor, no entanto, a ruptura formal como regime, até os articuladores <strong>da</strong> direita de Miami nos EUA, que pretend<strong>em</strong> claramenterecuperar o poder dentro <strong>da</strong> Ilha, numa postura anexionista à política norte-americana.Nas representações pontua<strong>da</strong>s pelos antagonismos – “direita” e “esquer<strong>da</strong>”,“imperialismo norte-americano” e “socialismo <strong>cuba</strong>no” – as disputas se acirram, configurandouma relação tensa porque estas forças contrárias não se posicionam <strong>em</strong> campos estanques queas manteriam separa<strong>da</strong>s s<strong>em</strong> nenhuma possibili<strong>da</strong>de de contato e atrito. É uma disputa <strong>em</strong>que os ataques incid<strong>em</strong> uns <strong>sob</strong>re os outros e, muitas vezes, se alimentam dos discursos de umgrupo e de outro para justificar<strong>em</strong> suas políticas. Neste aspecto, as posições mais extr<strong>em</strong>a<strong>da</strong>sse evidenciam no campo de batalha, mol<strong>da</strong>m-se pela necessi<strong>da</strong>de de ataques e contra-ataquesque dão sentido à defesa obstina<strong>da</strong> de sua existência para justificar sua perpetuação e, <strong>em</strong>última instância, ating<strong>em</strong> a socie<strong>da</strong>de a <strong>cuba</strong>na.Mas, diante de uma configuração mundial <strong>em</strong> que movimentos sociais cresc<strong>em</strong><strong>em</strong> manifestações de caráter pacífico – as grandes migrações no mundo globalizado, passeataspela paz mundial contra a guerra imposta pelos Estados Unidos ao Iraque, paralisações egreves de cunho econômico e político, movimentos de afirmação <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> negra, dos povosindígenas, a luta <strong>da</strong>s mulheres, homossexuais e minorias étnico-religiosas – s<strong>em</strong> quecontingentes se exponham frontalmente <strong>em</strong> uma guerra civil aberta e declara<strong>da</strong>, caracterizamformas alternativas de crítica e de resistência ao domínio de um determinado poder político.Isto significa dizer que a encenação histórica de conflitos armados, como veículode transformação social, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre alcançou uma efetiva mu<strong>da</strong>nça ulterior capaz de setornar referência para o desencadeamento de novas e sucessivas transformações nestaperspectiva. Não cabe aqui traçar algum juízo quanto à compreensão desses fenômenos deação social de massas não-violento, ou apontar qual é o seu efeito teleológico, mas trata-se de<strong>da</strong>r visibili<strong>da</strong>de quanto ao seu significado real e simbólico de afirmação política, sócio-


12<strong>cultura</strong>l, sua repercussão na transformação cotidiana e de como tais movimentos têm setornado relevantes <strong>em</strong> diversos contextos.A socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na atual vive o contexto <strong>da</strong> polarização entre ser favorável oucontrário ao advento <strong>da</strong> Revolução de 1959, forjado pelos sucessivos discursos pósrevolucionários.A Revolução Cubana de 1959 representou a transição do capitalismo aosocialismo e com ela trouxe as diversi<strong>da</strong>des quanto ao seu rumo. Primeiro, a definição pelosocialismo durante seu primeiro triênio, com as desapropriações dos latifúndios,nacionalizações de <strong>em</strong>presas de capital nacional e norte-americano, atingindo a classe médiaalta, a elite <strong>cuba</strong>na e os interesses dos Estados Unidos na Ilha, que praticavam, <strong>em</strong> represália,atos de sabotag<strong>em</strong> contra o governo revolucionário. Criou-se uma oposição revolucionáriainterna e externa que se agrupou na formação do primeiro exílio <strong>cuba</strong>no à Miami, no iníciodos anos de 1960, simbolizado pela reação mais conservadora e anticastrista (conheci<strong>da</strong> comocomuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> direita de Miami). O segundo rumo foi diante do enfrentamento às reaçõesinternas e ao imperialismo ianque optou-se pelo vínculo definitivo ao bloco soviético e aoleste europeu, o que significou a consoli<strong>da</strong>ção do socialismo como ideologia a ser instituí<strong>da</strong>pelo poder revolucionário e o comunismo como meta política, social e <strong>cultura</strong>l a ser alcança<strong>da</strong><strong>em</strong> to<strong>da</strong> Ilha. Dessa forma, as representações revolucionárias e anti-revolucionárias seencontram nos primórdios <strong>da</strong> Revolução e foram se multiplicando durante quase meio séculode experiência socialista, mas com grandes dificul<strong>da</strong>des <strong>em</strong> suplantar os ultrapassadosmaniqueísmos e confrontos <strong>da</strong> Guerra Fria.Como desdobramento dessa polarização, o fenômeno do exílio adquiriu umadimensão histórica significativa sinalizando posições que <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> do intervalo entre os pólosdicotômicos assinalados. A motivação por esta pesquisa reside, precisamente, <strong>em</strong> buscarsaber qual é este intervalo discursivo que não esteja delimitado pelas fronteiras ideológicasque <strong>sob</strong>reviv<strong>em</strong> nos resquícios históricos <strong>da</strong> Guerra Fria, mas traduz uma outra história vivi<strong>da</strong>pelos <strong>cuba</strong>nos, de meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 até hoje, residentes “dentro” e “fora” 1 <strong>da</strong> Ilha.1Os termos “dentro” e “fora” são muito freqüentes nos artigos <strong>da</strong> Encuentro, e retratados de forma crítica àimag<strong>em</strong> estereotipa<strong>da</strong> acerca dos que estão “dentro” como os representantes fiéis à Revolução, e os que estão“fora” como os contra-revolucionários. Esta linha divisória é um desdobramento <strong>da</strong>s palavras de Fidel Castro aosintelectuais <strong>em</strong> 1961, quando afirmou: “Dentro <strong>da</strong> Revolução, tudo; contra a Revolução, na<strong>da</strong>.”Estes conceitos serão aprofun<strong>da</strong>dos no terceiro capítulo desta dissertarão, com a presença dos editoriais eartigos que se refer<strong>em</strong> de forma crítica ao binarismo institucionalizado <strong>em</strong> Cuba. Serão acrescenta<strong>da</strong>s asabor<strong>da</strong>gens teóricas de Reinhardt Koselleck <strong>sob</strong>re as diferentes formas históricas de negação e unilaterali<strong>da</strong>de deuma <strong>cultura</strong> <strong>em</strong> relação à outra, retomando a oposição entre “gregos e helenos, cristãos e pagãos, hom<strong>em</strong> e nãohom<strong>em</strong>,super-hom<strong>em</strong> e infra-hom<strong>em</strong>” para analisar a existência destas assimetrias <strong>em</strong> diversos contextoshistóricos. A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> destes conceitos se encontra <strong>em</strong> sua obra Futuro e Pasado, cap.X, p.205.Em Édouard Glissant, Poetics of Relations, encontra-se a análise <strong>sob</strong>re o dualismo entre ci<strong>da</strong>dão eestrangeiro onde afirma: “The duality of self-perception (one is citizen or foreigner) has repercussions on one’s


13Ou seja, que outros discursos têm sido produzidos fora do âmbito moral <strong>da</strong>s políticas <strong>em</strong>disputa, e que reflita os paradigmas de um mundo <strong>em</strong> que os movimentos migratórios refaz<strong>em</strong>a identi<strong>da</strong>de instituí<strong>da</strong> entre “centro” e “periferia”, “nacionalismo” e “imperialismo”,“política” e “<strong>cultura</strong>”, “ser” ou “não ser” revolucionário, e d<strong>em</strong>ais representações que a prioriclassificam uns e desclassificam outros.É neste sentido que este trabalho se direciona, para o estudo que venho realizando<strong>sob</strong>re a <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, edita<strong>da</strong> na Espanha pela AsociaciónEncuentro de la Cultura Cubana desde 1996 até nossos dias, para a qual colaboramintelectuais <strong>cuba</strong>nos exilados e os que resid<strong>em</strong> <strong>em</strong> Cuba, como também escritoresestrangeiros, numa reflexão discursiva <strong>sob</strong>re as contradições e tensões que a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>nat<strong>em</strong> vivido <strong>em</strong> seu aspecto histórico, <strong>cultura</strong>l e político.Como a publicação contém inúmeras especifici<strong>da</strong>des de artigos e t<strong>em</strong>áticas, orecorte do corpus documental foi definido primeiro quanto aos volumes selecionados devido àsua contínua edição, o que geraria uma infini<strong>da</strong>de de leituras de difícil especificação efinalização do trabalho. Os volumes então escolhidos se encontram entre o 1 e o 25, por estescorresponder<strong>em</strong> ao período <strong>em</strong> que seu fun<strong>da</strong>dor, Jesús Díaz, esteve à frente <strong>da</strong> direção <strong>da</strong><strong>revista</strong>, intervalo compreendido entre os anos de 1996, momento de sua fun<strong>da</strong>ção, até 2002,ano de seu falecimento. A seleção do período defini<strong>da</strong> pela presença de Jesús Díaz na <strong>revista</strong>se fez pelo seu destaque no processo histórico e <strong>cultura</strong>l <strong>em</strong> Cuba, como intelectualparticipante <strong>da</strong> Revolução de 1959 e posteriormente como exilado. Ele teve uma atuaçãodecisiva no exílio <strong>em</strong> viabilizar o projeto de aglutinação dos <strong>cuba</strong>nos no debate <strong>sob</strong>re sua<strong>cultura</strong> e desdobramentos políticos; b<strong>em</strong> como encaminhou uma nova reflexão <strong>sob</strong>re a relaçãoentre Cuba e o exílio, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na supressão dos confrontos entre os extr<strong>em</strong>os e maisdireciona<strong>da</strong> ao diálogo entre to<strong>da</strong>s as forças oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> e <strong>da</strong>s tendências políticas. Seuprojeto teve como resultado a publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana.Ain<strong>da</strong> assim, n<strong>em</strong> todos os volumes foram abarcados <strong>em</strong> sua totali<strong>da</strong>de. Outrosrecortes se tornaram necessários ao longo <strong>da</strong> leitura dos artigos <strong>em</strong> função <strong>da</strong> varie<strong>da</strong>de det<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos, sendo, então, feita uma seleção destes que cont<strong>em</strong>plaria a análise maisespecífica proposta neste trabalho – a t<strong>em</strong>ática <strong>cultura</strong>l e política narra<strong>da</strong> pela Encuentro de laidea of the Other (…) Thought of the Other cannot escape its own dualism until the time when differencesbecome acknowledged.” p.17Outro estudo importante <strong>sob</strong>re outri<strong>da</strong>de é El bárbaro imaginario de Laënnec Hurbon <strong>em</strong> que analisa oparadigma <strong>da</strong> oposição entre bárbaro e civilizado: “La civilización se presenta así como la única reali<strong>da</strong>d, laúnica ver<strong>da</strong>d, en la ilusión de un autoengendramiento que se apoya en la exterminación potencial o efectiva deto<strong>da</strong> otre<strong>da</strong>d.” p.206


15heterogenei<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e política sejam suas referências, a <strong>revista</strong> se coloca como um espaçode negociação e sugere um “entre-lugar” 2 diante <strong>da</strong> dicotomia.A Encuentro de la Cultura Cubana assinala outra interpretação para a história deCuba, <strong>sob</strong>re esse momento peculiar de sua socie<strong>da</strong>de, ao apresentar a escrita enunciadora doparadigma <strong>da</strong> relação 3 que não corresponde às concepções modernas do Iluminismo – aimag<strong>em</strong> do hom<strong>em</strong> racional, científico e universal – e do marxismo – hom<strong>em</strong> social econsciente para gerar a igual<strong>da</strong>de. Tais concepções traz<strong>em</strong> a idéia de uni<strong>da</strong>de, universalismo ede um determinismo histórico, resultando num comportamento que oculta as diferenças. Ostermos de relevância e maioria social fun<strong>da</strong>mentam visões de povo e de estado comototali<strong>da</strong>des sociais fecha<strong>da</strong>s <strong>em</strong> torno de uma <strong>cultura</strong> política monolítica. 4 O paradigma <strong>da</strong>relação é apreendido <strong>da</strong> interpretação e do real <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de presente <strong>em</strong> seus ensaiospolíticos, análises históricas, poesia, cin<strong>em</strong>a, teatro, que referenciam outra visibili<strong>da</strong>dehistórica de seu atual contexto. Sua narrativa se situa <strong>sob</strong>re a reali<strong>da</strong>de <strong>em</strong>pírica e conceitual,acenando outra possibili<strong>da</strong>de de compreensão textual e de interpretação histórica. Entrediversos objetivos a ser<strong>em</strong> alcançados <strong>em</strong> uma pesquisa histórica, um deles consiste <strong>em</strong>perseguir o ponto <strong>em</strong> que uma nova compreensão de mundo é sugeri<strong>da</strong> <strong>em</strong> suas fontes e <strong>em</strong>suas análises, de que modo seu discurso é diferenciador e provoca novas reflexões.Neste sentido, o objeto <strong>da</strong> pesquisa teve como metodologia o estudo <strong>da</strong>interpretação histórica exposta por estes intelectuais que contribu<strong>em</strong> com seus artigos para a<strong>revista</strong>, constituindo-se na própria fonte documental desta tentativa <strong>em</strong> compreender areferência cria<strong>da</strong> acerca do que pensam e o que quer<strong>em</strong> os <strong>cuba</strong>nos que se encontram na Ilha eno exílio. Os estudos dos artigos <strong>da</strong> <strong>revista</strong> terão como referência teórica as idéias <strong>sob</strong>rerelação, representação, análise de discurso que contribuíram para a compreensão do objeto.Além disso, eles serão esboçados ao longo dos capítulos delineando a visão de mundo narra<strong>da</strong>pela Encuentro de la Cultura Cubana.A estrutura deste trabalho está divi<strong>da</strong> <strong>em</strong> três partes. Sendo que a primeira seencontra no segundo capítulo, o qual introduz a referência teórica que norteará a pesquisa, eacompanhará o trabalho; b<strong>em</strong> como apresenta a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, momento de fragilização do Estado, dos conflitos entre a Revolução e oexílio; o surgimento <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana com um discurso que sepropõe diferenciador do exílio, fun<strong>da</strong>mentalmente do tradicional <strong>da</strong> direita de Miami. As2 BHABHA, Homi K. O local <strong>da</strong> Cultura. Ed. UFMG. Belo Horizonte. 20013 GLISSANT, Edouard. Poetics of Relation. Michigan. The University Michigan Press. 19974 HENRY, Paget. Caliban’s Reason. Introducing Afro-Caribbean Philosophy. Routledge. New York. 2000


16especifici<strong>da</strong>des <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> serão relata<strong>da</strong>s para que se tenha conhecimento <strong>da</strong>smotivações de sua publicação. Importante também retratar a história de vi<strong>da</strong> de Jesús Díazcomo intelectual fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana que se destacou naconstrução de um outro imaginário para o exílio <strong>cuba</strong>no, no sentido proferido por BronislawBaczo 5 <strong>sob</strong>re imaginário social no enfrentamento de uma ord<strong>em</strong> dominante, mediante umdiscurso contestador. Por fim, um banco de <strong>da</strong>dos foi desenvolvido para visualizar o perfil doscolaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> – de onde são, onde se encontram e o que faz<strong>em</strong> – e dos t<strong>em</strong>aspublicados para que se faça a relação entre estes <strong>da</strong>dos com a linha editorial <strong>da</strong> <strong>revista</strong>.A segun<strong>da</strong> parte se encontra no capítulo três que compreende a análise doseditoriais e artigos <strong>em</strong> conjunto que d<strong>em</strong>onstram a presença dos intelectuais na representaçãohistórica de uma identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e política <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, sua importância nadesconstrução de imaginários <strong>cultura</strong>is preconcebidos e nos discursos de transição política.Neste capítulo também se analisa como os artigos justificam o nome <strong>da</strong>do à <strong>revista</strong> –Encuentro de la Cultura Cubana. A responsabili<strong>da</strong>de de tal <strong>em</strong>preendimento no contexto defragmentação <strong>cultura</strong>l e política se afirma pela visão de mundo que norteia os seus discursos,as idéias de hibridismo <strong>cultura</strong>l e político, questionadoras dos absolutismos, do nacionalismoe <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des homogêneas, <strong>em</strong> conexão com o que se pensa <strong>sob</strong>re nação e exílio comofenômeno de uma outra identi<strong>da</strong>de. E, por fim, como as idéias de transição são apresenta<strong>da</strong>spelos colaboradores no ponto <strong>em</strong> que faz<strong>em</strong> intersecção com uma nova relação entre Cuba e oexílio, e naqueles <strong>em</strong> que as diferenças são coloca<strong>da</strong>s.A terceira parte corresponde ao capítulo de número quatro, aonde foramseleciona<strong>da</strong>s as cartas dos leitores trazi<strong>da</strong>s como objeto de interpretação <strong>da</strong> recepção e <strong>da</strong>repercussão <strong>da</strong> <strong>revista</strong> <strong>em</strong> Cuba e no contexto internacional. Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ascartas traduz<strong>em</strong> uma fonte interpretativa <strong>da</strong> representação <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, manifestam o sentido desujeito ao leitor que dialoga com a publicação e estende a comunicação <strong>em</strong> diversos territóriose significados. As cartas também seguiram um critério de seleção, tendo <strong>em</strong> vista sua grandequanti<strong>da</strong>de, sendo, portanto, esboça<strong>da</strong> uma divisão de t<strong>em</strong>as que reflet<strong>em</strong> as principaisquestões debati<strong>da</strong>s pelos autores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e sua utilização nos círculos acadêmicos. Os t<strong>em</strong>as<strong>da</strong>s cartas foram selecionados conforme as abor<strong>da</strong>gens <strong>sob</strong>re a recepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> pelos<strong>cuba</strong>nos (dentro e fora de Cuba), polêmicas políticas, a <strong>revista</strong> como currículo e fonte deestudos <strong>em</strong> diversas universi<strong>da</strong>des, a expectativa dos leitores <strong>sob</strong>re identi<strong>da</strong>de e reconciliaçãoentre os <strong>cuba</strong>nos <strong>da</strong> Ilha e do exílio.5 BACZO, Bronislaw. Imaginação Social. Enciclopédia Einaudi. Porto. Imprensa Nacional-Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>.1996. Vol.5.


17Juntamente ao propósito de deter o olhar <strong>sob</strong>re o ponto de vista <strong>da</strong> Encuentro dela Cultura Cubana a escolha deste trabalho, como objeto e fonte de estudo, se dá tambémpela possibili<strong>da</strong>de real de conhecimento <strong>da</strong> história e <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> suas diferentesdimensões t<strong>em</strong>áticas explicita<strong>da</strong>s <strong>em</strong> seus artigos. Compreender o ponto de vista veiculadopor seus colaboradores é por <strong>em</strong> relevo a sua subjetivi<strong>da</strong>de que compõe um aspectosignificativo do imaginário <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na e incide, como fato histórico, nodesdobramento <strong>da</strong>s possíveis transformações <strong>em</strong> Cuba.Proponho enfocar a <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana partindo do princípiode que ela se constitui num <strong>da</strong>do representacional <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Ilha, no <strong>em</strong>aranhado mundo<strong>da</strong>s relações concretas e cotidianas explicita<strong>da</strong>s por seus articulistas, que esboçam o el<strong>em</strong>entoobjetivo e subjetivo <strong>da</strong> história, o contexto e a narrativa histórica. A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> <strong>revista</strong>revela o inseparável elo entre o mundo <strong>da</strong>s representações e o mundo <strong>em</strong>pírico através do quala história se move e se transforma. Ain<strong>da</strong> que a compreensão histórica seja suscetível àsrepresentações <strong>em</strong> conflito que o mundo <strong>em</strong>pírico sugere com suas predisposições discursivase inclinações políticas, é precisamente delas que a produção historiográfica <strong>em</strong>ana e seadentra ao campo do debate teórico <strong>em</strong> direção a uma percepção mais elabora<strong>da</strong> do cotidianoe, portanto, mais crítica.É preciso esclarecer ain<strong>da</strong> que a opção pelo estudo <strong>da</strong> narrativa conti<strong>da</strong> naEncuentro de la Cultura Cubana se fez por esta situar de forma diferencia<strong>da</strong> dos discursosextr<strong>em</strong>os já mencionados, muito conhecidos tanto nos meios acadêmicos, quanto presentesfrequent<strong>em</strong>ente na imprensa internacional. Portanto, tais discursos não compõ<strong>em</strong> o objetodesta pesquisa. O objetivo é encontrar o diferencial neste contexto <strong>sob</strong>recarregado depolari<strong>da</strong>des.O fato de não se enquadrar n<strong>em</strong> <strong>em</strong> um e n<strong>em</strong> <strong>em</strong> outro, não significa que <strong>em</strong> suarepresentação haja pureza imparcial quanto à análise <strong>da</strong> história atual de Cuba. Em seusapontamentos críticos, como serão discutidos ao longo do trabalho, por meio de seuseditoriais e artigos, a <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana expõe proposições políticascontundentes e profun<strong>da</strong>mente críticas frente a uma ou outra posição, mas tendo comoenfoque substancial afirmar a produção <strong>cultura</strong>l e política dos intelectuais <strong>cuba</strong>nos que<strong>sob</strong>reviv<strong>em</strong> às vicissitudes do regime castrista internamente ou no exílio.Neste enfoque há uma ligação entre o que se observa como tendência de ummovimento de não confronto aberto ou de não violência, mas significando uma resistênciaproduzi<strong>da</strong> de forma narrativa que transpõe a fronteira entre os campos <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> e <strong>da</strong> política.A dimensão que estes campos ganham na esfera do poder e do cotidiano social traduz um


18movimento de imagens e reflexões que se cruzam na atmosfera de luta entre forças contráriase transcend<strong>em</strong> as representações políticas essencialistas, na perspectiva <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Seudiscurso se interpõe no caminho <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de debater concepções de mundoideologicamente enraiza<strong>da</strong>s, postas <strong>em</strong> contrapontos, <strong>em</strong> um nível que os absolutos e osdiscursos de negação impõ<strong>em</strong> sacrifícios sociais, ain<strong>da</strong> que sejam reais e determinantes deinúmeros contextos históricos. É nesse trilho de uma visão de mundo <strong>em</strong> que a dialética <strong>da</strong>relação é traduzi<strong>da</strong> na abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>em</strong> pensar o político que a Encuentro de la Cultura Cubanase apresenta.Numa pesquisa <strong>sob</strong>re <strong>revista</strong>, um indicador importante na definição de seu perfil éo seu próprio nome justificado nos editoriais. O nome Encuentro de la Cultura Cubana éargumentado nos editoriais, <strong>em</strong> diversos artigos e cartas que expressam a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na ser traduzi<strong>da</strong> num t<strong>em</strong>po e espaço de encontro entre <strong>cuba</strong>nos distantesgeográfica e politicamente. Pretende a experimentação deste momento de encontro e dereconciliação entre Cuba e o exílio, s<strong>em</strong> a negação de um pelo outro, ain<strong>da</strong> que as críticaspermei<strong>em</strong> seus discursos. Propõe o espaço para que uma outra história de Cuba possa serescrita e se faça uma releitura <strong>da</strong> nação e de sua identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l. Esse encontro v<strong>em</strong> sendoenunciado na perspectiva dialógica de um discurso substitutivo dos termos “dentro” e “fora”diss<strong>em</strong>inado no imaginário <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na pós-revolucionária.


192. CONTEXTUALIZAÇÃO E PERFIL DA REVISTA ENCUENTRO DE LACULTURA CUBANA2.1. REFERÊNCIA TEÓRICAAo deparar com a leitura <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, uma questãofoi coloca<strong>da</strong> no campo teórico para ser esclareci<strong>da</strong>, a definição do objeto histórico analisado.Para defini-lo foi preciso refletir <strong>sob</strong>re a concepção de mundo <strong>em</strong>pírico e mundo subjetivo,sugeri<strong>da</strong> por Hans-Georg Ga<strong>da</strong>mer <strong>em</strong> que procura mostrar que o ato de compreenderpertencente à reali<strong>da</strong>de compreendi<strong>da</strong>. Conforme assinala: “... a compreensão jamais é umcomportamento subjetivo frente a um “objeto” <strong>da</strong>do, mas frente à história efeitual, e istosignifica, pertence ao ser <strong>da</strong>quilo que é compreendido.” 6Alguns questionamentos iam surgindo <strong>em</strong> torno desses termos: a dimensão<strong>em</strong>pírica reside na cisão entre o factual e a produção subjetiva, ou na relação entre ambos?Ter a compreensão de ca<strong>da</strong> um destes termos e do que representam para a produçãohistoriográfica têm sido um dos principais esforços para o desenvolvimento desta pesquisa.Pois, o que constitui o mundo <strong>em</strong>pírico? Será uma experiência abstraí<strong>da</strong> do conhecimento desi? Ou será somente real e ver<strong>da</strong>deiro se for resguar<strong>da</strong><strong>da</strong> sua independência <strong>em</strong> relação àcapaci<strong>da</strong>de de pensar <strong>sob</strong>re ele e à sua interpretação? A esfera do real não contém <strong>em</strong> si o atode compreensão e interpretação? Como a história pode ser concebi<strong>da</strong> estabelecendo umaníti<strong>da</strong> separação entre o que é puramente objetivo do puro subjetivo?Se o mundo <strong>da</strong>s imagens v<strong>em</strong> se impondo com uma força objetiva no cotidiano,tornando imperceptível a separação do desenrolar de um fato histórico por si mesmo doenvolvimento <strong>da</strong>s relações humanas <strong>em</strong> suas necessi<strong>da</strong>des, imagens, dramas, sentimentos einterpretações, então, o fato real e a subjetivi<strong>da</strong>de conti<strong>da</strong> nele se fund<strong>em</strong> num mesmo ser <strong>da</strong>história. A afini<strong>da</strong>de teórica com que esta pesquisa v<strong>em</strong> estabelecendo é de considerar que omundo <strong>da</strong> representação ou <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong> experiência humana compõe o seu objeto, porentender que este não se encontra dissociado do mundo <strong>em</strong>pírico. Há uma proximi<strong>da</strong>de entreo objeto <strong>da</strong> investigação e o pensar <strong>sob</strong>re ele. Além do que, o que significa pensar <strong>sob</strong>re oobjeto? Significa pensar <strong>sob</strong>re o pensamento contido no próprio objeto, na perspectiva <strong>da</strong>indissociabili<strong>da</strong>de entre sujeito e objeto. Michel Foucault <strong>em</strong> sua teoria <strong>sob</strong>re a análise do6 GADAMER, Hans-Georg. Ver<strong>da</strong>de e Método – Traços fun<strong>da</strong>mentais de uma hermenêutica filosófica. Ed.Vozes. Petropolis. 1997. p.19


20discurso representativo alerta para a questão determina<strong>da</strong> pelo pensamento moderno, <strong>da</strong>dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> coexistir, o que ele denomina de “ser do hom<strong>em</strong>” e o “ser <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>” ousuas representações:A única coisa que, por ora, sab<strong>em</strong>os com to<strong>da</strong> a certeza é que jamais, na<strong>cultura</strong> ocidental, o ser do hom<strong>em</strong> e o ser <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> puderam coexistir ese articular um com o outro. Sua incompatibili<strong>da</strong>de foi um dos traçosfun<strong>da</strong>mentais de nosso pensamento. 7O mundo moderno impõe o antagonismo entre o viver e o pensar, entre ação erepresentação. A dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> conceber tais situações <strong>sob</strong> a forma de relação ou decoexistência, coloca-se como desafio para a compreensão <strong>da</strong> história. Na tentativa <strong>em</strong>aproximar dessa concepção, esta pesquisa dirigiu seus esforços <strong>em</strong> buscar refleti-la conformea narrativa <strong>da</strong> <strong>revista</strong> sugere pensar também <strong>em</strong> termos de conexão. Como seria trabalhar noâmbito <strong>da</strong> história a publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana? Admitindo,então, que seus artigos, po<strong>em</strong>as, ensaios, ent<strong>revista</strong>s, homenagens, resenhas, cartas dosleitores se constituiriam no objeto discursivo e interpretativo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> suadimensão política e <strong>cultura</strong>l, este seria, então, o eixo a trabalhar. A história a ser investiga<strong>da</strong>seria, portanto, a própria interpretação histórica narra<strong>da</strong> pelos colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, desuas vivências e representações no contexto histórico <strong>da</strong> relação entre Cuba e o exílio. Ainterpretação resulta desta conexão entre o que se vive e o que t<strong>em</strong> sido representado <strong>sob</strong>reesta experiência <strong>cuba</strong>na presente na narrativa <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana.A busca para esta compreensão v<strong>em</strong> sendo impl<strong>em</strong>enta<strong>da</strong> pelo estudo <strong>sob</strong>rehermenêutica <strong>em</strong> Hans-Georg Ga<strong>da</strong>mer, Ver<strong>da</strong>de e Método, <strong>em</strong> que analisa o fenômeno <strong>da</strong>compreensão como decisivo para a consciência histórica e científica. Para ele o ato de“entender e interpretar... pertenc<strong>em</strong> claramente ao todo <strong>da</strong> experiência do hom<strong>em</strong> nomundo”. 8 Propõe fazer <strong>da</strong> compreensão o objeto <strong>da</strong> reflexão, <strong>da</strong> investigação científica esugere que se passe a “comprovar o quanto de acontecimento age <strong>em</strong> to<strong>da</strong> compreensão...” 9 Ahermenêutica é a ação de interpretar e compreender pela qual não se aparta a “subjetivi<strong>da</strong>dedo intérprete <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de de sentido”. 10 É no sentido <strong>da</strong> fusão destes el<strong>em</strong>entos que oconhecimento histórico permite a mediação entre passado e presente, texto e leitor, sujeito e7 FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Ed. Martins Fontes.São Paulo. 2002. p. 4688 GADAMER, Hans-Georg. Ver<strong>da</strong>de e Método – Traços fun<strong>da</strong>mentais de uma hermenêutica filosófica. Ed.Vozes. Petropolis. 1997. p.319 Ibid<strong>em</strong>. p.3410 Ibid<strong>em</strong>. p.464


21objeto, aproxima os el<strong>em</strong>entos aparent<strong>em</strong>ente estranhos entre si. Pois o conhecimento é o atode aproximação do sujeito com aquilo que até então lhe era alheio. O conhecimento históricoatravés <strong>da</strong> escrita e <strong>da</strong> interpretação que <strong>em</strong>erge de sua narrativa estabelece as conexõesuniversais que possibilitam identi<strong>da</strong>des surgir<strong>em</strong> suplantando fronteiras <strong>cultura</strong>is.O enfoque teórico <strong>da</strong>s representações é apreendido de Roger Chartier aoconsiderá-las como “matrizes de discursos e de práticas diferencia<strong>da</strong>s que têm por objetivo aconstrução do mundo social...”. 11 A representação possui uma “função simbólica” <strong>em</strong> mediara absorção do mundo real à constituição <strong>da</strong> consciência <strong>em</strong> reali<strong>da</strong>de.As leituras de Terry Eagleton <strong>em</strong> Teoria <strong>da</strong> Literatura, Uma Introdução, têm sidoimportantes na definição <strong>da</strong> relação entre sujeito e objeto na história. Segundo Eagleton, nãohá antinomia nessa relação, onde pudesse existir um sujeito cont<strong>em</strong>plador de uma reali<strong>da</strong>decomo se esta fora um objeto exterior a sua condição. Mas ambos constitu<strong>em</strong> uma mesmaexistência. Afirma:O mundo não é um objeto que existe “fora de nós”, a ser analisadoracionalmente, contrastado com um sujeito cont<strong>em</strong>plativo: o mundo nunca éalgo do qual possamos sair e nos confrontarmos com ele. Surgimos, comosujeitos, de dentro de uma reali<strong>da</strong>de que nunca pod<strong>em</strong>os objetivarplenamente, que abarca tanto “sujeito” quanto “objeto”, que é inesgotável<strong>em</strong> seus significados e que nos gera tanto quanto nós a geramos. 12Reinhart Koselleck oferece um estudo imprescindível <strong>em</strong> Futuro pasado – Parauna s<strong>em</strong>ántica de los ti<strong>em</strong>pos históricos <strong>sob</strong>re a crítica ao dualismo <strong>em</strong> diferentes contextoshistóricos. Assinala que “a história possui numerosos conceitos contrários que se aplicam paraexcluir um reconhecimento mútuo”. 13 O efeito na vi<strong>da</strong> cotidiana destes binarismos é manter adivisão <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de <strong>em</strong> grupos distintos, fortalecer o poder de um por meio <strong>da</strong> negação deoutros. Koselleck também analisa como os grupos que se formam apartados política,ideológica ou religiosamente de outros pretend<strong>em</strong> a universali<strong>da</strong>de para si, num projetohomogeneizador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e se impõ<strong>em</strong> com uma força que desqualifica e renega os quenão se enquadram. A bipolari<strong>da</strong>de ao longo <strong>da</strong> história v<strong>em</strong> se reproduzindo por diferentesmatizes conforme o contexto e a <strong>cultura</strong> de ca<strong>da</strong> momento. A própria história repele umas edá lugar ao surgimento de outras.11 CHARTIER, Roger. A História Cultural – Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela Galhardo.Ed. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro. 1990. p. 1812 EAGLETON, Terry. Teoria <strong>da</strong> Literatura – Uma Introdução. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2003. pp. 85-8613 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Pasado – Para una s<strong>em</strong>ántica de los ti<strong>em</strong>pos históricos. Ediciones Paidos.Buenos Aires. 1993. pp. 206-7


22As referências teóricas <strong>sob</strong>re estes binarismos que divid<strong>em</strong> nações e povos de<strong>cultura</strong>s diferentes ou de uma mesma <strong>cultura</strong>, também foram encontra<strong>da</strong>s <strong>em</strong> Edward Said, naobra Cultura e Imperialismo, na qual analisa a dispari<strong>da</strong>de de poder entre o Ocidente e o não-Ocidente. Argumenta <strong>sob</strong>re a <strong>sob</strong>reposição de <strong>cultura</strong>s justifica<strong>da</strong> pela ideologia do mundocivilizado <strong>em</strong> levar sua <strong>cultura</strong> aos povos considerados não-civilizados. Said aponta que nãohá uma totali<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l coesa e que por isso aspectos de diversas <strong>cultura</strong>s dev<strong>em</strong> serabsorvidos, permutados e articulados “juntos <strong>em</strong> contraponto”. 14 Para Said essa é umaconcepção que conduz à política: “As conexões mais sombrias estão onde se encontram asconjunturas políticas e <strong>cultura</strong>is interessantes <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de”, 15 ao se referir às obras literáriasque faz<strong>em</strong> a junção entre arte e política e são capazes de sensibilizar o gosto estético,provocar um efeito explosivo e transgressor <strong>sob</strong>re fenômenos sociais de sentido essencialistae fragmentário.Em Homi Bhabha a ação política é situa<strong>da</strong> como o momento a ser pensado comoparte historicamente integrante de sua escrita. As transformações sociais têm como referênciaas diferentes estratégias discursivas, onde uma política afirmativa contém também formashíbri<strong>da</strong>s e ambivalentes de ação. A ação subversiva se constitui na ruptura com posiçõesantitéticas, “teoria” e “prática”, “direita” e “esquer<strong>da</strong>”, e no trânsito entre um discurso e outro.Segundo Bhabha: “É um sinal de maturi<strong>da</strong>de política aceitar que haja muitas formas de escritapolítica cujos diferentes efeitos são obscurecidos quando se distingue entre o “teórico” e o“ativista”.” 16 Do que se pode desdobrar para as mais varia<strong>da</strong>s tendências binárias. Esta é umafonte teórica de compreensão fun<strong>da</strong>mental porque permeia os discursos <strong>em</strong> geral presentesnos ensaios <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, <strong>sob</strong>retudo aqueles que se refer<strong>em</strong> a umareflexão teórica e política. A tônica dos discursos é o de criar a referência do diálogo,transgredindo a instituição <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> biparti<strong>da</strong> entre “esquer<strong>da</strong>” e “direita”, “revolução’’ e“reação”, “socialismo” e “capitalismo”, “nação” e “exílio” e, por fim, os de “dentro” e os de“fora” como é mencionado por diversos colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la CulturaCubana.Essa é uma discussão que r<strong>em</strong>ete também aos estudos <strong>sob</strong>re identi<strong>da</strong>de e nação nocontexto <strong>da</strong> globalização que têm sido abor<strong>da</strong>dos de outro modo, os quais apontam para aperspectiva <strong>da</strong>s diferenças <strong>cultura</strong>is, de suas mu<strong>da</strong>nças por meio <strong>da</strong> relação entre elas numespaço aonde a tradição nacionalista e as identi<strong>da</strong>des fixas têm sido questiona<strong>da</strong>s. São dois14 SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. Companhia <strong>da</strong>s Letras. São Paulo. 1995. p.24915 Ibid<strong>em</strong>. p. 37916 BHABHA, Homi. O Local <strong>da</strong> Cultura. Ed. UFMG. Belo Horizonte. 2001. p.46


23conceitos estu<strong>da</strong>dos também <strong>em</strong> Bhabha, Said, <strong>em</strong> suas obras já menciona<strong>da</strong>s; b<strong>em</strong> como <strong>em</strong>Stuart Hall (A Identi<strong>da</strong>de Cultural na Pós-Moderni<strong>da</strong>de); Édouard Glissant (Poetics ofRelation e Traité du Tout-Monde); Page Henry (Caliban’s Reason). Na perspectiva destesteóricos, identi<strong>da</strong>de e nação na moderni<strong>da</strong>de foram concebi<strong>da</strong>s como um ordenamentoracional e científico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que projetaria um novo ser de consciência revolucionária,com pretensão de estendê-lo universalmente. Podendo ser observado historicamente que,tanto o socialismo, como também nas experiências capitalistas houve a impl<strong>em</strong>entação de umprojeto totalizador do ser, de homogenei<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e de unificação de uma identi<strong>da</strong>denacional.O nacionalismo e a idéia de identi<strong>da</strong>de única <strong>em</strong> torno do ser revolucionário sãofenômenos essenciais pelos quais o socialismo <strong>cuba</strong>no estruturou seu poder, seguindo omodelo soviético, para salvaguar<strong>da</strong>r a linha ideológica e única do partido comunista e sedefender dos conflitos com o mundo capitalista. Benedict Anderson faz referência aonacionalismo no mundo socialista concor<strong>da</strong>ndo com as palavras de Eric Hobsbawn queafirma que “os movimentos e Estados marxistas tenderam a tornar-se nacionais não apenas naforma, mas também na substância, isto é, nacionalistas. Na<strong>da</strong> indica que essa tendência nãopersistirá.” 17 Ao estabelecer a identi<strong>da</strong>de nacional como revolucionária, o regime socialistaengendrou a criação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de do exílio, marca<strong>da</strong> pela diversi<strong>da</strong>de e pelo contraponto àidenti<strong>da</strong>de “unifica<strong>da</strong>” e “estável” como menciona Stuart Hall ao analisar o processo deidentificação nas “socie<strong>da</strong>des <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de tardia”. 18 Este estudo se deterá <strong>sob</strong>re ofenômeno do exílio, retratando circunstâncias específicas de saí<strong>da</strong> por motivação política,como delimitação de fenômenos migratórios mais amplos s<strong>em</strong> entrar na análise de diferentescondições históricas de migração. O exílio e a projeção de uma outra identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l serãotratados de forma mais detalha<strong>da</strong> no capítulo três.Para uma breve relação com o mundo capitalista, o fenômeno nacionalista oscilaentre momentos de ditaduras fascistas e do neoliberalismo. Durante o fascismo, onacionalismo assumiu sua feição mais violenta e totalitária. E a tendência na era <strong>da</strong>globalização é de que as fronteiras nacionais sejam ca<strong>da</strong> vez mais contesta<strong>da</strong>s no planoeconômico incidindo <strong>sob</strong>re o deslocamento <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des fecha<strong>da</strong>s <strong>em</strong> torno de uma <strong>cultura</strong>nacional.17 HOBSBAWN, Eric. apud ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. Tradução de LólioLourenço de Oliveira . Editora Ática. São Paulo. 1989. pp. 10-1118 HALL, Stuart. A Identi<strong>da</strong>de Cultural na Pós-Moderni<strong>da</strong>de. DP&A Editora. Rio de Janeiro. 2001. p. 12


24O momento <strong>da</strong> globalização apresenta sinais de desmoronamento <strong>da</strong>s fronteirasfecha<strong>da</strong>s, impulsionados, <strong>sob</strong>retudo, pela força econômica do mercado, mas, por outro lado,eles mantém práticas ideológicas de xenofobia que são pontua<strong>da</strong>s no mundo capitalista,impondo sua identi<strong>da</strong>de nacional “civilizadora” de outros povos e <strong>cultura</strong>s por meio de umasist<strong>em</strong>ática política de hostili<strong>da</strong>de à identi<strong>da</strong>de dos imigrantes. Stuart Hall analisa a maneiracomo os países compet<strong>em</strong> entre si no sist<strong>em</strong>a capitalista global para ocupar<strong>em</strong> o espaço dericas nações. O nacionalismo é disputado tanto por nações que se <strong>em</strong>anciparam e pretend<strong>em</strong>alcançar o status universal do poder Ocidental, como por nações já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>em</strong> tradiçõesimperialistas. Dessa forma o nacionalismo se manifesta <strong>em</strong> países dominados no passado e seapoiaram na idéia de nação como discurso de <strong>em</strong>ancipação, quanto <strong>em</strong> países que viveram aexperiência <strong>da</strong> dominação imperialista, quando adotam políticas restritivas à interação <strong>da</strong>população imigrante. Hall cita Immanuel Wallerstein <strong>sob</strong>re essa contradição do nacionalismono mundo moderno:...os nacionalismos do mundo moderno são a expressão ambígua [de umdesejo] por... assimilação no universal... e, simultaneamente, por ... adesãoao particular, à reinvenção <strong>da</strong>s diferenças. Na ver<strong>da</strong>de, trata-se de umuniversalismo através do particularismo e de um particularismo através douniversalismo. 19Diante dessa ambivalente situação <strong>em</strong> que as <strong>cultura</strong>s se permeiam e setransfer<strong>em</strong> umas às outras <strong>em</strong> circunstâncias nacionalistas de diversos matizes ( no socialismoe no capitalismo), ganha espaço a reflexão <strong>sob</strong>re a relação entre <strong>cultura</strong> e poder, apreendi<strong>da</strong>do sentido do contexto <strong>da</strong>s impurezas e misturas <strong>cultura</strong>is. O efeito dos deslocamentos<strong>cultura</strong>is é produzido nas abor<strong>da</strong>gens teóricas e nos posicionamentos políticos que transitamentre as idéias de “tradução” e de “tradição” no sentido de que os teóricos como Glissant,Bhabha e Stuart Hall apontam. A tendência <strong>da</strong>s idéias de identi<strong>da</strong>des fixas <strong>em</strong> torno de suasorigens e tradições é a de ser<strong>em</strong> recoloca<strong>da</strong>s na dimensão transitória quando postas <strong>em</strong>contato com outras <strong>cultura</strong>s. Na perspectiva destes autores elas são “traduzi<strong>da</strong>s”, concebi<strong>da</strong>scomo <strong>cultura</strong>s híbri<strong>da</strong>s que cruzam entre si el<strong>em</strong>entos de suas raízes <strong>em</strong> múltiplas relações<strong>cultura</strong>is que acenam para outros seres <strong>cultura</strong>is. 20E, por fim, como marco teórico, referente ao quarto capítulo que trata <strong>da</strong> análise<strong>da</strong>s Cartas a Encuentro de la Cultura Cubana, o estudo <strong>sob</strong>re a recepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> se pautou19 WALLERSTEIN, Immanuel. The national and the universal. In King, A. (org.). Culture, Globalization and theWorld Syst<strong>em</strong>. Londres: Macmillan, 1991 apud HALL, Stuart. A Identi<strong>da</strong>de Cultural na Pós-Moderni<strong>da</strong>de.DP&A Editora. Rio de Janeiro. 2001. p. 57.20 Ibid<strong>em</strong>


25pela leitura <strong>sob</strong>re “hermenêutica <strong>da</strong> recepção” de Hans Robert Jauss, que atribui também aoleitor a função representativa <strong>da</strong> comunicação com o meio e sujeito <strong>da</strong> relação entre o texto ea socie<strong>da</strong>de. Pois ao intervir com sua subjetivi<strong>da</strong>de, o sujeito leitor t<strong>em</strong> participação nadifusão de representações e nas mu<strong>da</strong>nças do olhar <strong>sob</strong>re a reali<strong>da</strong>de. A compreensão deKoselleck <strong>sob</strong>re experiência e expectativa foi utiliza<strong>da</strong> para relacionar a extensão <strong>da</strong> <strong>revista</strong>com a comunicação aos leitores, as possibili<strong>da</strong>des que se ampliam na discussão de seus t<strong>em</strong>ase as novas expectativas cria<strong>da</strong>s a partir de suas leituras.2.2. CONTEXTO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DA REVISTA ENCUENTRO DELA CULTURA CUBANAA especifici<strong>da</strong>de do contexto <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana é a dofenômeno do exílio que se intensificou na déca<strong>da</strong> de 1990, que será trata<strong>da</strong> <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>associa<strong>da</strong> aos diversos fatores <strong>da</strong> conjuntura internacional e nacional.Abor<strong>da</strong>ndo <strong>em</strong> primeiro lugar a questão internacional, destaca-se nesta conjunturaa crise do sist<strong>em</strong>a socialista com a que<strong>da</strong> do Muro de Berlim <strong>em</strong> 1989, deflagrando o fimdesta experiência e trazendo uma nova reflexão <strong>sob</strong>re o sentido fragmentário do mundobipolarizado pela Guerra Fria. O deslocamento de jovens al<strong>em</strong>ães do lado oriental para oocidental, rompendo as barreiras do Muro, elucidou a visão simbólica de que as necessi<strong>da</strong>dese carências de vi<strong>da</strong> <strong>em</strong> seus vínculos <strong>cultura</strong>is, sociais, familiares e de <strong>sob</strong>revivência sãoimperativas numa socie<strong>da</strong>de e não se sucumb<strong>em</strong> perante qualquer imposição política eideológica. Elas pod<strong>em</strong> se encontrar submersas por um período de intensa repressão política,mas funcionam como uma bomba-relógio, prestes a eclodir seu grito de priori<strong>da</strong>de àsconveniências políticas. Mesmo que tenham decorrido déca<strong>da</strong>s para que fosse explosiva amanifestação de ruptura.Simultaneamente, soma-se a isto, as mu<strong>da</strong>nças no socialismo soviético desde1985 com a perestroika e a glasnost, e seu subseqüente desmoronamento. A partir de então, aex-União Soviética, o principal suporte econômico e político de Cuba, se viu na condiçãoprimeira de administrar sua crise interna e na impossibili<strong>da</strong>de de assistir à frágil economia dospaíses aliados.S<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, a per<strong>da</strong> dos mercados, dos créditos e dos preços acessíveis do LesteEuropeu afetou a produção industrial e o consumo interno, pois 80% do comércio <strong>cuba</strong>nodependiam dos antigos países socialistas. No início dos anos 1990, houve uma que<strong>da</strong> de


26aproxima<strong>da</strong>mente 34% do PIB. Diante disto o governo tomou algumas medi<strong>da</strong>s de reformaeconômica <strong>em</strong> 1993, que abriram a economia <strong>cuba</strong>na ao investimento estrangeiro: extensãodo trabalho por iniciativa própria; reconhecimento do papel <strong>da</strong> pequena e média <strong>em</strong>presa,ain<strong>da</strong> que com maior participação do setor estatal; autorização do mercado de meios deprodução que no conjunto dessas medi<strong>da</strong>s permitiu-se a criação de <strong>em</strong>pregos no momento <strong>em</strong>que o Estado não podia mais evitar tais mu<strong>da</strong>nças e n<strong>em</strong> absorver o contingente disponível nasocie<strong>da</strong>de. 21Cuba, então, foi fort<strong>em</strong>ente afeta<strong>da</strong> pela per<strong>da</strong> de seus ex-colaboradores do LesteEuropeu, e, ain<strong>da</strong> tendo que se manter frente ao histórico <strong>em</strong>bargo econômico imposto pelosEstados Unidos. Essa é uma questão também trata<strong>da</strong> na <strong>revista</strong>, quanto ao questionamento<strong>sob</strong>re até que ponto o <strong>em</strong>bargo pode ser responsabilizado pela crise política <strong>em</strong> Cuba. Obloqueio se tornou o grande inimigo que justifica to<strong>da</strong> crise econômica interna e anecessi<strong>da</strong>de de endurecimento do regime para combater os opositores, consideradoscolaboradores <strong>da</strong> política econômica dos Estados Unidos contra Cuba.Mas paralelamente à conjuntura internacional, a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na a partir dosanos 1990 deparou-se com a intensificação do processo de <strong>em</strong>igração, por motivaçãoeconômica, e do exílio, por perseguição política, e o governo se utilizou desses fenômenoscomo estratégia de eliminação <strong>da</strong> dissidência interna e salvaguar<strong>da</strong>r sua estrutura de poder. Acontinui<strong>da</strong>de do regime castrista, do ponto de vista governamental, consistia norecrudescimento <strong>da</strong> defesa frente à adversi<strong>da</strong>de do mundo global e no autoritarismo frente àpopulação <strong>cuba</strong>na. A prática adota<strong>da</strong> pelo governo para manter coesa a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong>relação à ameaça de um retorno à dependência <strong>da</strong>s relações capitalistas, <strong>sob</strong>retudo <strong>em</strong> relaçãoaos Estados Unidos, t<strong>em</strong> sido controlar internamente sua oposição, prendendo-a, silenciando-aou expulsando-a de seu território.A <strong>em</strong>igração nesse momento esteve associa<strong>da</strong> ao exílio, questão muito debati<strong>da</strong>entre os intelectuais <strong>cuba</strong>nos, pois alguns diferenciam essas noções e até faz<strong>em</strong> contraposiçãoentre elas por considerar o exílio um fenômeno explicitamente político, enquanto a <strong>em</strong>igraçãotraz uma noção de neutrali<strong>da</strong>de, devendo ser analisa<strong>da</strong> enquanto fenômeno histórico-<strong>cultura</strong>lde Cuba e de todo o Caribe. Nesse caso, as diferenças ou fronteiras entre exílio e migraçãopod<strong>em</strong> se constituir pouco precisas, pois as <strong>em</strong>igrações <strong>em</strong> balsas pod<strong>em</strong> ser vistas como umexílio voluntário, mesmo que indiretamente forçado pelas condições sociopolíticas. RafaelRojas, <strong>em</strong> seu artigo na Encuentro de la Cultura Cubana, compreende essa relação utilizando21 GONZALES, Viviana Togores. Cuba: Los Efectos Sociales de la Crisis y el Ajuste Económico de los Año 90.Centro de Estudos de la Economia Cubana. Universi<strong>da</strong>d de la Habana.


27o termo “diáspora” para designar o espaço <strong>em</strong> que <strong>em</strong>igração e exílio se encontram reunidos efaz referência crítica a alguns autores que discut<strong>em</strong> essa questão, entre eles Victor Fowler(Mira<strong>da</strong>s a la identi<strong>da</strong>d de la literatura de la diáspora, Revista T<strong>em</strong>as, 1996, n. 6) porabor<strong>da</strong>r as noções de <strong>em</strong>igração e exílio numa contraposição binária, mas a refuta:No veo, pues, una relación excluyente entre los conceptos de diáspora yexílio, ya que la primera quiere significar el conjunto de todos los espaciosmigratorios, mientras que el segundo se refiere a un tipo específico de<strong>em</strong>igración: aquélla que concibe el éxodo como destierro nacional, comoviaje hacia la oposición política. Dicho gráficamente: Miami es un lugar dela diáspora, pero la mayoría de sus habitantes aún vive en el exilio. 22A diáspora é um termo que se origina <strong>da</strong> história <strong>da</strong> dispersão ju<strong>da</strong>ica. Para Rojas,no contexto <strong>da</strong> marginalização <strong>cultura</strong>l e política pós-revolucionária, a diáspora compreendeum mapa onde não há um território fixo para a <strong>em</strong>igração, é uma representação que denominade “desterritorializa<strong>da</strong>”, que vai de um desterro ao cosmopolitismo entr<strong>em</strong>eado por umafronteira flexível. É todo espaço que abriga os diferentes movimentos migratórios, ondeocorre o descentramento para uma identi<strong>da</strong>de mais aberta e <strong>cultura</strong>lmente heterogênea. E noespaço diaspórico o exílio se encontra, constituindo-se neste “ci<strong>da</strong>dão do não-lugar” quequebra a identi<strong>da</strong>de nacional revolucionária, por isto sua mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de numa <strong>em</strong>igraçãopolítico-<strong>cultura</strong>l, para <strong>em</strong> outros lugares test<strong>em</strong>unhar uma identi<strong>da</strong>de híbri<strong>da</strong> que rompe oslimites do nacionalismo. 23 A diáspora não é todo exílio, <strong>da</strong> mesma forma que o exílio não éto<strong>da</strong> diáspora. Mas o exílio ocupa o conjunto extraterritorial <strong>da</strong> diáspora, que conduz suanacionali<strong>da</strong>de a espaços nacionais diversos. O espaço extraterritorial é compreendido comotodo aquele ocupado pelos <strong>cuba</strong>nos fora de Cuba, onde sua identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l é representa<strong>da</strong>e refeita na produção de novos símbolos e novos sentidos conforme Suart Hall concebe aidenti<strong>da</strong>de: “As <strong>cultura</strong>s nacionais, ao produzir sentidos <strong>sob</strong>re ‘nação’, sentidos com os quaispod<strong>em</strong>os nos identificar, constro<strong>em</strong> identi<strong>da</strong>des.” 24 E, esta produção de sentido não se dáapenas <strong>em</strong> circunstâncias limites do território nacional, mas também <strong>em</strong> condiçõesextraterritoriais.Como ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> <strong>em</strong>igração <strong>cuba</strong>na, entre 1989 e 1994, 16.778 pessoas partiramde Cuba rumo aos EUA de maneira clandestina, conforme <strong>da</strong>dos apresentados no artigo de22 ROJAS, Rafael. Diaspora y literatura. Revista Encuentro de la Cultura Cubana. Madrid. Primavera /Verano de 1999. Vol.12/13. p.14023 Ibid<strong>em</strong>. pp. 136-14624 HALL, Stuart. A Identi<strong>da</strong>de Cultural na Pós-Moderni<strong>da</strong>de. DP&A Editora. Rio de Janeiro. 2001. p.51


28Holly Ackerman, que aspiravam condições melhores de vi<strong>da</strong>. Elas fugiam <strong>em</strong> pequenosgrupos de familiares e amigos s<strong>em</strong> vínculos com organização política, apenas queriam suprirsuas carências <strong>em</strong> uma outra forma de <strong>sob</strong>revivência fora do país. Esse enfrentamento, queaparent<strong>em</strong>ente se apresentava como s<strong>em</strong> grandes pretensões políticas, gerou um fato históricoimportante conhecido como a “crise dos balseiros”, configurando uma ação social de alcanceinternacional, e com repercussões políticas para o governo <strong>cuba</strong>no, porque teve quesuspender, posteriormente à crise, a repressão <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> dos balseiros para os Estados Unidos.A proibição anterior de saí<strong>da</strong> do país levou à morte de vários balseiros, resultando <strong>em</strong> umacordo entre Cuba e EUA diante <strong>da</strong> crise migratória. Este pacto previa a devolução dosbalseiros a Cuba, com a permissão aos EUA de fazer<strong>em</strong> inspeção <strong>em</strong> território <strong>cuba</strong>no paraaveriguar denúncias <strong>da</strong> existência ou não de violação dos direitos humanos. Após o acordo,entre agosto e set<strong>em</strong>bro de 1994, 32.385 pessoas se aceleraram na <strong>em</strong>igração <strong>sob</strong> a proteção<strong>da</strong> guar<strong>da</strong> costeira americana. 25 A crise dos balseiros resultou na conquista política por parte<strong>da</strong> população junto ao governo <strong>cuba</strong>no <strong>em</strong> que teve que recuar <strong>em</strong> sua política de <strong>em</strong>igração.Juntamente a esse episódio que acabou por configurar um conflito político entre apopulação <strong>em</strong>igra<strong>da</strong> e o governo <strong>cuba</strong>no somam-se os de ord<strong>em</strong> econômica que afetamdiretamente a planeja<strong>da</strong> economia socialista, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que o Estado se beneficiadela. Na déca<strong>da</strong> de 1990, o intenso movimento de <strong>em</strong>igrantes desencadeou o fenômeno <strong>da</strong>sr<strong>em</strong>essas familiares, que decorre do envio de dinheiro por parte de um contingente humano detrabalho, qualificado e fora do país, a seus familiares <strong>em</strong> Cuba. A dimensão <strong>da</strong> transferênciade recursos privados externos para as famílias <strong>em</strong> Cuba t<strong>em</strong> ganhado relevância, viabilizandoa inserção do país na economia internacional e possibilitando a modernização de ativi<strong>da</strong>des deiniciativa própria, lidera<strong>da</strong> por setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na que estão recebendo aju<strong>da</strong> de fora.A economia <strong>da</strong>s r<strong>em</strong>essas familiares é um fenômeno ain<strong>da</strong> pouco estu<strong>da</strong>do, com<strong>da</strong>dos oficiais de difícil alcance, porém é visível sua contribuição para amenizar o<strong>em</strong>pobrecimento de boa parte <strong>da</strong> população, pois proporciona a entra<strong>da</strong> de divisas para aeconomia, gera investimentos <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>des produtivas que abastec<strong>em</strong> o mercado interno <strong>em</strong>ovimenta um setor economicamente independente do Estado. Como afirma Pedro Monreal,economista <strong>cuba</strong>no residente <strong>em</strong> Havana:La activi<strong>da</strong>d de r<strong>em</strong>esas es por tanto uno de los más importantes sectores dela economía <strong>cuba</strong>na cont<strong>em</strong>poránea en términos de inserción internacional,25 ACKERMAN, Holly. Protesta social en la Cuba actual: los balseros de 1994. Revista Encuentro de laCultura Cubana. Madrid. Invierno de 1996/1997 Vol.3. p.126.


29solamente supera<strong>da</strong> por el turismo y el azúcar, en cuanto al volumen deingresos brutos en divisas aunque en términos de aporte neto de divisas a laeconomía, la activi<strong>da</strong>d de r<strong>em</strong>esas es el sector líder. 26Atraindo setores significativos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, a economia <strong>da</strong>s r<strong>em</strong>essascoloca <strong>em</strong> evidência a fragili<strong>da</strong>de do governo para deter seu avanço, obrigando-o a buscarformas alternativas de interação com estes canais de ativi<strong>da</strong>de econômica proporcionadospela população <strong>em</strong>igra<strong>da</strong>. Reais protagonistas <strong>da</strong> economia do país, atualmente estes setorestêm revelado sua capaci<strong>da</strong>de de inserção na estrutura de poder do sist<strong>em</strong>a planificado deprodução e distribuição dos bens dentro de Cuba. Segundo Monreal, a família t<strong>em</strong> seconstituído na uni<strong>da</strong>de econômica decisiva no sist<strong>em</strong>a de r<strong>em</strong>essas, cabendo aos <strong>em</strong>igrantes opoder de decisão <strong>sob</strong>re o processo de criação de fundos disponíveis, de fazer ou não fazerr<strong>em</strong>essas, <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de a ser r<strong>em</strong>eti<strong>da</strong> e <strong>sob</strong>re seu uso, onde aplicar ou investir. 27Isto significa que o exílio e a <strong>em</strong>igração, ou diáspora, segundo Rojas, juntamentecom o seu significado político-<strong>cultura</strong>l, representam uma condição econômica a ser resolvi<strong>da</strong>nos países de acolhi<strong>da</strong>, como também é preciso observar a atuação desta população <strong>em</strong>igra<strong>da</strong>,no papel de sujeito de uma relação econômica importante que mantêm com o Estado e asocie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na. A fragmentação política t<strong>em</strong> se tornado obsoleta diante <strong>da</strong> relevânciaeconômica <strong>da</strong>s r<strong>em</strong>essas familiares, que impõe a necessi<strong>da</strong>de de uma negociação entre Cuba eo exílio. O governo <strong>cuba</strong>no, de uma maneira ou de outra, v<strong>em</strong> se submetendo ao acordo como exílio e ao conjunto dos de “fora”, para manter minimamente um equilíbrio sócioeconômicointerno. É o efeito colateral do próprio regime. Ao não oferecer autonomia de<strong>em</strong>preendimento à socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong> função <strong>da</strong> meta de totalizar as ativi<strong>da</strong>des econômicas peloEstado, <strong>em</strong>igrou a capaci<strong>da</strong>de produtiva de seus adversários políticos e, hoje, estes mesmossetores, paradoxalmente, contribu<strong>em</strong> de forma decisiva para que a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na não entrenum colapso total. É uma questão de <strong>sob</strong>revivência do próprio Estado <strong>cuba</strong>no, ter quenegociar inclusive no plano econômico com o exílio.Do ponto de vista político e <strong>cultura</strong>l, a déca<strong>da</strong> de 1990 representa para osintelectuais e escritores <strong>cuba</strong>nos, ain<strong>da</strong> que os sinais de enfraquecimento do socialismo realsejam visíveis como já foi mencionado, persiste a marginalização política oficialmenteinstituí<strong>da</strong> e a dificul<strong>da</strong>de de continuar produzindo suas narrativas no âmbito do territórionacional. A alternativa para estes setores representativos de uma interpretação independente26 MONREAL, Pedro. Las r<strong>em</strong>esas familiares en la economia <strong>cuba</strong>na. Revista Encuentro… Madrid. Otoño de1999. Volume 14. p.5027 Ibid<strong>em</strong>


30<strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na t<strong>em</strong> sido criar significações diferenciadoras e explicativas fora de umcontexto de legali<strong>da</strong>de estatal. Trata-se de um contraponto à institucionalização <strong>da</strong> concepçãomaterialista <strong>da</strong> história, de uma ord<strong>em</strong> metafísica revolucionária que impõe a exclusão deoutras formas de identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e política fora <strong>da</strong> concepção oficial.O inconformismo é típico <strong>da</strong> inquietação intelectual e, precisamente por isto,<strong>em</strong>erge <strong>em</strong> situações de aparente generali<strong>da</strong>de homogênea <strong>da</strong>s representações. Adverte umaexistência incomum dentro de uma ord<strong>em</strong> dominante – <strong>em</strong> que o ser é metafisicamenteconstruído para que todos o alcanc<strong>em</strong>. Mas ao se deparar com a condição anterior de um serantropológico, esta inquietação revela o ser impróprio e transgressor de qualquer nivelamentopolítico-<strong>cultura</strong>l. Sob este ponto de vista, o exílio <strong>cuba</strong>no, delimitado neste trabalho peladéca<strong>da</strong> de 1990, reage à tentativa de imposição de uma escrita padroniza<strong>da</strong> e uniformiza<strong>da</strong> <strong>da</strong>Revolução de 1959, resiste ao poder excessivo dos discursos oficiais <strong>em</strong> seu espaçoextraterritorial como também dentro de Cuba, d<strong>em</strong>arcando a heterogenei<strong>da</strong>de como presença<strong>da</strong> qual nenhum contexto histórico pode prescindir.Como ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> presença dessa heterogenei<strong>da</strong>de, mesmo <strong>em</strong> momentos deimposição de uma homogenei<strong>da</strong>de política, a história de Cuba t<strong>em</strong> mostrado, direta ouindiretamente, a capaci<strong>da</strong>de de inserção de seus intelectuais <strong>em</strong> diferentes contextos. Apresença de periódicos e <strong>revista</strong>s ao longo de sua história, especialmente a partir do séculoXX, com o advento <strong>da</strong> República, test<strong>em</strong>unha a influência na produção de outros imagináriosque acenam uma possibili<strong>da</strong>de nova de compreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na e de vivenciar sua<strong>cultura</strong>. Era uma maneira de trazer a <strong>cultura</strong> como categoria diferenciadora na condução doprocesso político <strong>em</strong> geral, tanto no posicionamento social crítico, quanto <strong>em</strong> situações dereprodução do poder político.Apenas para mencionar algumas destas publicações, durante a déca<strong>da</strong> de 1920,com to<strong>da</strong> increduli<strong>da</strong>de dos escritores diante dos probl<strong>em</strong>as de ord<strong>em</strong> política, foi edita<strong>da</strong> aRevista de Avance, como resultado <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Junta Nacional de Renovação Cívicadirigi<strong>da</strong> por Fernando Ortiz, que discorria <strong>sob</strong>re uma posição contra a ditadura de GerardoMachado. Duas déca<strong>da</strong>s depois foi lança<strong>da</strong> a Revista Orígenes (1944-1956), encabeça<strong>da</strong> porJosé Lezama Lima, que representou uma geração de escritores nota<strong>da</strong>mente niilistas (CintioVitier, Eliseo Diego, Fina García Marruz e Octavio Smith), desafetos com os percalçospolíticos, e que, no entanto, não deixaram de traduzir a intenção de que é a poesia, pela suaimaginação e criativi<strong>da</strong>de, a forma política ideal para reger a ci<strong>da</strong>de, segundo Rafael Rojas. 2828 ROJAS, Rafael. El intelectual y la revolución. Contrapunteo <strong>cuba</strong>no del nihilismo y el civismo. MadriPrimavera/Verano de 2000. Vol. 16/17. pp. 80-88


31De 1959 a 1961 foi editado o s<strong>em</strong>anário Lunes de Revolución, dirigido porGuillermo Cabrera Infante e Pablo Armando Fernández, que se constituía no supl<strong>em</strong>ento<strong>cultura</strong>l do jornal Revolución (1959-1965). A <strong>revista</strong> Casa de las Américas, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>em</strong> 1960dentro do princípio de se constituir <strong>em</strong> um centro <strong>cultura</strong>l de Cuba e <strong>da</strong> América Latina, erepresentar a <strong>cultura</strong> revolucionária, continua sua publicação até o momento atual. Em 1966foi criado o supl<strong>em</strong>ento literário El Caimán Barbudo <strong>da</strong> União dos Jovens Comunistas,fechado no ano seguinte por motivos ideológicos. Pensamento Crítico, publicação liga<strong>da</strong> aoDepartamento de Filosofia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Havana, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>em</strong> 1967 e dirigi<strong>da</strong> porJesús Díaz.Outra publicação importante é a do grupo literário <strong>cuba</strong>no no exílio <strong>em</strong> Miami,pertencente à “generación del Mariel” que surgiu <strong>em</strong> 1983 com o nome Mariel. Estadenominação se refere ao momento <strong>em</strong> que grande parte de seus editores correspondeu aoêxodo massivo de Cuba aos Estados Unidos <strong>em</strong> 1980 pelo porto de Mariel. A fuga do regimecastrista marcará sua narrativa de busca pela liber<strong>da</strong>de no exílio. De 1983 a 1985 seu conselhoeditorial era composto por Reinaldo Arenas, Juan Abreu e Reinaldo García Ramos. Numsegundo momento, <strong>em</strong> 1986, sua direção foi acresci<strong>da</strong> <strong>da</strong> participação de Márcia Morgado eLydia Cabrera. Essas publicações foram cita<strong>da</strong>s apenas para ilustrar a presença dosintelectuais, por meio do veículo comunicativo que dispõ<strong>em</strong>, na intervenção <strong>em</strong> diferentescontextos históricos, como críticos, contestadores e até de colaboradores com o status quo.Mostram ain<strong>da</strong> que a diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e política <strong>em</strong> Cuba são constitutivas de seu processohistórico e se afirmam como el<strong>em</strong>ento de resistência <strong>em</strong> situações de poder monolítico.O surgimento <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana está inserido nocontexto <strong>da</strong>s características do exílio <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, <strong>em</strong> que os intelectuais estãoenvolvidos na discussão <strong>em</strong> superar o binarismo dentro/fora próprio <strong>da</strong>s gerações <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>santeriores do período pós-revolucionário, mesmo considerando a heterogenei<strong>da</strong>de de posiçõespresente no exílio <strong>em</strong> seus diferentes momentos.Uma breve revisão histórica do exílio <strong>cuba</strong>no dos primeiros anos <strong>da</strong> Revolução de1959 até os anos de 1990, talvez esclareça o que o exílio mais recente se diferencia dosanteriores. É importante esclarecer que nenhuma <strong>da</strong>s gerações de exilados pós-revolução podeser caracteriza<strong>da</strong> de forma homogênea, ca<strong>da</strong> período traz diferenças na sua composição, quenão cabe detalhar aqui, entretanto será traçado apenas o essencial que caracteriza o perfilpolítico do exílio <strong>cuba</strong>no ao longo desses anos de Revolução.Madeline Câmara pontua a primeira geração de exilados dos anos de 1960 comosendo marca<strong>da</strong> pelos representantes dos antigos proprietários e homens de negócios que


32perderam seus bens e capitais e buscam recuperá-los, b<strong>em</strong> como retomar o poder político <strong>em</strong>Cuba, associando-se à posição do <strong>em</strong>bargo econômico norte-americano junto à Ilha ereferen<strong>da</strong>m to<strong>da</strong> política anti-castrista impl<strong>em</strong>enta<strong>da</strong> pelos Estados Unidos. Esses setoresconsiderados mais radicais de uma posição contra-revolucionária criaram no início dos anos1980 nos Estados Unidos, organizações políticas próprias como a Fun<strong>da</strong>ção Cubano-Americana e o Comitê Cubano pela D<strong>em</strong>ocracia. 29A segun<strong>da</strong> geração é constituí<strong>da</strong> de <strong>cuba</strong>nos que saíram de Cuba durante os anosde 1970 e 1980, ain<strong>da</strong> meninos, que se formaram nos Estados Unidos e buscaram sereorganizar na discussão <strong>sob</strong>re a d<strong>em</strong>ocracia <strong>em</strong> Cuba mediante instituições que garantameleições e o pluriparti<strong>da</strong>rismo. Essas gerações, segundo Madeline Cámara, marcaram umahistória de confrontos entre Cuba e o exílio, que ela assim os caracteriza:Cierto es que muchos de los que definen la absoluta legitimi<strong>da</strong>d del“adentro” lo hacen con una agen<strong>da</strong> política ultranacionalista que persigue elmantenimiento del actual modelo de socialismo en Cuba; pero cierto es,ad<strong>em</strong>ás, que la mayoría de quienes optaran por la “sali<strong>da</strong>”, también hanconvertido la exteriori<strong>da</strong>d en una barrica<strong>da</strong> para defender otra versión(capitalista y d<strong>em</strong>ocratiza<strong>da</strong>) del nacionalismo. 30Outra referência histórica desse exílio <strong>cuba</strong>no foi encontra<strong>da</strong> na Internet porWillian M. Leogrande pela NACLA (North American Congresso on Latin American) ondeabor<strong>da</strong> as diferenças <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>no-americana quanto a seus vínculos familiares comCuba, e de como essas relações foram se modificando conforme as características do exílio deca<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> após a Revolução de 1959.As divisões dentro <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de eram b<strong>em</strong> delinea<strong>da</strong>s; a geração maisvelha de <strong>cuba</strong>nos-americanos que partiu de Cuba nos anos 60 e 70 tende afavorecer uma política de linha dura, muito mais do que a geração maisnova, que partiu nos anos 80 e 90, ou que nasceu nos E.U.A. Os imigrantesque saíram de Cuba mais tarde, <strong>da</strong> passag<strong>em</strong> do barco Mariel <strong>em</strong> diante,eram predominant<strong>em</strong>ente refugiados econômicos, não políticos. Ao contrário<strong>da</strong>queles exilados dos anos 60, estes não cultivavam o mesmo nível deanimosi<strong>da</strong>de ideológica <strong>em</strong> relação a Cuba. Estes também eramesmagadoramente a favor de viagens de familiares e de comércio com finshumanitários, ao passo que a geração mais velha se opunha a tais medi<strong>da</strong>s.“Há uma divisão na comuni<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>no-americana entre aqueles que ain<strong>da</strong>têm parentes <strong>em</strong> Cuba e aqueles que não os têm”, explica o professorLisandro Pérez <strong>da</strong> UIF. “A maior parte <strong>da</strong> liderança <strong>cuba</strong>no-americana v<strong>em</strong><strong>da</strong> população que veio nos anos 60 e 70. Estes provavelmente não têm mais29 CÁMARA, Madeline. Hacia una utopia de la resistência. Revista Encuentro…Madrid. 1997. Vol. 4/5. p.15130 Ibid<strong>em</strong>


33família <strong>em</strong> Cuba.” Dentre os imigrantes mais recentes “a maior preocupaçãoé de aju<strong>da</strong>r suas famílias.” 31A terceira geração de exilados é forma<strong>da</strong> por jovens que estu<strong>da</strong>ram <strong>em</strong> Cuba esaíram durante os anos de 1980 e 1990. Segundo Madeline Cámara, são intelectuais,escritores, artistas plásticos que não encontram oportuni<strong>da</strong>de de realização profissional epessoal dentro de Cuba, “se consideran intelectuales ‘desterritorializados’”. 32 É uma geraçãoque buscou durante trinta anos intervir na luta interna por uma d<strong>em</strong>ocratização do processorevolucionário e apostava na afirmação <strong>da</strong> heterogenei<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e política dentro de Cuba.São intelectuais que, <strong>em</strong> geral, participaram <strong>da</strong> Revolução de 1959, defenderam-na evivenciaram o esgotamento de suas tentativas <strong>em</strong> conquistar seu espaço profissional, social epolítico <strong>em</strong> Cuba e viram a degra<strong>da</strong>ção de uma utopia. Mas levaram consigo para o exílio acontinui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luta pela diversi<strong>da</strong>de como t<strong>em</strong>a para uma discussão <strong>sob</strong>re transição política ede uma nova relação entre Cuba e o exílio, sustenta<strong>da</strong> por idéias de tolerância política. A<strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana <strong>em</strong>erge desse cenário cujo sentido é pronunciado porPío E. Serrano, um dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, de “poner fin a los discursos heg<strong>em</strong>ónicos y <strong>da</strong>rpaso a una nueva <strong>cultura</strong> de la diferencia.” 33A explanação deste contexto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, internacional e nacional, <strong>em</strong>que, evident<strong>em</strong>ente, n<strong>em</strong> todos foram abarcados, t<strong>em</strong> como objetivo procurar entender ascircunstâncias mais gerais que pontuaram a criação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la CulturaCubana. Ela surge, portanto, face à correlação de confrontos que caracteriza a condiçãohistórica de Cuba hoje – a fragili<strong>da</strong>de de sua estrutura sócio-econômica associa<strong>da</strong> à políticado regime <strong>em</strong> se impor a qualquer custo, que busca por meio <strong>da</strong> centralização e doautoritarismo perpetuar-se no poder, tendo como suporte ideológico a defesa e reprodução dodiscurso revolucionário.Tanto a <strong>em</strong>igração quanto o exílio – uma estimativa de dois milhões de <strong>cuba</strong>nosfora do país – representam fatores históricos de extr<strong>em</strong>a relevância, pois projetam o <strong>cuba</strong>nocomo um sujeito com presença internacional expressiva no mundo cont<strong>em</strong>porâneo, que t<strong>em</strong><strong>da</strong>do continui<strong>da</strong>de a sua história <strong>em</strong> outros espaços territoriais, entrecruzando-se com outras<strong>cultura</strong>s, recriando uma identi<strong>da</strong>de na relação com os países de acolhi<strong>da</strong>. E, segundo opropósito <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, a Encuentro de la Cultura Cubana pretende ser este “lugar” de31 LEOGRANDE, William M. Uma política dirigi<strong>da</strong> por políticos: a política <strong>cuba</strong>na de Washington ain<strong>da</strong> está <strong>em</strong>pauta, por enquanto. 2000. Disponível <strong>em</strong>: Http://www.nacla.org32 CÁMARA, Madeline. Hacia una utopia de la resistência. Revista Encuentro…Madrid. 1997. Vol. 4/5. p.15133 SERRANO, Pio E. Cinco reflexiones <strong>sob</strong>re la reali<strong>da</strong>d <strong>cuba</strong>na poscastrista. Revista Encuentro… Madrid.1997. Vol.6/7. p. 221


34acolhimento <strong>da</strong> produção narrativa <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, resistindo nestes espaços de“dentro” e de “fora” <strong>da</strong> Ilha, na perspectiva de uma recriação autônoma de sua <strong>cultura</strong>.A idéia de resistência pode ser útil para esboçar o movimento dos intelectuais quetraduz<strong>em</strong> a história de Cuba e simbolizam a resposta <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> à reali<strong>da</strong>de material <strong>da</strong>scondições econômicas, políticas e objetivas. Não se trata de uma resistência nos moldestradicionais <strong>da</strong> história projeta<strong>da</strong> por uma organização explicitamente político-partidária, mastraça<strong>da</strong> por um posicionamento crítico, pela ênfase nos el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> que a <strong>cultura</strong> manifestaafirmativamente sua anteriori<strong>da</strong>de e independência ao poder político dominante.Sobre a relação entre <strong>cultura</strong> e política, Edward W. Said afirma que “... a <strong>cultura</strong> éuma espécie de teatro <strong>em</strong> que várias causas políticas e ideológicas se enfrentam mutuamente.Longe de ser um plácido reino de refinamento apolíneo, a <strong>cultura</strong> pode até ser um campo debatalha onde as causas se expõ<strong>em</strong> à luz do dia e lutam entre si...” 34 .Homi K. Bhabha também ressalta que: “As formas de rebelião e mobilizaçãopopular são freqüent<strong>em</strong>ente mais subversivas e transgressivas quando cria<strong>da</strong>s através depráticas <strong>cultura</strong>is oposicionais”. 35Num sentido mais amplo, a <strong>cultura</strong> pode ser um campo de subversão política.Tanto <strong>em</strong> sua dimensão antropológica – preservação de cultos religiosos diversos, tradiçõeslingüísticas de grupos étnicos, movimentos musicais, como o jazz, o reggae, a salsa, o samba,enfim, fenômenos especificamente <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> popular que resist<strong>em</strong> a uma situação dominante– quanto <strong>em</strong> sua dimensão de um saber teórico, produzido pela argumentação histórica,sociológica, econômica, política, literária e artística. É mais significativa ain<strong>da</strong> quando umatransita entre a outra – e não <strong>sob</strong>re a outra – fazendo circular a argumentação popular e ateórica, s<strong>em</strong> que ambas se oponham, ou que uma busque sua preponderância <strong>sob</strong>re a outra.Portanto, a <strong>cultura</strong> tanto <strong>em</strong> sua visão popular quanto teórica acena para um t<strong>em</strong>po e lugar deinteração e relação discursiva onde se constro<strong>em</strong> representações políticas significativas numcontexto de transformação social.Bhabha discute a relação entre teoria e política, colocando <strong>em</strong> evidência e comoponto de parti<strong>da</strong> no seio desta o paradigma do hibridismo <strong>cultura</strong>l e histórico do mundo póscolonial.Este hibridismo situa-se no intervalo <strong>da</strong>s polari<strong>da</strong>des entre a teoria e a política.Concebe uma visão dialógica do político <strong>em</strong> que o “evento <strong>da</strong> teoria torna-se a negociação deinstâncias contraditórias e antagônicas, que abr<strong>em</strong> lugares e objetivos híbridos de luta e34 SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. Introdução. Companhia <strong>da</strong>s Letras. São Paulo. 1995. p.1435 BHABHA, Homi K. O Local <strong>da</strong> Cultura. O Compromisso com a Teoria. Ed. UFMG. Belo Horizonte. 2001.p.44


35destro<strong>em</strong> as polari<strong>da</strong>des negativas entre o saber e seus objetos, e entre a teoria e a razãoprático-política.” 36 A importância do fenômeno real e conceitual do hibridismo reside <strong>em</strong> seuimperativo histórico na “rearticulação, ou tradução de el<strong>em</strong>entos que não são n<strong>em</strong> o Um...n<strong>em</strong> o Outro..., mas algo a mais, que contesta os termos territórios de ambos.”37 (Grifo doautor)O princípio de “negociação política” <strong>em</strong> Bhabha reforça sua crítica às posturas de“negação” <strong>sob</strong>re representações opostas que, <strong>em</strong> geral, vêm acompanha<strong>da</strong>s de moralismopolítico, resultando num traço de negação <strong>cultura</strong>l e de separação <strong>da</strong>s diferenças <strong>cultura</strong>is. Osaber só é político se fun<strong>da</strong>mentado no reconhecimento do trânsito dos el<strong>em</strong>entos discursivosde “alteri<strong>da</strong>de”. 38 Nessa abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> não há binarismo entre teoria e política, representaçãopolítica e ação de massas, <strong>cultura</strong> produzi<strong>da</strong> intelectualmente e <strong>cultura</strong> popular, porém ummovimento de transferência de significados.É importante frisar que os discursos enunciados pela literatura, por ensaioshistóricos, etnográficos, antropológicos, pela dramaturgia, cin<strong>em</strong>a, teatro, música, artesplásticas, não significam uma neutrali<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l, o que poderia resultar na legitimação <strong>da</strong>spolarizações ou <strong>da</strong>s posições antitéticas. Mas busca suplantar discursos dicotômicos quesimplificam a reali<strong>da</strong>de <strong>em</strong> tergiversações particularistas e fragmentárias do campoheterogêneo do processo histórico <strong>em</strong> que, muitas vezes, os pólos extr<strong>em</strong>os eleg<strong>em</strong> para si acapaci<strong>da</strong>de de homogeneizar, do ponto de vista <strong>da</strong> sua ver<strong>da</strong>de, as diferenças <strong>cultura</strong>is. Aênfase na resistência a partir do discurso afirmativo do que produz o imaginário e a <strong>cultura</strong> deuma nação pode trazer alcances históricos e teóricos relevantes para o conhecimento destamesma <strong>cultura</strong>, b<strong>em</strong> como para um avanço político no processo de transformação social.A edição <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana se dá neste contexto <strong>da</strong>extraterritoriali<strong>da</strong>de, nos diferentes espaços nacionais que habitam os exilados, <strong>em</strong>igrados e osde “dentro” numa tentativa de aglutiná-los <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> escrita. Tal escrita t<strong>em</strong> a presença <strong>da</strong>angústia <strong>em</strong> se a<strong>da</strong>ptar ao exílio e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, a relação enriquecedora entre aidenti<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l dos exilados e a <strong>cultura</strong> de acolhi<strong>da</strong>, retratando a condição transnacionalde vi<strong>da</strong> e sua reflexão <strong>sob</strong>re as contradições do país de orig<strong>em</strong>. A <strong>revista</strong>, portanto, concretizaa organização dessa <strong>cultura</strong>, traduzi<strong>da</strong> por intelectuais que buscam a narrativa do diálogoentre os que estão “dentro” e os que estão “fora” <strong>da</strong> Ilha, trazendo a oportuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> releitura36 Ibid<strong>em</strong>. p. 5137 Ibid<strong>em</strong> p. 5538 Ibid<strong>em</strong>. p. 49


36<strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na para além <strong>da</strong> concepção fixa do nacionalismo revolucionário ouanti-revolucionário.Partindo do pressuposto de que seus colaboradores, <strong>em</strong> sua grande maioria, são<strong>cuba</strong>nos exilados <strong>em</strong> diversos países e outra parte residente na Ilha, fica claro a condiçãohistórica de qu<strong>em</strong> vive, sente, sofre, pensa, escreve e luta para que a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>namantenha-se viva e articula<strong>da</strong> <strong>sob</strong> alguma forma no exílio e <strong>em</strong> contato com os quepermanec<strong>em</strong> no país. Dessa forma, a <strong>revista</strong> simboliza este real histórico <strong>da</strong> relação entreCuba e o exílio, com a proposição de efetivar o encontro de uma <strong>cultura</strong> atingi<strong>da</strong> pelafragmentação ideológica, e que não t<strong>em</strong> se omitido ao resistir <strong>em</strong> sua perspectiva <strong>cultura</strong>l aosdeterminismos políticos.2.3. A FUNDAÇÃO DA REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANAA discussão <strong>sob</strong>re a publicação <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana teve início <strong>em</strong>um S<strong>em</strong>inário realizado <strong>em</strong> 1994, ano de com<strong>em</strong>oração do cinqüentenário <strong>da</strong> RevistaOrígenes – cria<strong>da</strong> por José Lezama Lima <strong>em</strong> 1944 e edita<strong>da</strong> até o ano de 1956. Esses<strong>em</strong>inário foi antecedido por uma reunião entre onze escritores <strong>cuba</strong>nos, cinco <strong>da</strong> Ilha e seisdo exílio, realiza<strong>da</strong> <strong>em</strong> Estocolmo pelo Centro Internacional Olof Palme, cujo evento não set<strong>em</strong> <strong>da</strong>dos <strong>sob</strong>re seus participantes e discussões. Mas resultou no S<strong>em</strong>inário intitulado “LaIsla Entera”, <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao po<strong>em</strong>a de Dulce Maria Loynaz 39 . Esse evento reuniuescritores <strong>cuba</strong>nos, residentes dentro e fora <strong>da</strong> Ilha, na Universi<strong>da</strong>d Complutense de Madrid<strong>sob</strong> a coordenação do escritor exilado Jesús Díaz, com o propósito de editar uma <strong>revista</strong> <strong>em</strong>que foss<strong>em</strong> abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s as diferentes reflexões <strong>sob</strong>re a reali<strong>da</strong>de social, política e <strong>cultura</strong>l<strong>cuba</strong>na. A referi<strong>da</strong> homenag<strong>em</strong> aconteceu <strong>em</strong> função <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escritora estarpresente no evento e, por isto, contribuiu enviando seu po<strong>em</strong>a que traduzia o sentimento dosescritores <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> superar a imag<strong>em</strong> que os dividiu entre os de “dentro” e os de “fora”. Opo<strong>em</strong>a simboliza o desejo do <strong>cuba</strong>no <strong>em</strong> ver seu país sendo reconhecido por inteiro, s<strong>em</strong>recortá-lo ou dividi-lo, por isso o nome La Isla Entera, como também expressa o anseio do39 Dulce María Loynaz nasceu <strong>em</strong> Havana, <strong>em</strong> 1902. Formou-se <strong>em</strong> Direito atuando como advoga<strong>da</strong> até 1961.Mas desde jov<strong>em</strong> vê seus po<strong>em</strong>as publicados no jornal <strong>cuba</strong>no La Nación, Invierno de almas e Vesperal. Éreconheci<strong>da</strong> internacionalmente com inúmeras de suas obras publica<strong>da</strong>s <strong>em</strong> inglês e francês e pr<strong>em</strong>ia<strong>da</strong> pordiversas vezes. Em 1993 recebeu o Pr<strong>em</strong>io de Literatura Miguel de Cervantes na Espanha. Autora de Poesiasescogi<strong>da</strong>s, Bestiarium, Últimos días de una casa e Un verano en Tenerife, estes dois últimos preferidos por ela.Aos 95 anos de i<strong>da</strong>de, aparece pela última vez <strong>em</strong> público, 15 de abril de 1997, por ocasião <strong>da</strong> homenag<strong>em</strong> feitapela Embaixa<strong>da</strong> Espanhola de frente a sua casa, <strong>em</strong> função de sua enfermi<strong>da</strong>de, falecendo <strong>em</strong> 27 de abril dest<strong>em</strong>esmo ano.


37sujeito por ser aceito <strong>em</strong> suas diferenças e contrastes s<strong>em</strong> o t<strong>em</strong>or <strong>da</strong> separação, ou s<strong>em</strong> aangústia <strong>da</strong> ameaça <strong>em</strong> ser apartado de sua <strong>cultura</strong>. Segue abaixo o po<strong>em</strong>a que ilustra o atofun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> <strong>revista</strong>:Si me quieres, quiér<strong>em</strong>e to<strong>da</strong>:No por zonas de luz o sombra.Quiér<strong>em</strong>e día;Quiér<strong>em</strong>e noche...¡Y madruga<strong>da</strong> en la ventana abierta!Si me quieres, no me recortes:Quiér<strong>em</strong>e to<strong>da</strong>…O no me quieras. . 40Dulce María Loynaz finaliza sau<strong>da</strong>ndo o encontro realizado <strong>em</strong> Madrid: “Aqui vami saludo a todos los escritores <strong>cuba</strong>nos que van a unirse bajo el l<strong>em</strong>a de Isla Entera.” 41A iniciativa de Jesús Díaz para impl<strong>em</strong>entação do projeto <strong>da</strong> <strong>revista</strong> foi decisiva,pois aglutinou os setores do exílio <strong>cuba</strong>no que se identificavam com o anseio de debater enarrar livr<strong>em</strong>ente a <strong>cultura</strong> de seu país numa perspectiva não reducionista. Devido aimportância de Jesús Díaz naquele evento, momentos de sua trajetória de vi<strong>da</strong> serão relatadosadiante nesta dissertação.Segundo <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> encuentro en la red, o evento contou com a presença de váriosescritores <strong>cuba</strong>nos, tais como: Gaston Baquero, Guillermo Rodríguez Rivera, Manuel DíazMartinez, Rafael Alcides, Felipe Lázaro, José Prats Sariol, Alberto Lauro, Cleva Solís, MarioParajon, Jorge Luis Arcos, Efraín Rodríguez Santana, Pablo Armando Fernández, CésarLópez, Orlando Rodríguez Sardiña, Heberto Padilla, Enrique Saínz, Pio E. Serrano, JoséKozer, José Triana, Reina Maria Rodríguez, Nivaria Tejera, Bladimir Zamora e Leon de laHoz. 42A tabela abaixo apresenta a relação dos escritores <strong>cuba</strong>nos que participaram doprojeto inicial <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Alguns itens não foram possíveis de ser<strong>em</strong>preenchidos pela ausência de <strong>da</strong>dos, mas observa-se que dentre os vinte escritores <strong>cuba</strong>nosfun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, doze se encontravam no exílio e oito residiam na Ilha. Interessanteobservar que a grande maioria dos escritores fez parte <strong>da</strong> geração que viveu o momentohistórico <strong>da</strong> Revolução de 1959, colaborou com o processo revolucionário e, posteriormente,viu suas expectativas malogra<strong>da</strong>s.40 LOYNAZ, Dulce María. Isla Entera. Revista Encuentro… Madrid.1997. Vol.4/5. p.741 Ibid<strong>em</strong>.42 <strong>cuba</strong>encuentro.com. Encuentro en la Red. Diario independiente de asuntos <strong>cuba</strong>nos. Financiación,totalitarismo y d<strong>em</strong>ocracia. 2004.


38Tabela 1: Fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> Revista Encuentro de la Cultura CubanaFun<strong>da</strong>dores Sexo Nasc. Morte I<strong>da</strong>de Orig<strong>em</strong> ResidênciaALBERTO LAURO M 1959 47 CUBA ESPANHACÉSAR LÓPEZ M 1.933 73 CUBA CUBAEFRAÍN RODRIGUEZ SANTANA M 1953 53 CUBA CUBAENRIQUE SAÍNZ M 1.941 65 CUBA CUBAFELIPE LÁZARO M 1948 58 CUBA ESTADOS UNIDOSGASTÓN BAQUERO M 1.918 1.997 79 CUBA ESPANHAGUILLERMO RODRÍGUEZ RIVERA M 1.943 63 CUBA CUBAHEBERTO PADILLA M 1.932 1.999 67 CUBA ESTADOS UNIDOSJESÚS DÍAZ M 1.941 2.002 61 CUBA ESPANHAJORGE LUIS ARCOS M 1956 50 CUBA CUBAJOSÉ KOZER M 1.940 65 CUBA ESTADOS UNIDOSJOSÉ PRATS SARIOL M 1.946 60 CUBA CUBAJOSÉ TRIANA M 1.931 74 CUBA FRANÇAMANUEL DIAZ MARTINEZ M 1.936 69 CUBA ESPANHAMARIO PARAJÓN M 1929 77 CUBA ESPANHANIVARIA TEJERA F 1.933 72 CUBA FRANÇALEÓN DE LA HOZ M 1.957 48 CUBA ESPANHAPÍO E. SERRANO M 1941 65 CUBA ESPANHARAFAEL ALCIDES M 1.933 72 CUBA CUBAREINA MARIA RODRÍGUEZ F 1.952 53 CUBA CUBAFonte: <strong>cuba</strong>encuentro.com. Encuentro en la RedEm 1995, a Asociación Encuentro de la Cultura Cubana foi cria<strong>da</strong> como suportelegal para subvencionar o projeto de publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, o qual foi concluído no verão de1996 com a edição de seu primeiro número. Jesús Díaz esteve à frente <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong><strong>revista</strong>, como diretor, até seu falecimento <strong>em</strong> maio de 2002 e, desde então, a direção seencontra <strong>sob</strong> a responsabili<strong>da</strong>de de Rafael Rojas e Manuel Díaz Martinez. Atualmente, aEncuentro de la Cultura Cubana está <strong>em</strong> seu quadragésimo volume correspondente aoperíodo <strong>da</strong> Primavera de 2006, prosseguindo sua linha editorial que reafirma o propósito <strong>em</strong>reiterar o contato e o diálogo entre diferentes concepções acerca <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na.Conforme <strong>da</strong>dos do portal <strong>cuba</strong>encuentro.com, a Asociación Encuentro de laCultura Cubana é uma organização s<strong>em</strong> fins lucrativos com sede <strong>em</strong> Madri e para recebercontribuições dos Estados Unidos possui registro no Estado <strong>da</strong> Flóri<strong>da</strong>. Sua direção écomposta por Annabelle Rodríguez, presidente, Beatriz Bernal, vice-presidente e Pablo DíazEspí, secretário, todos resid<strong>em</strong> <strong>em</strong> Madri. O objetivo principal <strong>da</strong> Asociación encontraexposto no portal citado e afirma:


39...contribuir al desarrollo de una <strong>cultura</strong> de la d<strong>em</strong>ocracia, para que Cubapue<strong>da</strong> transitar pacíficamente hacia una socie<strong>da</strong>d abierta, plural y respetuosade los Derechos Humanos. Ello implica la necesi<strong>da</strong>d de establecer relacionesflui<strong>da</strong>s entre los ciu<strong>da</strong><strong>da</strong>nos de la Isla y de la diáspora a través de la librecirculación de ideas e información. 43A Asociación Encuentro de la Cultura Cubana para impl<strong>em</strong>entar o objetivoassinalado, t<strong>em</strong> desenvolvido quatro projetos. O Diário Digital encuentro en la red; o portal<strong>cuba</strong>encuentro.com; a organização de S<strong>em</strong>inários, Conferências e oficinas de trabalho e, porfim, a publicação <strong>da</strong> Revista Encuentro de la Cultura Cubana.O diário digital Encuentro en la Red oferece informações e análises diárias pormeio <strong>da</strong> Internet, uma comunicação mais acessível aos <strong>cuba</strong>nos <strong>da</strong> Ilha e de outraslocali<strong>da</strong>des.O portal <strong>cuba</strong>encuentro.com constitui num centro de referência on line dedocumentação e informação que abre canais para formação de comuni<strong>da</strong>des virtuais. Um dosseus objetivos é mapear os profissionais <strong>cuba</strong>nos interessados <strong>em</strong> desenvolver projetospresenciais ou virtuais.Os s<strong>em</strong>inários, conferências e oficinas de trabalho correspond<strong>em</strong> a eventos que aAsociación promove para reunir profissionais <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros de diversas áreas paradebater t<strong>em</strong>as <strong>sob</strong>re <strong>cultura</strong>, economia e política <strong>cuba</strong>na, ou ain<strong>da</strong> participa como convi<strong>da</strong><strong>da</strong><strong>em</strong> eventos de outras instituições. Os trabalhos apresentados nestes eventos, <strong>em</strong> geral, sãopublicados na <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana.A publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, um dos projetos <strong>da</strong>Asociación, t<strong>em</strong> como finali<strong>da</strong>de constituir-se num espaço de comunicação entre os <strong>cuba</strong>nos<strong>da</strong> Ilha e <strong>da</strong> diáspora para discutir seu passado, presente e futuro. Os <strong>da</strong>dos de<strong>cuba</strong>encuentro.comuni<strong>da</strong>d informam <strong>sob</strong>re a tirag<strong>em</strong> <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e dos setores sociais que areceb<strong>em</strong> <strong>em</strong> Cuba e outros países:43 Portal<strong>cuba</strong>encuentro.comEncuentro tiene una tira<strong>da</strong> de 4.500 ej<strong>em</strong>plares, de los que 2.000 se envíangratuitamente a Cuba. Éstos se distribuyen principalmente entre académicos,estudiantes, investigadores, economistas, historiadores, sociólogos,escritores, artistas plásticos, de teatro, cineastas, medios eclesiásticos,funcionarios estatales, etc. Es decir, entre las capas de mayor formación<strong>cultura</strong>l y política, las que se pueden considerar formadoras de opinión yprobables protagonistas de una futura transición política del país.Los 2.500 ej<strong>em</strong>plares restantes cubren pedidos de bibliotecas, universi<strong>da</strong>des,instituciones <strong>cultura</strong>les y centros de investigación, principalmente enEuropa, Estados Unidos y América Latina, así como de los lectores <strong>cuba</strong>nos


40de la diáspora y otros especialistas o interesados en cualquiera de losmúltiples aspectos de la reali<strong>da</strong>d y la <strong>cultura</strong> de Cuba. 44O projeto <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, segundo <strong>da</strong>dos do volume 25 <strong>em</strong> sua Introducción,materializou-se com o apoio <strong>da</strong> Agência Espanhola de Cooperação Internacional doMinistério De Assuntos Exteriores (AECI) e Fun<strong>da</strong>ção Ortega y Gasset, inicialmente. E asadesões foram se ampliando com a participação <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Pablo Iglesias do PSOE (PartidoSocialista Operário Espanhol), Centro Internacional Olof Palm (Suécia), National Endowmentfor D<strong>em</strong>ocracy (NED-Estados Unidos), Partido Social D<strong>em</strong>ocrata Sueco, Fun<strong>da</strong>ção CajaMadri, Fun<strong>da</strong>ção Ford, Direção Geral do Livro do Ministério de Educação e Cultura <strong>da</strong>Espanha, Junta de An<strong>da</strong>lucía, Instituto Open Society (EUA), Fun<strong>da</strong>ção ICO (Espanha) eUnião Européia. Outras instituições internacionais também patrocinam a publicação <strong>da</strong><strong>revista</strong>: Casa de América, Universi<strong>da</strong>de Complutense de Madri, Socie<strong>da</strong>de Geral de Autores<strong>da</strong> Espanha (SGAE), Círculo de Belas Artes de Madri, Centro de Cultura Cont<strong>em</strong>porânea(Barcelona), Centro Juan Carlos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Nova York, Revista Letras Livres,Palácio Nacional de Belas Artes (México), Centro Cultural Espanhol e o Teatro Tower(Miami) e a Casa de Cólon, <strong>em</strong> Las Palmas de Gran Canária, onde a Encuentro de la CulturaCubana realiza s<strong>em</strong>inários e conferências. 45Cabe ressaltar que esta lista de patrocinadores <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s instituições e dediversos países d<strong>em</strong>onstra o suporte financeiro recebido pela <strong>revista</strong>, o que lhe permite aenvergadura de sua publicação com quali<strong>da</strong>de estética na apresentação, na regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>entrega de seus volumes (com periodici<strong>da</strong>de de três <strong>em</strong> três meses), e na produção textual.S<strong>em</strong> essa subvenção, talvez a <strong>revista</strong> não se sustentasse, pois conta com 50% dos recursosoriundos de suas assinaturas, tendo <strong>em</strong> vista que quase a metade <strong>da</strong> tirag<strong>em</strong> <strong>da</strong> publicação édistribuí<strong>da</strong> gratuitamente <strong>em</strong> Cuba. O valor <strong>da</strong> assinatura anual é de 26 euros para Espanha,40 para o restante <strong>da</strong> Europa e Ásia, 62 para América, Ásia e Oceania. Não há <strong>da</strong>dos <strong>sob</strong>re adistribuição de assinaturas <strong>em</strong> outros países. Pelas cartas dos leitores percebe-se a suapresença <strong>em</strong> diversos países, o que não significa que todos eles sejam assinantes. Muitosleitores a consegu<strong>em</strong> por meio de amigos, conforme ver<strong>em</strong>os no quarto capítulo.Outro aspecto a ser analisado <strong>sob</strong>re esse apoio é se há uma suposta dependênciaintelectual de sua produção às enti<strong>da</strong>des financiadoras. Para o governo de Fidel Castro isto émotivo suficiente para caracterizar a <strong>revista</strong> como mais uma articulação dissidente forja<strong>da</strong>44 Portal<strong>cuba</strong>encuentro.com45 Introducción. Revista Encuentro… Madrid. 2002. Vol. 25. p.4


41pelos interesses <strong>da</strong> CIA, via Fun<strong>da</strong>ção Ford e a NED. E, do ponto de vista <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, isto nãot<strong>em</strong> significado seu condicionamento a alguma forma de dependência ideológica. Ascontribuições são recebi<strong>da</strong>s resguar<strong>da</strong>ndo a autonomia de sua textuali<strong>da</strong>de. A varie<strong>da</strong>de desubvenções é fator indicativo de uma aju<strong>da</strong> plural no sentido econômico, de difícil vínculoideológico e político a um ou outro órgão financiador internacional <strong>em</strong> especial.O volume 28/29 apresenta um dossier intitulado Un ejercicio de infamia <strong>em</strong> queanalisa essa questão do financiamento criticado pelas autori<strong>da</strong>des <strong>cuba</strong>nas como publicaçãocolaboradora <strong>da</strong> CIA. A posição dos colaboradores é de afirmar a independência <strong>da</strong> <strong>revista</strong>pela própria heterogenei<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s fontes, conforme expõe o dossier:Esa diversi<strong>da</strong>d, por si misma, haría imposible ‘obedecer’ ningún dictado denuestros patrocinadores. Y, por supuesto, ninguna de estas institucionesjamás se habría atrevido a insinuar siquiera la menor sugerencia <strong>sob</strong>renuestra línea editorial, hecho inconcebible en el mundo d<strong>em</strong>ocrático. 46Associa<strong>da</strong> à crítica <strong>sob</strong>re o financiamento está a questão <strong>em</strong> que se vincula críticapolítica a um suporte partidário. É importante ressaltar a visão editorial quanto à discussão<strong>sob</strong>re o vínculo partidário <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Conforme é anunciado, a Encuentro de la CulturaCubana não se propõe a ser alternativa de poder <strong>em</strong> Cuba. Ela não está vincula<strong>da</strong> a nenhumpartido político, mas atua <strong>sob</strong>re perspectivas de mu<strong>da</strong>nça, de transição política, por meio dodebate intelectual e do diálogo. O mesmo dossier reitera:Dos de los principios fun<strong>da</strong>cionales de Encuentro de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na,fueron su independencia y su apertura a to<strong>da</strong>s las voces, tendencias ygeografías, conciliando en un solo espacio de diálogo las hasta entoncesantitéticas nociones de “nosotros” y “ellos”, “adentro” y “afuera”. 47Na apresentação do primeiro volume diz-se que: “Encuentro de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>nano representa ni está vincula<strong>da</strong> en modo alguno a ningún partido u organización política deCuba o del exilio.” 48 Fun<strong>da</strong>mentalmente o que deve ser salientado é que, até o present<strong>em</strong>omento, a <strong>revista</strong> não t<strong>em</strong> se constituído <strong>em</strong> veículo de difusão e representação de umpensamento político-partidário <strong>em</strong> especial. Ela está vincula<strong>da</strong> à Asociación Encuentro de laCultura Cubana com sede <strong>em</strong> Madri, como já foi mencionado.46 Dossier: Financiación, totalitarismo y d<strong>em</strong>ocracia. Un ejercicio de infamia. Revista Encuentro… Madrid.Primavera/Verano de 2003. Vol.28/29. p. 249.47 Ibid<strong>em</strong>. p. 24948 Presentación Revista Encuentro… Madrid. Verano de 1996. Vol. 1. p.3


422.4. JESÚS DÍAZ E SUA ÉPOCAA vi<strong>da</strong> de Jesús Díaz merece um destaque neste trabalho, pois sua atuação <strong>em</strong>trinta e dois anos após a Revolução dentro de Cuba como colaborador, mas também crítico dopercurso revolucionário, e mais onze anos fora, <strong>em</strong> intensa ativi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l, confere-lhe umatrajetória histórica que se confunde com a própria história do exílio <strong>cuba</strong>no <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de1990, <strong>em</strong> que dificilmente uma pode ser escrita s<strong>em</strong> a outra. Foi uma personali<strong>da</strong>de polêmicadurante estes quarenta e três anos, tanto por forças “pró”, quanto “contra-revolucionárias”.Sua produção narrativa ganhou expressão no processo interno <strong>da</strong> Revolução, mesmorespal<strong>da</strong>ndo-a manteve uma textuali<strong>da</strong>de controversa porque já apresentava el<strong>em</strong>entos dereflexão ao dogmatismo oficial já nos seus primeiros anos. O exílio assume outrarepresentação pela narrativa articula<strong>da</strong> por Jesús Díaz quando toma a frente <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong><strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana. No início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, <strong>em</strong> sua estadiadefinitiva <strong>em</strong> Madri, assumiu uma linha de ruptura à política oficial dentro de Cuba e deindependência aos setores mais radicais anti-castristas, fora de Cuba.As fontes consulta<strong>da</strong>s para o relato <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de Jesús Díaz foram extraí<strong>da</strong>s <strong>da</strong>própria <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana. Boa parte do volume 25 <strong>em</strong> que lhe éatribuí<strong>da</strong> homenag<strong>em</strong> póstuma, traz vários artigos com informações relevantes de sua históriadentro e fora de Cuba. Outros volumes contêm artigos do próprio Jesús Díaz, que fornec<strong>em</strong>depoimentos de reflexão e de autobiografia quanto a sua relação com o governo. Ain<strong>da</strong> foramconsulta<strong>da</strong>s informações pela Internet que compl<strong>em</strong>entaram <strong>da</strong>dos <strong>sob</strong>re sua participação naRevolução e produção de suas obras literárias.A contribuição de Jesús Díaz residiu <strong>em</strong> transformar a dispersão dos intelectuais<strong>cuba</strong>nos, exilados <strong>em</strong> diferentes países, numa convergência de espaço onde a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>namaterializasse seu encontro para debater, confrontar sua identi<strong>da</strong>de num contatoimprescindível com os <strong>cuba</strong>nos de dentro <strong>da</strong> Ilha e recriá-la pela presença de suaextraterritoriali<strong>da</strong>de. A publicação simboliza esse lugar, onde uma outra história de Cuba évivencia<strong>da</strong> e escrita pela comuni<strong>da</strong>de do exílio e <strong>da</strong> Ilha que se identificam por pensar deforma independente. E parte do exílio, como também dos <strong>cuba</strong>nos de “dentro” ocupam essaterritoriali<strong>da</strong>de simbólica, que se aglutinam no território <strong>da</strong> escrita, onde o “não lugar” doexílio a que Rafael Rojas menciona se situa, entre outros, no lugar de encontro de uma outra


43representação que a <strong>revista</strong> propõe. Como diz Julio Ortega 49 no volume dedicado ahomenagear Jesús Díaz: “Esta <strong>revista</strong> se convirtió en la esfera pública de una república<strong>cuba</strong>na del exilio.” 50Desde sua participação no processo revolucionário até o ano de sua morte <strong>em</strong>2002, Jesús Díaz foi controverso e alvo de ataques e críticas que Manuel Díaz Martinezpronunciou “... tanto peso le reventó la salud.” 51Jesús Díaz nasceu <strong>em</strong> outubro de 1941 na ci<strong>da</strong>de de Havana. Desde jov<strong>em</strong>,participou ativamente <strong>da</strong> luta estu<strong>da</strong>ntil contra a ditadura de Fulgêncio Batista e teve atuaçãocomo capitão na guerrilha inicia<strong>da</strong> <strong>em</strong> Sierra Maestra. Em 1961, participou <strong>da</strong> luta contra os“contra-revolucionários” na Sierra del Escambray (Las Villas). No ano seguinte, foi m<strong>em</strong>bro<strong>da</strong> seção América Latina do Instituto Cubano de Amizade aos Povos (ICAP) que instruía asmilícias revolucionárias. Desde o triunfo <strong>da</strong> Revolução <strong>em</strong> 1959, foi incorporado à Escola deFilosofia e Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Havana, sendo professor de filosofia de 1963 a 1971. 52Entre 1965 e 1966, Jesús Díaz dirigiu o jornal Juventude Rebelde, órgão <strong>da</strong> Uniãodos Jovens Comunistas (UJC), assumindo seu supl<strong>em</strong>ento literário chamado El CaimánBarbudo, fun<strong>da</strong>do por Raúl Rivero e, neste ínterim, sua vocação literária se despontou.Segundo Jesús Díaz, o objetivo de “El Caimán era crear un supl<strong>em</strong>ento literario y una <strong>revista</strong>de ciencias sociales que le facilitaran a la revolución <strong>cuba</strong>na a seguir un estilo propio, distintoy distante del soviético”. 53Esta é uma afirmação recente, extraí<strong>da</strong> de um artigo seu,publicado na Encuentro de la Cultura Cubana <strong>em</strong> 2000. Revela, após 34 anos de suafun<strong>da</strong>ção, uma posição de qu<strong>em</strong>, nos primórdios <strong>da</strong> Revolução, colaborou com suaconstrução, mas, desde então, um anseio era expresso de que seguisse um curso diferente domodelo soviético.Uma presença literária e <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> popular <strong>cuba</strong>na no processo revolucionário,era sonha<strong>da</strong> por boa parte <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, latino-americana e a esquer<strong>da</strong> européia.Tratava-se de um momento <strong>em</strong> que as conquistas revolucionárias e a riqueza literária eramcompreendi<strong>da</strong>s como situações de um mesmo fenômeno. A concepção de que a Revoluçãoproporcionava as condições áureas <strong>da</strong> produção literária e do desenvolvimento científico sereproduzia no meio social, <strong>sob</strong>retudo entre os intelectuais <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros. E, para49 Julio Ortega nasceu <strong>em</strong> 1942 no Peru. É colaborador <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, autor do livro“Relato de la Utopía” e professor de literatura latino-americana na Universi<strong>da</strong>de de Brown, situa<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>dede Providence, capital de Rhode Island (EUA)50 ORTEGA, Julio. Concurrencias de Jesús Díaz. Revista Encuentro… Madrid. 2002. Vol. 25. p.26.51 MARTÍNEZ, Manuel Díaz. Jesús. Revista Encuentro... Madrid. 2002. Vol. 25. p.852 GUIBLIN, Marc. Approche de l’oeuvre de Jesús Díaz (Cuba). Disponível <strong>em</strong>:perso.club-internet.fr/mguiblin/Díazcobert.htm. Université de Tours. França. 200353 DÍAZ, Jesús. El fin de otra ilusión. Revista Encuentro... Madrid. 2000. Vol. 16/17. p.106


44ilustrar a presença dessa concepção no contexto dos anos 1960, o próprio supl<strong>em</strong>ento ElCaimán Barbudo 54 foi traduzido por Jesús Díaz como Cuba Revolucionária, ou seja, seuscolaboradores pretendiam uma literatura engaja<strong>da</strong>, volta<strong>da</strong> para o contexto revolucionário,porém diferenciado do modelo soviético. 55Jesús Díaz e d<strong>em</strong>ais m<strong>em</strong>bros do El Caimán foram destituídos <strong>em</strong> 1967 peladireção <strong>da</strong> União <strong>da</strong> Juventude Comunista, que na época revisava os artigos desse supl<strong>em</strong>entoe os acusava de “diversionismo ideológico” e “opiniones conflictivas”, como relata JesúsDíaz. São denominações características, do ponto de vista do governo, de divergências decunho anti-revolucionário, que justificavam as represálias contra qualquer pensamentodiferente <strong>da</strong> Revolução.Contribuiu para este desfecho, a persistência de Jesús <strong>em</strong> publicar no supl<strong>em</strong>entoEl Caimán um artigo de Heberto Padilla, tecendo elogios ao livro Tres Tristes Tigres deGuillermo Cabrera Infante – um dos primeiros escritores <strong>cuba</strong>nos de grande destaqueinternacional na literatura a romper com o castrismo – e, <strong>em</strong> contraparti<strong>da</strong>, criticava a novelaPasión de Urbino de Lisandro Otero, o então Ministro <strong>da</strong> Cultura do Estado Cubano. 56 Esseepisódio tenha sido talvez o primeiro dos desacordos que Jesús Díaz viria enfrentar com oregime de Fidel Castro, pois criou um fato político ao divulgar uma literatura dissidente etecer críticas à literatura engaja<strong>da</strong>. 57Aos 24 anos, Jesús Díaz, recebeu o Prêmio Casa de las Américas com apublicação de seu livro de contos Los años duros (1966). Neste livro, Jesús Díaz procurouestabelecer uma relação entre literatura e sua influência no campo <strong>da</strong> luta política, como ele54 El Caimán Barbudo fez parte de uma <strong>da</strong>s tentativas dos escritores <strong>cuba</strong>nos, no início <strong>da</strong> Revolução, <strong>em</strong>apresentar um discurso inovador e distinto do realismo socialista. Surgiu logo após o fechamento pelo governodo editorial El Puente, <strong>em</strong> 1965, por propor um espaço aberto ao debate e às polêmicas. Mas, <strong>em</strong> 1967, ogoverno decretou a troca do conselho editorial, permanecendo a publicação até os dias de hoje com o mesmonome, <strong>sob</strong> a direção oficial.Outra iniciativa dos intelectuais <strong>cuba</strong>nos, anterior ao El Caimán, <strong>em</strong> participar de modo diferenciado e crítico foia publicação do supl<strong>em</strong>ento Lunes de Revolución, quatro meses após a Revolução, que contava com aparticipação de intelectuais <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros. Lunes também sofreu a ação repressiva do governo <strong>em</strong> 1961<strong>em</strong> nome do programa <strong>cultura</strong>l nacional que, segundo o governo, deveria priorizar as necessi<strong>da</strong>des do povo. Ofechamento de Lunes de Revolución levou ao pronunciamento de Fidel Castro aos escritores <strong>cuba</strong>nos, conhecidocomo Palabras a los intelectuales. Nesse discurso Fidel d<strong>em</strong>arca a posição que os intelectuais <strong>cuba</strong>nos dev<strong>em</strong>assumir na socie<strong>da</strong>de (discurso mencionado na nota de ro<strong>da</strong>pé <strong>da</strong> Introdução, p. 12, e citado no capítulo trêsdesta dissertação, pp. 71-72).55 DÍAZ, Jesús. El fin de otra ilusión. Revista Encuentro... vol. 16/17. Madrid. 2000. p.10756 ROJAS, Rafael. In m<strong>em</strong>orian. Jesús Díaz: el intelectual redimido. Disponível <strong>em</strong>:istor.cide.edu/archivos/num. 2002.57 DÍAZ, Jesús. El fin de otra ilusión. Revista Encuentro… Madrid. 2000. Vol. 16/17. p.110


45mesmo afirmou <strong>em</strong> seu artigo El lugar imposible: “Pretendíamos vincular la literatura a unavocación liberadora universal en el terreno político.” 58Esse pronunciamento configura sua adesão literária e política à RevoluçãoCubana, que Gustavo Guerrero compreende como uma fase de “ilusión” de sua narrativa:“Los años duros fue el tributo literario de su t<strong>em</strong>prana adhesión a la Revolución <strong>cuba</strong>na: unlibro en el cual los aciertos y los desaciertos traducen por igual la fe y las ilusiones delmuchacho que lo escribió.” 59 E o próprio Jesúz Díaz faz uma autocrítica acerca deste livro,julgando-o “juvenil” e “prescindível” <strong>em</strong> um artigo do ano de 2000 na Encuentro de laCultura Cubana. 60Durante o período de 1967 a 1971, Jesús Díaz foi m<strong>em</strong>bro do conselho de re<strong>da</strong>ção<strong>da</strong> <strong>revista</strong> teórica Pensamento Crítico. Em 1967 ele foi convi<strong>da</strong>do a participar docinqüentenário <strong>da</strong> Revolução de Outubro <strong>em</strong> Moscou pela União de Escritores Soviéticos e,<strong>em</strong> 1968, tornou-se m<strong>em</strong>bro do Partido Comunista de Cuba. Colaborou com diferentespublicações <strong>cultura</strong>is como Casa de las Américas, Boh<strong>em</strong>ia, OCLAE (Cuba), La RosaBlin<strong>da</strong><strong>da</strong> (Argentina), Partisans, Les Lettres Françaises (França).Pensamento Crítico surgiu no Departamento de Filosofia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de deHavana dirigi<strong>da</strong> por Fernando Martínez juntamente com Jesús Díaz, Aurélio Alonso, UgoAzcuy e José Bell Lara. A <strong>revista</strong>, nas palavras de Díaz:consistia en contribuir a rescatar la riqueza original del marxismo paraconectarla con sus desarrollos históricos y cont<strong>em</strong>poráneos en Europa ytambién con las <strong>cultura</strong>s <strong>cuba</strong>na y latinoamericana, y utilizar el resultadocomo un arma “carga<strong>da</strong> de futuro. 61Por ser uma publicação do departamento de Filosofia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Havana,ela poderia possuir certa autonomia <strong>em</strong> suas produções, pois não estava vincula<strong>da</strong> a nenhumainstância direta do Partido Comunista Cubano. Entretanto, o que se veiculava era de que aRevolução deveria ter <strong>revista</strong>s representativas de seus ideais e subentendia-se que PensamentoCrítico seria sua porta-voz, porque era custea<strong>da</strong> pelo Estado por intermédio <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de.Mesmo manti<strong>da</strong> ou financia<strong>da</strong> pelo Estado e <strong>sob</strong> a inspeção de assessores soviéticos, apublicação buscou preservar sua autonomia durante os cinco anos de sua edição, conforme58 DÍAZ, Jesús. El lugar imposible. Jesús Díaz: ilusión y desilusión. Gustavo Guerrero. Revista Encuentro…Madrid. 2002. Vol. 25. p.1059 GUERERO, Gustavo. Jesús Díaz: ilusión y desilusión. Revista Encuentro… Madrid. 2002. Vol.25. p.1360 DÍAZ, Jesús. El fin de otra ilusión. Revista Encuentro… Madrid. 2000. Vol. 16/17. p.10661 Ibid<strong>em</strong>. p.113


46aspiravam seus colaboradores. Mas Jesús Díaz declarou sentir-se envergonhado perante osintelectuais <strong>cuba</strong>nos por avaliar essa geração como a “geração do silêncio”. Ele considerouque Pensamento Crítico poderia ter produzido análises mais diretas e críticas acerca <strong>da</strong>Revolução Cubana. Ain<strong>da</strong> assim, <strong>em</strong> 1971, o comitê central do Partido Comunista Cubanoordenou o fechamento não só <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, mas também do Departamento de Filosofia, acusadosnovamente de “diversionismo ideológico”.Logo após o fechamento do Departamento de Filosofia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de deHavana e <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Pensamento Crítico, Jesús Díaz integrou-se ao ICAIC (Instituto Cubanode Artes e Indústria Cin<strong>em</strong>atográfica) como roteirista e diretor de filmes, num momento <strong>em</strong>que a censura se intensificou. Com o mesmo espírito probl<strong>em</strong>atizador <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, presente <strong>em</strong> sua literatura, ele transpôs para a linguag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>atográfica oretrato de situações conflituosas do contexto revolucionário, associado à tendência deburocratização do poder a partir de 1959, segundo Paulo Paranaguá 62 <strong>em</strong> seu artigo naEncuentro de la Cultura Cubana.Como produtor, Jesús Díaz participou do filme Viva la República! (1972) dePastor Vega, Ustedes tienen la palabra (1973) de Manuel Octavio Gómez. Seus primeiroscurtas-metrag<strong>em</strong> apareceram <strong>em</strong> 1975, com Cambiar la vi<strong>da</strong> e, <strong>em</strong> 1976, Canción de PuertoRico. Ele também investiu na produção de documentários como 55 hermanos (1978), quesegundo Paranaguá “replantea la cuestión de la nacionali<strong>da</strong>d en nuevos términos,desvinculándola de la geografía y to<strong>da</strong>vía más de los determinismos ideológicos” e filmou odocumentário <strong>sob</strong>re a Nicarágua, En tierra de Sandino (1980). Em 1981, veio seu longametrag<strong>em</strong>Polvo Rojo, evocando o probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> <strong>em</strong>igração desde os primeiros anos <strong>da</strong>Revolução. Lejania de 1985 discute o t<strong>em</strong>a <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na no processo <strong>da</strong> diáspora.Projetou, por fim, Alicia en el pueblo de Maravillas de Daniel Díaz Torres (1991), proibido<strong>em</strong> Cuba pela sua crítica direta à Fidel Castro e ao burocratismo. Para Paulo Paranaguá, JesúsDíaz juntamente com Tomás Gutiérrez Alea tiveram uma presença destaca<strong>da</strong> e crítica noICAIC, num contexto quase impossível de se manter uma produção <strong>cultura</strong>l independente e,<strong>sob</strong>retudo, questionadora dentro de Cuba. A postura do diálogo e <strong>da</strong> reconciliação nospersonagens de seus filmes traduz<strong>em</strong> o desejo de mu<strong>da</strong>nça do burocratismo <strong>da</strong> Revolução euma nova relação entre Cuba e o exílio. 6362 PARANAGUÁ, Paulo Antônio. Diálogo y cont<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong>d e el cine de Jesús Díaz. Revista Encuentro…Madrid. 2002. Vol.25. p.28-33. Paulo Antônio Paranagua é brasileiro e crítico de cin<strong>em</strong>a, reside <strong>em</strong> Paris.63 Ibid<strong>em</strong>.


47Contribuiu também no terreno <strong>da</strong> dramaturgia com a peça Unos hombres y otrosescrita <strong>em</strong> 1966, no mesmo ano de Los años duros, recriando alguns el<strong>em</strong>entos deste para apeça. E sinaliza por meio de seus personagens que as ações humanas dev<strong>em</strong> estar acima <strong>da</strong>sconvicções ideológicas e políticas. Uma visão antecipa<strong>da</strong>mente crítica para o que seconfiguraria mais tarde como necessária a uma reali<strong>da</strong>de sustenta<strong>da</strong> por discursos e símbolosideologicamente inquestionáveis.Durante vinte anos, paralelamente aos trabalhos junto ao ICAIC, dedicou-se coma mesma intensi<strong>da</strong>de à literatura, narrando o cotidiano <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> suas novelas.A primeira Las iniciales de la tierra (1973), escrita ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> Cuba e só publica<strong>da</strong> no ano de1987 <strong>em</strong> Havana. Las palabras perdi<strong>da</strong>s (1992) foi escrita já no exílio <strong>em</strong> Madri, La piel y lamáscara (1996) escrita na Al<strong>em</strong>anha, Dime algo <strong>sob</strong>re Cuba (1998), Siberiana (2000) e Lasquatro fugas de Manuel <strong>em</strong> 2002, sendo as três últimas escritas <strong>em</strong> Madri.Em março de 1991, Jesús Díaz segue para Al<strong>em</strong>anha com sua família <strong>em</strong> funçãode uma bolsa adquiri<strong>da</strong> pela Escola de Cin<strong>em</strong>a de Berlim e logo se tornou professor <strong>da</strong>mesma instituição. Alguns fatores pod<strong>em</strong> ter contribuído para o exílio de Jesús Díaz. Não háum pronunciamento declarado acerca de que condição específica o levou a esta opção. Aolongo desta trajetória literária e política buscou um veio que afirmasse a autonomia <strong>da</strong>identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na frente às inversões do processo revolucionário <strong>cuba</strong>no que seimpunham pelo marxismo soviético, reproduzido pelo castrismo.Um dos possíveis fatores de seu exílio foi o desgaste junto ao governo nomomento <strong>da</strong> realização do Congresso <strong>da</strong> UNEAC (União Nacional dos Escritores e ArtistasCubanos) <strong>em</strong> 1988, do qual Jesús Díaz , que era m<strong>em</strong>bro do Partido Comunista Cubano nesteperíodo, se negou a participar do evento, que contaria com a presença de Fidel Castro.Segundo Elizabeth Burgos, Jesús Díaz enviou uma carta ao Partido, anterior ao Congresso <strong>da</strong>UNEAC, fazendo uma análise crítica à situação do país e a necessi<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nças, comonão houve retorno de sua apreciação, ele considerou que não havia mais o que ser feito eevitou um possível confronto aberto com Fidel Castro, não comparecendo, portanto, aoevento. A não participação de Jesús Díaz nesse Congresso custou-lhe fortes críticas por partedo Ministério <strong>da</strong> Cultura, presidido por Armando Hart, porque a ausência de qualquer outroescritor poderia ser justifica<strong>da</strong>, mas um m<strong>em</strong>bro do Partido e autor de Los años duros erainaceitável! 6464 BURGOS, Elizabeth. La carta que nunca te envié. Revista Encuentro… Madrid. 2002. Vol. 25. p.56.


48Outro fator relevante para sua decisão ao exílio foi a proibição do filme Aliciaen el pueblo de Maravillas após sua estréia <strong>em</strong> 1991, o que possivelmente tenha lhe feitorepensar <strong>sob</strong>re seu retorno a Cuba quando se encontrava na Al<strong>em</strong>anha. Essa viag<strong>em</strong> não tinhaconfigurado ain<strong>da</strong> uma ruptura com o regime, pois era m<strong>em</strong>bro do PCC junto ao ICAIC. E,como m<strong>em</strong>bro do próprio Instituto de Cin<strong>em</strong>a, ver sua produção sendo veta<strong>da</strong>, suscitou-lhe “ofim de outra ilusão”, como sugere o título de seu artigo, a um projeto <strong>cultura</strong>l independentedentro de Cuba. Jesús Díaz permaneceu na Al<strong>em</strong>anha durante um ano e seguiu para Espanha,onde fixou seu exílio e publicou o artigo, Los anillos de la serpiente, <strong>em</strong> 12 de março de1992 no jornal El País de Madri, assumindo sua ruptura definitiva. A decisão ocorreu nummomento <strong>em</strong> que ele não vislumbrava mais uma mu<strong>da</strong>nça que surgisse de dentro <strong>da</strong> estruturade poder <strong>em</strong> Cuba, dos contrapontos estabelecidos <strong>em</strong> seu interior, ou de um diálogo possívelcom o regime. 65Em 1994, já estabelecido <strong>em</strong> Madri desde 1992, Jesús Díaz organizou o s<strong>em</strong>inárioLa Isla Entera culminando dois anos depois no grande projeto de sua vi<strong>da</strong> após a saí<strong>da</strong>definitiva de Cuba, a publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana. Dirigiu a <strong>revista</strong>desde sua fun<strong>da</strong>ção <strong>em</strong> 1996 até o ano de seu falecimento <strong>em</strong> 2002, perfazendo seis anos depublicação, com 24 números editados. No vigésimo quinto volume foi-lhe dedica<strong>da</strong> umahomenag<strong>em</strong> especial, <strong>em</strong> razão de sua morte, trazendo considerações acerca de seuprotagonismo na produção literária e política durante o período revolucionário <strong>em</strong> Cuba. E noexílio contribuiu para uma nova representação <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, crítica aos dogmatismospolíticos.Do ponto de vista oficial, Jesús Díaz era visto como traidor e revisionista. Mas umoutro extr<strong>em</strong>o, considerava-o como agente secreto do regime de Fidel Castro, pois seacreditava que sua narrativa crítica, enquanto esteve dentro de Cuba, caracterizava apermissão de uma voz questionadora, e isto justificava, na concepção do exílio maisconservador, a propagan<strong>da</strong> oficial de um governo d<strong>em</strong>ocrático. Mas entre uma e outraposição, o que, enfim, deve ser constatado é que, sua atuação como escritor, cineasta, diretorde teatro, ensaísta e crítico político veio gerar um fato histórico no contexto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<strong>cuba</strong>na atual. Ela deu visibili<strong>da</strong>de internacional a uma outra representação <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>napara os que resid<strong>em</strong> dentro e fora de Cuba e a trouxe para um campo que possibilitasse seuencontro com outro paradigma de leitura e narrativa <strong>sob</strong>re Cuba. Contribuiu com uma novamaneira de pensar o processo político, suplantando a difícil construção maniqueísta de uma65 Ibid<strong>em</strong>.


49ord<strong>em</strong> racional, e traduzindo a teoria para um espaço político não de “negação”, mas de“negociação” – no sentido que Bhabha atribui a estes termos.2.5. O PERFIL DA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANAPara se obter o perfil <strong>da</strong> <strong>revista</strong> esta pesquisa contou como fonte documental seuspróprios artigos, editoriais, cartas e informações <strong>sob</strong>re os autores. Foi realizado um estudo de<strong>da</strong>dos essenciais à compreensão de sua linha editorial, s<strong>em</strong> entrar no mérito <strong>da</strong>s questõesespecíficas <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> comunicação, detendo-se apenas nos el<strong>em</strong>entos delineadores de umaconcepção de mundo e de história. O traçado de qu<strong>em</strong> são os colaboradores dessa publicaçãose estabeleceu a partir de um levantamento estatístico do quantitativo e percentual deescritores <strong>cuba</strong>nos residentes na Ilha e no estrangeiro, participação de intelectuais não<strong>cuba</strong>nos,de mulheres e homens, profissão dos autores, tipos de artigos e qual a freqüência dost<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos. Um banco de <strong>da</strong>dos foi estruturado para mapear sua composição e clarear operfil t<strong>em</strong>ático <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. O objetivo é estabelecer a relação ou a correspondência dos<strong>da</strong>dos levantados com o delineamento editorial proposto no conjunto dos artigos <strong>da</strong> <strong>revista</strong>.É importante esclarecer que o levantamento dos <strong>da</strong>dos, muito <strong>em</strong>bora possa serextenuante sua leitura, foi decisivo na definição do t<strong>em</strong>a desta pesquisa. Permitiu uma visãopanorâmica <strong>da</strong> formação dos autores, dos t<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos, <strong>da</strong> interdisplinari<strong>da</strong>de sugeri<strong>da</strong>pelos artigos, <strong>da</strong> distribuição nos territórios de dentro e fora <strong>da</strong> Ilha de seus colaboradores e,ain<strong>da</strong>, a participação de intelectuais estrangeiros. A partir desta visão, o cruzamento entre ost<strong>em</strong>as <strong>cultura</strong> e política foram sendo apontados como reflexão <strong>da</strong> situação dos <strong>cuba</strong>nos nocontexto atual e encaminhados para selecionar os artigos que seriam utilizados à reflexãodesta t<strong>em</strong>ática.A <strong>revista</strong> se encontra no quadragésimo volume do ano de 2006, no entanto, os<strong>da</strong>dos aqui apresentados correspond<strong>em</strong> ao ca<strong>da</strong>stro dos volumes 1 ao 25, referentes aos anosde 1996 a 2002, delimitação já explicita<strong>da</strong> anteriormente. Sua publicação é trimestral, sendoque, três vezes ao ano são lançados três volumes únicos e uma vez, um volume duplo. Osvolumes ca<strong>da</strong>strados perfaz<strong>em</strong> um total de 499 colaboradores e 694 artigos, evidenciando queum mesmo escritor possui vários artigos publicados. Os <strong>da</strong>dos que serão apresentados aseguir, foram todos extraídos <strong>da</strong> própria <strong>revista</strong>, pelas informações biográficas sucintas <strong>sob</strong>reos colaboradores, conti<strong>da</strong>s na última página de ca<strong>da</strong> volume.


50As tabelas abaixo mostrarão o quantitativo do total dos colaboradores homens <strong>em</strong>ulheres; dos <strong>cuba</strong>nos e não <strong>cuba</strong>nos; <strong>cuba</strong>nos exilados e não exilados; países de orig<strong>em</strong> dototal dos autores; países de residência dos <strong>cuba</strong>nos exilados; países de residência do total decolaboradores; profissões dos colaboradores, t<strong>em</strong>as e tipos de artigos. Ca<strong>da</strong> tabela seráanalisa<strong>da</strong> separa<strong>da</strong>mente, para melhor visualização e compreensão dos <strong>da</strong>dos.A tabela 2 apresenta o total de 499 colaboradores <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros,mostrando a participação de homens e mulheres, com predominância de colaboradores dosexo masculino, 409 (81,96%) diante dos 90 (18,04 %) do sexo f<strong>em</strong>inino.Tabela 2: Colaboradores - SexoSexo Qde. %Mulheres 90 18,04Homens 409 81,96Total 499 100,00Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)O percentual majoritário de homens, 409 (81,96%) num total de 499, <strong>em</strong> relação aquanti<strong>da</strong>de de mulheres, 90 (18,04%), é representativo <strong>da</strong>s duas origens, de <strong>cuba</strong>nos eestrangeiros. Isto equivale a dizer que a participação <strong>da</strong>s mulheres <strong>em</strong> ambas as situações t<strong>em</strong>uma presença menor, possivelmente, <strong>em</strong> função de sua inserção na produção acadêmica ain<strong>da</strong>ser de difícil alcance tanto para as <strong>cuba</strong>nas, quanto às estrangeiras.As tabelas 2.1 e 2.2 são subdivisões <strong>da</strong> tabela 2 porque prossegu<strong>em</strong> nodesdobramento comparativo <strong>da</strong> participação de homens e mulheres na produção <strong>da</strong> <strong>revista</strong>; eforam desm<strong>em</strong>bra<strong>da</strong>s <strong>em</strong> função de vários <strong>da</strong>dos se encontrar<strong>em</strong> reunidos para análise <strong>sob</strong>requanti<strong>da</strong>de e percentual de colaboradores <strong>cuba</strong>nos e não <strong>cuba</strong>nos, subdivididos entre mulherese homens; percentual entre mulheres <strong>cuba</strong>nas e não <strong>cuba</strong>nas, <strong>da</strong> mesma forma com oscolaboradores homens; quantitativo <strong>sob</strong>re o total dos autores não exilados e exilados epercentuais por sexo <strong>em</strong> relação ao exílio. Estas discussões são próximas, mas configurá-las<strong>em</strong> tabelas subdivi<strong>da</strong>s foi o meio mas eficaz de evidenciá-las.Tabela 2.1: Colaboradores (Cubanos / Não Cubanos)Descrição Mulheres Homens TotalQde % Qde % Qde %Cubanos 67 17,3 320 82,7 387 77,6Não Cubanos 23 20,5 89 79,5 112 22,4Totais 90 18,04 409 81,96 499 100Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)


51Dentre os 499 autores de ambos os sexos incluindo <strong>cuba</strong>nos e não <strong>cuba</strong>nos, 387(77,6%) são <strong>cuba</strong>nos e 112 (22,4%) não-<strong>cuba</strong>nos, como mostra a tabela 2.1 na coluna do total<strong>em</strong> quanti<strong>da</strong>de e percentual. São <strong>da</strong>dos significativos que retratam a abertura à contribuiçãode intelectuais estrangeiros, constata<strong>da</strong> pelos números, mesmo que a t<strong>em</strong>ática <strong>da</strong> <strong>revista</strong> seja<strong>cuba</strong>na, por isto uma participação maior dos próprios <strong>cuba</strong>nos. Há um percentual considerável<strong>da</strong> participação de intelectuais estrangeiros, que se identificam com o debate suscitado pela<strong>revista</strong>. Ain<strong>da</strong> que a difusão <strong>da</strong> publicação atinja um público mais seletivo, restrito ao meioacadêmico e literário e, por outro lado, boa parte <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de estrangeira tambémoscila entre os discursos entre ser “contra” ou “favor” <strong>da</strong> Revolução, há uma interação entre<strong>cuba</strong>nos e estrangeiros na discussão de t<strong>em</strong>as <strong>sob</strong>re a reali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, mas também <strong>sob</strong>reprocessos históricos diversos como o <strong>da</strong> Venezuela, Estados Unidos, Leste Europeu, Espanha,entre outros e de que maneira diferentes contextos pod<strong>em</strong> ser expostos <strong>em</strong> análisecomparativa.Seguindo a leitura <strong>da</strong> primeira linha horizontal <strong>da</strong> tabela 2.1 os <strong>da</strong>dos se refer<strong>em</strong>aos autores <strong>cuba</strong>nos, sendo que 67 (17,3%) são mulheres e 320 (82,7%) são homens. A linhahorizontal abaixo mostra a proporção de mulheres e homens não <strong>cuba</strong>nos, sendocolaboradoras não <strong>cuba</strong>nas 23 (20,5%) e 89 (79,5%) os não <strong>cuba</strong>nos.Se calcularmos a diferença entre o percentual <strong>da</strong> participação de <strong>cuba</strong>nos homens(82,7%) e mulheres (17,3%), obter<strong>em</strong>os o resultado de 65,4%. E continuando o cálculo <strong>da</strong>diferença entre não <strong>cuba</strong>nos homens (79,5%) e mulheres (20,5%) chegar<strong>em</strong>os ao percentualde 59%. Comparando estes dois resultados a conclusão é de que a diferença entre homens <strong>em</strong>ulheres para os colaboradores <strong>cuba</strong>nos é maior que os não <strong>cuba</strong>nos. Em ambas as situações,as diferenças ultrapassam os 50%, mas revela proporcionalmente uma participação um poucomaior <strong>da</strong>s mulheres estrangeiras <strong>em</strong> relação às <strong>cuba</strong>nas. Considerando que a mulher <strong>em</strong> outrospaíses também vive <strong>em</strong> dificul<strong>da</strong>des de condições sócio-<strong>cultura</strong>is e econômicas, de qualquermodo, seu alcance na esfera profissional t<strong>em</strong> sido mais evidenciado e seus canais dereivindicação mais abertos para conquistas trabalhistas. E, conforme apresentam os <strong>da</strong>dos,<strong>em</strong> Cuba, as diferenças de gênero se encontram mais acentua<strong>da</strong>s.A tabela 2.2 a seguir, trata dos colaboradores <strong>cuba</strong>nos, quanto aos que resid<strong>em</strong> <strong>em</strong>Cuba e aos que se encontram no exílio, descritos como “não exilados” e “exilados”.


52Tabela 2.2: Colaboradores Cubanos (Não Exilados / Exilados)DescriçãoMulheres Homens TotalQde % Qde % Qde %Não Exilados 24 18,8 104 81,2 128 33,1Exilados 43 16,6 216 83,4 259 66,9Totais 67 17,3 320 82,7 387 100.0Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)A tabela acima na coluna do total apresenta 128 (33.1%) <strong>cuba</strong>nos não exiladosque escrev<strong>em</strong> para a <strong>revista</strong> e 259 (66,9%) exilados. Um <strong>da</strong>do que revela uma quanti<strong>da</strong>deimportante de intelectuais <strong>cuba</strong>nos no exílio, um pouco mais que o dobro que os que seencontram dentro de Cuba, criando um espaço de referência para o contato e discussão <strong>da</strong>identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na. Esses números contribu<strong>em</strong> para a compreensão do perfil <strong>da</strong><strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, pois sinalizam a relevância que o exílio t<strong>em</strong>des<strong>em</strong>penhado no atual contexto histórico de Cuba, quando parte significativa de seusintelectuais busca <strong>em</strong> outros territórios um meio de “falar a ver<strong>da</strong>de ao poder”, função queEdward Said atribui aos intelectuais. 66 Os <strong>da</strong>dos apontam também a relação entre a produçãodo exílio externo e interno (que será abor<strong>da</strong><strong>da</strong> no capítulo três). Pois é considerável o númerode colaboradores intelectuais dentro de Cuba que diverge do Estado e se submete ao risco deperseguições políticas, mas resiste ao isolamento e à marginalização <strong>em</strong> seu próprio país,participa com persistente interesse dessa interação narrativa. Esses <strong>da</strong>dos caracterizam ain<strong>da</strong> ocontexto do exílio <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 <strong>em</strong> que as condições para uma saí<strong>da</strong> por meio dodiscurso do diálogo ganham força e convicção entre um número crescente de intelectuais<strong>cuba</strong>nos de “fora” e de “dentro”. O discurso <strong>da</strong> relação entre Cuba e o exílio se confirma pelaparticipação efetiva desses intelectuais, oriundos de ambos os territórios, na produção <strong>da</strong><strong>revista</strong> que abre a possibili<strong>da</strong>de de identificação <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na s<strong>em</strong> a culpa de não serrevolucionário.Seguindo na análise <strong>da</strong> tabela 2.2, a primeira linha horizontal apresenta os nãoexilados, 24 (18,8%) mulheres e 104 (81,2%) homens. Na segun<strong>da</strong> linha mostra oscolaboradores exilados, sendo 43 (16,6%) mulheres e 216 (83,4%) homens. Tanto <strong>em</strong> Cuba,quanto no exílio, os autores <strong>cuba</strong>nos homens são maioria <strong>em</strong> relação às mulheres. A diferença<strong>em</strong> termos percentuais entre colaboradores homens e mulheres que resid<strong>em</strong> <strong>em</strong> Cuba (62,4%)é menor que a diferença entre os que se encontram no exílio (66,8%). A diferença caberia umestudo mais detalhado acerca <strong>da</strong>s condições de exílio para esses intelectuais, mulheres e66 SAID, Edward. Representações do Intelectual. As conferências Reith de 1993. Companhia <strong>da</strong>s Letras. SãoPaulo. 2005. p.11


53homens, que não estão no objeto desta pesquisa, mas serve apenas para indicar que até para sedeslocar para fora de seu país, há uma diferença <strong>em</strong> prejuízo às mulheres. Para as mulheres, oexílio implica <strong>em</strong> enfrentar duplamente o autoritarismo – o <strong>da</strong> burocracia estatal e o que s<strong>em</strong>anifesta nas relações familiares e pessoais. Os vínculos sociais que têm que abandonar e asexpectativas de <strong>sob</strong>revivência no exílio, pesam <strong>sob</strong>re sua decisão num mundo onde asquestões de gênero oferec<strong>em</strong> mais inseguranças às mulheres <strong>em</strong> enfrentá-los.Estas tabelas apontam <strong>da</strong>dos significativos do reflexo <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des de umasocie<strong>da</strong>de que ain<strong>da</strong> apresenta dificul<strong>da</strong>des às mulheres <strong>em</strong> des<strong>em</strong>penhar funções de alcanceacadêmico e intelectual. Se o advento do socialismo, do ponto de vista do materialismohistórico, a questão <strong>da</strong>s mulheres e d<strong>em</strong>ais minorias era secundária, ou somente seriaresolvi<strong>da</strong> com a solução do imperativo de um probl<strong>em</strong>a considerado maior – como o <strong>da</strong>desigual<strong>da</strong>de entre capital e trabalho – estes números são indícios de que há uma históriaain<strong>da</strong> a ser trilha<strong>da</strong> pelas mulheres na conquista de um espaço profissional e pela valorizaçãode seu trabalho. Pode-se observar que, ain<strong>da</strong> que o probl<strong>em</strong>a considerado de maior relevânciana experiência socialista buscou ser resolvido, porém não foi o bastante. Não houve umatransferência ou solução automática dos probl<strong>em</strong>as considerados secundários, o que seria umadecorrência natural ao eliminar as diferenças de classes, mas persist<strong>em</strong> <strong>em</strong> ser relegados asegundo plano na prática. E que, <strong>sob</strong> o socialismo, as mulheres continuaram e continuamenfrentando as limitações de uma <strong>cultura</strong> autoritária, onde o privilégio do conhecimento, dotrabalho especializado e melhor r<strong>em</strong>unerado é facilitado aos homens.Isabel Holgado Fernández, antropóloga e pesquisadora de t<strong>em</strong>as <strong>sob</strong>re gênero,nasci<strong>da</strong> <strong>em</strong> Barcelona, mostra como o agravamento <strong>da</strong> crise econômica dos anos 1990 <strong>em</strong>Cuba afetou a população f<strong>em</strong>inina. Segundo ela, as mulheres se concentram <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>des depouca r<strong>em</strong>uneração nos órgãos do Estado, <strong>em</strong> geral compl<strong>em</strong>entam com trabalho domésticopor conta própria, ou <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>des <strong>em</strong> casa, como cabeleireiras, manicuras, massagistas parasuprir o sustento familiar. Isabel Holgado Fernández afirma:Pero las mujeres se concentran en los niveles inferiores de la escala depromoción y, por ende, de menor r<strong>em</strong>uneración. Es cierto que el Gobiernoasegura igual salario a igual trabajo, pero la segregación ocupacionalintroduce una brecha de género que 38 años de Revolución no han sabidosolventar.… una parte de la población f<strong>em</strong>enina no abandona el trabajo r<strong>em</strong>unerado,pero lo realiza desde las “cuatro paredes” de su hogar, extendiendo a la


54socie<strong>da</strong>d una de sus principales labores domésticas, esto es, proveer yalimentar a los mi<strong>em</strong>bros de la familia. 67To<strong>da</strong>via, outro probl<strong>em</strong>a que t<strong>em</strong> se agravado é a prostituição <strong>da</strong>s mulheres<strong>cuba</strong>nas com os turistas como fonte de abastecimento às famílias ou como forma de sair dopaís. Isabel Holgado prossegue:...la nueva estrategia f<strong>em</strong>enina que mayor trascendencia tiene es eljineterismo o prostitución con los turistas, no sólo por las implicaciones anivel individual y social, sino también porque ha puesto al Estado <strong>cuba</strong>no eel punto de mira de la internacional. …Prácticamente to<strong>da</strong>s, implícita oexplícitamente, tienen como principal objetivo enamorar a un extranjero quelas saque del país o se convierta en su pigmalión particular. La franja dee<strong>da</strong>d es amplia, aunque los turistas ca<strong>da</strong> vez las solicitan más jóvenes y, ensu totali<strong>da</strong>d, son las principales, si no las únicas, proveedoras de susfamilias. 68A análise de Isabel Holgado Fernandez é de que o papel <strong>da</strong>s mulheres no exíliorepresenta a dificul<strong>da</strong>de que elas encontram na ascensão social, há uma lacuna acadêmica queresulta <strong>da</strong> assimetria entre gêneros associa<strong>da</strong> à condição de “homogeneización impuestaoficialmente”. 69A seguir serão configurados os países de orig<strong>em</strong> do total dos colaboradores <strong>da</strong><strong>revista</strong> (<strong>cuba</strong>nos e estrangeiros) representados na tabela 3, confirmando a maioria de autores<strong>cuba</strong>nos, 387 (77,6%), e 112 (22,4%) não <strong>cuba</strong>nos do total de 499 colaboradores comod<strong>em</strong>onstra a tabela 2.1..Tabela 3: Colaboradores / Países de Orig<strong>em</strong>Países Qtde. %ALEMANHA 4 0,8ARÁBIA 1 0,2ARGENTINA 6 1,2BOLÍVIA 1 0,2BRASIL 2 0,4BULGÁRIA 2 0,4CHILE 4 0,8COLÔMBIA 3 0,6CUBA 387 77,667 FERNÁNDEZ, Isabel Holgado. Estrategias laborales y domésticas de las mujeres <strong>cuba</strong>nas en el períodoespecial. Revista Encuentro… Madrid. Primavera/Verano de 1998. Vol. 8/9. pp.222-22368 Ibid<strong>em</strong>. p. 22469 Ibid<strong>em</strong>. pp. 226-227


55ESPANHA 36 7,2ESTADOS UNIDOS 12 2,4FRANÇA 6 1,2GUATEMALA 1 0,2HAITI 1 0,2HUNGRIA 1 0,2ÍNDIA 1 0,2INGLATERRA 2 0,4MÉXICO 11 2,2NICARÁGUA 1 0,2PALESTINA 1 0,2PERU 1 0,2POLÔNIA 4 0,8PORTO RICO 5 1,0PORTUGAL 1 0,2SUÉCIA 2 0,4SUÍÇA 1 0,2VENEZUELA 2 0,4Total 499 100,0Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)Do total de 499 autores, além dos originários de Cuba, que são maioria, com 387(77,56%), os países com maior número de colaboradores são Espanha com 36 (7,21%),Estados Unidos com 12 (2,4%) e México com 11 (2,2%), apenas para ilustrar os países d<strong>em</strong>aior número de autores. Embora a contribuição de autores <strong>cuba</strong>nos seja predominante, éinteressante observar o envolvimento de intelectuais dos outros 26 países ca<strong>da</strong>strados, o quedenota uma identificação que a publicação provoca <strong>em</strong> boa parte do mundo desde a América,Europa até a Ásia, na discussão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na que traz relações com experiênciasdiversas. Os <strong>da</strong>dos acima corroboram o discurso que enuncia o objetivo <strong>da</strong> <strong>revista</strong> <strong>em</strong>dimensionar internacionalmente a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na pelo diálogo entre exílio, Cuba e outrospaíses suplantando a discussão restrita de uma visão “nacionalista estrecha, sectária yexcluyente” como é evoca<strong>da</strong> <strong>em</strong> vários editoriais escritos por Jesús Díaz:En todos los números nos han acompañado también autores no <strong>cuba</strong>nos quesienten nuestros probl<strong>em</strong>as como propios, y cuyos juicios y experiencias<strong>sob</strong>re Cuba están enriquecidos ad<strong>em</strong>ás por una cierta distancia salu<strong>da</strong>ble. 70Desde el primer número nos h<strong>em</strong>os curado en salud de los terribles peligrosque implica una mira<strong>da</strong> nacionalista estrecha, sectaria y excluyente; de ahíque tantos escritores no <strong>cuba</strong>nos hayan encontrado cabi<strong>da</strong> en nuestraspáginas. 7170 DÍAZ, Jesús. Un año de Encuentro. Revista Encuentro… Madrid. 1997. Vol.4/5. p.371 DÍAZ, Jesús. Introducción Revista Encuentro… Madrid. 1999. Vol.12/13. p.3


56En nuestras páginas hallarán cabi<strong>da</strong> tanto contribuciones de <strong>cuba</strong>nos queviven en la Isla como de aquellos que residen en otros países, y también,desde luego, reflexiones de intelectuales extranjeros <strong>sob</strong>re nuestro país y sucircunstancia. 72A tabela 4 a seguir apresenta os países de residência dos colaboradores <strong>cuba</strong>nosexilados, distribuídos <strong>em</strong> 19 países.Tabela 4: Países de Residência dos ExiladosPaíses Qde %ÁFRICA DO SUL 1 0,39ALEMANHA 3 1,16ARGENTINA 2 0,77ÁUSTRIA 1 0,39BRASIL 3 1,16CANADÁ 2 0,77CHILE 2 0,77ESPANHA 78 30,12ESTADOS UNIDOS 125 48,26FRANÇA 12 4,63INGLATERRA 2 0,77ITÁLIA 2 0,77MÉXICO 15 5,79PORTO RICO 3 1,16PORTUGAL 1 0,39REPÚBLICA DOMINICANA 1 0,39SUÉCIA 2 0,77SUÍÇA 2 0,77VENEZUELA 2 0,77Total 259 100Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)A tabela 4 mostra que quase a metade dos autores <strong>cuba</strong>nos exilados se encontranos Estados Unidos com 125 (48,26 %) do total de 259 colaboradores. A Espanha é o segundopaís a compor o exílio destes autores com 78 (30,12%) de seus representantes. Segue oMéxico com 15 (5,79%) e a França com 12 (4.63%). A soma dos colaboradores destes países(Espanha, México e França), extraindo os Estados Unidos, corresponde a 105, umquantitativo muito próximo aos residentes nos Estados Unidos. Aprofun<strong>da</strong>r na análise desses<strong>da</strong>dos d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>ria mais el<strong>em</strong>entos de pesquisa que essa dissertação não t<strong>em</strong> como objetivo seestender. Mas os mais evidentes que talvez possam ser inferidos são: a proximi<strong>da</strong>degeográfica associa<strong>da</strong> às possibili<strong>da</strong>des dos EUA oferecer<strong>em</strong> condições de trabalho a um72 DÍAZ, Jesús. Cinco años de Encuentro. Revista Encuentro… Madrid. 2001. Vol.20. p.3


57contingente acad<strong>em</strong>icamente qualificado; o caráter histórico e <strong>cultura</strong>l <strong>da</strong> <strong>em</strong>igração <strong>cuba</strong>napara os EUA desde fins do século XIX, o que configura a existência de uma comuni<strong>da</strong>de<strong>cuba</strong>na importante já estabeleci<strong>da</strong> <strong>em</strong> território norte-americano, capaz de abrigar novosimigrantes. Muito <strong>em</strong>bora sejam relativas as facili<strong>da</strong>des dos <strong>em</strong>igrados <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> entrar nosEstados Unidos, pois o governo norte-americano muitas vezes contém essa migração comopropagan<strong>da</strong> ideológica ao bloqueio continental a Cuba. Já a Espanha, o segundo país deacolhi<strong>da</strong>, pode ser explicado, <strong>sob</strong>retudo pelo vínculo <strong>cultura</strong>l e lingüístico estabelecido desdeo processo de colonização, e ain<strong>da</strong> mantido por instituições de intercâmbio <strong>cultura</strong>l, b<strong>em</strong>como pelo fato de Madri ser a sede oficial <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e local de sua publicação. Isso é tambémevidenciado na próxima tabela. O México, <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, representa a proximi<strong>da</strong>de geográfica ehistórica com Cuba, e pela oportuni<strong>da</strong>de de trabalho aos intelectuais <strong>em</strong> instituições de ensinosuperior. A França também pela oportuni<strong>da</strong>de de trabalho acadêmico e <strong>cultura</strong>l.Logo abaixo a tabela 5 apresenta um d<strong>em</strong>onstrativo do país de residência <strong>da</strong>totali<strong>da</strong>de dos autores, incluindo <strong>cuba</strong>nos e não-<strong>cuba</strong>nos, homens e mulheres correspondendoa um total de 26 países.Tabela 5: Países de Residência de ColaboradoresPaíses Qde. %ÁFRICA DO SUL 1 0,20ALEMANHA 7 1,40ARGENTINA 5 1,00ÁUSTRIA 2 0,40BOLÍVIA 1 0,20BRASIL 4 0,80CANADÁ 3 0,60CHILE 2 0,40CUBA 129 25,85ESPANHA 117 23,45ESTADOS UNIDOS 147 29,46FRANÇA 22 4,41GUATEMALA 1 0,20ÍNDIA 1 0,20INGLATERRA 4 0,80ITÁLIA 2 0,40MARROCOS 1 0,20MÉXICO 27 5,41NICARÁGUA 1 0,20POLÔNIA 4 0,80PORTO RICO 4 0,80PORTUGAL 2 0,40REPÚBLICA DOMINICANA 1 0,20SUÉCIA 3 0,60SUÍÇA 5 1,00


58VENEZUELA 3 0,60Total 499 100Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)T<strong>em</strong>-se aqui a visão de que do total de 499 colaboradores, seguindo a ord<strong>em</strong> domaior ao menor, 147 (29,46%) se encontram nos Estados Unidos, 129 (25,85%) <strong>em</strong> Cuba,117 (23,45%) na Espanha, 27 (5,41%) no México, 22 (4,41%) na França e os d<strong>em</strong>ais paísescom menos de 7.Vimos que a publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> se realiza na Espanha e, ain<strong>da</strong>, a maior partedos colaboradores reside nos Estados Unidos. Isso se explica pelo momento histórico que seencontra Cuba, a representação política do exílio <strong>cuba</strong>no que configura a <strong>revista</strong> Encuentro dela Cultura Cubana é de uma posição crítica ao regime de Fidel Castro e à tradicionalarticulação política de Miami. A Espanha talvez simbolize territorial e politicamente o lugarde intermediação entre as posições políticas extr<strong>em</strong>as.Contudo, se cruzarmos os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> tabela 3, países de orig<strong>em</strong> dos escritores, comos <strong>da</strong> tabela 4, países de residência dos exilados, percebe-se que o maior quantitativo deautores residentes nos EUA, 147 (29,46%), se explica obviamente pela grande quanti<strong>da</strong>de de<strong>cuba</strong>nos exilados ali situados, 125 (48,26%). Os escritores norte-americanos não constitu<strong>em</strong> amaioria dos colaboradores estrangeiros, que somam um total de 12 (2,4%), mas sim aEspanha com 36 autores (7,21%), como mostra a tabela 4 <strong>da</strong> orig<strong>em</strong> dos colaboradores.Entretanto, o importante é que este triângulo geográfico majoritário <strong>da</strong> residênciados autores apresentado pela tabela 5 (EUA, Cuba, Espanha) sugere a compreensão de quenas condições políticas atuais de Cuba, a diáspora <strong>cultura</strong>l sinaliza uma outra dimensão denacionali<strong>da</strong>de além de uma circunscrição do limite territorial, político e ideológico. StuartHall analisa a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> diáspora <strong>cultura</strong>l caribenha e é significativa para acompreensão <strong>da</strong> diáspora <strong>cuba</strong>na onde outra imag<strong>em</strong> de nação é construí<strong>da</strong> e onde elas setornam múltiplas. 73 Hall argumenta <strong>sob</strong>re um conceito de diáspora <strong>em</strong> que a identi<strong>da</strong>de<strong>cultura</strong>l seja um “lugar de passag<strong>em</strong>”, de “sincretismos”, de “posições relacionais” ao invésdo “conceito fechado de diáspora”:O conceito fechado de diáspora se apóia <strong>sob</strong>re uma concepção binária dediferença. Está fun<strong>da</strong>do <strong>sob</strong>re a construção de uma fronteira de exclusão edepende <strong>da</strong> construção de um “Outro” e de uma oposição rígi<strong>da</strong> entre odentro e o fora. 7473 HALL, Stuart. Da Diáspora, Identi<strong>da</strong>des e Mediações Culturais. Editora UFMG. Belo Horizonte. 2003. p. 2674 Ibid<strong>em</strong>. p. 33


59A visão de nação t<strong>em</strong> sido esboça<strong>da</strong> pelos discursos <strong>da</strong> <strong>revista</strong> associa<strong>da</strong> a umaconcepção de identi<strong>da</strong>de que abor<strong>da</strong> a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> seu desdobramento com a questão<strong>da</strong> <strong>em</strong>igração, do exílio, do que é ser <strong>cuba</strong>no na Ilha e fora de suas fronteiras. Ain<strong>da</strong> StuartHall afirma “... as <strong>cultura</strong>s s<strong>em</strong>pre se recusaram a ser perfeitamente encurrala<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong>sfronteiras nacionais. Elas transgrid<strong>em</strong> os limites políticos.” 75 Uma perspectiva além <strong>da</strong>sfronteiras nacionais traz a discussão de uma identi<strong>da</strong>de constant<strong>em</strong>ente renova<strong>da</strong> pelosdeslocamentos populacionais e pela relação com as diferenças <strong>cultura</strong>is nos países queacolh<strong>em</strong> o exílio. Também assinala a crítica a uma concepção de identi<strong>da</strong>de cerra<strong>da</strong> pela visãoideológica e linear, de um discurso nacionalista sedimentado pela tradição revolucionária.Enfim, a nacionali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na põe sua <strong>cultura</strong> <strong>em</strong> constante diálogo internacional com outras<strong>cultura</strong>s no exílio e os <strong>da</strong>dos do local de residência dos autores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de laCultura Cubana ressaltam que é nos territórios (Cuba, Estados Unidos e Espanha) onde,pode-se dizer, o exílio interno e externo se concentra, é também onde são evidenciados osdiscursos por negociação.Na tabela 6 t<strong>em</strong>-se o d<strong>em</strong>onstrativo <strong>da</strong>s profissões declara<strong>da</strong>s pela própria <strong>revista</strong>ao final <strong>da</strong> página de ca<strong>da</strong> volume, que permite visualizar a formação dos colaboradores <strong>da</strong><strong>revista</strong>.Tabela 6: Profissões declara<strong>da</strong>s dos ColaboradoresProfissões Qde. %ADVOGADO 5 1,00ANTROPÓLOGO(A) 2 0,40ARQUITETO (A) 6 1,20ARTISTA PLÁSTICO 28 5,61ATOR/ATRIZ 1 0,20BIÓLOGO 1 0,20CARICATURISTA 1 0,20CINEASTA 5 1,00ECONOMISTA 21 4,21ESCRITOR (A) 76 249 49,90ESTUDANTE 1 0,20FILÓLOGO (A) 3 0,60FILÓSOFO (A) 2 0,40FOTÓGRAFO (A) 3 0,6075 Ibid<strong>em</strong>. p. 35-3676 A classificação de escritores se apresentou de forma ampla, pois grande parte está assim identifica<strong>da</strong> porexercer especificamente esta ativi<strong>da</strong>de, e outra parcela era acresci<strong>da</strong> de poetas, narradores e ensaístas. Com istoa quanti<strong>da</strong>de de escritores ficou numericamente relevante <strong>em</strong> relação às d<strong>em</strong>ais. Eles representam a metade doperfil do conjunto dos colaboradores. Mas foram seguidos os <strong>da</strong>dos que, <strong>em</strong> geral, colocavam o termo “escritor”tanto como única profissão como reuni<strong>da</strong> <strong>da</strong>s acima cita<strong>da</strong>s, conforme eram apresentados na <strong>revista</strong>.


60GEÓGRAFO 1 0,20HISTORIADOR(A) 34 6,81INTÉRPRETE 1 0,20JORNALISTA 37 7,41MÉDICO 3 0,60MÚSICO 5 1,00POLÍTICO (A) 13 2,61CIENT. POLITICO 4 0,80PROFESSOR (A) 43 8,62PSICÓLOGO (A) 1 0,20RELIGIOSO (A) 5 1,00SEXÓLOGO (A) 1 0,20SOCIÓLOGO (A) 10 2,00TEATRÓLOGO(A) 4 0,80NÃO DECLARADA 9 1,80Total 499 100Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)Ao todo são 29 profissões, reunindo um número maior na profissão ‘escritor’ queapresenta o total de 249 (49,9%) dentre os 499 colaboradores. Um <strong>da</strong>do significativo <strong>da</strong>quanti<strong>da</strong>de de escritores <strong>cuba</strong>nos que compõ<strong>em</strong> e defin<strong>em</strong> o perfil <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Segu<strong>em</strong>-se 43(8,62%) professores, 37 (7,41%) jornalistas, 34 (6,81%) historiadores, 28 (5,61%) artistasplásticos, 21 (4,21%) economistas e d<strong>em</strong>ais profissões apresentam menos de 3% .Há uma maior concentração <strong>em</strong> profissões provenientes <strong>da</strong> área de ciênciashumanas. E se juntarmos aleatoriamente as profissões que envolv<strong>em</strong> as artes, como artesplásticas, ator/atriz, caricaturista, cin<strong>em</strong>a, fotografia, música e teatro, ter<strong>em</strong>os 47 (9,41%)colaboradores – grande maioria de <strong>cuba</strong>nos – representando um número também importante erevelador de uma participação ativa desses setores no debate <strong>sob</strong>re <strong>cultura</strong> e política <strong>em</strong> Cuba.Os <strong>da</strong>dos profissionais contribu<strong>em</strong> para clarear a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> edos discursos <strong>da</strong> publicação e r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> imediatamente aos sujeitos enunciadores. Umalinguag<strong>em</strong> e um discurso que pressupõ<strong>em</strong> formação acadêmica e artística. Eles indicamautores de um discurso que possu<strong>em</strong> poder para representar uma concepção diferente domundo que alcança um nível de luta, de inserção <strong>cultura</strong>l e política no país, capaz de refletir<strong>sob</strong>re a alteração de uma determina<strong>da</strong> ord<strong>em</strong>. Em “A Ord<strong>em</strong> do Discurso” Michel Foucaultafirma que a produção do discurso não é apenas aquilo que se manifesta, mas o que é o objetorepresentado: “... o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sist<strong>em</strong>as dedominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos quer<strong>em</strong>os apoderar.” 7777 MICHEL, Foucault. A Ord<strong>em</strong> do Discurso. Edições Loyola. São Paulo. 1996. p. 10


61Neste sentido, a linguag<strong>em</strong> representa o poder de luta <strong>sob</strong>re uma <strong>da</strong><strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> qual asmotivações questionadoras são gera<strong>da</strong>s exercendo sua influência social.A seguir a tabela 7 configura o conjunto de t<strong>em</strong>áticas dos artigos publicados na<strong>revista</strong>, selecionados por meio <strong>da</strong> leitura dos mesmos à medi<strong>da</strong> que o seu conteúdo eraidentificado. São 28 t<strong>em</strong>áticas levanta<strong>da</strong>s:Tabela 7: T<strong>em</strong>ática dos ArtigosTipo de Artigo Qde. %ARQUITETURA 5 1,00ARTES 15 3,01CÁRCERE 2 0,40CINEMA 3 0,60CONTO 41 8,22ECONOMIA 12 2,40EDUCAÇÃO 1 0,20ESPORTE 5 1,00FESTAS 1 0,20FILOSOFIA 5 1,00FOTOGRAFIA 2 0,40GEOGRAFIA 5 1,00HISTÓRIA 31 6,21IMPRENSA 2 0,40JURÍDICO 8 1,60LINGUÍSTICA 4 0,80LITERATURA 78 15,63MILITARISMO 4 0,80MULHER 8 1,60MÚSICA 28 5,61NEGRO 5 1,00POESIA 83 16,63POLÍTICA 127 25,45RELIGIÃO 9 1,80SAÚDE PÚBLICA 1 0,20SEXO 1 0,20TEATRO 13 2,61Total: 499 100,00Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)Esses <strong>da</strong>dos foram importantes para o desenvolvimento do t<strong>em</strong>a desta dissertação,pois sua classificação permitiu a seleção dos artigos relacionados ao t<strong>em</strong>a <strong>cultura</strong> e política narede discursiva produzi<strong>da</strong> pela <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, já que não é opropósito do trabalho a análise <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de dos artigos. O levantamento desses <strong>da</strong>dosofereceu um panorama dos assuntos abor<strong>da</strong>dos pela <strong>revista</strong> e, ao separá-los por t<strong>em</strong>as,possibilitou visualizar sua estruturação e de como seriam trabalhados. A classificação por


62t<strong>em</strong>as dos artigos levou à compreensão de que a relação entre estes era muito próxima, comover<strong>em</strong>os na análise dos <strong>da</strong>dos logo <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, portanto a dissertação não discorreria <strong>sob</strong>ret<strong>em</strong>a por t<strong>em</strong>a, mas sim <strong>sob</strong>re o essencial do pensamento de seus colaboradores extraído dosdiversos t<strong>em</strong>as e de como estão relacionados na abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>cultura</strong>l e política.A tabela 7 apresenta o somatório de 499 artigos. As t<strong>em</strong>áticas que mais sedestacam pela ord<strong>em</strong> de ocorrência são: “política” que contribui com 127 (25,45%) dosartigos, “poesias” com 83 (16,63%) e literatura com 78 (15,63%).O it<strong>em</strong> “política”, num primeiro olhar, destaca-se pelo maior número depublicações, tomado individualmente entre todos os d<strong>em</strong>ais itens, o que se poderia considerarcomo o t<strong>em</strong>a de maior abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> pelos autores. Entretanto, os <strong>da</strong>dos não pod<strong>em</strong> seranalisados separa<strong>da</strong>mente e depois totalizados apenas <strong>em</strong> seu aspecto quantitativo, como sefosse um somatório de diferentes parcelas. É preciso considerá-los uns <strong>em</strong> relação aos outros,até porque ca<strong>da</strong> forma textual traz diferentes t<strong>em</strong>áticas através de diversas áreas <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>. O t<strong>em</strong>a “política” foi assim definido, considerando os artigos que tratam maisdiretamente de uma análise <strong>da</strong>s relações de poder entre Estado e socie<strong>da</strong>de, questões <strong>sob</strong>retransição, d<strong>em</strong>ocracia, autoritarismo. Isto não significa que os d<strong>em</strong>ais t<strong>em</strong>as não contenhamreflexões políticas importantes, até porque eles pod<strong>em</strong> adquirir uma ressonância social maiscompreensível. Como por ex<strong>em</strong>plo, o it<strong>em</strong> ‘festa’ apresenta apenas um artigo publicado na<strong>revista</strong> e, no entanto, traz significados <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> literária, <strong>da</strong> poesia, <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>música, do cotidiano social, b<strong>em</strong> como <strong>da</strong> política. O artigo Fiestas <strong>cuba</strong>nas de RobertoGonzález Echevaría ilustra b<strong>em</strong> este entrelace dos t<strong>em</strong>as e de como um el<strong>em</strong>ento <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>popular pode ser um campo fértil na compreensão e no questionamento do poder de umaautori<strong>da</strong>de, no desmantelamento de tradições:La fiesta también se monta <strong>sob</strong>re la posibili<strong>da</strong>d del caos, la dispersión, lavictoria de las fuerzas centrífugas en el interior de los grupos. Es aquí dondeacceden las fiestas a la política y constituyen no sólo un el<strong>em</strong>entoconservador de tradiciones, sino también disgregador de éstas. Se juega aldesmoronamiento de la autori<strong>da</strong>d, a su escarnio y destrucción, para fun<strong>da</strong>runa nueva que garantice otro orden futuro que ni siquiera se plantea.…Por to<strong>da</strong>s estas características – lo lúdico, el cuestionamiento de laautori<strong>da</strong>d, su carácter provisional y efímero, e ser un orden ficticio al que sejuega – la literatura, que las comparte, se complace en incorporar la fiesta asu repertorio de tópicos, cuando no es ya parte de ella. 7878 ECHEVARÍA, Roberto González. Fiestas Cubanas: Villaverde, Ortiz, Carpentie. Revista Encuentro….Madrid. 2001. Vol.20. pp.58-59


63Isto indica que os <strong>da</strong>dos dev<strong>em</strong> ser observados no aspecto quantitativo que pod<strong>em</strong>representar, mas não considerados como absolutos, isolados uns dos outros, e sim peloconteúdo apresentado e pelo que enunciam. Pois, traz<strong>em</strong> a intertextuali<strong>da</strong>de dos diferentest<strong>em</strong>as e mostram como os artigos dialogam entre si. A discussão política, como pode serobserva<strong>da</strong>, está conti<strong>da</strong> <strong>em</strong> outros artigos, que não sejam os especificamente escolhidos comopolíticos. Com isto t<strong>em</strong>os um entrecruzamento de linguagens e t<strong>em</strong>as que configuram umperfil <strong>da</strong> <strong>revista</strong> que não pode ser apreendido unicamente e n<strong>em</strong> mesmo selecionar um dentreoutros como majoritário.Observamos os itens ‘poesia’ com 83 (16,63 %) publicações, ‘literatura’ 78 (15,63%), ‘conto’ 41 (8,22%). Analisando a seqüência de acordo com a ord<strong>em</strong> dos mais publicados,observa-se um resultado expressivo <strong>da</strong> atuação dos colaboradores com textos literários. E seagruparmos aleatoriamente outros itens, que <strong>em</strong> quanti<strong>da</strong>de possu<strong>em</strong> menos publicações –como ‘música’ 28 (5,61%), ‘artes’ 15 (3,01%), ‘teatro’ 13 (2,61%), ‘religião’ 9 (1,80%),‘mulher’ 8 (1,60%), ‘negro’ 5 (1 %), ‘cin<strong>em</strong>a’ 3 (0,60%), ‘fotografia’ 2 (0,40%), ‘festa’ 1(0,20%) – aos mencionados acima <strong>em</strong> uma classificação tradicional como ‘<strong>cultura</strong>’, ver<strong>em</strong>osultrapassar <strong>em</strong> muito esta classificação <strong>em</strong> relação ao it<strong>em</strong> ‘política’.Esses <strong>da</strong>dos são relevantes porque, ain<strong>da</strong> que estejam quantificados e distribuídos<strong>em</strong> tipologias separa<strong>da</strong>s, suger<strong>em</strong> a existência de uma flexibili<strong>da</strong>de na estrutura de suacomposição, proveniente <strong>da</strong> concepção que se t<strong>em</strong> <strong>sob</strong>re ca<strong>da</strong> it<strong>em</strong> e <strong>da</strong> relação que seestabelece entre eles. Isto fica d<strong>em</strong>onstrado na tênue fronteira entre a abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>cultura</strong>l e apolítica, quando os t<strong>em</strong>as mulher, negro, religião, festa, artes plásticas, música, teatro, cin<strong>em</strong>a,fotografia pod<strong>em</strong> se encontrar na categoria <strong>cultura</strong>, significando ao mesmo t<strong>em</strong>po a reflexãode uma condição política <strong>da</strong><strong>da</strong>. A relação, então, entre <strong>cultura</strong> e política pode ser visualiza<strong>da</strong>na interpretação desses <strong>da</strong>dos e confirma<strong>da</strong>s pelas leituras dos artigos. Pois o t<strong>em</strong>a “política”incide <strong>sob</strong>re a <strong>cultura</strong> de um povo, seja para manipulá-la ou referendá-la, e do mesmo modo,há uma <strong>cultura</strong> que reflete na política, caracterizando uma determina<strong>da</strong> nação por suastradições de autoritarismo, de d<strong>em</strong>ocracia, <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de sua diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>lpressionar e influir nas decisões políticas.Os artigos de áreas científicas específicas possu<strong>em</strong> também uma participaçãoimportante como mostra ain<strong>da</strong> a tabela 7. Foram publicados 31 (6,21%) artigos de história,12 (2,40%) de economia, 8 (1,60%) jurídicos, 5 (1%) de geografia, 5 (1%) de arquitetura e 5(1%) filosofia, 4 (0,80%) de lingüística e 1 (0,20%) de educação.


64De um modo geral, os <strong>da</strong>dos acima contribu<strong>em</strong> para a compreensão <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong><strong>da</strong> <strong>revista</strong>, de como a identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na v<strong>em</strong> sendo debati<strong>da</strong> pelos ensaios políticos,produções acadêmicas, literatura, cin<strong>em</strong>a, música, teatro, artes plásticas, entre vários jámencionados. De que maneira essa identi<strong>da</strong>de transcende à dispersão <strong>em</strong> diferentes espaços eàs barreiras político-ideológicas. Os <strong>da</strong>dos apontam, ain<strong>da</strong>, o caminho para se encontrar osel<strong>em</strong>entos à análise dos discursos pós-revolucionários por meio de diferentes mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des detextos, por uma grande quanti<strong>da</strong>de de colaboradores que debat<strong>em</strong> entre si a diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>cultura</strong> e <strong>da</strong> política <strong>cuba</strong>nas.Observa-se pelo ponto de vista dos autores, ao propor<strong>em</strong> a diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e ocotidiano como norte <strong>da</strong>s relações políticas, a presença do pensamento teórico que secontrapõe a uma visão absoluta <strong>da</strong> história, ao essencialismo <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de moderna, tantoo universalismo iluminista, quanto o materialismo histórico, que disputam o imagináriosocial. Concluindo, é importante citar um artigo de Rafael Rojas <strong>em</strong> Encuentro en la Red –<strong>revista</strong> eletrônica <strong>da</strong> Asociación Encuentro de la Cultura Cubana – que ilustra esta visãoteórica, seu desdobramento no terreno <strong>da</strong>s relações sociais e políticas, quando discutecategorias de pureza e impureza que coman<strong>da</strong>m o pensamento moderno e racional,sustentando “ideologías extr<strong>em</strong>as”:En regímenes políticos dominados por valores revolucionarios, como el<strong>cuba</strong>no, to<strong>da</strong>vía se encarcela o se deporta a opositores pacíficos en nombrede la pureza. Pero como advierte Moore, la intransigencia política, basa<strong>da</strong> enmitos o valores de ideologías extr<strong>em</strong>as, tiene la misteriosa capaci<strong>da</strong>d detransferir su propio radicalismo al campo opositor.No es raro que en la oposición <strong>cuba</strong>na, lo mismo en La Habana que enMadrid, en México que en Miami, en Washington que en París, to<strong>da</strong>vía seescuchen voces que d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>n pureza contrarrevolucionaria o, lo que es mástrasnochado aún, anticomunismo puro. Unos y otros, los puros castristas ylos anticastristas puros han logrado algo que provoca una admiraciónperversa: detener la historia de Cuba en aquel intenso año de 1989. 79Rafael Rojas chama a atenção para uma nova compreensão do processo político, quese desvencilhe de modelos fechados, homogêneos e puros, pois ao se firmar<strong>em</strong> <strong>em</strong> posiçõesrígi<strong>da</strong>s se igualam aos outros modelos de oposição extr<strong>em</strong>a. Dessa forma, o purismorevolucionário e o contra-revolucionário, comunismo e anticomunismo se estruturam <strong>sob</strong>re osmesmos fun<strong>da</strong>mentos de coerência e uni<strong>da</strong>de política, tentam mol<strong>da</strong>r a <strong>cultura</strong> dentro de um79 ROJAS, Rafael. El vicio de la pureza. Encuentro en la Red. Diario independiente de asuntos <strong>cuba</strong>nos.Disponível <strong>em</strong>: <strong>cuba</strong>encuentro.com. 2004


65universo coeso que pressupõe exclusivi<strong>da</strong>de e anulação <strong>da</strong>s diferenças. E quando Rafael Rojasafirma que os “puros castritas” e os “anti-castristas” pretend<strong>em</strong> deter a história de Cuba nointenso ano de 1989, está se referindo ao contexto histórico mundial <strong>da</strong> que<strong>da</strong> do Muro deBerlim, do fim <strong>da</strong> Guerra Fria, e que a déca<strong>da</strong> de 1990 para os <strong>cuba</strong>nos pode assinalar apossibili<strong>da</strong>de de uma outra configuração histórica <strong>em</strong> que uma transição negocia<strong>da</strong>, s<strong>em</strong>exclusão de qualquer tendência política, t<strong>em</strong> sido intensamente debati<strong>da</strong> e aponta<strong>da</strong> comouma saí<strong>da</strong> d<strong>em</strong>ocrática s<strong>em</strong> traumas e revanchismos.A tabela 8 a seguir distribui os artigos <strong>em</strong> suas diferentes mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de texto e nãode t<strong>em</strong>a, denomina<strong>da</strong>s de “tipos de artigos”, pois ca<strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de traz <strong>em</strong> si diferentes t<strong>em</strong>ase, por isto, foi estrutura<strong>da</strong> separa<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> tabela 7, que se refere à classificação por t<strong>em</strong>as.Pod<strong>em</strong>os verificar esta constatação a partir do it<strong>em</strong> “resenha” com 271 (58,15 %) publicaçõescom uma varie<strong>da</strong>de de t<strong>em</strong>as <strong>em</strong> função também <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de de conteúdos contidos noslivros que são analisados. Essa mesma lógica se aplica aos d<strong>em</strong>ais itens.Tabela 8: Tipos de ArtigosTipo de Artigo Qde. %CARTA 34 7,30DOCUMENTO 1 0,21EDITORIAL 15 3,22ENSAIO 11 2,36ENTREVISTA 19 4,08HOMENAGEM 67 14,38RELATOS 48 10,30RESENHA 271 58,15Total: 466 100,00Fonte: Revista Encuentro de la Cultura Cubana (Vol. 01 ao 25)É interessante observar nesse quantitativo de resenhas que há umacorrespondência à intensa publicação de livros <strong>sob</strong>re a reali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na na déca<strong>da</strong> de 1990,pois a maioria <strong>da</strong>s obras resenha<strong>da</strong>s se refere à socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na. Isto significa um interesse<strong>em</strong> pensar, escrever e gerar reflexões <strong>sob</strong>re o atual contexto histórico de Cuba por parte dosautores dos livros, como dos autores que resenham as obras publica<strong>da</strong>s. Tanto a esfera deprodução dessas obras quanto de sua recepção nas resenhas se amplia no espaço plural deidéias por meio <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, assim como são encaminha<strong>da</strong>s para novos leitores.Numericamente isto representa 271 livros publicados durante seis anos, de 1996 a 2002, <strong>em</strong>que esses <strong>da</strong>dos foram levantados. A necessi<strong>da</strong>de de entender, explicar e apontar saí<strong>da</strong>s para o


66contexto <strong>cuba</strong>no atual está registra<strong>da</strong> por esses escritores e intelectuais que dão test<strong>em</strong>unho desuas experiências e do momento histórico que viv<strong>em</strong> dentro e fora <strong>da</strong> Ilha.O it<strong>em</strong> “homenag<strong>em</strong>” apresenta na tabela 8 como o segundo mais freqüente na<strong>revista</strong> com 67 (14,38 %) publicações <strong>em</strong> 25 volumes ca<strong>da</strong>strados. As homenagensultrapassam a quanti<strong>da</strong>de de volumes, o que representa o valor que lhe é <strong>da</strong>do na <strong>revista</strong>. Emgeral as homenagens são dedica<strong>da</strong>s a escritor, artista plástico, músico, historiador,economista, arquiteto, a República, a “Geração Mariel” entre outros.Em segui<strong>da</strong> v<strong>em</strong> os “relatos” com 48 (10,30%) publicações que tratam d<strong>em</strong><strong>em</strong>órias descritas pelos autores de vivências e convivências na socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na. Logo apóso it<strong>em</strong> “carta” com 34 (7,30 %) publicações, ent<strong>revista</strong> 19 (4,08 %), editorial 15 (3,22 %),ensaio 11 (2,36 %) e documento 1 (0,21 %). Percebe-se que o número de editoriais é menorque a quanti<strong>da</strong>de de <strong>revista</strong>s ca<strong>da</strong>stra<strong>da</strong>s, pois alguns volumes iniciam sua apresentação apartir de homenagens a um escritor acompanha<strong>da</strong> <strong>da</strong> publicação de um po<strong>em</strong>a.Esse capítulo buscou traçar o contexto histórico <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na dos anos de1990, que caracteriza o surgimento <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, o papel deJesús Díaz nesse <strong>em</strong>preendimento, o perfil de seus colaboradores e <strong>da</strong>s t<strong>em</strong>áticasdesenvolvi<strong>da</strong>s, d<strong>em</strong>onstrando seu contorno intelectual ativo no contexto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>naatual. Dessa compreensão resultou a definição do t<strong>em</strong>a a ser trabalhado no capítulo <strong>em</strong>segui<strong>da</strong> <strong>sob</strong>re a posição dos intelectuais na <strong>cultura</strong> e na política <strong>em</strong> Cuba na déca<strong>da</strong> de 1990,como pensam o exílio e sua relação com Cuba e os discursos <strong>sob</strong>re transição política.


673. AS REPRESENTAÇÕES DA RELAÇÃO CUBA E EXÍLIO NA NARRATIVA DAREVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANAO pensamento <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na dentro e fora <strong>da</strong> Ilha, reunido naEncuentro de la Cultura Cubana, foi estu<strong>da</strong>do tendo como fonte os editoriais e artigosilustrativos do discurso do diálogo entre as duas dimensões territoriais <strong>em</strong> que se encontramos <strong>cuba</strong>nos. Como a <strong>cultura</strong> pode ser a referência desse diálogo, um fator aglutinador <strong>da</strong>dispersão, debatendo a identi<strong>da</strong>de na perspectiva <strong>da</strong> relação entre a nação <strong>em</strong> sua dimensãointerna e a que se encontra no exílio, e de como a negociação entre esses espaços <strong>cultura</strong>is enacionais é pensa<strong>da</strong> como transição política.3.1. INSERÇÃO DOS INTELECTUAIS NA CULTURA E NA POLÍTICA EMCUBAO ponto de parti<strong>da</strong> para o reconhecimento <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de do pensamentoreunido na <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana é ter claro qu<strong>em</strong> são os autores ereceptores, qu<strong>em</strong> produz e para qu<strong>em</strong> se direciona sua escrita, b<strong>em</strong> como as possíveisposições dos sujeitos diante dos discursos produzidos. Dessa forma, o banco de <strong>da</strong>dosapresentado fornece um mapa que d<strong>em</strong>onstra qu<strong>em</strong> são os sujeitos desta intervençãonarrativa. Um universo de intelectuais <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros que reflet<strong>em</strong> <strong>sob</strong>re o contexto<strong>cultura</strong>l e político <strong>em</strong> Cuba, tendo como referência o exílio <strong>em</strong> sua dimensão política interna eexterna, <strong>da</strong>do o próprio lócus <strong>da</strong> publicação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> – Madri, um dos principais territóriosdo exílio <strong>cuba</strong>no. Por outro lado, na leitura <strong>da</strong>s Cartas a Encuentro, obtém-se a visão dosujeito-receptor <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Composição social também de leitores <strong>cuba</strong>nos intelectuais dentroe fora <strong>da</strong> Ilha, estrangeiros e os próprios colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>.A densi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> também é indicadora desse meio <strong>em</strong> que circulam seusvolumes. Os intelectuais des<strong>em</strong>penham função representativa de uma imag<strong>em</strong> do mundo e desi mesmos, juntamente com a tentativa de falar a um público o mais amplo possível. AntonioGramsci nos Cadernos do Cárcere refere-se aos intelectuais articulados e não tanto às classessociais como categoria mobilizadora de novas situações e mu<strong>da</strong>nças de mentali<strong>da</strong>de. Cabeaqui sua acepção a respeito do “intelectual orgânico” que <strong>em</strong>erge <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil para


68mediar uma representação <strong>cultura</strong>l e política autônoma frente ao aparelho de Estado. 80 ParaGramsci todos somos intelectuais ou filósofos , mesmo que não nos dediqu<strong>em</strong>osespecificamente a estas ativi<strong>da</strong>des. Mas o fato de pensarmos e termos uma concepção d<strong>em</strong>undo, compomos uma consciência, ou várias consciências do cotidiano, do “pensamentopopular” que se traduz<strong>em</strong> na <strong>cultura</strong> de um povo. E esta se constitui <strong>em</strong> um campo de lutaimportante na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que uma teoria política ou trabalho intelectual organizado sejacapaz de elevar seu pensamento. O intelectual possui uma responsabili<strong>da</strong>de especial nacirculação de idéias, na difusão <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> e na luta ideológica. É dessa função que Gramscidefine o intelectual “tradicional” que se alinha à manutenção de um pensamento social jáexistente, e o intelectual “orgânico” que se posiciona na elaboração de idéias detransformação, de compromisso com novas formas de pensamento e atuação social. Acontribuição importante de Gramsci é quanto à diversi<strong>da</strong>de de pensamentos presente nasesferas de atuação dos intelectuais. 81Em Representações do Intelectual, Edward Said considera que um dos deveres dointelectual é possuir independência e dissentir contra representações dominadoras. Afirma:“Daí minhas caracterizações do intelectual como um exilado e marginal, como amador e autorde uma linguag<strong>em</strong> que tenta falar a ver<strong>da</strong>de ao poder.” 82 Ser “exilado” e “marginal” paraSaid, significa assumir uma condição de vi<strong>da</strong> <strong>sob</strong> sacrifício social e familiar que se impõequando se pensa diferente de uma ord<strong>em</strong> estabeleci<strong>da</strong>. Para o intelectual a dissensão lhe custaser posto à marg<strong>em</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, é carregar a imag<strong>em</strong> <strong>da</strong> culpa que lhe é atribuí<strong>da</strong> por nãocolaborar ou se conformar com uma situação já defini<strong>da</strong>. “Falar a ver<strong>da</strong>de ao poder” é servisto como um diferente que deve ser excluído, é um “Outro” que vai ser marginalizado eexilado e, ain<strong>da</strong>, assumir a culpa pela dissensão.Numa visão mais completa <strong>da</strong> postura combativa e denunciadora dos intelectuaisque Said defende é encontra<strong>da</strong> neste trecho:A questão central para mim, penso, é o fato de o intelectual ser um indivíduodotado de uma vocação para representar, <strong>da</strong>r corpo e articular umamensag<strong>em</strong>, um ponto de vista, uma atitude, filosofia ou opinião para (etambém por) um público. E esse papel encerra uma certa agudeza, pois nãopode ser des<strong>em</strong>penhado s<strong>em</strong> a consciência de ser alguém cuja função élevantar publicamente questões <strong>em</strong>baraçosas, confrontar ortodoxias edogmas (mais do que produzi-los); isto é, alguém que não pode ser80 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 200181 Ibid<strong>em</strong>.82 SAID, Edward. Representações do Intelectual. As conferências Reith de 1993. Companhia <strong>da</strong>s Letras. SãoPaulo. 2005. p.15


69facilmente cooptado por governos ou corporações, e cuja raison d’être érepresentar to<strong>da</strong>s as pessoas e todos os probl<strong>em</strong>as que são sist<strong>em</strong>aticamenteesquecidos ou varridos para debaixo do tapete. 83A reflexão <strong>sob</strong>re a intelectuali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na é um t<strong>em</strong>a que envolve a discussão<strong>sob</strong>re o papel do intelectual e sua responsabili<strong>da</strong>de social. Não há, <strong>em</strong> princípio, umadeterminação <strong>sob</strong>re as opções que faz<strong>em</strong> um intelectual frente às lutas sociais, seja porcooptação ou por espontanei<strong>da</strong>de de posicionamento, sua presença na história se faz a partirdo momento <strong>em</strong> que seu pensamento se transforma <strong>em</strong> escrita e esta, por sua vez, atua naesfera social como referência teórico-prática. A grande questão é suscitar debates, gerarpensamentos outros e atitudes sociais diferencia<strong>da</strong>s, mais do que uma pretensão <strong>em</strong> conduziruma ação de massa. Enrico Mario Santí faz uma reflexão na <strong>revista</strong> a respeito dos intelectuais<strong>cuba</strong>nos diante do regime atual:Reconocer el contexto histórico y actuar en él incluye, por cierto, laresponsabili<strong>da</strong>d ante las generaciones futuras: esa <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na que ya vahacia el nuevo milenio. Sin la reflexión de ese intelectual, esa <strong>cultura</strong>que<strong>da</strong>rá grav<strong>em</strong>ente mutila<strong>da</strong>, sujeta a la repetición inconsciente del mismofenómeno que cometió. ……Creo profun<strong>da</strong>mente que el intelectual <strong>cuba</strong>no existe, creo en su probi<strong>da</strong>dintelectual y creo en su capaci<strong>da</strong>d de reflexión. No creo, en cambio, ni en lassoluciones colectivas ni en los llamados a discusiones en masa. 84Enrico Mario Santí atribui, então, ao intelectual a capaci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> test<strong>em</strong>unhar aautonomia <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> e de atuar <strong>em</strong> sua defesa. Desta forma o intelectual assume o papel detransgressor de uma ord<strong>em</strong> dominante e se compromete com as gerações futuras, na medi<strong>da</strong><strong>em</strong> que lança iniciativa de um luta para ser recria<strong>da</strong> <strong>em</strong> momentos posteriores. Seguindo apresença contestadora do intelectual na socie<strong>da</strong>de, Efraín Rodrigues Santana, um dosfun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, cita Antón Arrufat 85 a respeito de seu livroVirgilio Piñera: entre él y yo (La Habana, 1994). Segundo Efraín, nesta obra Antón Arrufat83 Ibid<strong>em</strong>. pp. 25-2684 SANTÍ, Enrico Mario. Cuba y los intelectuales: una reflexión necesaria. Revista Encuentro… Madrid.Invierno de 1996/1997. Vol. 3. p.94. Enrico Mario Santí é escritor e professor universitário, reside nos EstadosUnidos.85 Antón Arrufat nasceu <strong>em</strong> Santiago de Cuba, <strong>em</strong> 1935. Dramaturgo, novelista, contista, poeta e ensaísta, entresuas obras se encontram, no teatro: Todos los domingos (1965), a coleção de peças Teatro (1963) e La tierrapermanente (1987); poesia: Repaso final (1963), Escrito en las puertas (1967), La huella en la arena (1986);narrativa: La caja cerra<strong>da</strong> (novela, 1984) e ¿Qué harás después de mí? (cuentos, 1988). Em março de 2000, naFeira Internacional do Livro <strong>em</strong> Havana, recebeu o prêmio Alejo Carpentier de Novela pelo livro La noche delaguafiestas. Em 1968 apresentou sua peça Los Siete contra Tebas censura<strong>da</strong> pela crítica ao socialismo <strong>cuba</strong>no.Foi chefe de re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Casa de las Américas (1960-1965). Em 2005 ganhou o IV PrêmioIberoamericano de Cuento Julio Cortázar, com o relato El envés de la trama.


70reflete <strong>sob</strong>re o caráter transgressor de Virgilio Piñera que “fazia do absurdo, <strong>da</strong> truculência edo <strong>sob</strong>redimensional, material idôneo de sua existência e de sua literatura.” 86 E Efraínressalta ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> sua análise <strong>da</strong> obra de Arrufat a linguag<strong>em</strong> literária como contestadora eirônica ao comportamento político dominador.Carlo Ginsburg afirma que é na literatura <strong>da</strong> imaginação que o paradigmaindiciário se afirma. O método dos indícios, do pormenor pode revelar grandes fenômenos.Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que é utilizado no controle social e ideológico, pode também serutilizado no conhecimento que dissolva o obscurantismo <strong>da</strong>s ideologias dominantes. 87 Eneste sentido, Antón Arrufat descreve as circunstâncias adversas <strong>em</strong> que a literatura <strong>cuba</strong>naresistia e de como os escritores <strong>cuba</strong>nos foram submetidos nos anos de 1970 e, de modos<strong>em</strong>elhante nos anos de 1990 ao controle político do governo revolucionário:Nuestros libros dejaron de publicarse, los publicados fueron recogidos de laslibrerías y subrepticiamente retirados de los estantes de las bibliotecaspúblicas. Las piezas teatrales que habíamos escrito desaparecieron de losescenarios. Nuestros nombres dejaron de pronunciarse en conferencias yclases universitarias, se borraron de las antologías y de las historias de laliteratura <strong>cuba</strong>na compuestas en esa déca<strong>da</strong> funesta. No sólo estábamosmuertos en vi<strong>da</strong>: parecíamos no haber nacido ni escrito nunca. Las nuevasgeneraciones fueran educa<strong>da</strong>s en el desprecio a cuanto habíamos hecho o ensu ignorancia. Fuimos sacados de nuestros <strong>em</strong>pleos y enviados a trabajardonde nadie nos conociera, en biblioteca aleja<strong>da</strong>s de la ciu<strong>da</strong>d, imprentas detextos escolares y fundiciones de acero. Piñera se convirtió por decisión deun funcionario, en un traductor de literatura africana de lengua francesa. 88Segundo a visão de Arrufat, a intelectuali<strong>da</strong>de foi reduzi<strong>da</strong> a situações de nuli<strong>da</strong>dee impossibili<strong>da</strong>de de expressão independente, pressupondo uma hierarquia de funçõesestabeleci<strong>da</strong>s pelos valores <strong>da</strong> conveniência oficial. Tal conveniência não permite o incômodocrítico e, principalmente, os instrumentos de sua difusão. Cabe-lhe, então, julgar a ocupaçãoapropria<strong>da</strong> <strong>da</strong> inconveniência conforme os critérios <strong>da</strong> hierarquia funcional. A ocupaçãoapropria<strong>da</strong> significa adequar-se a um trabalho que não tenha repercussão política e n<strong>em</strong>inviabilize o curso normal <strong>da</strong> condução de um projeto revolucionário, que deveria sertacitamente aceito por to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de. Ou se põe à serviço <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> revolução, ou86 SANTANA, Efraín Rodriguez. Virgilio Piñera: la vi<strong>da</strong> vive. Revista Encuentro... Verano de 1996. Vol.1.p. 116. Efraín nasceu <strong>em</strong> Palma Soriano <strong>em</strong> 1953 e reside <strong>em</strong> Havana. É poeta e ensaísta, autor do livro depo<strong>em</strong>as Otro día va comenzar.87 GINSBURG, Carlo. Mitos, Embl<strong>em</strong>as, Sinais: Morfologia e História. Companhia <strong>da</strong>s Letras. São Paulo. 1991.pp.143-17988 ARRUFAT, Antón. Virgilio Piñera: entre él y yo. Ediciones Unión, La Habana, 1994 apud SANTANA,Efraín Rodriguez. Virgilio Piñera: la vi<strong>da</strong> vive. Revista Encuentro... Verano de 1996. Vol.1. p.116


71não há lugar adequado na socie<strong>da</strong>de à sua <strong>sob</strong>revivência. To<strong>da</strong> a <strong>cultura</strong> se reduz ainstrumentalizar e alimentar a política revolucionária.No artigo de Carlos Monsivais, intitulado “Revolución Cubana: los años delconsenso”, cita um discurso de Fidel Castro, proferido <strong>em</strong> 1968 no Congresso Cultural de LaHabana, acerca <strong>da</strong> posição dos intelectuais e <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>em</strong> Cuba após a Revolução,traduzindo a utilização <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> como veículo de difusão ideológica: “... que losintelectuales adoptan una posición ca<strong>da</strong> vez más combativa”. E, <strong>em</strong> outra citação Fidelafirma: “La <strong>cultura</strong> es hija de la Revolución.” 89 A história veio assinalar a interpretação deque essa concepção de <strong>cultura</strong> é o resultado <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de entre Revolução, nação, estado,poder, governo e o socialismo. O ver<strong>da</strong>deiro intelectual é aquele que, antes de tudo, assume acondição e as tarefas revolucionárias na acepção de Fidel, fora dessa condição não háaceitação social e política. É pertinente citar aqui trechos de outro discurso de Fidel Castro(mencionado na Introdução desta dissertação) numa reunião <strong>em</strong> junho de 1961 com escritorese intelectuais <strong>cuba</strong>nos, que culminou no fechamento <strong>da</strong> publicação Lunes de Revolución e naconvocação do Congresso que criou a União dos Escritores e Artistas Cubanos (UNEAC).Esse discurso é ilustrativo <strong>da</strong> política <strong>cultura</strong>l que seria defini<strong>da</strong> a partir de então pelo governorevolucionário e instituí<strong>da</strong> até o momento, mas com a presença heterogênea e resistente dosintelectuais ao longo do processo revolucionário:El probl<strong>em</strong>a que aquí se ha estado discutiendo y vamos a abor<strong>da</strong>r, es elprobl<strong>em</strong>a de la libertad de los escritores y artistas para expresarse.Se habló aquí de la libertad formal. Todo el mundo estuvo de acuerdo en quese respete la libertad formal. Creo que no hay du<strong>da</strong> acerca de este probl<strong>em</strong>a.La cuestión se hace más sutil y se convierte ver<strong>da</strong>deramente en el puntoesencial de la discusión cuando se trata de la libertad de contenido. Es elpunto más sutil porque es el que está expuesto a las más diversasinterpretaciones. El punto más polémico de esta cuestión es si debe haber ono una absoluta libertad de contenido en la expresión artística. [...]Permítanme decirles en primer lugar que la Revolución defiende la libertad;que la Revolución ha traído al país una suma muy grande de libertades; quela Revolución no puede ser por esencia en<strong>em</strong>iga de las libertades; que si lapreocupación de alguno es que la Revolución vaya a asfixiar su espíritucreador, [...] esa preocupación es innecesaria, [...] esa preocupación no tienerazón de ser.…dentro de la Revolución, todo; contra la Revolución, na<strong>da</strong>. Contra laRevolución na<strong>da</strong>, porque la Revolución tiene también sus derechos y elprimer derecho de la Revolución es el derecho a existir, y frente al derechode la Revolución de ser y de existir, nadie, por cuanto la Revolucióncomprende los intereses del pueblo, por cuanto la Revolución significa los89 MONSIVAIS, Carlos. La revolución <strong>cuba</strong>na: los años del consenso. Revista Encuentro… Madrid. 2000.Vol. 16/17. p.76


72intereses de la nación entera, nadie puede alegar con razón un derecho contraella.Creo que esto es bien claro. ¿Cuáles son los derechos de los escritores y delos artistas revolucionarios o no revolucionarios? Dentro de la Revolución,todo; contra la Revolución, ningún derecho. 90Pode-se observar <strong>da</strong>s palavras de Fidel Castro que a liber<strong>da</strong>de de conteúdoconsidera<strong>da</strong> essencial à expressão dos escritores e artistas se traduz naquela <strong>em</strong> que seencontre nos limites <strong>da</strong> Revolução. É <strong>da</strong>do o direito de somente à Revolução existir, portanto,to<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de dentro dela é permiti<strong>da</strong>; mas fora dela esse direito já não existe e nenhumaliber<strong>da</strong>de é consenti<strong>da</strong>, como enfatiza, <strong>sob</strong>retudo, no último parágrafo. Liber<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong>Revolução significa que a <strong>cultura</strong> passa a ser política controla<strong>da</strong> pelo Estado. E segundoArrufat, “Donde to<strong>da</strong> activi<strong>da</strong>d <strong>cultura</strong>l es una activi<strong>da</strong>d del Estado, ser marginado por elpropio Estado constituye casi un destino.” 91Para o intelectual, ser deslocado de sua ativi<strong>da</strong>de criadora e des<strong>em</strong>penhar funçõesque a restring<strong>em</strong> é uma situação que representa não só a falta de reconhecimento por parte dopoder público, mas a inviabili<strong>da</strong>de de ser conhecido perante a socie<strong>da</strong>de e de dialogar com osinterlocutores de uma comunicação social mais ampla. É impor-lhe a ruptura com asocie<strong>da</strong>de, tanto do ponto de vista profissional quanto <strong>em</strong> suas relações sociais mais próximas.Afasta-o de seus vínculos <strong>cultura</strong>is para deslegitimá-lo de to<strong>da</strong>s as formas de manifestação <strong>da</strong>própria <strong>cultura</strong>, seja a popular ou a considera<strong>da</strong> intelectualmente produzi<strong>da</strong>. Enfim, é imporlheo exílio interno. O intelectual, <strong>em</strong> geral, ocupa no quadro social o lugar entre o poder e asocie<strong>da</strong>de, sendo porta-voz desta na compreensão crítica de uma estrutura dominante. Comotambém, pode se constituir num sustentáculo teórico de uma posição oficial. Mas seudes<strong>em</strong>penho t<strong>em</strong> relevância social na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que dinamiza e recria as idéias que circulamna socie<strong>da</strong>de, sinaliza mu<strong>da</strong>nças e põe <strong>em</strong> movimento as representações sócio-<strong>cultura</strong>is.Edward Said afirma que: “Uma <strong>da</strong>s tarefas do intelectual reside no esforço <strong>em</strong> derrubar osestereótipos e as categorias redutoras que tanto limitam o pensamento humano e acomunicação”. 92O apoio que a intelectuali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, a latino-americana e européia dedicaram àRevolução Cubana, numa expectativa de que o desenvolvimento social adviria de um projetocoletivo, de uma consciência revolucionária e não dependente <strong>da</strong>s forças capitalistas de90 Citado por Roberto Fernández Retamar <strong>em</strong> Cuarenta años después. Disponível <strong>em</strong>:http://www.oceanbooks.com.au/espanol/puntos/pun3791 Op. cit. p. 11792 SAID, Edward. Representações do Intelectual: as Conferências Reith de 1993. Companhia <strong>da</strong>s Letras. SãoPaulo. 2005. p. 10


73produção foi gra<strong>da</strong>tivamente frustrando parcelas significativas desses setores. Um fatoilustrador desta mu<strong>da</strong>nça de olhar de boa parte dos intelectuais para com a Revolução foi omanifesto de intelectuais <strong>da</strong> América Latina e Europa contra a condenação à prisão deHeberto Padilla <strong>em</strong> 1971, pela publicação de seu livro Fuera del Juego, vencedor do prêmio<strong>da</strong> União Nacional de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC). Essa condenação lhe rendeuuma autocrítica pública e um reconhecimento de desculpas, <strong>em</strong> que ele mesmo considerou aspáginas de seu livro uma posição contra-revolucionária. A confissão causou um novo repúdiode escritores com uma segun<strong>da</strong> carta endereça<strong>da</strong> a Fidel Castro, fazendo com que MarioVargas Llosa renunciasse ao Conselho <strong>da</strong> Revista Casa de las Américas.Dessa forma, a déca<strong>da</strong> de 1990 reviveu o drama de uma intelectuali<strong>da</strong>de posta àmarg<strong>em</strong> <strong>da</strong> produção <strong>cultura</strong>l interna. O exílio tornou-se um processo intensamente freqüente<strong>em</strong> Cuba neste período, devido à falta de perspectiva de parte dos intelectuais <strong>em</strong> intervirinternamente na viabilização de uma “mu<strong>da</strong>nça no regime político ou de regime político”,conforme discute Carmelo Mesa-Lago. 93 (Grifo do autor)É uma visão pela qual os intelectuais atuam e influ<strong>em</strong> na socie<strong>da</strong>de com seusquestionamentos e diferentes representações. A compreensão <strong>da</strong> história por meio <strong>da</strong>srepresentações do social contribui para este estudo na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que as percepções que seconcretizam <strong>em</strong> forma de narrativa traduz<strong>em</strong> não unicamente uma escrita <strong>em</strong> si, mas tambémuma ação que responde a um contexto histórico presente. A linguag<strong>em</strong> escrita ou o discursonarrativo adquire uma força resposta e uma dimensão prática social na luta entre as diferentesvisões de mundo.Conforme concebe Roger Chartier <strong>em</strong> seu livro História Cultural – EntrePráticas e Representações, as representações enunciam o meio de ação e “não são de formaalguma discursos neutros”. Ressalta a importância <strong>da</strong>s representações coletivas comoabor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> histórica por identificar a maneira como a “reali<strong>da</strong>de social é construí<strong>da</strong>, pensa<strong>da</strong>e <strong>da</strong><strong>da</strong> a ler” por diferentes grupos e <strong>em</strong> diferentes lugares:as lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicaspara compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tentaimpor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus e o seudomínio. 9493MESA-LAGO, Carmelo. Cambio de régimen o cambio en el régimen? Revista Encuentro… Madrid. Vol.6/7. pp. 36-4394 CHARTIER, Roger. A História Cultural – Entre práticas e representações. Lisboa. Difel. 1988. p. 17


74Na perspectiva <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> história <strong>cultura</strong>l, as representações do mundo socialassinalam as formas simbólicas pelas quais os sujeitos constro<strong>em</strong>-no do modo como opensam, interpretam e desejam num universo plural de concepções. Os discursos sãoformulados conforme a apreensão e interesse extraídos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e designam umadetermina<strong>da</strong> postura frente ao mundo. Retratam a s<strong>em</strong>ântica do poder de submeter, resistir,transgredir ou de simplesmente compreender e explicar uma <strong>da</strong><strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Dessa forma, osdiscursos <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana se delineiam por uma <strong>da</strong>s narrativas <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, <strong>sob</strong>retudo pelos setores do exílio externo e interno (aquele que, apesar dese encontrar <strong>em</strong> seu território, o silêncio lhe é imposto) que li<strong>da</strong> com uma outra percepção<strong>sob</strong>re o esgotamento do regime político <strong>em</strong> Cuba e as novas expectativas de mu<strong>da</strong>nçascria<strong>da</strong>s.O enfoque <strong>cultura</strong>l não significa uma condição de neutrali<strong>da</strong>de para evitarqualquer posicionamento configurador de uma contestação política, seja de que âmbito for.Mas representa uma outra maneira de enfrentamento a um contexto histórico de autoritarismoe centralização do poder. Possibilita uma reflexão aplica<strong>da</strong> tanto a uma socie<strong>da</strong>de deexperiência capitalista, quanto socialista, guar<strong>da</strong><strong>da</strong> as especifici<strong>da</strong>des do processo histórico deca<strong>da</strong> uma delas, pois não está <strong>em</strong> cena um grande movimento articulado <strong>sob</strong> a vanguar<strong>da</strong> departidos políticos, mas um espaço onde expectativas individuais e coletivas são traduzi<strong>da</strong>s <strong>em</strong>diferentes linguagens, a artística, acadêmica e popular que somam no processo dediferenciação <strong>da</strong>s transformações políticas.Neste sentido, torna-se um caminho politicamente subversivo, pois pretende que a<strong>cultura</strong> seja o espaço para que as diferenças se exponham livr<strong>em</strong>ente e seja a referência deuma luta que a faça ser compreendi<strong>da</strong> como anterior, concomitante e posterior a um projetopolítico de poder. Não se entende aqui uma condução <strong>cultura</strong>l linear, pois mesmo <strong>em</strong> suastransformações que lhe são próprias, a <strong>cultura</strong> propicia à socie<strong>da</strong>de caminhar de maneiraautônoma, resistir aos mecanismos do poder e não se sucumbir aos mesmos.A presença de uma <strong>cultura</strong> que faz a conexão entre passado e presente <strong>em</strong>processo constante de transformação, e a qualquer momento <strong>em</strong>erge de forma inespera<strong>da</strong>,contrastando a um contexto de homogenei<strong>da</strong>de política, pode ser observa<strong>da</strong> no artigo Losparadigmas perdidos: la manigua del significado de Alan West, poeta e professor <strong>cuba</strong>noresidente nos EUA. Para ele, é como se a <strong>cultura</strong> fosse um espectro a introduzir seu sentido<strong>em</strong> momentos mais antagônicos e nos advertisse para ressignificá-los. Diante <strong>da</strong>s forçaspolíticas que divid<strong>em</strong> a socie<strong>da</strong>de – revolução e exílio – “se encuentra la influencia mediadora


75de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na.” 95 Lança mão do termo manigua (o sentido literal <strong>em</strong> espanhol se referea um terreno úmido coberto por ervas <strong>da</strong>ninhas) no sentido metafórico <strong>da</strong> busca de um outrolugar, de retorno do “outro” neste momento de sua história, que na<strong>da</strong> mais é do que tudoaquilo que potencializa a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na – orixás, el choteo 96 , a literatura, o ritmo, osincretismo. Esse é o ponto <strong>em</strong> que o paradigma do diálogo é argumentado e desafia omonolitismo político-<strong>cultura</strong>l. Alan West descreve <strong>sob</strong>re esse lugar, os el<strong>em</strong>entos <strong>cultura</strong>ispresentes nesse terreno e seu significado:La manigua presenta un matorral donde la significación penetra enprofundi<strong>da</strong>d y donde la historia se puede tragar completa para traerlanuevamente al propiciar la contingencia, el mito, la generosi<strong>da</strong>d, la m<strong>em</strong>oriay la metáfora. 97É <strong>sob</strong>re os referenciais <strong>da</strong> heterogenei<strong>da</strong>de, do sincretismo e <strong>da</strong> contradição que oautor procura traçar uma outra história de Cuba. Um diálogo que redefine a <strong>cultura</strong> e apolítica:...si una nación es como un ser, entonces no será estable, sóli<strong>da</strong> ypermanente sino que dependerá del diálogo, de los actos, del consenso y dela interpretación. 98En su intenso cuestionamiento de las ver<strong>da</strong>des estableci<strong>da</strong>s los <strong>cuba</strong>nos estánredefiniendo críticamente muchos términos: el de nación, el de historia, el declase, la <strong>cuba</strong>nía, y la relación entre el arte y la política. 99Nessa mesma direção <strong>em</strong> que as aparições <strong>cultura</strong>is interpenetram <strong>em</strong> momentosde crise política, Antonio Benítez Rojo 100 , estudioso <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> caribenha e autor de La isla95 WEST, Alan. Los paradigmas perdidos: la manigua del significado. Revista Encuentro… Madrid. Primavera/ Verano de 1997. Vol.4/5. p.15696 Cf. Colección Pensadores Cubanos de hoy por Felix Valdés García. Del choteo <strong>cuba</strong>no a la ideia del GranCaribe. Disponível <strong>em</strong>: http://www.filosofia.cu/cont<strong>em</strong>p/fvg011.htm El choteo: expressão característica <strong>da</strong>identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na que se origina <strong>da</strong> psicologia <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> negra. T<strong>em</strong> como peculiari<strong>da</strong>de conduzir a vi<strong>da</strong> d<strong>em</strong>aneira leve, não encarar situações d<strong>em</strong>asia<strong>da</strong>mente sérias. Esta atitude diante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é trata<strong>da</strong> como estudofenomenológico por autores como Fernando Ortiz (Contrapunteo del tabaco y el azúcar, 1940) e Jorge Mañach(In<strong>da</strong>gación del Choteo, 1928) <strong>em</strong> que o vê<strong>em</strong> como mecanismo de escape à dominação. Trata-se de umcomportamento <strong>cultura</strong>l e político de carnavalização e ridicularização diante <strong>da</strong> opressão. A atuali<strong>da</strong>de dochoteo se encontra na criação do son a partir do século XX como música originária <strong>da</strong> guaracha, que abor<strong>da</strong>t<strong>em</strong>as como a mulata <strong>cuba</strong>na e crítica ao governo.97 Op. cit. p. 17198 Op. cit. p.15999 Op. cit. p. 161100 Antonio Benítez Rojo nasceu <strong>em</strong> 1931 e faleceu <strong>em</strong> janeiro de 2005. Logo após o triunfo <strong>da</strong> Revolução foinomeado diretor de Estatística do Ministério do Trabalho. Foi m<strong>em</strong>bro do Conselho Nacional de Cultura, RevistaCuba, chefe editorial <strong>da</strong> Revista Casa de las Américas e Centro de Estudos do Caribe. Em 1967 ganhou o prêmioCasa de las Américas pelo livro Tute de reyes que se transformou <strong>em</strong> filme Los <strong>sob</strong>reviventes <strong>sob</strong> a direção de


76que se repite (1989), explicita a densi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na pelo entrecruzamento ou choqueentre várias visões de mundo, <strong>sob</strong>retudo a africana e espanhola. Em seu artigo “La <strong>cultura</strong><strong>cuba</strong>na hacia el nuevo milenio” publicado na Encuentro de la Cultura Cubana, volume 20,eluci<strong>da</strong> esta discussão <strong>sob</strong>re o lugar e o t<strong>em</strong>po que a <strong>cultura</strong> ocupa na história de um povo:...me gustaría hacer mías las palabras de Fernand Braudel con relación alsist<strong>em</strong>a de la <strong>cultura</strong>, y éstas son, que de los cuatro sist<strong>em</strong>as en que pod<strong>em</strong>osestudiar los cambios de los pueblos del mundo – es decir, el político, elsocial, el económico y el <strong>cultura</strong>l -, el que más se resiste a lastransformaciones es el sist<strong>em</strong>a <strong>cultura</strong>l. ... Si nos sentimos <strong>cuba</strong>nos es,precisamente, porque el ajiaco es un plato que existe entre nosotros desde elsiglo XVI. Así, pod<strong>em</strong>os pensar que por mucho que cambien los escenariospolíticos, sociales y económicos de Cuba, tanto el ajiaco como el culto a laVirgen de la Cari<strong>da</strong>d, como la conga, el bolero, la rumba y la coexistencia dela religión católica con las creencias afro<strong>cuba</strong>nas, continuarán presentes ennuestro mapa <strong>cultura</strong>l. 101E, quaisquer que sejam as alternativas políticas que se apresent<strong>em</strong> num processode transição, as expectativas sociais, <strong>em</strong> geral, elas são de negociação com os el<strong>em</strong>entosrepresentativos e criativos <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>em</strong> âmbito popular, acadêmico, artístico efun<strong>da</strong>mentalmente na relação entre si. A política, <strong>em</strong> situações de poder autoritário, dificulta adinâmica criativa dos el<strong>em</strong>entos <strong>cultura</strong>is, instrumentaliza-os e os submete <strong>em</strong> benefício deinteresses ideológicos circunstanciais. Mas é significativa a presença dos porta-vozes <strong>da</strong><strong>cultura</strong> na resistência política tanto espontânea, <strong>em</strong> sua dimensão popular, quanto articula<strong>da</strong>quando intelectualmente trabalha<strong>da</strong> na perspectiva de Gramsci, conforme foi discorrido noinício deste capítulo.Um dos principais focos discursivos <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana é adesconstrução do imaginário binário que divide a população <strong>cuba</strong>na entre os que viv<strong>em</strong> naIlha e os que se encontram no exílio. O eixo desconstrutor desta suposta irreconciliávelcondição é a afirmação e preponderância do el<strong>em</strong>ento <strong>cultura</strong>l <strong>sob</strong>re as condições políticasautoritárias redutoras de idéias, posicionamentos e identi<strong>da</strong>des. Essa é uma concepçãoTomás Gutierrez Allea. A UNEAC (União de Escritores e Artistas Cubanos) pr<strong>em</strong>iou <strong>em</strong> 1969 sua coleção decontos, intitulado El escudo de hojas secas. Durante a déca<strong>da</strong> de 1970, viveu o não reconhecimento de sua<strong>sob</strong>ras dentro de Cuba, o contexto <strong>da</strong> oficiali<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l denomina<strong>da</strong> de quinquenio gris. Em 1980 se deslocoupara os EUA, onde ministrou cursos de literatura <strong>cuba</strong>na e caribenha <strong>em</strong> Amherst College, Massachusets e ondeviveu até os últimos dias de sua vi<strong>da</strong>. Benítez Rojo colaborou com a Encuentro desde sua fun<strong>da</strong>ção. O volume23 (2001-02) dedicou-lhe uma homenag<strong>em</strong> <strong>em</strong> vi<strong>da</strong> com a publicação de uma ent<strong>revista</strong> e vários artigos queanalisam suas obras literárias.101 ROJO, Antonio Benítez. “La <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na hacia el nuevo milenio”. Revista Encuentro… Madrid.Primavera de 2001. Vol.20. p.77


77presente na linha editorial <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, <strong>em</strong> que a <strong>cultura</strong> seja o lugar de encontro de diversasexperiências criativas e, ain<strong>da</strong>, garanta o espaço à d<strong>em</strong>ocracia por meio <strong>da</strong> convivência edebate de diferentes tendências políticas. Segundo o que se apresenta de seus objetivos, aEncuentro de la Cultura Cubana acredita ser a <strong>cultura</strong> o caminho por onde as transformaçõessociais e inclusive políticas possam ser opera<strong>da</strong>s.Os editoriais deixam claro o propósito <strong>da</strong> <strong>revista</strong> <strong>em</strong> se posicionar além <strong>da</strong>spolêmicas dicotômicas entre ser<strong>em</strong> pró-Fidel os que permanec<strong>em</strong> na Ilha, ou anti-Fidel osque estão fora. Reflet<strong>em</strong> ain<strong>da</strong> as circunstâncias <strong>em</strong> que a história se processa por esses<strong>em</strong>bates, situando a <strong>revista</strong> como outra força <strong>em</strong>ergente desse campo que não se submete àsideologias superpostas à dinâmica sócio-<strong>cultura</strong>l. Neste sentido, a <strong>revista</strong> esboça uma posturapolítica, pois proporciona às vozes <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> um espaço <strong>em</strong> que seus diferentes naipes façamcoro à identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na, presente tanto na Ilha quanto no exilio, e que se vê<strong>em</strong>hostiliza<strong>da</strong>s quando se diferenciam <strong>da</strong> ótica oficial revolucionária ou <strong>da</strong> perspectiva maisconservadora.O nome <strong>da</strong>do à <strong>revista</strong>, Encuentro de la Cultura Cubana, atenta para a simbologiadessa comuni<strong>da</strong>de que, por se situar no exílio, pretende materializar sua identi<strong>da</strong>de de algumamaneira além <strong>da</strong> fronteira geográfica nacional ou de uma visão de nacionali<strong>da</strong>de determina<strong>da</strong>por delimitação ideológica. A Encuentro de la Cultura Cubana, <strong>em</strong> suas entrelinhasdiscursivas, se inscreve no lugar simbólico de uma escrita, acenando a existência de sujeitosque representam a diferença, ou as diferenças, mas que dão continui<strong>da</strong>de à sua identi<strong>da</strong>de<strong>cultura</strong>l fora de seu país na relação com os que permanec<strong>em</strong> dentro. Esses sujeitostransformam sua identi<strong>da</strong>de <strong>em</strong> condições a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s ao exílio, estabelecendo outras leituras<strong>sob</strong>re nação, identi<strong>da</strong>de, exílio e migração, que são t<strong>em</strong>as freqüentes <strong>em</strong> seus artigos e muitointerligados.Gastón Baquero (1918-1997) 102 , considerado patriarca <strong>da</strong> poesia <strong>cuba</strong>na,colaborador <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, traduz o sentido do termo “encuentro” que orienta estapublicação <strong>em</strong> seu primeiro volume:(...) Los encuentros de artistas, escritores y d<strong>em</strong>ás el<strong>em</strong>entos ligados a laactivi<strong>da</strong>d <strong>cultura</strong>l, ofrecen el más seguro y el mejor de los caminos. (...)102 Gastón Baquero nasceu <strong>em</strong> 1918, <strong>em</strong> Banes, antiga região oriental e atual província de Holguin. Fez parte dogrupo Orígenes junto a José Lezama Lima. Já nos primeiros meses <strong>da</strong> Revolução foi para o exílio <strong>em</strong> Madri,onde permaneceu até sua morte <strong>em</strong> 1997. Em 1991, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura na Espanha com apublicação de Po<strong>em</strong>as Invisibles. Em Cuba foram proibi<strong>da</strong>s suas publicações, e somente <strong>em</strong> 1994 foi convi<strong>da</strong>dopara uma Conferência na Universi<strong>da</strong>de de Havana para explanar <strong>sob</strong>re sua obra poética. Nos volumes 1 e 2 <strong>da</strong>Encuentro contêm artigos e po<strong>em</strong>as de Gastón Baquero, sendo que no segundo foi-lhe dedicado umahomenag<strong>em</strong> com uma ent<strong>revista</strong> realiza<strong>da</strong> por Efraín Rodríguez Santana


78Nuestra aspiración es abrir una plaza más, por modesta y sencilla que pue<strong>da</strong>ser, a la urgente necesi<strong>da</strong>d de “deslocalizar” las manifestaciones y ladifusión de una <strong>cultura</strong> viva que por sí misma supo situarse si<strong>em</strong>pre porencima de las banderías políticas y de los sectarismos estéticos y éticos decualquier tipo. (...) 103Nesse mesmo editorial, Gastón Baquero afirmou a “necesi<strong>da</strong>d de promover yrealizar encuentros entre los escritores y artistas <strong>cuba</strong>nos residentes en las dos grandes áreasque hoy los albergan – la nacional y la extranjera...” 104 Reiterou que a <strong>revista</strong> é um lugar deencontro dos protagonistas <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na numa comunicação possível que supere odistanciamento geográfico e restabeleça a convivência mesmo <strong>sob</strong> páginas impressas. É umanecessi<strong>da</strong>de de manter viva a identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l num contexto de diversi<strong>da</strong>de geográfica e dedivergências políticas.Os editoriais abor<strong>da</strong>m como princípio o encontro revelador <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l<strong>cuba</strong>na, possibilitando a manifestação <strong>da</strong>s diferenças, tanto na Ilha quanto fora, tornando-se,assim, um espaço aberto ao debate <strong>sob</strong>re a reali<strong>da</strong>de nacional e sua transição política.Conforme o editorial do primeiro volume, a Encuentro de la Cultura Cubana afirma:...la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na es una…...tendrá (...) constituirse en un espacio abierto al examen de la reali<strong>da</strong>dnacional....hallarán cabi<strong>da</strong> tanto contribuciones de <strong>cuba</strong>nos que viven en la Isla comode aquellos que residen en otros países,..., reflexiones de intelectualesextranjeros <strong>sob</strong>re nuestro país y su circunstancia 105Neste editorial, a concepção de <strong>cultura</strong> que se apresenta como “una” talvez esboceum sentido utópico, mas exprime um contraponto à divisão diss<strong>em</strong>ina<strong>da</strong> entre a <strong>cultura</strong>revolucionária e o seu oposto conservador, que aparta politicamente a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na.Fun<strong>da</strong>mentalmente se direciona ao projeto <strong>cultura</strong>l heg<strong>em</strong>ônico impl<strong>em</strong>entado pelaRevolução de 1959, que internamente se coloca como único a to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.O sentido de “<strong>cultura</strong> una” talvez não seja aqui a idéia de uma identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>lúnica, contrária ao sentido antropológico do reconhecimento <strong>da</strong>s diferenças <strong>cultura</strong>is. Mas,pelo contexto <strong>em</strong> que os discursos na <strong>revista</strong> são enunciados, é precisamente porque estasexist<strong>em</strong> que a perspectiva de “<strong>cultura</strong> una” possa significar a relação ou a convivência entreseus diferentes, e não a perpetuação <strong>da</strong> fragmentação entre os que se enquadram ou não nos103 BAQUERO, Gastón.La <strong>cultura</strong> nacional es un lugar de encuentro. Revista Encuentro…. Madrid.Verano de1996. Vol. 1. p.4104 Ibid<strong>em</strong>105 Presentación. Revista Encuentro… Madrid. Verano de 1996. Vol. 1. p.3


79valores <strong>da</strong> concepção político-<strong>cultura</strong>l que a Revolução de 1959 impôs do “hom<strong>em</strong> novo”. Oconceito de “<strong>cultura</strong> única” não admite a existência e n<strong>em</strong> a convivência entre as diferenças.Estabelece-se um padrão único <strong>cultura</strong>l para que aquelas sejam invisibiliza<strong>da</strong>s ou elimina<strong>da</strong>s.Numa compreensão contextual, o editorial traz a visão de compartilhar as diferenças e não deafastá-las. Trata-se de uma alerta recorrente <strong>em</strong> diversos artigos, <strong>sob</strong>re a imag<strong>em</strong> de queaqueles que estão “fora” não são menos <strong>cuba</strong>nos que os que se encontram “dentro”. Segundoessa afirmação, ambos pod<strong>em</strong> contribuir ao “exame <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de nacional” e compõ<strong>em</strong> aidenti<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> suas diferenças <strong>da</strong>s quais pretend<strong>em</strong> compartilhar, porém, não<strong>em</strong> sua unici<strong>da</strong>de. É uma estratégia discursiva que estrutura a visão de negociação quepermeia a linha editorial <strong>da</strong> <strong>revista</strong>.A compreensão de “<strong>cultura</strong> una” esboça<strong>da</strong> pelo editorial se aproxima <strong>da</strong>concepção de “comuni<strong>da</strong>de imagina<strong>da</strong>” de Benedict Anderson ao assim definir a nação comoespaço que comporta múltiplas falas que representam o modo como as pessoas pensam osseus locais e de como estão liga<strong>da</strong>s por símbolos, afeições e experiências comuns. SegundoAnderson, exist<strong>em</strong> “artefatos <strong>cultura</strong>is”, como a língua, que por meio dela “reconstitu<strong>em</strong>-se ospassados, imaginam-se soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des, sonham-se futuros” 106 , assim como outros el<strong>em</strong>entos<strong>da</strong> <strong>cultura</strong>, a religião, a literatura, a música, as <strong>da</strong>tas com<strong>em</strong>orativas, a alimentação, os hábitosque aproximam as pessoas <strong>em</strong> torno dessa comuni<strong>da</strong>de imagina<strong>da</strong>. É pela “legitimi<strong>da</strong>de<strong>em</strong>ocional”, “fraterni<strong>da</strong>de”, “companheirismo profundo e horizontal” que uma nação é107concebi<strong>da</strong>. Dessa forma, a nação ou comuni<strong>da</strong>de imagina<strong>da</strong> é entendi<strong>da</strong> comorepresentação ou como produção discursiva. E, conforme Mikhail Bakhtin, todo discurso édialógico, pois s<strong>em</strong>pre um se encontra com o outro, e <strong>em</strong> todos os caminhos é viva suainteração. 108 Essa interação não pressupõe <strong>cultura</strong> monolítica, ou diálogo entre iguais, mas umcruzamento participativo <strong>da</strong>s diferenças. Na mesma direção Stuart Hall compreende asidenti<strong>da</strong>des <strong>cultura</strong>is como transição e “tradução” pelo deslocamento de fronteiras <strong>em</strong> que aspessoas são “dispersa<strong>da</strong>s” de suas origens, porém ele afirma:Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de orig<strong>em</strong> e suastradições, mas s<strong>em</strong> a ilusão de um retorno ao passado.(...) Elas carregam ostraços <strong>da</strong>s <strong>cultura</strong>s, <strong>da</strong>s tradições, <strong>da</strong>s linguagens e <strong>da</strong>s histórias particularespelas quais foram marca<strong>da</strong>s. A diferença é que elas não são e nunca serãounifica<strong>da</strong>s no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de106 ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. São Paulo. Editora Ática. 1989. p. 168107 Ibid<strong>em</strong>. p. 12, 16.108 BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética. A teoria do romance. São Paulo, Unesp/Hucitec,1988.


80várias histórias e <strong>cultura</strong>s interconecta<strong>da</strong>s, pertenc<strong>em</strong> a uma e, ao mesmot<strong>em</strong>po, a várias “casas” ( e não a uma “casa” particular). 109Nessa mesma perspectiva <strong>da</strong> referência de uma <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na una é encontra<strong>da</strong>também na ent<strong>revista</strong> a José Triana <strong>em</strong> sua explanação <strong>sob</strong>re o teatro <strong>cuba</strong>no:Se trata de mostrar que el teatro <strong>cuba</strong>no es uno, es teatro <strong>cuba</strong>no en elinterior como en el exterior. Es necesario que se reconozca que lo que seescribe en el extranjero es tan importante como lo escrito dentro de la isla ysigue siendo auténticamente <strong>cuba</strong>no. Sea en Cuba, en Nueva York, o enParis, hay una manera particular de contar, un quehacer propio. .110(Grifo meu)A <strong>cultura</strong> adquire mais do que uma representação utópica, uma representaçãohistórica <strong>da</strong><strong>da</strong> que movimenta as relações sociais <strong>em</strong> contextos de diversi<strong>da</strong>de ideológica epolítica. Pois, mesmo <strong>em</strong> regimes de repressão e autoritarismo, onde a <strong>cultura</strong> é manipula<strong>da</strong>pelos canais de domínio ideológico, ela persiste <strong>em</strong> sua trajetória autônoma, assume suaprópria linguag<strong>em</strong> de liber<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> qual não é somente aquela que se pretende alcançar <strong>em</strong>um t<strong>em</strong>po futuro, mas que no dia-a-dia se materializa <strong>em</strong> seus próprios veículos de autoafirmação,difusão e resistência. A <strong>cultura</strong>, <strong>em</strong> sua liber<strong>da</strong>de intrínseca, não é um projeto,mas uma reali<strong>da</strong>de presente <strong>em</strong> sua forma própria de vivenciar uma d<strong>em</strong>ocracia pelosincretismo e pelas misturas. Apresenta-se mais como o t<strong>em</strong>po presente de um passadorecriado do que uma perspectiva futura de liber<strong>da</strong>de.Deixar que a <strong>cultura</strong> seja indicadora de uma recriação <strong>da</strong>quilo que a socie<strong>da</strong>deacumulou <strong>em</strong> sua trajetória histórica é um discurso freqüente <strong>em</strong> diversos autores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Eé justificado, <strong>em</strong> parte, pela m<strong>em</strong>ória trazi<strong>da</strong> do grupo Orígenes, que tinha como princípio apoesia governando a ci<strong>da</strong>de, conforme apontava José Lezama Lima, seu fun<strong>da</strong>dor. Muito<strong>em</strong>bora, os intelectuais <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s de 1940 e 1950 foss<strong>em</strong> mais contundentes nodistanciamento <strong>da</strong>s discussões políticas. A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubanaresgata a ênfase <strong>cultura</strong>l de seus antecessores, mas a tensão entre <strong>cultura</strong> e política éredimensiona<strong>da</strong> nas possibili<strong>da</strong>des de suas conexões.Esta concepção de <strong>cultura</strong> é importante ser esclareci<strong>da</strong>, porque ela se depara coma diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> visão de “hom<strong>em</strong> novo” que se estabeleceu com o projeto socialista. Para o109 HALL, Stuart. A Identi<strong>da</strong>de Cultural na pós-moderni<strong>da</strong>de. DP&A Editora. Rio de Janeiro. 2001.pp. 88-89110 TRIANA, José. Entrevisto por Christilla Vasserot. Si<strong>em</strong>pre fui y seré un exiliado. Revista Encuentro….Madrid. Primavera / Verano de 1997. Vol.4/5. p. 36. José Triana é um dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> Encuentro de laCultura Cubana, é escritor e autor de peças teatrais, atualmente reside <strong>em</strong> Paris.


81socialismo, a <strong>cultura</strong> teria o papel relevante na formação do ideal de hom<strong>em</strong>, consciente <strong>da</strong>libertação <strong>da</strong>s condições de exploração do trabalho no capitalismo e pronto para a formaçãode uma nova socie<strong>da</strong>de. As condições objetivas – fim <strong>da</strong> divisão entre capital e trabalho – e assubjetivas – hom<strong>em</strong> livre, consciente e, portanto, superior – seriam proporciona<strong>da</strong>s pelasconquistas do poder socialista. O “hom<strong>em</strong> novo”, então, seria a vivência plena de ambas ascondições.A realização do “hom<strong>em</strong> novo” se torna um projeto de alcance futuro por meiodos avanços sociais e econômicos pretendidos pelo regime socialista. Todo <strong>em</strong>penho esacrifício social eram despendidos no alcance desta realização. E a <strong>cultura</strong> des<strong>em</strong>penharia umpapel relevante na formação do ser revolucionário que, <strong>em</strong> última instância, era um projetoextensivo a to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Ela cumpriria a função educativa de elevar o hom<strong>em</strong> ao nívelsuperior de organização social, respal<strong>da</strong>ria a razão revolucionária e a propagaria, <strong>em</strong> umaespécie de promessa redentora de uma socie<strong>da</strong>de de iguais, onde todos os sacrifíciosindividuais e sociais seriam justificados pela causa futura rumo à socie<strong>da</strong>de comunista.A atuação do partido comunista na esfera <strong>cultura</strong>l era preponderante nocumprimento de tal tarefa revolucionária. Apenas para ilustrar um aspecto dessa concepção, odiscurso de Che Guevara <strong>em</strong> uma carta a Carlos Quijano, <strong>em</strong> 1965, de Montevidéu, afirma:No hay artistas de gran autori<strong>da</strong>d que, a su vez, tengan gran autori<strong>da</strong>drevolucionaria. Los hombres del Partido deben tomar esa tarea entre lasmanos y buscar el logro del objetivo principal: educar al pueblo....la culpabili<strong>da</strong>d de muchos de nuestros intelectuales y artistas reside en supecado original; no son auténticamente revolucionarios.En nuestra socie<strong>da</strong>d, juegan un papel la juventud y el Partido.Particularmente importante es la primera, por ser la arcilla maleable con quese puede construir al hombre nuevo sin ninguna de las taras anteriores. Ellarecibe un trato acorde con nuestras ambiciones. 111O conceito de “hom<strong>em</strong> novo” alude a uma visão de uni<strong>da</strong>de política que põe <strong>em</strong>construção a idéia de hom<strong>em</strong> universal ou socie<strong>da</strong>de humana universal, basea<strong>da</strong> numaessência que iguala todos homens. O poder se estrutura <strong>em</strong> função <strong>da</strong> viabilização de umanova etapa <strong>da</strong> história de conquista <strong>da</strong> satisfação <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des básicas e criativas doshomens. Mas no intuito de se alcançar uma realização plena <strong>da</strong> essência humana, desenvolve-111 GUEVARA, Che. Texto dirigido a Carlos Quijano, del s<strong>em</strong>anario "Marcha", Montevideo, marzo de 1965.Leopoldo Zea, Editor. "Ideas en torno de Latinoamérica". Vol. I. México: UNAM, 1986. Disponível <strong>em</strong>:http://www.fmmeducacion.com.ar/Historia/Documentoshist/1965elhombrenuevoche.htm


82se a estigmatização de seu oposto num imaginário segregacionista de qu<strong>em</strong> não corresponde àconcepção universal de hom<strong>em</strong>. A alteri<strong>da</strong>de estigmatiza<strong>da</strong> se torna, então, o anti-hom<strong>em</strong>.Aquele que afronta esse projeto <strong>em</strong> interesse que não seja o definido como universal, estácontrariando a condição humana, portanto, é inimigo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> própria naturezahumana.Esta análise se encontra <strong>em</strong> Koselleck <strong>em</strong> que afirma que na pretensa idéia deuniversali<strong>da</strong>de do hom<strong>em</strong> ou na formulação de uma humani<strong>da</strong>de única, há o pressuposto paraa construção s<strong>em</strong>ântica dos dualismos na história. 112 O limite do humano é definido pelo seuoposto – o comportamento anti-humano. Desse modo, o conceito de humani<strong>da</strong>de estáintimamente ligado a uma concepção política que toma para si a tarefa de promover suaextensão e uni<strong>da</strong>de a todos os homens, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que os divide na construção doreferencial do humano e do não humano. Quando se pretende estendê-lo, prontifica-se umavisão única a ser segui<strong>da</strong> de tal modo a alcançar a sintonia ou a igual<strong>da</strong>de de consciência e decomportamento dentro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.Para Koselleck o conceito de hom<strong>em</strong> universal se valeu ao longo <strong>da</strong> história paradiscriminar, julgar outros grupos de homens e, ain<strong>da</strong>, para manipular conforme determinadosinteresses políticos. 113 Koselleck cita alguns ex<strong>em</strong>plos na história acerca <strong>da</strong> construção destaconcepção assimétrica, como “gregos e bárbaros”, “cristãos e pagãos”, “iluministas e nãoiluministas”, “arianos e não arianos”. São denominações que Koselleck as reúne nos conceitosmais amplos de “superhombre” e “infrahombre”, utilizados para <strong>sob</strong>repor uma <strong>cultura</strong> <strong>sob</strong>reoutra ou uma ideologia se impor <strong>sob</strong>re o conjunto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Tais classificações arbitram<strong>sob</strong>re posturas individuais e sociais, <strong>em</strong> que determinados grupos de homens se tornam maisdo que humanos, ou um tipo superior de hom<strong>em</strong>, e desta visão se deriva o hom<strong>em</strong> criado paraser negado, marginalizado como “infrahombre”. O desdobramento político desses conceitos éobservado por Koselleck: “El concepto total de humani<strong>da</strong>d produjo, una vez manipuladopolíticamente, consecuencias totalitarias.” 114O mesmo autor analisa <strong>em</strong> Marx sua formulação do ideal de hom<strong>em</strong> e o cita: “sulugar ocupará en el futuro el hombre total, que no es sólo un proyecto personal perfecto, sinoun tipo de mundo libre de dominación y producido socialmente.” 115 Depreende-se que dos112 KOSELLECK, Reinhart. Futuro pasado. Para una s<strong>em</strong>ántica de los ti<strong>em</strong>pos históricos. Ed. PaidósBásica.1993. Espanha. p. 236. Cf. também Poetics of Relation de Edouard Glissant; Caliban’s Reason de PagetHenry; O Local <strong>da</strong> Cultura de Homi K. Bhabha; El bárbaro imaginaro de Laënnec Hurbon <strong>sob</strong>re a crítica àrazão dualista <strong>em</strong> diferentes contextos históricos.113 Ibid<strong>em</strong>. p. 243114 Ibid<strong>em</strong>. p. 244115 Ibid<strong>em</strong>. p. 247


83conceitos antitéticos esboçados anteriormente, com referência na análise de Koselleck,pod<strong>em</strong> ser associados à experiência que concebe o “hom<strong>em</strong> novo” projetado para ser superiorao que to<strong>da</strong> história já construiu no passado, superar os conflitos <strong>da</strong> velha ord<strong>em</strong> social,libertar-se <strong>da</strong> dominação no plano pessoal e coletivo. O objetivo final é conquistar o hom<strong>em</strong>do futuro, o “hom<strong>em</strong> total” e fazê-lo chegar à totali<strong>da</strong>de dos homens. No socialismo esseprojeto buscou sua efetivação política, pelos mecanismos institucionais, impondo a condiçãode equivalência entre “hom<strong>em</strong> novo” e “ser revolucionário” à totali<strong>da</strong>de social. Sobre talcondição logrou-se a divisão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na na desigual<strong>da</strong>de entre os “autenticamenterevolucionários” e os “não-revolucionários”, aqueles que não cumpriam o projeto do “hom<strong>em</strong>novo” e por isso lhes foi negado o pertencimento à história de seu país. A carta de CheGuevara é ilustrativa de como as instituições políticas deveriam encaminhar a “seleçãonatural” entre os “revolucionários” e os “não-revolucionários” segundo a argumentação deque “não há vi<strong>da</strong> fora <strong>da</strong> Revolução”. 116Los dirigentes de la Revolución tienen hijos que en sus primeros balbuceos,no aprenden a nombrar al padre; mujeres que deben ser parte del sacrificiogeneral de su vi<strong>da</strong> para llevar la Revolución a su destino; el marco de losamigos responde estrictamente al marco de los compañeros de Revolución.No hay vi<strong>da</strong> fuera de ella.Todo esto entraña, para su éxito total, la necesi<strong>da</strong>d de una serie d<strong>em</strong>ecanismos, las instituciones revolucionarias. En la imagen de lasmultitudes marchando hacia el futuro, encaja el concepto deinstitucionalización como el de un conjunto armónico de canales, escalones,represas, aparatos bien aceitados que permitan esa marcha, que permitan laselección natural de los destinados a caminar en la vanguardia y queadjudiquen el pr<strong>em</strong>io y el castigo a los que cumplen o atenten contra lasocie<strong>da</strong>d en construcción. 117Esse discurso ain<strong>da</strong> é atual e reproduzido juntamente com o proferido por FidelCastro aos intelectuais <strong>em</strong> 1961, Palabras a los Intelectuales (já citado no início destecapítulo), que Armando Hart o reitera com fideli<strong>da</strong>de <strong>em</strong> 1996:Cuando se creó el Ministerio de Cultura, en deci<strong>em</strong>bro de 1976, entendí quese me había situado en esta responsabili<strong>da</strong>d para aplicar los principiosenunciados por Fidel Castro en “Palabras a los intelectuales” y para desterrarradicalmente la debili<strong>da</strong>des y los errores que habían surgido en lainstrumentación de esa política. Consideré que sólo era posible hacer más116 GUEVARA, Che. Texto dirigido a Carlos Quijano, del s<strong>em</strong>anario "Marcha", Montevideo, marzo de 1965.Leopoldo Zea, Editor. "Ideas en torno de Latinoamérica". Vol. I. México: UNAM, 1986. Disponível <strong>em</strong>:http://www.fmmeducacion.com.ar/Historia/Documentoshist/1965elhombrenuevoche.htm117 Ibid<strong>em</strong>


84efectiva mi gestión promoviendo la identi<strong>da</strong>d nacional <strong>cuba</strong>na, que se habíaarticulado en nuestro siglo con el pensamiento socialista. Aprecié que paraeste <strong>em</strong>peño era necesario <strong>em</strong>plear, en el campo sutil y delicado del arte y dela <strong>cultura</strong>, los estilos políticos de Martí y Fidel. 118As citações acima correspond<strong>em</strong> a um imaginário que <strong>sob</strong>revive entre os <strong>cuba</strong>nose ve<strong>em</strong>ent<strong>em</strong>ente abor<strong>da</strong>do pelos intelectuais que, <strong>em</strong> geral, vivenciaram a pressão desta<strong>cultura</strong> oficial <strong>em</strong> tentar atrelar a “identi<strong>da</strong>de nacional <strong>cuba</strong>na” ao “pensamento socialista”,conforme expressa Armando Hart, e se colocam na luta pela desconstrução do discurso deuma <strong>cultura</strong> institucionaliza<strong>da</strong> por um aparato burocrático do Estado, que censura a produçãoartística e intelectual à marg<strong>em</strong> <strong>da</strong>s instituições oficiais. E a escrita no exílio, representa<strong>da</strong>pela Encuentro de la Cultura Cubaana, t<strong>em</strong> apontado para a de<strong>sob</strong>strução do processo<strong>cultura</strong>l subordinado às instituições oficiais.Como ex<strong>em</strong>plo dessa iniciativa de desconstrução <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> oficial, t<strong>em</strong>os a cartaaberta escrita por Ricardo Alberto Pérez e Rolando Sánchez Mejíaz, por ocasião <strong>da</strong> entrega deuma mostra de poesia <strong>cuba</strong>na à direção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Cúpulas do Instituto Superior de Arte deHavana, <strong>em</strong> que os textos de Rolando Sánchez Mejíaz foram eliminados pela direção, <strong>sob</strong> aalegação de razões políticas. Essa carta é contundente quanto ao questionamento <strong>da</strong>institucionalização <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>. A concepção de que a <strong>cultura</strong> é produto de uma instituição,impôs uma clausura <strong>cultura</strong>l que fomentou o fenômeno do exílio, abor<strong>da</strong>do pelos autorescomo único caminho a promover os artistas e escritores <strong>cuba</strong>nos, como se vê pelo que elesin<strong>da</strong>gam:Para qué crear tantas instituciones <strong>cultura</strong>les, escuelas de arte, etc., sifinalmente la censura y la vigilancia <strong>sob</strong>re la producción artística eintelectual se imponen; si el exilio – “blando” o “duro” – va siendo el únicocamino para gran parte de las nuevas promociones e artista y escritores<strong>cuba</strong>nos? 119Outro questionamento é feito a partir de um olhar estrangeiro, tendo comoparâmetro inicial a imag<strong>em</strong> de Cuba antes <strong>da</strong> Revolução como um país subdesenvolvido, com118 Citado por Roberto Fernández Retamar. Cuarenta años después. Disponível <strong>em</strong>:www.oceanbooks.com.au/espanhol/puntos/punArmando Hart foi Ministro <strong>da</strong> Educação <strong>em</strong> Cuba nos primeiros anos <strong>da</strong> Revolução. Em 1976 foi designado acriar o Ministério <strong>da</strong> Cultura e o dirigiu até o ano de 1997. Desde então é m<strong>em</strong>bro do Conselho de Estado <strong>da</strong>Republica de Cuba e preside a Socie<strong>da</strong>de Cultural José Martí119 Pérez, Ricardo Alberto. Mejías, Rolando Sánchez. Carta abierta: Ser intelectual en Cuba: ficción (o reali<strong>da</strong>d).Revista Encuentro… Madrid. Otoño de 1996.Vol.2. p.96


85alto índice de analfabetismo, prostíbulo dos Estados Unidos e miséria. Então, a Revoluçãoviria erradicar os probl<strong>em</strong>as sociais básicos. Mihály Dês, escritor húngaro, residente <strong>em</strong>Barcelona, onde dirige a <strong>revista</strong> Lateral, atribui <strong>em</strong> seu ensaio La Isla Continental à imag<strong>em</strong>acima descrita como um construto do próprio regime castrista que estabelecia um marcodivisório entre Cuba de Batista e de Fidel. O intuito era de d<strong>em</strong>arcar a revolução como ot<strong>em</strong>po novo que inauguraria uma socie<strong>da</strong>de igualitária e justa. Ele reafirma a crise política erepressiva durante a ditadura de Batista, mas questiona o discurso oficial <strong>sob</strong>re a criseeconômica deste período, pois sustenta que Cuba durante a déca<strong>da</strong> de 1950 ocupou osegundo lugar no PIB entre os países <strong>da</strong> América Latina, perdendo apenas para Venezuela. E,ain<strong>da</strong>, assinala que a economia <strong>cuba</strong>na dependeu mais <strong>da</strong> União Soviética durante o governode Fidel Castro do que <strong>da</strong> norte-americana no período de Batista. 120 É claro que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<strong>da</strong>dos <strong>sob</strong>re o PIB vêm acompanhados aos índices de desenvolvimento social, pois uma naçãopode apresentar um PIB alto e uma intensa desigual<strong>da</strong>de social, cujo artigo não estabelece osparâmetros sociais de antes e após a Revolução. Mas a escolha desse artigo teve o propósito<strong>em</strong> observar o olhar de um escritor que viveu <strong>em</strong> um país socialista do Leste Europeu,admitindo que durante um t<strong>em</strong>po sua imag<strong>em</strong> era de vislumbramento do socialismo <strong>cuba</strong>nopor se diferenciar no referencial <strong>cultura</strong>l dos trópicos, porém só o conhecimento o fez refletir<strong>sob</strong>re o que havia idealizado:...en aquel entonces ya había leído, fascinado, a Guillén. Y también aCarpentier. Yo tenía mis du<strong>da</strong>s respecto de los regímenes marxistasleninistas.Pero si en Cuba se podían escribir libros tan sutiles <strong>sob</strong>re lascontradicciones y las fuerzas destructoras de las revoluciones como El siglode las luces y El reino de este mundo, de Carpentier, la cosa no debía estartan mal. Ad<strong>em</strong>ás, y <strong>sob</strong>re todo, el régimen comunista <strong>cuba</strong>no no lopercibimos como tal, sino como una revolución diferente, más espontánea ypopular, que buscaba una solución propia a una situación intolerable:miseria, subdesarrollo, esclavitud, enferme<strong>da</strong>des, explotación...En fin, no sabía na<strong>da</strong>, per actuaba como quien lo tiene todo claro. 121To<strong>da</strong>via o que ain<strong>da</strong> t<strong>em</strong> resistido a um projeto de nivelamento político-<strong>cultura</strong>lsão os enunciados <strong>cultura</strong>is que persistent<strong>em</strong>ente faz<strong>em</strong> as diferenças se tornar<strong>em</strong> históricas evisíveis <strong>em</strong> momentos de crise política. A <strong>cultura</strong> não institucionaliza<strong>da</strong>, mas vivi<strong>da</strong> e senti<strong>da</strong>ao toque do son, <strong>da</strong> rumba, do tambor, essa mistura de poesia e música africana com asinfluências <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> espanhola, <strong>da</strong> espontanei<strong>da</strong>de do deixar incorporar diferentes <strong>cultura</strong>s,120 DÊS, Mihály. La Isla Continental. La Cuba que vi fuera de Cuba. Revista Encuentro… Madrid. Otoño de1996. Vol.2.p. 98121 Ibid<strong>em</strong>. pp. 101-102


86atitude fun<strong>da</strong>mentalmente própria <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> negra, é que inspira uma outra atmosfera doporvir para esses intelectuais.Do ponto de vista dos autores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, o discurso éeluci<strong>da</strong>tivo <strong>da</strong> tentativa <strong>em</strong> resgatar a ambivalência <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na e de romper com odualismo político-ideológico que impõe a fragmentação como uma imag<strong>em</strong> a ser incorpora<strong>da</strong>por to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de. A experiência histórica v<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrando o terror e ao mesmo t<strong>em</strong>po afragili<strong>da</strong>de com que as disputas binárias vêm causando ao mundo <strong>em</strong> âmbito <strong>cultura</strong>l,religioso e político. Por outro lado é exposto um movimento global que põe <strong>em</strong> contatodiferentes <strong>cultura</strong>s e políticas, exigindo uma nova postura frente aos pares dicotômicos que seradicalizam ca<strong>da</strong> qual <strong>em</strong> suas essências fecha<strong>da</strong>s.É nesta linha de pensamento que Jesús Díaz, idealizador e um dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong><strong>revista</strong>, afirmou no editorial do volume 4/5 que um dos objetivos principais <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>nano momento atual é “impedir que a fragmentação... se imponha como definitiva”, e que“desde sus orígenes la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na se alimento de sí y del mundo.” E continua: “Cuba eshoy por hoy el país más internacional del planeta.” Mas, segundo o próprio Jesús Díaz, osriscos <strong>da</strong> fragmentação são visíveis:El debilitamiento resultante de la distancia y la falta de confrontaciones ycontactos. El riesgo de que la separación entre los <strong>cuba</strong>nos ‘de adentro’ y los‘de fuera’ involucione hacia formas abiertas o encubiertas de hostili<strong>da</strong>d eincluso de ruptura. Y la posibili<strong>da</strong>d de que esta fragmentación nos induzca aencerrarnos en un nacionalismo de aldeano vanidoso, o bien a perdernos enel vacío atroz de quien resulta incapaz de identificar sus raíces. 122No editorial acima citado há duas questões interliga<strong>da</strong>s. Primeiro, quanto àafirmação <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na que se formou por si e pela relação com outras <strong>cultura</strong>s, numavisão crítica ao purismo nacionalista, e que desde a sua orig<strong>em</strong> a diversi<strong>da</strong>de eentrecruzamento <strong>cultura</strong>l percorreram sua história. A segun<strong>da</strong>, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na identi<strong>da</strong>de<strong>cuba</strong>na pela história <strong>da</strong> relação entre <strong>cultura</strong>s diferentes e alerta de maneira crítica para aproximi<strong>da</strong>de entre nacionalismo e fragmentação. Stuart Hall assinala como alguns estadosnacionais tentam construir “enti<strong>da</strong>des políticas <strong>em</strong> torno de identi<strong>da</strong>des homogêneas”. Eain<strong>da</strong> afirma: “... exist<strong>em</strong> também fortes tentativas para se reconstruír<strong>em</strong> identi<strong>da</strong>des122DÍAZ, Jesús. Un Año de Encuentro. Revista Encuentro… Madrid. Primavera / Verano de 1997. Vol.4/5.p.3


87purifica<strong>da</strong>s, para se restaurar a coesão, o “fechamento” e a Tradição, frente ao hibridismo e àdiversi<strong>da</strong>de.” 123Uma revolução política não delimita ou não pode delimitar, conforme um grupode ideólogos pretende que seja, o modo como os sujeitos <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> devam agir <strong>em</strong> suasdiferentes concepções e esferas sociais, como a música, a <strong>da</strong>nça, a religião, política, festaspopulares, literatura, cin<strong>em</strong>a, teatro, artes plásticas e, enfim, como viv<strong>em</strong>, pensam e narramseu cotidiano.A barreira nacionalista envolve os de “dentro” como sendo os seguidores fiéis àpátria, afinados à uni<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l revolucionária, portanto eles dev<strong>em</strong> deslocar para “fora” osque renegam a Revolução e, por extensão sua nacionali<strong>da</strong>de. Nesse caso, a idéia de nação e<strong>cultura</strong> se identifica com a de Revolução. Em decorrência <strong>da</strong> pretensão de uni<strong>da</strong>de de ação<strong>em</strong>erge o discurso divisor apontado no editorial, como aquele que difunde a fragmentação <strong>da</strong><strong>cultura</strong> <strong>em</strong> revolucionária e não revolucionária, comumente associa<strong>da</strong> aos termos “dentro” e“fora”.Essa fragmentação fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> por uma política hostil ao diverso é rechaça<strong>da</strong>num discurso comum entre os colaboradores, mesmo nas divergências de enfoque político.Da mesma maneira, a crítica se dirige a uma parcela do exílio de Miami que reproduz odiscurso divisionista <strong>em</strong> relação ao governo <strong>cuba</strong>no, mas, de qualquer modo, atinge àsocie<strong>da</strong>de como um todo. O trecho citado abaixo é extraído de um comentário acerca dorelatório U.S.-Cuban Relations in the 21st Century do Conselho de Relações Internacionais(Council on Foreign Relations) 124 e reproduz uma <strong>da</strong>s maneiras <strong>em</strong> que a chama<strong>da</strong> direita<strong>cuba</strong>na nos Estados Unidos concebe as relações entre os Estados Unidos e Cuba. Pode-seobservar que esse discurso representa a idéia de que a relação comercial entre os dois países(no caso, o incr<strong>em</strong>ento do turismo) reforça o poder ditatorial e econômico de Fidel Castro.Esse discurso parte do princípio de que um intercâmbio político e econômico com Cubarealimenta o poder castrista, para o qual os setores representativos dessa posição não quer<strong>em</strong>colaborar. Por outro lado, vê-se que, nesse ponto de vista, a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na e suasnecessi<strong>da</strong>des materiais são ignora<strong>da</strong>s face à disputa prioritária <strong>em</strong> liqui<strong>da</strong>r o governo de FidelCastro:123HALL, Stuart. A Identi<strong>da</strong>de Cultural na pós-moderni<strong>da</strong>de. DP&A Editora. Rio de Janeiro. 2001. pp.92-93124O Conselho de Relações Exteriores é uma instituição priva<strong>da</strong> de política exterior nos Estados Unidos. Elarepresenta o “establishment'” e congrega homens de negócio, banqueiros, líderes trabalhistas, diplomatas eespecialistas <strong>em</strong> política exterior <strong>em</strong> todo o mundo.


88“With the Cold War over and new security threats -- terrorists armed withweapons of mass destruction, narco-traffickers acting like independent statesand others -- <strong>em</strong>erging, it is fitting to reappraise the U.S.-Cuban militaryrelationship, characterized until now by hostility. The report makes afun<strong>da</strong>mental point: ``Joint measures between U.S. and Cuban agencies helplegitimize the role of the Cuban military and, worse, the Castro regime'sinternal security apparatus (…) the report endorses the type of initiatives that(…) American participation in Castro's ``apartheid tourism'' in hotels whose<strong>em</strong>ployees' hard-currency, i.e., dollar wages, are 95 percent confiscated bythe government to official contacts with the military, which protects thedictator from an increasingly bitter population.” 125No editorial do volume 18, Jesús Díaz apresenta o dossiê dedicado à literatura<strong>cuba</strong>na cont<strong>em</strong>porânea <strong>em</strong> Miami com a finali<strong>da</strong>de de romper com o imaginário <strong>da</strong>intolerância e do ódio do <strong>cuba</strong>no miamense <strong>em</strong> relação a Cuba e vice-versa:... Las afirmaciones anteriores no pretenden negar la existencia de un cúmulode incomprensiones, miedos y prejuicios mutuos entre Cuba y el Miami<strong>cuba</strong>no. Ese muro existe, es alimentado permanent<strong>em</strong>ente desde el gobiernode la isla, que utiliza el “miedo a Miami” como un espantajo, yretroalimentado por los sectores más intolerantes del exilio, que suelencalificar a quienes viven en Cuba como cómplices de la dictadura...... El futuro de la isla depende en gran medi<strong>da</strong> de que los <strong>cuba</strong>nos seamoscapaces de derribar ese muro de miedo, odio, prejuicio e intolerancia... Enesa dirección se mueve la literatura escrita por nuestros compatriotas enMiami........el Miami <strong>cuba</strong>no es parte indisoluble de Cuba.... 126A apresentação do artigo de Jesús Silva-Herzog na abertura <strong>da</strong> Feira do Livro deGua<strong>da</strong>lajara no México <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro de 2002, homenageia o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, Jesús Díaz,e afirma:Será incorrecto decir que Encuentro es una <strong>revista</strong> de oposición. No lo esporque a mi juicio no se trata, en un sentido estrecho, de una <strong>revista</strong> política.La política aparece, por supuesto, en las páginas de la <strong>revista</strong>. Aparece confrecuencia. Pero no es otra publicación de denuncia. Encuentro no <strong>em</strong>plea lainvectiva acusatoria, sino el lenguaje de la crítica, que no es complacencia nipaliza. Me parece revelador descubrir en ese sentido que la palabra que másse repite en las porta<strong>da</strong>s de la <strong>revista</strong> sea “homenaje”. Si: homenaje.Homenaje a la república, a Martí, a un novelista, a un poeta, a un125CALZON, Frank. A dissenting analysis of Cuba relations. Miami Herald. Janeiro de 2001. Disponível <strong>em</strong>:http://www.fiu.edu/~fcf/diss11001.html126 DÍAZ, Jesús. Introducción. Revista Encuentro… Madrid. Otoño del 2000. Vol.18. pp 7-8.


89arquitecto.... Ese líquido crítico que la <strong>revista</strong> esparce es, a mi juicio, la únicasustancia que puede disolver el discurso de los d<strong>em</strong>onios y de los héroes. 127Na afirmação acima sugere uma discussão <strong>sob</strong>re que dimensão é <strong>da</strong><strong>da</strong> à políticadentro dos objetivos <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Segundo Silva-Herzog a política aparece como linguag<strong>em</strong> decrítica s<strong>em</strong> que se produzam heróis e vilões, defesas e combates obstinados. Mas através <strong>da</strong>m<strong>em</strong>ória e homenag<strong>em</strong> aos escritores e artistas é d<strong>em</strong>onstra<strong>da</strong> a presença <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> que sedestaca ao longo <strong>da</strong> história de Cuba e, inevitavelmente, repercute <strong>em</strong> mu<strong>da</strong>nças no âmbitopolítico. A presença <strong>da</strong> discussão política na <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana é clara,como foi d<strong>em</strong>onstrado pelo banco de <strong>da</strong>dos no capítulo dois desta dissertação, o discurso deSilva-Herzog apresenta uma estratégia de defesa <strong>da</strong> <strong>revista</strong> <strong>em</strong> função <strong>da</strong>s críticas oficiais <strong>em</strong>caracterizá-la como mais uma publicação <strong>da</strong> dissidência no exílio. Dessa forma, opronunciamento de Silva-Herzog é uma resposta política que t<strong>em</strong> b<strong>em</strong> definido o seudirecionamento, o governo <strong>cuba</strong>no. É certo que há uma preocupação <strong>em</strong> que o político nãoseja abor<strong>da</strong>do numa perspectiva maniqueísta e simplista diante <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relaçõesde poder, que, de um modo geral, reflete a indissociabili<strong>da</strong>de entre <strong>cultura</strong> e política presentena <strong>revista</strong>, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que reforça a visão de que a <strong>cultura</strong> seja a “substância”protagonizadora <strong>em</strong> desmantelar o <strong>em</strong>bate político entre “heróis” e “d<strong>em</strong>ônios”.Como relata Jesús Silva-Herzog acerca <strong>da</strong>s homenagens presentes na publicação,grande parte dos volumes <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana apresenta uma série destas aosescritores <strong>cuba</strong>nos, contendo, ca<strong>da</strong> qual, inúmeros artigos destacando as letras <strong>cuba</strong>nas nocenário histórico nacional e <strong>da</strong> literatura internacional. Dentre as homenagens, algumasapenas serão menciona<strong>da</strong>s para que se perceba o essencial do discurso que vê na interseção<strong>cultura</strong>l o eixo condutor <strong>da</strong> relação entre as diferenças e <strong>da</strong> minimização do apartheidpolítico.Logo no segundo volume <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, a homenag<strong>em</strong> é feita a Gastón Baquero. Ement<strong>revista</strong> aberta, <strong>sob</strong> o título La poesia es como un viaje, o ent<strong>revista</strong>dor Efraín RodríguezSantana deixa o ent<strong>revista</strong>do discorrer livr<strong>em</strong>ente <strong>sob</strong>re questões relativas à poesia. O poetaexpressa seu modo de entender a poesia como a busca pela explicação do mundo, uma viag<strong>em</strong>na qual o ser está presente aqui e ali e de “como se manifiesta ese ser relacionándose con elmundo y expresándose.” 128 A poesia é, portanto, entendimento e expressão <strong>da</strong>s coisas, e para127SILVA-HERZOG, Jesús. “El Encuentro de Jesús Díaz”. Cubaencuentro.com. Encuentro en la red. Diarioindependiente de asuntos <strong>cuba</strong>nos.. 2002.128 BAQUERO, Gastón. La poesía es como una viaje. Ent<strong>revista</strong> por Efraín Rodríguez Santana. RevistaEncuentro… Otoño de 1996. Vol. 2. p.8


90Gastón Baquero interessa como estas se relacionam por mais opostas que possam parecer.Efraín Rodríguez Santana, <strong>em</strong> seu artigo, cita Gastón que diz ser o poeta o único a “relacionariluminativamente las cosas entre si.” 129 E afirma que, esse momento de Cuba, “la presenciade los poetas es determinante” por visualizar no real os sinais ocultos de sua subversão, o <strong>da</strong>relação entre situações opostas. 130No terceiro volume a homenag<strong>em</strong> é dedica<strong>da</strong> à Eliseo Diego, nascido <strong>em</strong> 1920<strong>em</strong> Cuba e morto <strong>em</strong> 1994 no México. Poeta, narrador e ensaísta, Eliseo Diego foi um dosm<strong>em</strong>bros fun<strong>da</strong>dores do grupo Orígenes, autor de En la calza<strong>da</strong> de Jesús del Monte, entrediversas obras. Ele recebeu o prêmio Juan Rulfo <strong>em</strong> 1993, no México por sua antologia Lased de lo perdido. Rafael Almanza, escritor e economista <strong>cuba</strong>no residente <strong>em</strong> Camagüey,numa análise do conjunto <strong>da</strong> obra de Eliseo Diego no artigo “Exterior, representação y juegoen Eliseo Diego” o define como poeta religioso e origenista que concebe o mundo dentro deuma ord<strong>em</strong> divina na qual o poeta nomeia as coisas ao seu redor e dimensiona a relação entreelas. Mas segundo Almanza, para Eliseonombrar las cosas no puede ser catalogarlas o encerrarlas, sino, desde luego,relacionarlas. Pues su nombre, su ser y su poder, es esencialmente relación.Un sólo objeto parcial o la suma de los objetos es na<strong>da</strong>, es la na<strong>da</strong>; pero laforma en que esos objetos están dispuestos por el Creador o el modo en quepueden ser graciosamente ordenados por el hombre como imágenes de laCreación, constituyen la única posesión ver<strong>da</strong>dera en el ámbito de la vigiliay la culpa. 131No volume 18 o arquiteto e urbanista Nicolás Quintana é homenageado junto aoutros artistas <strong>cuba</strong>nos residentes <strong>em</strong> Miami. Em 1960 Quintana mudou-se para os EstadosUnidos. Ele fez <strong>da</strong> arquitetura uma maneira de expressar a identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, estabelecendo arelação entre “arquitetura e socie<strong>da</strong>de” e, segundo suas próprias palavras, “la búsque<strong>da</strong>incesante de <strong>cuba</strong>nía” trouxe um urbanismo livre dos “esteticismos internacionales”. 132 Paraele, a ci<strong>da</strong>de é a imag<strong>em</strong> de sua “plataforma <strong>cultura</strong>l” só enriqueci<strong>da</strong> <strong>em</strong> condições deliber<strong>da</strong>de para a recriação do que denomina de signos do “esencial-<strong>cuba</strong>no”. 133 Nicolás129 SANTANA, Efraín Rodríguez. La primera mira<strong>da</strong> – Apuntes de un lector deslumbrado. RevistaEncuentro… Otoño de 1996. Vol.2. p.20130 BAQUERO, Gastón. La poesía es como un viaje. Ent<strong>revista</strong> por Efraín Rodríguez Santana. RevistaEncuentro… Otoño de 1996. Vol. 2. p.13131 ALMANZA, Rafael. Exterior, representación y juego en Eliseo Diego. Revista Encuentro… Madrid.Invierno de 1996/1997. Vol.3. p.22132 QUINTANA, Nicolás. Cuba en su arquitectura y urbanismo. Revista Encuentro... Madrid. Otoño de 2000.Vol.18. p.19133 Ibid<strong>em</strong>. p.20


91Quintana concebe esses signos dentro de uma nova visão de ci<strong>da</strong>de, onde os de “dentro” e osde “fora” se radiqu<strong>em</strong> numa “união simbiótica”:La ciu<strong>da</strong>d prototípica que deb<strong>em</strong>os repensar los <strong>cuba</strong>nos creará uncontinuum histórico con lo mejor de lo que existió y de lo que hoy existe,pues esas imágenes constituyen, precisamente, la plataforma <strong>cultura</strong>l, desdela cual interpretar la ciu<strong>da</strong>d futura que yace latente en la imaginación y en lainteligencia nacional. Será el producto creativo de la simbiosis de laexperiencia interna – del <strong>cuba</strong>no en Cuba, con la experiencia externa – del<strong>cuba</strong>no en la diáspora... hermanos ambos. 134A escolha dessas homenagens vai de encontro à idéia de relação que norteia oprincípio <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e se associa ao enfoque teórico <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong> evidenciar as leituras quetraz<strong>em</strong> uma visão de mundo pautado nas idéias de relação que envolv<strong>em</strong> t<strong>em</strong>as <strong>sob</strong>reidenti<strong>da</strong>de, <strong>cultura</strong> e política. A ex<strong>em</strong>plo de Poetics of Relation de Glissant:I began wondering if we did not still need such founding works to<strong>da</strong>y, onesthat would use a similar dialectics of rerouting, asserting, for example,political strenght but, simultaneously, the rhizome of a multiple relationshipwith the Other and basing every community’s reasons for existence on amodern form of the sacred, which would be, all in all, a Poetics ofRelation. 135A perspectiva de trabalho apresenta<strong>da</strong> por Glissant é de um “redirecionamento”político <strong>em</strong> que considera a multiplici<strong>da</strong>de a ser estabeleci<strong>da</strong> na relação de alteri<strong>da</strong>de. Nessaperspectiva, sua compreensão está presente implicitamente nos discursos <strong>cultura</strong>is e políticosdos colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que termos por ele analisados como diferença,tolerância, relação, supressão dos dualismos, <strong>da</strong>s visões de totali<strong>da</strong>de, de identi<strong>da</strong>de única sãocoloca<strong>da</strong>s também <strong>em</strong> discussão na publicação. Neste capítulo, até aqui foi analisa<strong>da</strong> apresença dos intelectuais na intervenção <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> e política <strong>em</strong> Cuba do ponto de vista dosautores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana. Em segui<strong>da</strong>, será discorri<strong>da</strong> acompreensão do exílio <strong>cuba</strong>no como a construção de outra identi<strong>da</strong>de e as discussões <strong>sob</strong>renacionali<strong>da</strong>de que os envolv<strong>em</strong>. O último it<strong>em</strong> abor<strong>da</strong>rá como os colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>pensam uma transição para Cuba.134 Ibid<strong>em</strong>. p.21135 GLISSANT, Édouard. Poetics of Relation. The University of Michigan Press. 1997. p. 16


923.2. EXÍLIO – A IDENTIDADE DO OUTROAs narrativas do exílio nos mostram como conceitos de identi<strong>da</strong>de, exílio e naçãose entrelaçam compondo uma mesma história. Grande parte dos autores <strong>da</strong> Encuentro de laCultura Cubana vive o contexto do exílio, tendo que se incorporar aos sentidos de outri<strong>da</strong>de,ou aos outros modos de viver <strong>em</strong> relação ao seu próprio, <strong>da</strong> mesma maneira um novo sentidode nacionali<strong>da</strong>de. Pois, o nacionalismo atrelado ao oficialismo revolucionário engendrou umacondição de exílio interno e externo na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que as necessi<strong>da</strong>des de criar, produzir e seexpressar fora <strong>da</strong> equação nação igual à revolução eram manifestas e reprimi<strong>da</strong>s. BenedictAnderson assim analisa a revolução e o nacionalismo oficial na condição de poder do Estado:...o modelo do nacionalismo oficial adquire relevância, acima de tudo, nomomento <strong>em</strong> que os revolucionários são b<strong>em</strong>-sucedidos <strong>em</strong> assumir ocontrole do Estado, e, pela primeira vez, encontram-se <strong>em</strong> condições deutilizar o poder do Estado na busca de suas visões. A relevância é tantomaior na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que mesmo os revolucionários mais resolutamenteradicais her<strong>da</strong>m, até certo ponto, o Estado do regime que tombou. 136Ao assumir<strong>em</strong> o poder de Estado, segundo Benedict Anderson, os revolucionáriosadquir<strong>em</strong> as condições de determinar<strong>em</strong> sua visão de nação à socie<strong>da</strong>de, reproduzindo “atécerto ponto”, métodos utilizados pelo Estado autoritário que lhe antecedeu e o derrubou. Énessa direção que regimes autoritários lançam mão do nacionalismo <strong>em</strong> defesa do território,de sua ideologia e do poder e projetam a negação do diferente, <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong>de <strong>em</strong> que seencontra o exilado, marcado como aquele que não se enquadra na visão imposta pelo Estado.Não se afinar às condições revolucionárias dentro do território nacional significa nãopertencer à nação. É encontrar-se deslocado no próprio país. A identi<strong>da</strong>de nega<strong>da</strong> noterritório de orig<strong>em</strong> é tão ou mais asfixiante do que buscá-la <strong>em</strong> outros espaços numa tentativade acolhi<strong>da</strong> por outras <strong>cultura</strong>s, mesmo que estas últimas apresent<strong>em</strong> situações deestranhamento. José Triana menciona essa dupla condição do exílio:En Cuba también viví en el exilio. El regreso no es una cosa que me seduzcatanto porque si<strong>em</strong>pre estamos exilados. Hay un exilio terrible... en el cualvivimos, aun cuando est<strong>em</strong>os dentro del país.Exilarse no es fácil. Es, uno, revisión de tu pasado; dos, ¿qué es lo que túquieres, qué vas a hacer con tu vi<strong>da</strong>? Tienes que responsabilizarte con todolo vivido anteriormente y al mismo ti<strong>em</strong>po instalar nuevas perspectivas para136 ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. Editora Ática. Sao Paulo. 1989. p.174


93ti y ver cómo te vas desarrollando lentamente dentro de una socie<strong>da</strong>de queno te ha pedido que tú estés ahí, en la cual eres un extraño. 137Radhis Curí Quevedo no ensaio <strong>sob</strong>re a literatura <strong>cuba</strong>na no exílio traça oisolamento e a melancolia <strong>em</strong> que o escritor envere<strong>da</strong> <strong>em</strong> seu exílio interno e busca na poesiao escape <strong>da</strong> marginalização de seu entorno social. Ele l<strong>em</strong>bra José Lezama Lima como aexpressão desse exílio interior pela incompreensão de sua obra dentro de Cuba. Radhis CuríQuevedo expõe sua maneira de entender o exílio interior:Hay otro exilio to<strong>da</strong>vía más severo, el exilio interior: esa clase deensimismamiento fatídico en el que cae el poeta dentro de su propio país.Para esta poesía no existe ni ti<strong>em</strong>po ni espacio. El poeta está sumido en otrolugar infinitamente misterioso. La equivalencia lírica se valora entonces enla sensación de asfixia, en el creerse sitiados en su propio entorno y en elhecho de que la poesía, a pesar de la censura, es la única vía posible deescape. 138Por outro lado, o outro exílio que provoca a separação do sujeito de seu país,confere uma a<strong>da</strong>ptação complexa do exilado, porque carrega consigo a responsabili<strong>da</strong>de coma história de seu país, com o que foi produzido individual e socialmente e com o que se t<strong>em</strong>para oferecer <strong>em</strong> outros países. Pois como to<strong>da</strong> condição de <strong>em</strong>igrado, as relações psíquicasde trabalho e de sociabili<strong>da</strong>de são postas a um novo aprendizado. E o exílio traz ocompromisso que o sujeito, como indivíduo e m<strong>em</strong>bro de uma <strong>cultura</strong>, possui com seupassado, seu presente e as expectativas que as novas relações sociais serão forma<strong>da</strong>s, muito<strong>em</strong> função de seu posicionamento político no país de orig<strong>em</strong>. Será, porém, mais observado noterritório do exílio quanto à sua <strong>sob</strong>revivência e atuação junto à nova comuni<strong>da</strong>de.O exílio, ain<strong>da</strong> com todos os sacrifícios que impõe aos que recorr<strong>em</strong> a ele,dimensiona outros territórios, rompe com o limite do território nacional, desloca fronteirassimbólicas num processo de extensão e trânsito de identi<strong>da</strong>des <strong>cultura</strong>is. Para Ivan de la Nuez,“los <strong>cuba</strong>nos en los últimos 40 años han cancelado el contrato entre <strong>cultura</strong> nacional – seaesto lo que sea – y territorio.” 139 O que quer dizer que há uma transterritoriali<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l<strong>cuba</strong>na presente no mapa mundial que dissolve os discursos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> nação como centro137TRIANA, José. Entrevisto por Christilla Vasserot. Si<strong>em</strong>pre fui y seré un exiliado. Revista Encuentro…Madrid. Primavera / Verano de 1997. Vol.4/5. pp.42-44138QUEVEDO, Radhis Curí. Destierros y exilios interiores. Revista Encuentro…. Madrid. Otoño de 1999.Vol.14. p. 180139NUEZ, Ivan de la. El destierro de Calibán. Revista Encuentro…. Madrid. Primavera/Verano de 1997.Vol.4/5. p. 139


94territorial e identitário único. Avalia o nacionalismo como epist<strong>em</strong>ologia que move osdiscursos tanto <strong>da</strong> Revolução quanto do exílio: “Ambos tienen la llave maestra para excluir,censurar, expulsar de La Nación.” Considera que a identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na se encontra num estadode transitorie<strong>da</strong>de, numa espécie de “fuga” e este é o modo de viver e reproduzir sua <strong>cultura</strong>,pois o exílio configura mais uma noção de espaço <strong>cultura</strong>l e político do que de t<strong>em</strong>po. Oexílio não t<strong>em</strong> definido o t<strong>em</strong>po para o ulterior regresso, quase impossível de precisar. Mastrata-se de um espaço a ser construído com novas perspectivas de vi<strong>da</strong>. 140Em Pensando a Diáspora, Stuart Hall teoriza <strong>sob</strong>re o hibridismo que permeia asidenti<strong>da</strong>des <strong>cultura</strong>is caribenhas na diáspora e se associa aqui à compreensão <strong>sob</strong>re as idéiasde relação entre nação e exílio, aos termos dentro e fora que configuram o significado <strong>cultura</strong>le político <strong>da</strong> “différance”:... as configurações sincretiza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l caribenha requer<strong>em</strong> anoção derridiana de différance – uma diferença que não funciona através debinarismos, fronteiras vela<strong>da</strong>s que não separam finalmente, mas são tambémplaces de passage, e significados que são posicionais e relacionais, s<strong>em</strong>pre<strong>em</strong> deslize ao longo de um espectro s<strong>em</strong> começo n<strong>em</strong> fim. A diferença,sab<strong>em</strong>os, é essencial ao significado, e o significado é essencial à <strong>cultura</strong>. 141É inconcebível o exílio <strong>cuba</strong>no s<strong>em</strong> relacioná-lo à identi<strong>da</strong>de que transcorre <strong>em</strong>outras histórias e <strong>cultura</strong>s. Isto porque o exílio criou uma identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l diaspórica –como Stuart Hall concebe, do mesmo modo que alguns colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> mencionam– e articula<strong>da</strong> que encontra nele o espaço de expressão <strong>da</strong>s diferentes comuni<strong>da</strong>des <strong>cultura</strong>is<strong>em</strong> Cuba e test<strong>em</strong>unham o legado nacional junto às mu<strong>da</strong>nças diss<strong>em</strong>ina<strong>da</strong>s nos territórios doexílio. Rafael Rojas propõe uma “relectura de la nación” na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que a intelectuali<strong>da</strong>deacena um discurso às margens <strong>da</strong> “ord<strong>em</strong> simbólica <strong>da</strong> Revolução” e nos anos 1990 t<strong>em</strong>caminhado <strong>em</strong> direção a um espaço mais aberto à poética e à narrativa <strong>da</strong>s diferenças. 142 Omesmo José Triana diz que “Escribir es lo único que me ha permitido <strong>sob</strong>revivir al dolor.” 143O ato literário traz consigo a bagag<strong>em</strong> de identi<strong>da</strong>de que sua <strong>cultura</strong> lhe proporciona noprocesso de criação e de contato com outra <strong>cultura</strong>, faz sentir-se <strong>cuba</strong>no interagido <strong>em</strong> outrasconvivências. Trata-se de uma maneira de se refazer ou de renascer, pois o exílio produz umtipo de renascimento. Ilan Stavans faz referência ao exílio nos Estados Unidos do escritor140 NUEZ, Ivan de la. El destierro de Calibán. Revista Encuentro…. Madrid. Primavera/Verano de 1997.Vol.4/5. pp. 137-144.141 HALL, Stuart. Da Diáspora. Identi<strong>da</strong>des e Mediações Culturais. Ed. UFMG. Belo Horizonte. 2003. p.33142 ROJAS, Rafael. La relectura de la nación. Revista Encuentro… Madrid. Verano de 1996. Vol.1. p.43143 TRIANA, José. Entrevisto por Christilla Vasserot. Si<strong>em</strong>pre fui y seré un exiliado. Revista Encuentro…Madrid. Primavera/Verano de 1997. Vol.4/5 p.41


95Antonio Benítez Rojo, afirmando que “para <strong>sob</strong>revivir,..., no haberá otro camino que el dereinventarse a sí mesmo; y así lo hizo.” 144Edward Said diz que “...poetas e escritores exilados confer<strong>em</strong> digni<strong>da</strong>de a umacondição cria<strong>da</strong> para negar a digni<strong>da</strong>de – e a identi<strong>da</strong>de às pessoas.” 145 Nesta linha, JesúsDíaz desenvolve seu artigo Outra pelea <strong>cuba</strong>na contra los d<strong>em</strong>onios, numa alusão à obra deFernando Ortiz, Historia de una pelea <strong>cuba</strong>na contra los d<strong>em</strong>ônios, e ao filme homônimo deTomás Gutiérrez Alea. Para ele, “todo proceso d<strong>em</strong>onizador <strong>em</strong>pieza por negar la condiciónhumana del d<strong>em</strong>onizado.” 146 Consiste <strong>em</strong> afastar o diferente e <strong>em</strong> identificá-lo como a orig<strong>em</strong>de todo o mal. A história de Cuba, segundo Díaz, <strong>da</strong> colonização à atuali<strong>da</strong>de é marca<strong>da</strong> pelaluta e resistência de sua <strong>cultura</strong> contra a “síndrome <strong>da</strong> d<strong>em</strong>onização” 147 – dos infiéis à IgrejaCatólica, dos judeus, dos negros, dos dissidentes, como também dos revolucionários.Conforme Jesús Díaz, uma dentre várias dessas conquistas contra a “d<strong>em</strong>onização” foi aafirmação <strong>sob</strong>revivente <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de negra na <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na quando diz que “nuestra granreligión popular no es el catolicismo sino la santería”. 148 Do mesmo modo, o exílio <strong>em</strong> Miamitornou a identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na digna pela sua presença <strong>cultura</strong>l no crescimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de: “Haberreivindicado y conservado su condición de <strong>cuba</strong>nos en medio de una <strong>cultura</strong> extraña es otrarazón para sentirse orgulloso”. 149O fenômeno <strong>da</strong> migração <strong>em</strong> Cuba e, <strong>em</strong> geral, no Caribe é histórico econstitutivo <strong>da</strong>quelas socie<strong>da</strong>des por razões de território limitado, identi<strong>da</strong>de lingüística entrealgumas regiões e por processos colonizadores historicamente próximos, ain<strong>da</strong> que distintosquanto à sua <strong>cultura</strong> de orig<strong>em</strong> – espanhola , inglesa, francesa e holandesa. Stuart Hall afirmaque: “A <strong>cultura</strong> caribenha é essencialmente impeli<strong>da</strong> por uma estética diaspórica. Em termosantropológicos, suas <strong>cultura</strong>s são irr<strong>em</strong>ediavelmente “impuras”.” 150 Contudo <strong>em</strong> Cuba, após aRevolução de 1959 e de forma mais intensifica<strong>da</strong> nos anos de 1990, o padrão migratórioadquiriu, além <strong>da</strong>s questões históricas e econômica de <strong>sob</strong>revivência, a feição políticoideológicaque repercutiu no exterior com uma expressão <strong>cultura</strong>l influente, <strong>em</strong> decorrênciade sua intensa composição de artistas e intelectuais. Essa <strong>cultura</strong> assim denomina<strong>da</strong> dediaspórica redimensiona uma outra compreensão de nação e de <strong>cultura</strong> dentro e fora do país a144 STAVANS, Ilan. Crónica de una amistad. Revista Encuentro…. Madrid. Invierno de 2001-2002. Vol.23. p.25145 SAID, Edward. Reflexões <strong>sob</strong>re o Exílio e outros ensaios. Companhia <strong>da</strong>s Letras. São Paulo. 2003. p.48146 DÍAZ, Jesús. Otra pelea contra los d<strong>em</strong>onios. Revista Encuentro…. Madrid. Otoño / invierno de 1.997 Vol.6/7 p. 203147 Ibid<strong>em</strong>148 Ibid<strong>em</strong>149 Ibid<strong>em</strong>. p.209150 HALL, Stuart. Da Diáspora. Identi<strong>da</strong>des e Mediações Culturais. Ed. UFMG. Belo Horizonte. 2003. p. 34


96partir do movimento de <strong>em</strong>igrados e exilados, fazendo circular <strong>em</strong> diferentes esferasnacionais, identi<strong>da</strong>des que interag<strong>em</strong> um espaço mundializado.Tal compreensão põe <strong>em</strong> questão a presença de um poder que forja uma fronteiradivisora entre os que estão “dentro” e os que estão “fora” do país, conforme se observouanteriormente. Pois a fronteira não é simplesmente física, mas fun<strong>da</strong>mentalmente política eatinge substancialmente a diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>em</strong> sua expressão interna e externa. Alémdisso, ela se circunscreve num círculo de representações que coloca <strong>em</strong> campos opostos osque estão dentro de Cuba e os que estão fora como se ca<strong>da</strong> um retratasse uma homogenei<strong>da</strong>de,o que torna frágil a tentativa <strong>em</strong> conceber os extr<strong>em</strong>os como posições monolíticas. A uni<strong>da</strong>desó se manifesta quando é necessário negar o outro, neste sentido a relação é de equivalênciaentre os “pró-revolucionários” e os “contra-revolucionários”. Os que permanec<strong>em</strong> na ilha sãorepresentantes <strong>da</strong> “<strong>cuba</strong>nía”, pertencentes a uma coletivi<strong>da</strong>de correspondente ao projeto sociale oficial <strong>da</strong> Revolução. Eles apresentam uma postura negadora <strong>da</strong>queles que estão no exílio,considerados porta-vozes <strong>da</strong> articulação imperialista norte-americana contra Cuba. Do outrolado, um contingente fora de Cuba expressa uma posição política hostil a qu<strong>em</strong> permanece nopaís que, por sua vez, é considerado porta-voz <strong>da</strong> política oficial castrista.A simplificação de representações t<strong>em</strong> criado dificul<strong>da</strong>des na análise <strong>da</strong> <strong>cultura</strong><strong>cuba</strong>na cont<strong>em</strong>porânea, na compreensão <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de conti<strong>da</strong> nelas e no enfrentamento deum debate desarmado <strong>da</strong>s pré-classificações, onde a <strong>cultura</strong> pudesse interagir com a políticanão na condição de reprodutora de uma homogeneização de qualquer que seja a posição, masque reflita as diferenças no interior de ca<strong>da</strong> uma delas que se manifestam e se cruzam nasocie<strong>da</strong>de. E as diferenças, objetivamente, estão sendo coloca<strong>da</strong>s num contexto real queindepende <strong>da</strong>s polarizações dualistas e binárias, conforme Bhabha analisa as condiçõespolíticas do mundo pós-colonial. Em sua análise no capítulo <strong>sob</strong>re “O Compromisso com aTeoria” Bhabha questiona a polêmica arbitra<strong>da</strong> pela polarização:Será preciso s<strong>em</strong>pre polarizar para pol<strong>em</strong>izar? Estar<strong>em</strong>os presos a umapolítica de combate onde a representação dos antagonismos sociais econtradições históricas não pod<strong>em</strong> tomar outra forma senão a do binarismoteoria versus política? Pode a meta <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de conhecimento ser asimples inversão <strong>da</strong> relação opressor e oprimido, centro e periferia, imag<strong>em</strong>negativa e imag<strong>em</strong> positiva? Será que nossa única saí<strong>da</strong> de tal dualismo é aadoção de uma oposicionali<strong>da</strong>de implacável ou a invenção de um contramitooriginário <strong>da</strong> pureza radical? Deverá o projeto de nossa estéticaliberacionista ser para s<strong>em</strong>pre parte de uma visão utópica totalizante do Ser e<strong>da</strong> História que tenta transcender as contradições e ambivalências que


97constitu<strong>em</strong> a própria estrutura <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de humana e seus sist<strong>em</strong>as derepresentação <strong>cultura</strong>l? 151A experiência <strong>cuba</strong>na t<strong>em</strong> configurado esses antagonismos. De um lado, apotência norte-americana impondo ao mundo a imag<strong>em</strong> de sua <strong>cultura</strong> representativa <strong>da</strong>ideologia neoliberal e d<strong>em</strong>ocrática. E no momento <strong>em</strong> que o bloco socialista se desfaz, com aque<strong>da</strong> do Leste Europeu, uma <strong>da</strong>s experiências socialistas que procura manter os princípios dosocialismo, <strong>sob</strong>retudo no que se refere à combinação entre estrutura sócio-econômica e aessência ideológica, t<strong>em</strong> sido a nação <strong>cuba</strong>na. Neste sentido, a política norte-americanaperpetua o <strong>em</strong>bargo, buscando fragilizar a economia <strong>cuba</strong>na, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que oscilana política de imigração <strong>cuba</strong>na conforme sua conveniência na contrapropagan<strong>da</strong> <strong>em</strong>desmoralizar as condições políticas de Cuba e reforçar a imag<strong>em</strong> de um país d<strong>em</strong>ocrático eflexível. Por outro lado, a política oficial de Cuba procura “proteger” a nação com o discursode defesa <strong>da</strong> Revolução contra o <strong>em</strong>bargo, contra a ação imperialista norte-americana,direcionando para o exterior todo o foco <strong>da</strong> crise social e econômica interna. São discursosque se veiculam, dicotomizando o imaginário social não só internamente, como também forade Cuba e impõ<strong>em</strong> a barreira de uma comunicação mais aberta entre estes espaços.Vê<strong>em</strong>-se, então, imagens que se produz<strong>em</strong> e faz<strong>em</strong> circular o jogo internacional<strong>da</strong>s polari<strong>da</strong>des de essências nacionalistas. Porém, no jogo persistente <strong>da</strong> duali<strong>da</strong>de entrenação e exílio, a Encuentro de la Cultura Cubana reitera o discurso de independência <strong>da</strong>identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e política <strong>cuba</strong>na. Rafael Rojas, levanta a questão <strong>sob</strong>re a territoriali<strong>da</strong>de<strong>cuba</strong>na, tendo <strong>em</strong> vista a dispersão literária e intelectual nas atuais condições, definindo-acomo diaspórica. Ele questiona e responde <strong>sob</strong>re tal posição <strong>em</strong>ergente: “Cuál es, entonces, elterritorio de la literatura <strong>cuba</strong>na? Ni más ni menos aquel que, en su dispersión, compartentodos los escritores <strong>cuba</strong>nos que viven en la Isla y en la diáspora.” 152A produção literária <strong>cuba</strong>na está presente <strong>em</strong> um vasto território, que enfrenta asfronteiras políticas do isolamento e <strong>da</strong> fragmentação na busca de um mútuo reconhecimentoentre os diversos espaços representativos de sua <strong>cultura</strong>. O território diaspórico põe <strong>em</strong> relevoo que é viver e escrever no exílio, a necessi<strong>da</strong>de do reconhecimento do sujeito que reivindicasua identi<strong>da</strong>de, o direito à diferença e a luta por compor à mesa do diálogo nacional.151 BHABHA, Homi K. O Local <strong>da</strong> Cultura. Tradução de M. Ávila, E.L. de Lima Reis, G.R. Gonçalves. BeloHorizonte. Editora UFMG. 2001. p. 43152 ROJAS, Rafael. ¿Qué es la literatura <strong>cuba</strong>na? <strong>cuba</strong>encuentro.com. Encuentro en la red- Diarioindependiente de asuntos <strong>cuba</strong>nos. Ano IV. Edición 541. Vienes, 24 enero 2003


98Enfim, o que está sendo ressignificado é a dimensão do território nacional pormeio <strong>da</strong> extraterritoriali<strong>da</strong>de configura<strong>da</strong> pelo exílio. Pois esse exílio proporcionou acompreensão de que mais do que estar dentro ou fora do território nacional, o que se busca édignificar-se com sua história <strong>em</strong> condições adversas. Pode-se dizer que o exílio dimensionoua internacionalização <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> maiores proporções que, paradoxalmente, astentativas de uma revolução proletária internacional. Uma ironia histórica <strong>em</strong> que aquilo quedeveria ser uma internacionalização desencadea<strong>da</strong> pelo socialismo, conforme seus princípios,produziu outro fenômeno internacionalista. Pois, ao se fechar no nacionalismo defensivorepeliu as forças contrárias, provocando uma <strong>em</strong>igração força<strong>da</strong> que habita o mundo com umcontingente importante de sua <strong>cultura</strong>. O efeito colateral do exílio provocado pela versãototalizadora do socialismo foi o internacionalismo <strong>em</strong> outras dimensões. Não para expandir osocialismo <strong>em</strong> outros territórios nacionais, mas sua <strong>cultura</strong> independente que transita o espaçointernacional. Portanto, uma nova concepção de nacionali<strong>da</strong>de terá que admitir e reconheceras representações do exílio como a identi<strong>da</strong>de do Outro a ser cont<strong>em</strong>pla<strong>da</strong> <strong>em</strong> um processo detransição.Em Édouard Glissant encontra-se a análise imprescindível <strong>sob</strong>re exílio,identi<strong>da</strong>de, outri<strong>da</strong>de e nacionalismo. Na diferenciação que faz entre identi<strong>da</strong>de na concepçãode raiz única e identi<strong>da</strong>de rizomática está delinea<strong>da</strong> a cisão que o Ocidente estabeleceu entreNação – como centro de civilização e território que se expande – e o Outro mundo que restou– os bárbaros para ser<strong>em</strong> conduzidos pelo mundo civilizado. A idéia de raiz única é a <strong>da</strong>ord<strong>em</strong> de uma razão superior, de uma civilização que pretende se impor à outra, fun<strong>da</strong>mentasena fixação territorial que nutre o nacionalismo de uma totali<strong>da</strong>de arrebatadora do Outro. Opensamento rizomático é uma rede extensiva de raízes que enfrenta a raiz totalitária, onde aidenti<strong>da</strong>de é <strong>da</strong><strong>da</strong> na relação com o Outro. O rizoma é o princípio que norteia sua Poetics ofRelation. Afirma: “Rhizomatic thought is the principle behind what I call the Poetics ofRelation, in which each and every identity is extended through a relationship with theOther.” 153No momento <strong>em</strong> que o Ocidente associou identi<strong>da</strong>de, nação e território numprojeto de nacionalismo expansivo e imperialista forjou também a intolerância que se estendee se reproduz por todos os povos, inclusive os dominados, mesmo quando libertados. Odualismo entre ci<strong>da</strong>dão e estrangeiro é reforçado e se estende à experiência <strong>da</strong> duali<strong>da</strong>de entrenação e exílio. Para Glissant, o exilado se torna o Outro com a identi<strong>da</strong>de desgasta<strong>da</strong> pela153 GLISSANT, Édouard. Poetics of Relation. The University of Michigan Press. Michigan. 1997. p. 11


99dificul<strong>da</strong>de de comunicação e relação com sua própria <strong>cultura</strong>. Entretanto, o exílio podetraduzir uma quebra <strong>da</strong> concepção de totali<strong>da</strong>de do nacionalismo, quando vivido naexperiência <strong>da</strong> relação com o Outro. E o imaginário totalitário se fragiliza porque cria desviosque romp<strong>em</strong> com o seu cerco. Pois quando afasta o diferente para outros territórios, eleconstruirá outras histórias <strong>em</strong> contato com outras <strong>cultura</strong>s, desfazendo fronteiras e interrelacionandonações. Nas palavras de Glissant:In this context uprooting can work toward identity, and exile can be seen asbeneficial, when these are experienced as a search for the Other …ratherthan as an expansion of territory …Totality’s imaginary allows the detoursthat lead away from anything totalitarian. 154O discurso <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana quando reivindica a identi<strong>da</strong>dedialoga<strong>da</strong> entre representações de Cuba e do exílio busca transcender a fronteira que t<strong>em</strong>divido a nação e se apresenta como uma narrativa desta relação. Rafael Rojas chama aatenção para os políticos e intelectuais do século XXI acerca desta idéia de nação a partir dodiálogo entre a Ilha e a diáspora:¿Cómo articular el espacio público de un campo intelectual tan refractario ycentrífugo? Cómo lograr comunicación y diálogo entre sujetos <strong>cultura</strong>les tancrispados y <strong>em</strong>otivos? ¿Habrá que desechar la idea de que la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>naposea una sede nacional, abierta y tolerante, donde quepan todos los actores?¿O habrá, por el contrario, que imaginar una dialéctica postnacional, queadministre los conflictos simbólicos entre la Isla y la diáspora? Estas sonpreguntas ineludibles para los políticos e intelectuales <strong>cuba</strong>nos del sigloXXI. 155O alcance desta compreensão passa pelo enfrentamento do jogo polarizador dopoder que exclui os sujeitos <strong>em</strong> contradição social a partir de prerrogativas de uma autori<strong>da</strong>de<strong>sob</strong>reposta ao processo social. Pré-define qu<strong>em</strong> pertence ou não pertence à comuni<strong>da</strong>denacional como se fosse possível estabelecer uma finitude <strong>sob</strong>re a extensão <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>, <strong>da</strong>nação e de seu território, mantendo uma imaginária comuni<strong>da</strong>de coesa, só sendo factível tal154 Ibid<strong>em</strong>. p. 18155 ROJAS, Rafael. ¿Qué es la literatura <strong>cuba</strong>na? <strong>cuba</strong>encuentro.com. Encuentro en la red- Diário independentede assuntos <strong>cuba</strong>nos. Ano IV. Edición 541. Vienes, 24 enero 2003


100<strong>em</strong>preendimento limitador por qu<strong>em</strong> t<strong>em</strong> <strong>em</strong> mãos o controle <strong>da</strong> nação, ou que pelo menost<strong>em</strong> historicamente tentado construí-lo.O limite <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> nacional vai até onde os sujeitos sociais colaboram com acoesão nacional e tal coesão significa ser pró-castrista ou então permanecer na neutrali<strong>da</strong>deque conforma a condição do projeto nacional <strong>cuba</strong>no socialista nos moldes traçados pelopoder oficial. Os discursos que põ<strong>em</strong> <strong>em</strong> questão a concepção de nação como únicaencontram-se fora <strong>da</strong> finitude <strong>da</strong> coesão nacional, são os desclassificados, política e<strong>cultura</strong>lmente, e compõ<strong>em</strong> uma estatística numerosa de exilados. É um contingenteimportante que t<strong>em</strong> conquistado respeito de outras territoriali<strong>da</strong>des nacionais, pelaintervenção de seu trabalho, seu idioma, sua <strong>da</strong>nça, sua capaci<strong>da</strong>de literária, cin<strong>em</strong>atográfica,musical, artística e de interação com a <strong>cultura</strong> estrangeira.Juntamente com a respeitabili<strong>da</strong>de internacional que esse contingente de exilados<strong>cuba</strong>nos conquistou, adversi<strong>da</strong>des também são encontra<strong>da</strong>s no mundo exterior, por vezes coma hostili<strong>da</strong>de de uma xenofobia de ord<strong>em</strong> política, própria de parte do pensamentoheg<strong>em</strong>ônico norte-americano <strong>em</strong> relação a um mundo ideologicamente oposto. Marc Guiblinanalisa a obra de Jesús Díaz De la Pátria y el Exílio publica<strong>da</strong> <strong>em</strong> 1979 <strong>em</strong> que narramomentos de dificul<strong>da</strong>de de integração <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> seu exílio nos Estados Unidos, junto aos<strong>cuba</strong>nos já estabelecidos na Flóri<strong>da</strong>, acentuando questões de ord<strong>em</strong> psíquica no encontro entreestes últimos com os <strong>cuba</strong>nos que chegam. Pois uma parcela dos <strong>cuba</strong>nos já instalados nosEstados Unidos se apropriou do sentimento de rejeição que a política oficial norte-americanaimpôs, criando probl<strong>em</strong>as de identi<strong>da</strong>de entre os próprios <strong>cuba</strong>nos, como pode ser observadono trecho abaixo:Lês codes de comport<strong>em</strong>ent social ont elabore dês mécanismes de défense(de la parte de l’exilé aux Etats-Unis ou du Cubain qui accueille cetteBrigade), un sentiment de culpabilité qui se traduit par um rejet du paysd’accueil (atavisme) où il se sent étranger, um sentiment de souffrance, unesorte d’automarginalisation concrétisée par um rass<strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ent <strong>da</strong>ns ummilieu de rencontre essentiell<strong>em</strong>ent constitué par dês Cubains (la Flori<strong>da</strong>).Tous ces points né peuvent répondre efficac<strong>em</strong>ent à la question de l’identitéposée par Jesús Díaz: ‘¿Hubo un momento en el que ustedes se perdieroncomo <strong>cuba</strong>nos?’ 156156 GUIBLIN, Marc. Approche de l’oeuvre de Jesúz Díaz (Cuba). Disponível <strong>em</strong>:www.perso.club-internet.fr/mguiblin/DiazIndice.htm. p.7


101Madeline Cámara, numa citação de Amy Kaminsk 157 refere-se também ao estadopsíquico do exílio <strong>em</strong> outra dimensão, o <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de que representa a condição subjetivado sair desejando ficar, ou lutar fora, ou simplesmente esquecer:Anhelos, nostalgia, deseo de regreso y miedo de regresar son to<strong>da</strong>s marcasdel exilio. Aún más el exilio político, que es a la vez que<strong>da</strong>rse fuera y<strong>sob</strong>revivir, implica y una compleja relación con los que que<strong>da</strong>ron en laPatria. Sentimientos de culpa por haber <strong>sob</strong>revivido abandonando a losd<strong>em</strong>ás, y un sentido de responsabili<strong>da</strong>d por mantener la <strong>cultura</strong> natal viva yseguir luchando contra la opresión, a menudo coexisten con deseos deolvi<strong>da</strong>rse de todo y descansar. Exilio es a la vez dislocación física ysíquica. 158A citação acima envolve todo um estado de perturbação interior <strong>em</strong> que vive umexilado. Seus sentimentos percorr<strong>em</strong> diferentes caminhos e se confund<strong>em</strong> entre a sau<strong>da</strong>de, odesejo de regressar e o receio de ser estigmatizado <strong>em</strong> seu retorno; o <strong>da</strong> culpa por ter saído econseguido se estabelecer fora, deixando seus familiares e amigos enfrentando todo tipo deadversi<strong>da</strong>de, como se fosse um abandono; o compromisso que carrega <strong>em</strong> continuar a lutapolítica e levar sua <strong>cultura</strong> adiante fora do país.Outro el<strong>em</strong>ento subjetivo que o exílio traz quanto ao sentimento de culpa no quese refere à maioria dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, é de tercolaborado com a luta revolucionária de 1959 e ter participado de sua construção até os anosde 1990, mesmo travando uma luta interna. Porém, para o exilado livrar-se <strong>da</strong> culpa que s<strong>em</strong>anifesta no momento <strong>em</strong> que sai do país, renunciando àquilo que ajudou construir e verruír<strong>em</strong> suas expectativas, frustrar<strong>em</strong> suas tentativas de uma mu<strong>da</strong>nça de rumo político, e doque isto significa para qu<strong>em</strong> fica e continua lutando, é também um esforço psíquico desuperação. Pois sua saí<strong>da</strong>, representa uma ruptura na resistência interna e talvez estejareforçando ou contribuindo <strong>em</strong> manter o modelo político de seu país, na visão de qu<strong>em</strong>permanece. Por isso a caracterização do exílio do período mencionado é de uma posição detolerância, que busque a aproximação entre qu<strong>em</strong> fica e qu<strong>em</strong> sai, sendo a heterogenei<strong>da</strong>de,presente <strong>em</strong> ambos os lados, o el<strong>em</strong>ento de negociação capaz de minimizar os confrontosabertos e as angústias que têm marcado a história <strong>da</strong> relação entre Cuba e o exílio.157 Amy Kaminsky é especialista <strong>em</strong> teoria literária f<strong>em</strong>inista, <strong>em</strong> filmes latino-americanos, literatura hispânicae latino-americana e possui várias pesquisas <strong>sob</strong>re exílio e identi<strong>da</strong>de nacional. É professora pela University ofMinnesota <strong>em</strong> Minneapolis (EUA).158 KAMINSK, Amy. “The presence in Absence of Exile”. Reading the Body Politic: F<strong>em</strong>inist Criticism andLatin American Women Writers. Minneapolis: Minnesota UP, 1993: 27-47. apud: CÁMARA, Madeline. Haciauna utopía de la resistencia. Revista Encuentro… Madrid. Primavera/Verano de 1997. Vol. 4/5. p.152


102Raul Rivero 159 expressa um outro sentimento <strong>em</strong> Irse es un desastre, de que os<strong>cuba</strong>nos tiveram que conviver durante quarenta anos com a despedi<strong>da</strong> e a separação de algo ede alguém, e no olhar de qu<strong>em</strong> fica “en el espacio que existe entre irse y volver hay quefun<strong>da</strong>r la permanencia, porque permanecer si<strong>em</strong>pre será un antídoto contra el desencanto. Yun veneno para el olvido.” Permanecer, num estado psíquico de exílio interno, significa existirnum contraponto à absolutização de um domínio que ele chama “... el trabalho científico deun grupo de especialistas del horror...”. É <strong>sob</strong>reviver com a digni<strong>da</strong>de de que o país não ésomente a história de um coman<strong>da</strong>nte, mas outras histórias são vivi<strong>da</strong>s na contramão do“desencanto”, pois afirma “Irse es un desastre...una catástrofe íntima.”. 160A confirmação desse sentimento é observa<strong>da</strong> nas palavras de Nicolás Quintana <strong>em</strong>seu exílio. Não esconde a triste condição de não estar próximo de sua gente sorrindo,cantando, brincando diante do que Cuba vive hoje, dois mundos contrapostos:...en medio de una destrucción absoluta, en medio de la miseria, en unmundo Kafkiano, la gente se está riendo, los niños están jugando, y lamúsica está sonando. Esa es Cuba, y eso son los <strong>cuba</strong>nos. A veces siento quelos tristes somos nosotros porque no estamos en Cuba. 161O probl<strong>em</strong>a de se criar um novo enraizamento traz conflitos oriundos de umdesenraizamento preliminar buscando uma nova identificação <strong>cultura</strong>l no exterior para que setenha um reconhecimento e aceitação social na outra <strong>cultura</strong>. Porque, ain<strong>da</strong> segundo Bhabha,o “existir é ser chamado à existência <strong>em</strong> relação a uma alteri<strong>da</strong>de, seu olhar ou lócus. É umad<strong>em</strong>an<strong>da</strong> que se estende <strong>em</strong> direção a um objeto externo...” 162Questões de identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l reflet<strong>em</strong> o <strong>em</strong>bate político de superestruturasnacionais essencialmente radica<strong>da</strong>s <strong>em</strong> ideologias, impondo barreiras psíquicas <strong>da</strong>sidenti<strong>da</strong>des diferencia<strong>da</strong>s. O estranhamento associado à estrangeirização e acrescido ain<strong>da</strong> doprobl<strong>em</strong>a de ord<strong>em</strong> política evoca a análise de Homi Bhabha <strong>sob</strong>re identi<strong>da</strong>de quandovivencia<strong>da</strong> <strong>sob</strong> princípios de tradição, de auto-afirmação histórica e de culto à sua orig<strong>em</strong>159Raul Rivero: jornalista, escritor e um dos maiores poetas <strong>cuba</strong>nos nascido <strong>em</strong> Morón, <strong>em</strong> 1945. Praticou ojornalismo independente <strong>em</strong> Cuba. Mas <strong>em</strong> 2003, no episódio “Primavera Negra”, foi condenado com mais 27colegas a vinte anos de prisão por oposição ao Fidel Castro. Foi libertado <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro de 2004 <strong>em</strong> função <strong>da</strong>pressão internacional. Vive atualmente no exílio <strong>em</strong> Madrid.160 RIVERO, Raúl. Irse es un desastre. Revista Encuentro… Madrid. Invierno de 1998. Vol.11. pp. 146-7161 QUINTANA, Nicolás. El gran burgués. Revista Encuentro… Madrid. Otoño del 2000. Vol.18. p. 24162 BHABHA, Homi K. O Local <strong>da</strong> Cultura. Tradução de M. Ávila, E.L. de Lima Reis, G.R. Gonçalves. BeloHorizonte. Editora UFMG. 2001. p. 75


103onde se projeta uma imag<strong>em</strong> narcisista na relação cotidiana negadora de outras <strong>cultura</strong>s. Ca<strong>da</strong>qual totaliza<strong>da</strong> <strong>em</strong> seu interior <strong>sob</strong> a concepção de Hom<strong>em</strong> Universal.E, muitas vezes o probl<strong>em</strong>a de identi<strong>da</strong>de se encontra desde o local de orig<strong>em</strong>,pela renúncia anterior de uma identi<strong>da</strong>de pessoal <strong>em</strong> nome de uma identi<strong>da</strong>de coletiva. Oprocesso de similitude social se absolutiza de tal forma nos discursos de um poderconcentrador <strong>da</strong> representação social que resulta <strong>em</strong> se <strong>sob</strong>repor ao desejo psíquico de umamanifestação de individuali<strong>da</strong>de. Esses conflitos de identi<strong>da</strong>de são transpostos com a<strong>em</strong>igração e recriados no exterior com as novas circunstâncias de estranhamento e a<strong>da</strong>ptaçãosocial. O que nos r<strong>em</strong>ete novamente à pergunta de Jesúz Díaz, <strong>em</strong> sua obra A Pátria e oExílio: “¿Hubo un momento en que ustedes se perdieron como <strong>cuba</strong>nos?” citadoanteriormente.A identi<strong>da</strong>de se torna um objeto pelo qual a nação projeta a produção de seusiguais. A força do discurso <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de mol<strong>da</strong> o persistente ideal de poder social paralegitimar a real idéia de poder único. Uma concepção de identi<strong>da</strong>de nacional que “converteo Povo <strong>em</strong> Um”, numa tentativa de homogeneizar as diferenças <strong>cultura</strong>is, segundo Bhabha. 163Tal concepção mune o poder de um determinismo político, nivelando os indivíduos por meio<strong>da</strong> produção de seres impessoais <strong>em</strong> favor de uma idéia ilusória de coletivi<strong>da</strong>de nacional.Essas reflexões são importantes nas condições atuais de Cuba, pois r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> aoprobl<strong>em</strong>a do historicismo ou de um transcendentalismo histórico no qual a <strong>cultura</strong> se vêsubmeti<strong>da</strong> ao jogo <strong>da</strong>s disputas teleológicas e <strong>da</strong>s narrativas totalizadoras de nação. EmCaliban’s Reason, Paget Henry analisa o marxismo caribenho <strong>em</strong> suas estratégias discursivasde uni<strong>da</strong>de e coerência. Elas se fun<strong>da</strong>mentam nas idéias de igual<strong>da</strong>de e totali<strong>da</strong>de comometáfora “ilusória” e “opressiva” para manter uma aparente igual<strong>da</strong>de de identi<strong>da</strong>de entrecondições desiguais e diferentes. A supressão <strong>da</strong>s diferenças pela concepção universalista etotalizadora direciona o indivíduo a uma ação prática que culmine na transformação socialista.Para Henry, o discurso <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de camufla a “s<strong>em</strong>iótica <strong>da</strong>s diferenças” 164 e t<strong>em</strong> sido objetode crítica dos estudos pós-estruturalistas, conforme sua própria afirmação:Given poststructuralism’s subtextual view of the self, it should come as nosurprise that it takes a similar view of closely related discursive formations,such as universals, closed syst<strong>em</strong>s of thought, teleologies, andtransformative totalizations such as historicism, humanism, or socialism.163 Ibid<strong>em</strong>. p. 211164 HENRY, Paget. Caliban’s Reason: Introducing Afro-Caribbean Philosophy. New York. Routledge. 2000. pp.221-272


104These formations have all been objects of deconstructive critiques anddeclared primarily “<strong>em</strong>pty space” from this quantum perspective. 165Tal visão de mundo holística não foi rompi<strong>da</strong> pelas experiências socialistas e,particularmente, <strong>sob</strong>revive <strong>em</strong> Cuba sustenta<strong>da</strong> pela legitimi<strong>da</strong>de do poder construído na idéiaoriginária <strong>da</strong> Revolução, na qual to<strong>da</strong> história <strong>cuba</strong>na subseqüente a 1959 produziria uma<strong>cultura</strong> social nova. A política e a ideologia revolucionárias se apresentam como esferas<strong>sob</strong>repostas à heterogenei<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l forjando uma unici<strong>da</strong>de na qual deve culminar no idealde hom<strong>em</strong> identificado com a nova racionali<strong>da</strong>de social <strong>em</strong> construção. Um novo projeto denação <strong>sob</strong>re bases socialistas se põe <strong>em</strong> confronto ao nacionalismo burguês buscando ahomogenei<strong>da</strong>de <strong>em</strong> seu padrão econômico e <strong>cultura</strong>l. Cabe aqui recorrer aos estudos <strong>sob</strong>re“tradição inventa<strong>da</strong>” 166 apresentados por Eric Hobsbawn, quando os r<strong>em</strong>ete à história <strong>da</strong>stransformações ou revoluções sociais, nas quais os el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong>s velhas tradições se tornamincompatíveis com as novas visões. Portanto, há a necessi<strong>da</strong>de de inventar novas tradições ase tornar<strong>em</strong> símbolos de valores nacionais criados, que vão estruturar as instituições para queestas model<strong>em</strong> o comportamento social conforme as aspirações políticas e ideológicas quegovernam a socie<strong>da</strong>de, mesmo que métodos passados sejam reproduzidos para justificar<strong>em</strong>determinados interesses de poder. No sentido mais amplo, Eric Hobsbawn assim define otermo “tradição inventa<strong>da</strong>”:Por “tradição inventa<strong>da</strong>” entende-se um conjunto de práticas, normalmenteregula<strong>da</strong>s por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de naturezaritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas decomportamento através <strong>da</strong> repetição, o que implica, automaticamente, umacontinui<strong>da</strong>de <strong>em</strong> relação ao passado. Aliás, s<strong>em</strong>pre que possível, tenta-seestabelecer continui<strong>da</strong>de com um passado apropriado. 167As conquistas materiais no campo <strong>da</strong> educação, saúde, esporte e minimização <strong>da</strong>sdiferenças sociais têm simbolizado o envolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong> torno delas eimpulsionado a construção de um projeto único de nação, tendo a Revolução como suportepara uma luta que seria do conjunto <strong>da</strong> população e não apenas uma exclusivi<strong>da</strong>de do líderFidel Castro. A idéia de pertencimento a um novo projeto nacional e revolucionário contribuipara que a nação, uma nova “tradição inventa<strong>da</strong>” na perspectiva de Hobsbawn, se envolva165 Ibid<strong>em</strong>. p. 238166 HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A Invenção <strong>da</strong>s Tradições. Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra. 2002. p.9-23167 Ibid<strong>em</strong>. p. 9


105com sua cota de sacrifícios e de colaboração para se construir outra socie<strong>da</strong>de, alcançando oideal de “hom<strong>em</strong> novo” e encorajando a posição de uma nação combativa e resistente à lutainternacional antiimperialista.Para r<strong>em</strong>odelar esse novo projeto nacional e manter estável sua estruturaideológica, o governo <strong>cuba</strong>no t<strong>em</strong> persuadido o desejo social de pereni<strong>da</strong>de revolucionária,valorizando uma existência coletiva <strong>em</strong> sua unici<strong>da</strong>de e totali<strong>da</strong>de. Reforça-se, então, odiscurso oficial que busca administrá-la numa perspectiva de construção identitária de um ser“social”, “coletivo”, comprometido com a Revolução. Mas como a heterogenei<strong>da</strong>de é umacondição histórica real, então é inevitável sua eluci<strong>da</strong>ção <strong>em</strong> diversos contextos. Não há,portanto, como destruí-la por completo.A apropriação de uma história presente presa ao passado, justificadora dos atosoficiais pela perpetuação <strong>da</strong> idéia originária <strong>da</strong> Revolução, l<strong>em</strong>bra uma reflexão significativade Édouard Glissant <strong>sob</strong>re os movimentos <strong>da</strong> colonização do mundo que colocaram <strong>em</strong>contato “<strong>cultura</strong>s atávicas”, ca<strong>da</strong> uma estabeleci<strong>da</strong> por uma idéia de “Gênese”, de “Criação”ou um “Mito” fun<strong>da</strong>dor de sua <strong>cultura</strong>. Tais <strong>cultura</strong>s fun<strong>da</strong>mentam sua legitimi<strong>da</strong>de porpretender principiar um processo histórico que o tomam como exclusivi<strong>da</strong>de originária eabsoluta e procuram estender sua dominação, impondo às d<strong>em</strong>ais sua autori<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong> que,refira-se ao contexto <strong>da</strong> colonização, ao <strong>em</strong>bate que esta provocou entre as <strong>cultura</strong>s“superiores” e “inferiores”, aos olhos do colonialismo, sua repercussão na heterogenei<strong>da</strong>de<strong>cultura</strong>l atual é oportuna para o que nos interessa mencionar neste estudo, a visão de uma<strong>cultura</strong> regi<strong>da</strong> pelo princípio de totali<strong>da</strong>de com base numa conquista histórica passa<strong>da</strong>. Emseu capítulo “Répétitions”, Glissant diz:L’idée de l’appartenance atavique aide à supporter la misère et renforce lecourage qu’on met à combattre la servitude et l’oppression. Dans une sociétécomposite où les éléments de culture sont hierarchisés, où l’un d’entre euxest infériorisé par rapport aux autres, le réflexe naturel et le seul possible estvaloriser cet élément sur ce mode atavique, à la recherche d’un equilibre,d’une certitude, d’une pérenité. 168A “idéia de pertencimento atávico” descrito por Glissant se encontra <strong>em</strong> parte noimaginário <strong>cuba</strong>no, que t<strong>em</strong> a Revolução como esteio para aglutinar a socie<strong>da</strong>de, manter seuequilíbrio <strong>em</strong> torno de uma conquista que se transformou <strong>em</strong> mito que protege a nação de168 GLISSANT, Édouard. Traité du Tout-Monde.Poétique IV. Gallimard. France.1997, pp. 36-37


106qualquer ameaça de um possível retorno de invasão e opressão norte-americana. Mantém-seuma supr<strong>em</strong>acia política sustenta<strong>da</strong> por esse mito unificador <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional <strong>cuba</strong>na.E, paradoxalmente, a nação se fragiliza por ter que <strong>sob</strong>reviver <strong>sob</strong> o t<strong>em</strong>or de tal risco, sendopersegui<strong>da</strong>, persistent<strong>em</strong>ente, pelos mecanismos oficiais de propagan<strong>da</strong>, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong>que os Estados Unidos perpetuam, por outro lado, sua ação política exterior de terrorismo,reforçando o t<strong>em</strong>or não só dentro de Cuba, mas mundialmente. Uma outra versão de atavismoque reproduz a idéia de nação “superior”. Para sustentar o equilíbrio nacional há que seapoderar de uma certeza política e eternizá-la.Novamente, é importante citar Bhabha quando abor<strong>da</strong> o aprendizado pelaexperiência <strong>da</strong> dominação, <strong>da</strong> diáspora, do deslocamento, dos refugiados, <strong>da</strong> migração <strong>da</strong>sregiões periféricas no mundo para os grandes centros metropolitanos. No capítulo “O Pós-Colonial e o Pós-Moderno” ele afirma:... to<strong>da</strong> uma gama de teorias críticas cont<strong>em</strong>porâneas sugere que é comaqueles que sofreram o sentenciamento <strong>da</strong> história – subjugação, dominação,diáspora, deslocamento – que aprend<strong>em</strong>os nossas lições mais duradouras devi<strong>da</strong> e pensamento.... A dimensão transnacional <strong>da</strong> transformação <strong>cultura</strong>l – migração, diáspora,deslocamento, relocação – torna o processo de tradução <strong>cultura</strong>l uma formacomplexa de significação. 169A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> tradução <strong>cultura</strong>l defendi<strong>da</strong> por Bhabha nos sugere uma outraperspectiva de compreensão dos conflitos mundiais <strong>em</strong> que sejam supera<strong>da</strong>s as formaspolíticas oposicionais e tradicionalmente binárias. Traduz a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s<strong>cultura</strong>s transnacionais, a flexibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s fronteiras <strong>cultura</strong>is que t<strong>em</strong> encenado as mu<strong>da</strong>nçasnas experiências históricas do mundo moderno, tanto o capitalismo quanto o socialismo –história dos hibridismos <strong>cultura</strong>is, <strong>da</strong>s migrações, dos exílios e <strong>da</strong>s minorias. É conceber a<strong>cultura</strong> não como um processo completo, fechado e pré-definido por conceitos nacionalistas,mas aberto às circunstâncias históricas não convencionais e à possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tolerância esoli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de transnacional.Como ex<strong>em</strong>plificação <strong>da</strong> história aprendi<strong>da</strong> pelos exilados e d<strong>em</strong>ais minorias aque Bhabha menciona, e de como a <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana representa umespaço para que os intelectuais exilados narr<strong>em</strong> suas experiências, dois artigos serãoabor<strong>da</strong>dos <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>. Primeiro, a descrição por Manuel Díaz Martínez de seu exílio, e169 BHABHA, Homi K. O Local <strong>da</strong> Cultura. Tradução de M. Ávila, E.L. de Lima Reis, G.R. Gonçalves. BeloHorizonte. Editora UFMG. 2001. p. 240-241


107segundo como representação <strong>da</strong>s mulheres no exílio, a análise de Madeline Cámara <strong>sob</strong>re aresistência f<strong>em</strong>inina na poesia de Maria Elena Cruz Varela <strong>em</strong> seu livro El Angel Agotado.Manuel Díaz Martínez 170 de Las Palmas de Gran Canária, narra para a Encuentrode la Cultura Cubana <strong>em</strong> 1996 o episódio de seu exílio e o inicia por situar a tentativa dosintelectuais <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> estabelecer uma negociação com o governo acerca <strong>da</strong> crise política.A referi<strong>da</strong> tentativa foi encaminha<strong>da</strong> na entrega <strong>da</strong> Declaración de Inteletuales Cubanos <strong>em</strong>maio de 1991 ao Conselho de Estado e ao Comitê Central do Partido Comunista Cubano. 171Reivindicava-se na Declaración um diálogo entre as diferentes tendênciaspolíticas, eleições diretas e com voto secreto para deputados <strong>da</strong> Ass<strong>em</strong>bléia Nacional,liber<strong>da</strong>de para os presos políticos, para os camponeses produzir<strong>em</strong> por iniciativa própria,entra<strong>da</strong> e saí<strong>da</strong> livre dos ci<strong>da</strong>dãos de Cuba. A Declaração foi batiza<strong>da</strong> por jornalistas deCarta de los Diez. 172 Segundo Manuel Díaz, a repercussão na imprensa <strong>cuba</strong>na foi imediata.Em 15 de junho, o editorial do jornal oficial Granma responde à Carta com o título “Unanueva maniobra de la CIA” e o autor cita trechos ilustrativos <strong>da</strong> reação oficial, como “losherederos ideológicos del anexionismo”, “traición” e “abyecta colaboración con los en<strong>em</strong>igoshistóricos de la nación <strong>cuba</strong>na”. Em segui<strong>da</strong>, o Conselho Nacional <strong>da</strong> UNEAC confirma aposição do Granma dirigindo-se aos assinantes <strong>da</strong> Carta um pronunciamento <strong>em</strong> que trazexpressões s<strong>em</strong>elhantes: “ejecutores de una operación en<strong>em</strong>iga”, “el ejercicio de la traición” e“un expediente fuera de Cuba”. Esse pronunciamento resultou na expulsão de Manuel DíazMartínez <strong>da</strong> UNEAC, gerando uma polêmica entre seus m<strong>em</strong>bros, <strong>em</strong> função de muitosdeclarar<strong>em</strong> não assinantes do documento. Portanto, para o escritor, uma manobra oficial foiarquiteta<strong>da</strong> contra os autores <strong>da</strong> Carta de los Diez. Além de expulso <strong>da</strong> UNEAC, Manuel Díazfoi d<strong>em</strong>itido <strong>da</strong> Radio Enciclopédia, <strong>em</strong>issora na qual trabalhava como jornalista e diretor deprogramas musicais. Os d<strong>em</strong>ais assinantes foram também destituídos de suas funções, alémde prisões, policiamento, invasões a domicílio, vigilância política denomina<strong>da</strong> de “hermanode la costa” explica<strong>da</strong> por Martínez:170Manuel Díaz Martinez é poeta e jornalista nascido <strong>em</strong> Santa Clara (Cuba, 1936), é colaborador <strong>da</strong> <strong>revista</strong>desde o primeiro número e, após a morte de Jesús Díaz <strong>em</strong> 2002, assumiu junto com Rafael Rojas a direção <strong>da</strong>Encuentro de la Cultura Cubana.171 MARTINEZ, Manuel Díaz. La carta de los diez. Revista Encuentro… Madrid. Otoño de 1996. Vol.2. pp.22-30.172 Entre os assinantes <strong>da</strong> Carta, Martinez menciona a poeta Maria Elena Cruz Varela (exila<strong>da</strong> na Espanha); opoeta e jornalista Raúl Rivero (permaneceu <strong>em</strong> Cuba até o ano de 2004., colaborador <strong>da</strong> Encuentro); o jornalistaFernando Velásquez Medina; o jornalista Victor Manuel Serpa (exilado nos EUA); o escritor Roberto LuqueEscalona (não encontrado o local de exílio); a re<strong>da</strong>tora <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Mujeres Nancy Estra<strong>da</strong> Galbán (exila<strong>da</strong> nosEUA); o novelista Manuel Granados (exilado na França); o novelista José Lorenzo Fuentes (exilado nos EUA);poeta e narrador Bernardo Marqués Ravelo, esposo de Nancy Estra<strong>da</strong> (exilado nos EUA); o subdiretor do TeatroMusical de la Habana Angel Mas Betancourt (não encontrado o local de exílio); o tradutor e germanista JorgePomar Montavo (não encontrado o local de exílio).


108En Cuba, ca<strong>da</strong> escritor o artista de alguna significación tiene asignado unpolicía, un “psiquiatra”, espécie de confesor a domicilio, por lo general congrado de teniente, que vigila, analiza y orienta a su oveja para salvaguar<strong>da</strong>lade las seducciones del lobo contrarrevolucionario. De vez en quando, este“hermano de la costa” – que así también los llamamos – confía algunamisión sencilla a su pupilo o pupila para comprobar su fideli<strong>da</strong>d a la patria,es decir, a Fidel, ya se sabe. 173O exílio foi uma condição para Martínez, como para a maioria dos assinantes <strong>da</strong>Carta, de <strong>sob</strong>reviver com sua família, manter <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>de sua escrita e ain<strong>da</strong> apresentar <strong>em</strong>outras terras uma outra face <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na. Com a oportuni<strong>da</strong>de do convite pelaUniversi<strong>da</strong>de de Cádiz para coordenar um s<strong>em</strong>inário <strong>sob</strong>re poesia <strong>cuba</strong>na, Martínez percorreos labirintos oficiais <strong>da</strong> saí<strong>da</strong> de Cuba, na condição de dissidente político. Em fevereiro de1992 <strong>em</strong>igra para Las Palmas de Gran Canária. Martínez relata que sua saí<strong>da</strong> s<strong>em</strong> o “ato derepúdio” 174 , comumente organizado pela Segurança do Estado e Comitês de Defesa <strong>da</strong>Revolução (CDR), foi devido à presença de jornalistas italianos <strong>em</strong> sua casa para umaent<strong>revista</strong>, porque a Carta já havia adquirido repercussão na imprensa internacional, e por serm<strong>em</strong>bro <strong>da</strong> Real Acad<strong>em</strong>ia Española, o “ato” foi cancelado pelo próprio CDR.O segundo artigo a ser tratado aqui se refere à escrita <strong>da</strong>s mulheres na luta peloreconhecimento de sua identi<strong>da</strong>de neste contexto de fragmentação, apresenta<strong>da</strong> por MadelineCámara, professora <strong>cuba</strong>na residente <strong>em</strong> Miami. Em sua tese de doutorado Vocación deCasandra: poesia f<strong>em</strong>enina <strong>cuba</strong>na cont<strong>em</strong>poránea como discurso subversivo. Estudio de lapoética de Maria Elena Cruz Varela, analisa a obra poética de Cruz Varela 175 <strong>sob</strong>re oprocesso de <strong>em</strong>ancipação ético-estética e ideológica <strong>da</strong>s mulheres, na ênfase ao resgate <strong>da</strong>digni<strong>da</strong>de nacional a partir <strong>da</strong> luta pela digni<strong>da</strong>de pessoal. Cámara ressalta que <strong>em</strong> sua poesia“El desarrollo de la digni<strong>da</strong>d individual como proyecto de <strong>em</strong>ancipación colectiva,..., estambién una estrategia que el f<strong>em</strong>inismo vali<strong>da</strong>ría.” 176 E que, para Cruz Varela, o machismo eo totalitarismo se sustentam na utilização <strong>da</strong> razão que instrumentaliza o controle <strong>sob</strong>re o173 MARTINEZ, Manuel Díaz. La carta de los diez. Revista Encuentro… Madrid. Otoño de 1996. Vol.2. p. 26174 Cfr:Diccinario de términos “revolucionarios”. Por Mario J. Torres. “acto de repudio” = Agresiva protesta enforma de pequeña manifestación organiza<strong>da</strong> por el régimen dirigi<strong>da</strong> a aquellos que hayan decidido abandonar elpaís en la cual huevos y piedras son tirados a las casas de los futuros <strong>em</strong>igrantes y donde muchos de losmanifestantes también se irían del país más tarde. Disponível <strong>em</strong>:www.cartade<strong>cuba</strong>.org/diccionario_de_la_revolución.htm175Maria Elena Cruz Varela é poeta <strong>cuba</strong>na, autora de El Angel Agotado entre outras obras. É m<strong>em</strong>bro <strong>da</strong>organização política Critério Alternativo, foi uma <strong>da</strong>s autoras e assinantes <strong>da</strong> Carta de los Diez <strong>em</strong> 1991, o que alevou ao exílio no mesmo ano na Espanha e trabalha no diário ABC de Madrid. O volume 21/22 publicou umaresenha de sua autoria <strong>sob</strong>re os Po<strong>em</strong>as de la Rue de Zurich de Rodolfo Hãsler, poeta <strong>cuba</strong>no que saiu de Cubacom 11 anos de i<strong>da</strong>de.176 CÁMARA, Madeline. Hacia una utopía de resistencia. Revista Encuentro… Madrid. Priamvera / Verano de1997. Vol.4/5. p.148


109Outro. A “utopia <strong>da</strong> resistência” na poesia de Cruz Varela, sintetiza<strong>da</strong> por Cámara, é aconquista de um espaço de comunicação com o outro, nas relações intersubjetivas. É pela“ética individual”, ou no aperfeiçoamento do indivíduo que uma atitude coletiva pode sermodifica<strong>da</strong>. “To<strong>da</strong> acción política colectiva deberá ser también una respuesta individualment<strong>em</strong>otiva<strong>da</strong>.” 177Madeline Cámara observa os limites desta perspectiva ética centra<strong>da</strong> no indivíduo<strong>em</strong> função <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de deste Outro ser reconhecido como tal numa socie<strong>da</strong>de onde opoder se estrutura exatamente para que o Outro não seja incorporado. Sua proposição é de quecaberiam às instituições e organizações de massa viabilizar a forma pela qual o Outro possa serelacionar livr<strong>em</strong>ente na socie<strong>da</strong>de. Um outro limite ponderado por Madeline é <strong>sob</strong>re acondição <strong>da</strong> escrita de Cruz Varela se encontrar fora de Cuba <strong>em</strong> sua participação s<strong>em</strong>analcom comentários políticos no diário ABC de Madri, conhecido por representar umpensamento conservador na Espanha. Isto “... puede afectar la autonomía de su voz” 178 tanto<strong>em</strong> Cuba, quanto no exílio. Trata-se de um questionamento que se diferencia dos objetivospropostos pela <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que se t<strong>em</strong> comorelevância <strong>da</strong>r voz às diferenças, inclusive às do exílio.S<strong>em</strong> aprofun<strong>da</strong>r no mérito do debate entre a escrita política e a poética, uma <strong>da</strong>squestões a ser extraí<strong>da</strong> <strong>da</strong> leitura deste ensaio é a percepção de diferentes discursos no exílio.Este ensaio desperta o leitor para uma compreensão <strong>sob</strong>re suas variações, s<strong>em</strong> incorrer naatitude de formação de privilégio ou heg<strong>em</strong>onia de uma tendência <strong>sob</strong>re outra no exílio, oque resultaria na formação de grupos ou pequenos nacionalismos <strong>em</strong> disputa fora doterritório nacional. N<strong>em</strong> tampouco o contrário, de que ca<strong>da</strong> outra representação ocupe seupróprio lugar, s<strong>em</strong> contatos ou possibili<strong>da</strong>des de relação, numa atmosfera de situações postas<strong>em</strong> espaços distintos e não entrepostas.Edward Said afirma que “o exílio é uma condição ciumenta”. Dois sentimentos sedispõ<strong>em</strong> nesse terreno: o <strong>da</strong> “soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de de grupo” e o “<strong>da</strong> hostili<strong>da</strong>de aos de fora dogrupo”. Cria-se uma espécie de exílio dentro do exílio: “... ser exilados por exilados...”. 179Nacionalismo e exílio são dois fenômenos indissociáveis alicerçados na fronteira entre “nós”e os “outros”. Afirma “que os dois termos inclu<strong>em</strong> tudo, do mais coletivo dos sentimentos à177 Ibid<strong>em</strong>178 Ibid<strong>em</strong>. p.151179 SAID, Edward. Reflexões <strong>sob</strong>re o Exílio e outros Ensaios. Tradução: Pedro Maia Soares. Companhia <strong>da</strong>sLetras. São Paulo. 2003. p.51


110mais priva<strong>da</strong> <strong>da</strong>s <strong>em</strong>oções priva<strong>da</strong>s...”. 180 São eluci<strong>da</strong>tivas as in<strong>da</strong>gações feitas por Said <strong>sob</strong>reesta relação entre nacionalismo e exílio na questão <strong>sob</strong>re a formação de grupos:...Como, então, alguém supera a solidão do exílio s<strong>em</strong> cair na linguag<strong>em</strong>abrangente e latejante do orgulho nacional, dos sentimentos coletivos, <strong>da</strong>spaixões grupais? O que vale a pena salvar e defender entre os extr<strong>em</strong>os doexílio, de um lado, e as afirmações amiúde teimosas e obstina<strong>da</strong>s donacionalismo, de outro? O nacionalismo e o exílio possu<strong>em</strong> atributosintrínsecos? São eles apenas duas varie<strong>da</strong>des conflitantes de paranóia? 181Duas questões se apresentam não para ser<strong>em</strong> concluí<strong>da</strong>s, mas para ser<strong>em</strong> pensa<strong>da</strong>sna análise do ensaio de Madeline Cámara. Primeiro, a possibili<strong>da</strong>de de um enfrentamentopolítico pelo caminho <strong>da</strong>s transformações do indivíduo. Em segundo, que neste caso, oindivíduo considerado é a mulher. A mulher situa<strong>da</strong> na hierarquia que segue regime políticoautoritário, relações sócio-<strong>cultura</strong>is machistas, transferi<strong>da</strong>s para sua <strong>sob</strong>revivência e escrita noexílio, isto é, três situações postas como desafio à resistência <strong>da</strong>s mulheres. Por isso o esforçode resistência tenha que atuar nas duas dimensões, tanto nas relações individuais quanto <strong>em</strong>movimentos sociais organizados.Conclui-se que, as resistências individuais e coletivas, ambas contribu<strong>em</strong> para queo reconhecimento e a auto-afirmação do Outro sejam recolocados no convívio familiar, social,institucional e internacional. Se as mu<strong>da</strong>nças partir<strong>em</strong> do indivíduo unicamente, as estruturasinstitucionais se encarregam facilmente de colocá-lo à marg<strong>em</strong> do processo social. Separtir<strong>em</strong> de uma ação coletiva unicamente, corre-se o risco de não cont<strong>em</strong>plar as contradiçõesintersubjetivas no processo e levá-las ao esquecimento, à sua perpetuação, impondo umasituação de irrelevância num contexto mais amplo de luta. Portanto, n<strong>em</strong> subjetivismoindividual e n<strong>em</strong> objetivi<strong>da</strong>de social pod<strong>em</strong> se apresentar como condições alternativas, massim as relações <strong>em</strong> que esses discursos dev<strong>em</strong> ser enunciados e as práticas sociais efetiva<strong>da</strong>spara superar a marca <strong>da</strong> marginalização <strong>da</strong> mulher não somente nesta experiência histórica,mas <strong>em</strong> qualquer reali<strong>da</strong>de <strong>em</strong> que a questão de gênero ain<strong>da</strong> é pol<strong>em</strong>iza<strong>da</strong>.Estas reflexões val<strong>em</strong> também para o reconhecimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de do exilado,que busca tanto a superação individual e psíquica dos transtornos provocados pela separaçãode seu país, b<strong>em</strong> como quando busca um espaço social de articulação para o que é capaz depensar, escrever, viver e compartilhar outras experiências fora do seu território de orig<strong>em</strong>.180 Ibid<strong>em</strong>. p. 50181 Ibid<strong>em</strong>. p. 50


1113.3. A TEMÁTICA DA TRANSIÇÃO CUBANA NA REVISTA ENCUENTRO DELA CULTURA CUBANAA transição <strong>em</strong> Cuba é debati<strong>da</strong> por vários dos colaboradores <strong>da</strong> Encuentro de laCultura Cubana e t<strong>em</strong> como eixo principal tratá-la na perspectiva de uma saí<strong>da</strong> pacífica paraos probl<strong>em</strong>as relativos à centralização do poder político. Serão registrados aqui alguns dosartigos que se refer<strong>em</strong> à maneira como é concebi<strong>da</strong> a transição na perspectiva do enfoqueessencial apontado pela relação entre Cuba e exílio. E mesmo que essa seja a linha que orientainúmeros artigos, exist<strong>em</strong> diferenças quanto à ênfase <strong>em</strong> determinados discursos críticos.Portanto, serão citados aqueles que esclarec<strong>em</strong> tanto o eixo discursivo principal quantoaqueles que traz<strong>em</strong> varie<strong>da</strong>de de pontos de vistas.O termo transição é utilizado como passag<strong>em</strong> de um regime concebido comototalitário para um d<strong>em</strong>ocrático. Nesse sentido, sua proposição, do ponto de vista <strong>da</strong> <strong>revista</strong>,põe <strong>em</strong> questionamento a totali<strong>da</strong>de orgânica de uma representação social e política; osdeterminismos que reg<strong>em</strong> o poder de Estado, as leis, a educação, a <strong>cultura</strong>, a nação; aidentificação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong> torno de uma uni<strong>da</strong>de acima <strong>da</strong>s diferenças.Como totalitarismo moderno edificado pelas experiências socialistas, ClaudeLefort concebe-o como um poder instituído por um partido único que se diz representante <strong>da</strong>snecessi<strong>da</strong>des do povo, coloca-se acima <strong>da</strong>s leis e tenta eliminar to<strong>da</strong> forma de oposição. Opartido <strong>em</strong>preende a fusão entre Estado e socie<strong>da</strong>de civil num projeto de “socializaçãoartificial” <strong>em</strong> que ele descreve:Uma lógica de identificação se põe à obra, coman<strong>da</strong><strong>da</strong> pela representação deum poder encarnador. O proletariado confunde-se com o povo, o Partidocom o proletariado e, finalmente, o bureau político e o egocrata com oPartido. Enquanto floresce a representação de uma socie<strong>da</strong>de homogênea etransparente a si mesma, representação do povo-Um, a divisão social, <strong>em</strong>todos os seus modos, é nega<strong>da</strong>, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que são recusados todosos sinais que diferenciam as crenças, opiniões, costumes. 182No contraponto aos determinismos de um regime totalitarista, a transiçãod<strong>em</strong>ocrática, para Claude Lefort, pressupõe a indeterminação e a ambigüi<strong>da</strong>de como condiçãopara uma política <strong>da</strong>s diferenças. 183 Pode-se deduzir que os colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>182LEFORT, Claude. Pensando o Político. Ensaios <strong>sob</strong>re d<strong>em</strong>ocracia, revolução e liber<strong>da</strong>de. Ed. Paz e Terra.1991. p. 28.183 Ibid<strong>em</strong>. pp. 23-36


112Encuentro de la Cultura Cubana compartilham com a concepção de Claude Lefort aopensar<strong>em</strong> uma transição política não nos moldes institucionais tradicionais, mas pelo veículoaberto para as diferenças <strong>cultura</strong>is, ao cotidiano <strong>da</strong>s opiniões, <strong>da</strong>s crenças, dos indivíduos, <strong>da</strong>literatura, <strong>da</strong> música e <strong>da</strong> ciência. A transição nos discursos <strong>da</strong> Encuentro de la CulturaCubana , <strong>em</strong> geral, não se encontram delimitados na visão de como será uma nova instituiçãodo poder, mas parte de uma concepção de <strong>cultura</strong> política híbri<strong>da</strong>, que não se situa n<strong>em</strong> nolugar dos discursos oficialistas n<strong>em</strong> anti-oficialistas, mas no “meio”, ou no “entre-lugar”,como espaço de negociação delineado por Bhabha.Para ilustrar a forma com que o discurso de transição na <strong>revista</strong> é enunciado,Orlando Márquez Hi<strong>da</strong>lgo, diretor <strong>da</strong>s publicações “Palavra Nueva” y “Vivarium” <strong>da</strong>Arquidiocese de Havana, onde reside, reivindica <strong>em</strong> seu artigo “Del <strong>cuba</strong>no y la socie<strong>da</strong>d” anecessi<strong>da</strong>de de uma vivência d<strong>em</strong>ocrática <strong>em</strong> Cuba, partindo <strong>da</strong> análise de que desde acolonização, a história de Cuba foi marca<strong>da</strong> por uma condução política ditatorial, e ca<strong>da</strong>contexto de autoritarismo <strong>em</strong>ergia uma alternativa messiânica de libertação, que na ver<strong>da</strong>dese transformava na substituição ulterior de uma situação autoritária por outra.... Abun<strong>da</strong>n así, a lo largo de nuestra historia en el presente siglo, losej<strong>em</strong>plos de hombres y mujeres mesiánicos, “elegidos”, caudillos ypredestinados, “enviados” del bien, tropicales ángeles de guar<strong>da</strong>,“encargados” de salvar al país de los males que otros “ángeles”,considerados entonces “caídos”, habían traído.... el autoritarismo y la suficiencia en Cuba pocas veces han dejado espaciopara el consenso, la diferencia , el voto dividido, la tolerancia interpartidistae intrapartidista, la crítica y el consejo, en fin, para la d<strong>em</strong>ocracia. 184Orlando Márquez Hi<strong>da</strong>lgo não acredita <strong>em</strong> alternativas sustenta<strong>da</strong>s porconfrontos, pois seu êxito pode ser apenas imediato na derruba<strong>da</strong> de um regime e logo seesgota no exercício exclusivo do poder por uma única facção política, seja por não cont<strong>em</strong>plara participação efetiva <strong>da</strong>s organizações de massas, ou por fechar o espaço às diferençaspolíticas. Ressalta o papel relevante de uma nova concepção e prática <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civilorganiza<strong>da</strong> “...más allá de los esqu<strong>em</strong>áticos moldes de capitalismo y socialismo, ... superior alas ideologias, los partidos, los grupos financeiros o los modernos intereses globalizantes.” 185Como m<strong>em</strong>bro de uma instituição religiosa católica, <strong>em</strong> sua visão cristã imagina umacomuni<strong>da</strong>de humana <strong>em</strong> que as instituições sociais tenham como “principio, sujeto y fin” o184 HIDALGO, Orlando Márquez. Del <strong>cuba</strong>no y la socie<strong>da</strong>d. Revista Encuentro… Madrid. Otoño de 1996.Vol.2. p. 69185 Ibid<strong>em</strong>. p. 75


113hom<strong>em</strong>. 186 Uma referência importante de Benedict Anderson acerca de como as “liderançasrevolucionárias” acabam her<strong>da</strong>ndo velhos mecanismos de controle estatal ao assumir<strong>em</strong> opoder se encontra nesse trecho: “...não nos deveria surpreender muito que as liderançasrevolucionárias, consciente ou inconscient<strong>em</strong>ente, venham a des<strong>em</strong>penhar o papel de senhorfeu<strong>da</strong>l.” 187 (Grifo do autor que o justifica considerando que são as lideranças e não o povo queher<strong>da</strong>m tais mecanismos)Outra argumentação crítica à conduta política messiânica é sustenta<strong>da</strong> por EmilioIchikawa 188 <strong>em</strong> seu ensaio Três notas <strong>sob</strong>re la transición <strong>em</strong> que faz uma observação <strong>sob</strong>re ossinais implícitos <strong>da</strong> evolução política <strong>cuba</strong>na:Si hay entre todo una señal inequívoca en el horizonte: las faenas políticas sevuelven ca<strong>da</strong> día más administrativas y menos mesiánicas. Rectificando unaanalogía de Habermas, pod<strong>em</strong>os decir que aunque lo fuimos un día, hoysomos progresivamente menos cont<strong>em</strong>poráneos de los jóvenes hegelianos.La política se trivializa y a la larga será ella quien tenga que amol<strong>da</strong>rse a lalógica de lo cotidiano. 189Emilio Ichikawa avalia que não há possibili<strong>da</strong>de de sucessão carismática <strong>em</strong>Cuba, tendo <strong>em</strong> vista o contexto histórico <strong>cuba</strong>no e mundial de esgotamento de grandescarismas políticos, ou de algum líder “reencarnar el messianismo político”. 190 Desse modo ocontexto é marcado pelo “fin de las ‘ingenui<strong>da</strong>des’ totalizantes” 191 que se transformaram <strong>em</strong>trágicas experiências de poder, desacreditando desta forma as grandes metas na história <strong>em</strong>governar uma socie<strong>da</strong>de. Ichikawa ain<strong>da</strong> afirma: “El futuro político <strong>cuba</strong>no no podrá ser un‘anti’ sino sencillamente un ‘post’;…” e aponta a possibili<strong>da</strong>de de uma transição por meio de“direção colegia<strong>da</strong>” 192 <strong>em</strong> que o cotidiano revele as formas de superação política <strong>da</strong> negação,do deixar de ser “anti” diante dos conflitos políticos para traduzir as diferenças gera<strong>da</strong>s pósrevolução.S<strong>em</strong> lançar claramente uma visão de d<strong>em</strong>ocracia <strong>em</strong> seu artigo, Emilio Ichikawadeixa implícita esta idéia quando vislumbra uma “direção colegia<strong>da</strong>” a assumir uma transição,pressupondo a coordenação <strong>da</strong>s forças políticas pós-revolucionárias.186 Ibid<strong>em</strong>.187 Ibid<strong>em</strong>. p.175188 Emilio Ichikawa nasceu <strong>em</strong> 1962 na ci<strong>da</strong>de de Bauta (Cuba) onde reside, pertence a uma geração pósrevolucionária.É professor de Filosofia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Havana e autor do livro El pensamiento agônico.189 ICHIKAWA, Emilio. Tres notas <strong>sob</strong>re la transición. Revista Encuentro… Madrid. Primavera/Verano de1998. Vol. 8/9. p. 11190 Ibid<strong>em</strong>. p. 13191 Ibid<strong>em</strong>. p. 14192 Ibid<strong>em</strong>. p. 15


114Em uma resenha produzi<strong>da</strong> por Manuel Iglesia-Caruncho – economista espanhole Coordenador Geral <strong>da</strong> Cooperação Espanhola <strong>em</strong> Cuba, na crítica à publicação de doislivros, Socie<strong>da</strong>d Civil en Cuba, de Ricardo Puerta, e Socie<strong>da</strong>d Civil, control social yestructura de poder en Cuba, de Mai<strong>da</strong> Donate (1996) – os termos “intramuros” e“extramuros” são apontados como equivalentes aos de “dentro” e aos de “fora”, cujosel<strong>em</strong>entos dev<strong>em</strong> ser conduzidos a um processo de transição por meio <strong>da</strong> síntese entre o quede melhor foi produzido pela Revolução e a melhor contribuição trazi<strong>da</strong> do exílio e superarsua divisão:...Esta síntesis se encuentra en algún lugar intermedio entre lo que anhelanlos sectores moderados y dialogantes de dentro y de fuera – los que sonsist<strong>em</strong>áticamente descalificados como “blandengues”, dentro, y como“dialogueros”, fuera. Estos sectores, aunque, en general, no pueden expresarto<strong>da</strong>vía con to<strong>da</strong> clari<strong>da</strong>d su pensamiento y sus anhelos – ni intramuros niextramuros – son los llamados probabl<strong>em</strong>ente a protagonizar una transiciónpacífica y sin revanchismos.… Esta síntesis está en algún lugarindeterminado entre el mercado y el Estado, entre los derechos individualesy los colectivos, entre la eficacia y la equi<strong>da</strong>d. … 193No trecho acima pode se observar que o economista destaca a importância dossetores sociais existentes tanto dentro quanto fora de Cuba, que têm buscado uma posição dediálogo e, provavelmente, poderão estar à frente de uma “transição pacífica e s<strong>em</strong>revanchismo” para os probl<strong>em</strong>as enfrentados pelos <strong>cuba</strong>nos. Esse é um discurso que reflete aposição intermediária entre as forças que gravitam <strong>em</strong> torno dos extr<strong>em</strong>os já mencionados ereflete o paradigma predominante nos artigos <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana. A posiçãointermediária é aponta<strong>da</strong> para diversos aspectos, como <strong>da</strong> estrutura social, política eeconômica. N<strong>em</strong> só Estado, n<strong>em</strong> só mercado, n<strong>em</strong> só direitos coletivos, n<strong>em</strong> só direitosindividuais, talvez n<strong>em</strong> socialismo e n<strong>em</strong> capitalismo, mas uma reflexão <strong>sob</strong>re um futuro quetransite entre estas condições. O desgaste de um desenfreado mercado competitivoconcentrador de ren<strong>da</strong>s imposto pelo mundo capitalista, b<strong>em</strong> como a estatização absoluta <strong>da</strong>economia socialista associa<strong>da</strong> ao centralismo político provocam a reflexão do esgotamentodessas alternativas. É inevitável direcionar o pensamento <strong>em</strong> que tais condições históricas nãosejam reproduzi<strong>da</strong>s, mas outra relação entre Estado e socie<strong>da</strong>de possa ser estabeleci<strong>da</strong>.193 IGLESIA-CARUNCHO, Manuel. Ensayos <strong>sob</strong>re la Socie<strong>da</strong>d Civil Cubana. Revista Encuentro… Madrid.Ed. Invierno, 1996-97. Vol.3. pp.160-161.


115Sobre uma transição negocia<strong>da</strong> entre setores médios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na e dopróprio governo é exposta por Marifeli Pérez-Stable 194 no artigo La Cuba posible. Elaconsidera que isto pode ser alcançado se a postura de reconciliação também predominasse noexílio, o que facilitaria uma mu<strong>da</strong>nça nas relações com os Estados Unidos, pois somaria aosesforços <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de interna na luta pelo fim do <strong>em</strong>bargo. As forças representativas de umpacto social são aponta<strong>da</strong>s pela autora: de um lado, os setores médios que compreend<strong>em</strong> osprofissionais graduados, professores, intelectuais, artistas, jornalistas, dirigentes sindicais,religiosos, <strong>em</strong>presários que estão <strong>em</strong> formação; de outro lado, os setores do governo que jáadmit<strong>em</strong> Cuba s<strong>em</strong> Fidel Castro. Nesse aspecto trata-se de um discurso diferenciador, poisaqui está sendo pensa<strong>da</strong> para qu<strong>em</strong> se direciona a responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tarefa de um possívelpacto, o que chama de setores médios e do governo. Ela reafirma a visão de reconciliação,mas de um modo geral, os artigos <strong>da</strong> <strong>revista</strong> não apontam claramente quais os grupos sociaisdeterminados a encaminhar<strong>em</strong> uma transição. Essa questão é discuti<strong>da</strong> <strong>em</strong> âmbito de idéias dediálogo, negociação e reconciliação entre Cuba e exílio s<strong>em</strong> determinar ou nomear o setorsocial apto ou qualificado, como foi designado por Marifeli Pérez-Stable de “intelligentsia”,para assumir a frente de um novo poder:Los sectores medios bien podrían ser los portadores de la delica<strong>da</strong>transformación que el país necesita urgent<strong>em</strong>ente. Esta amplia intelligentsia– profesionales, administradores, maestros, intelectuales, artistas,periodistas, dirigentes sindicales, religiosos, <strong>em</strong>presarios en cierne, políticos– está integra<strong>da</strong> por todos los que, en su quehacer cotidiano, podrían pensary articular una Cuba capaz de afrontar los man<strong>da</strong>tos del nuevo siglo. 195O volume 6/7 <strong>da</strong> <strong>revista</strong> apresenta <strong>em</strong> seu editorial a entrega especial <strong>da</strong>spublicações dos conferencistas que participaram do S<strong>em</strong>inário Internacional Cuba a la luz deotras transiciones organizado pela Encuentro de la Cultura Cubana e Instituto de EstudiosCubanos realizado junto aos Cursos de Verão <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Complutense de Madri, de 28de julho a 1 de agosto de 1997. As referi<strong>da</strong>s publicações traz<strong>em</strong> essencialmente a discussão<strong>sob</strong>re a transição <strong>em</strong> Cuba a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 por intelectuais <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros.Importante destacar, <strong>em</strong> síntese, tais artigos publicados, pois situam as perspectivas com asquais estes intelectuais <strong>cuba</strong>nos atuam no exílio. Foram seleciona<strong>da</strong>s as publicações que se194 Marifeli Pérez-Stable é m<strong>em</strong>bro do Conselho de Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana. Esteartigo foi publicado no jornal El País, Madri, <strong>em</strong> 23 de janeiro de 1997.195 PÉREZ-STABLE, Marifeli. La Cuba posible. Revista Encuentro… Primavera /Verano de 1997. Vol.4/5.p.189.


116refer<strong>em</strong> diretamente à experiência <strong>cuba</strong>na. Muitas contribuições foram feitas acerca de umaanálise compara<strong>da</strong> entre o caso <strong>cuba</strong>no e o processo de d<strong>em</strong>ocratização <strong>da</strong> América Latina,Espanha, Portugal e o Leste Europeu. Entretanto, para evitar prolonga<strong>da</strong>s análises e citações aseleção se baseou nos artigos que traduziam especificamente a transição negocia<strong>da</strong>, <strong>em</strong> que sebusca a reconciliação entre Cuba e o exílio como t<strong>em</strong>a fun<strong>da</strong>mental.Jorge I. Domínguez 196 participou do S<strong>em</strong>inário com o artigo Comienza unatransición hacia el autoritarismo en Cuba? Sua reflexão se inicia por d<strong>em</strong>onstrar que oautoritarismo <strong>em</strong> Cuba persiste, mas a partir dos anos de 1990 a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na apresentasinais de mu<strong>da</strong>nça. O processo de “desideologização” t<strong>em</strong> sido marcado pela falta deentusiasmo de boa parte <strong>da</strong> população <strong>em</strong> prosseguir legitimando o regime. As ForçasArma<strong>da</strong>s Revolucionárias (FAR) têm reduzido sua função política internacional e nacional,além do deslocamento de militares para trabalhos <strong>em</strong>presariais (por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong>presasturísticas), revelando o desgaste deste setor <strong>em</strong> permanecer ao lado do governorevolucionário. A dolarização <strong>da</strong> economia, a presença de uma “segun<strong>da</strong> economia” por meiodo trabalho por conta própria, autorização de aluguéis de apartamento e de uma economiainformal têm d<strong>em</strong>onstrado quanto o Estado se fragilizou para impedir o avanço de tais frentesde trabalho. A população já não t<strong>em</strong>e tanto o Estado como <strong>em</strong> déca<strong>da</strong>s anteriores, a ex<strong>em</strong>plodo Concílio Cubano reunido <strong>em</strong> outubro de 1995, formado por uma coalizão entre 140 grupospolíticos dissidentes que reivindicavam mu<strong>da</strong>nças políticas, mesmo com a repressão dogoverno. A Igreja Católica adquire espaço com a realização do Encontro Nacional EclesialCubano (ENEC) <strong>em</strong> 1986, assim como a presença de cultos africanos. Para ilustrar aconquista do espaço religioso, após um ano <strong>da</strong> realização desse S<strong>em</strong>inário, portanto <strong>da</strong>publicação do artigo de Jorge Dominguez, Cuba recebe a visita do papa João Paulo II <strong>em</strong>1998 propondo que “Cuba se abra para o mundo; e o mundo se abra para Cuba”. Enfim, essecontexto d<strong>em</strong>onstra que a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na t<strong>em</strong> adquirido um comportamento menost<strong>em</strong>eroso e mais autônomo nos anos de 1990.Jorge Domínguez avalia que há uma per<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de governar, ain<strong>da</strong> que odesejo do governo é de seguir uma conduta repressiva. Ele conclui que: “Existe un Estadomás débil que el que imperaba durante las tres déca<strong>da</strong>s anteriores. Pierde poder y se le pierd<strong>em</strong>iedo.” 197 A dificul<strong>da</strong>de do Estado <strong>em</strong> manter o mesmo nível de autoritarismo de déca<strong>da</strong>santeriores reflete <strong>em</strong> sua conduta de hostili<strong>da</strong>de ao exílio, pois este se transformou num196 Jorge I. Dominguez é professor e diretor do Centro de Relações Internacionais <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Harvard ereside <strong>em</strong> Cambridge.197 DOMÍNGUEZ, Jorge I. ¿Comienza una transición hacia el autoritarismo en Cuba? Revista Encuentro…Madrid. Otoño / Invierno de 1997. Vol.6/7. p.22


117componente de pressão política importante do qual o governo pode hostilizar, mas não podeignorar sua capaci<strong>da</strong>de de negociação para uma transição d<strong>em</strong>ocrática do ponto de vistaeconômico e político, segundo Jorge Domínguez.Politicas Invisibles é o título do artigo de Rafael Rojas, num discurso mais crítico,no qual assinala que para haver uma transição <strong>em</strong> Cuba é preciso que se inicie pela exposiçãoclara <strong>da</strong>s políticas no cenário atual, <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as suas vertentes. Ele fun<strong>da</strong>menta seupressuposto na análise de que “En Cuba ninguna política es plenamente visible.” 198 Desde apolítica oficial, passando pela oposição interna até o exílio, Rojas avalia que um regimetotalitário engendra o ocultamento <strong>da</strong>s práticas políticas. Nesse regime a fusão entre povo,governo, estado e nação prescinde <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de qualquer organização autônoma <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de civil e desvincula<strong>da</strong> <strong>da</strong>s instituições oficiais. Pois se o governo é o próprio povonão há o que se criar além dos organismos estatais existentes na socie<strong>da</strong>de. Há aqui a projeçãode uma socie<strong>da</strong>de rousseauniana assenta<strong>da</strong> nos princípios do Contrato Social, <strong>em</strong> que a“vontade geral” e “vontade do povo” se confund<strong>em</strong> e se constitu<strong>em</strong> no próprio Estado,portanto to<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de individual ou de grupo não se diferencia <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de social e seencontra plenamente satisfeita no coletivo de Estado. 199 O Estado absorve as necessi<strong>da</strong>desindividuais de tal modo que suprime qualquer singulari<strong>da</strong>de diferenciadora do corpo social.Para Rafael Rojas, a invisibili<strong>da</strong>de que impera <strong>sob</strong>re as relações políticas <strong>em</strong> Cubaparte do princípio <strong>da</strong> razão do segredo de Estado como recurso de controle sócio-político.Então, n<strong>em</strong> as decisões oficiais são publicamente debati<strong>da</strong>s, n<strong>em</strong> tampouco as discussõesprovenientes de organizações de massas e clandestinas se abr<strong>em</strong> ao enfrentamento político.Tais políticas exist<strong>em</strong>, mas são invisibiliza<strong>da</strong>s e ele menciona como Fidel assimilou a reflexãode Maquiavel <strong>em</strong> O Príncipe: “el buen político es el que sabe ocultar sus fines”. Tal políticose torna “bom” por ser capaz de conduzir ao disfarce to<strong>da</strong>s as diferenças, primeiro a suaprópria posição para que assim sua liber<strong>da</strong>de de manobra <strong>sob</strong>re os rumos políticos sejaexerci<strong>da</strong>; e segundo, to<strong>da</strong> posição distinta do poder institucional, por não ter liber<strong>da</strong>de <strong>em</strong> seposicionar, recorre à clandestini<strong>da</strong>de. A crítica de Rojas é mais agu<strong>da</strong> quanto ao que consideraausência de um enfrentamento mais aberto entre as diferenças políticas, chamando àresponsabili<strong>da</strong>de também os intelectuais que ader<strong>em</strong> ao governo, os dissidentes internos e osexilados. Sua indignação se dirige ao silêncio que considera presente <strong>em</strong> todos os setores198 ROJAS, Rafael. Políticas Invisibles. Revista Encuentro… Madrid. Otoño / Invierno de 1997.Vol.6/7. p. 24199 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo. Editora Nova Cultural Lt<strong>da</strong>. Coleção “OsPensadores”. 1999


118mencionados. Há um trecho <strong>em</strong> seu artigo que esta compreensão se encontra de formaexplícita:Mucho más podríamos hablar de ese ocultismo que está en la raíz de lapolítica <strong>cuba</strong>na; (...) de la fusión institucional de lo policíaco y lo político,del mutismo que rodeó a la reforma constitucional de 1992, del silencio entorno a la transición al comunismo entre 1959 y 1961 o de otro silencio muysimilar que vivimos en nuestros días: el silencio que envuelve el actualproceso de reconversión al capitalismo. Pero más que esta tecnología delsecreto, nos interesa observar cómo la invisibili<strong>da</strong>d política se transmite delEstado a la socie<strong>da</strong>d civil y de la política oficial a otras políticas marginaleso resistentes, como son las políticas de la intelectuali<strong>da</strong>d, de la disidenciainterna y del exilio. 200Uma postura cautelosa <strong>sob</strong>re enfrentamento radical e suas conseqüências édescrita por Luis Yáñez-Barnuevo 201 . Ele sugere uma saí<strong>da</strong> pacífica por meio do diálogo poracreditar que é também a vontade <strong>da</strong> maioria dos <strong>cuba</strong>nos. Como os discursos de Havana e deMiami se igualam e se justificam na intolerância, seus riscos pod<strong>em</strong> afetar mais ain<strong>da</strong> ascondições de vi<strong>da</strong> dos <strong>cuba</strong>nos. Luis Yáñez-Barnuevo propõe uma renúncia por parte <strong>da</strong>sposições políticas extr<strong>em</strong>as para que se estabeleça uma transição o menos traumática para asocie<strong>da</strong>de. Mas pondera <strong>sob</strong>re a gravi<strong>da</strong>de de um confronto:Los que no están, o no estamos, ni con unos ni con otros, dentro o fuera deCuba, sentimos cómo en esta déca<strong>da</strong> nuestro margen de maniobra seestrechó, que los que apostamos por la transición económica y política,pacífica, pacta<strong>da</strong>, basa<strong>da</strong> en la reconciliación y en el fin del <strong>em</strong>bargo,fuimos desplazados por la política del garrote y la confrontación. Y sin<strong>em</strong>bargo estoy convencido, aunque no pue<strong>da</strong> probarlo, que la inmensamayoría de los <strong>cuba</strong>nos desea aquella vía y no ésta. Que el pueblo <strong>cuba</strong>nointuye que las situaciones malas son si<strong>em</strong>pre susceptibles de <strong>em</strong>peorar y esoes lo puede ocurrir en Cuba si se impone definitivamente la política delenfrentamiento. 202Francisco León, economista <strong>cuba</strong>no que reside no Chile e vice-presidente doInstituto de Estudos Cubanos, defende <strong>em</strong> seu artigo La negociación de la transición umatransição política <strong>em</strong> que governo, comuni<strong>da</strong>de nacional e internacional estejam envolvidos200 Ibid<strong>em</strong>. p. 27201 Luis Yañez-Barnuevo García: nasceu <strong>em</strong> 1943 <strong>em</strong> Sevilla. De 1979 a 1985 foi presidente do PSOE (PartidoSocialista Operário Espanhol). Em 1982 foi presidente do ICI (Instituto de Cooperação Iberoamericana).M<strong>em</strong>bro <strong>da</strong> Ass<strong>em</strong>bléia Parlamentar do Conselho <strong>da</strong> Europa (1999-2004) e atualmente exerce a profissão d<strong>em</strong>édico ginecologista. Possui publicações <strong>em</strong> diversos jornais e <strong>revista</strong>s.202 YAÑEZ-BARNUEVO, Luis. Cuba en la déca<strong>da</strong> de los noventa. Revista Encuentro… Madrid. Otoño /Invierno de 1997. Vol.6/7. pp. 44-45.


119numa negociação pauta<strong>da</strong> por reformas econômicas. Tais reformas passam por t<strong>em</strong>as comoorganização e autonomia aos representantes dos camponeses, trabalhadores dos setoresestatais e <strong>em</strong> joint-venture, aos <strong>em</strong>ergentes setores privados que viv<strong>em</strong> <strong>sob</strong> a tutela do Estado,negociação <strong>sob</strong>re r<strong>em</strong>essas familiares, investimento estrangeiro <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>des turísticas ecomércio livre com a União Européia, Canadá e América Latina. 203Na mesma perspectiva analisam Eusébio Mujal-León, professor <strong>cuba</strong>no deCiência Política <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Georgetown, e Jorge Saavedra, cientista político chilenopela mesma instituição. A mu<strong>da</strong>nça do regime <strong>em</strong> Cuba depende <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong>s condiçõespluralistas <strong>da</strong> economia. Uma economia aberta ou de mercado é incompatível com o “póstotalitarismocarismático” do regime atual, e pode ser o fator impulsionador <strong>da</strong>d<strong>em</strong>ocratização do país. Mas o medo de uma mu<strong>da</strong>nça se constitui no fator importante deaglutinação e legitimação do regime. O que leva à “exacerbação do el<strong>em</strong>ento carismáticocomo una importante fuente de legitimi<strong>da</strong>d” como compensação ao enfraquecimentoideológico. 204 Mujal-León e Saavedra sustentam a visão de que <strong>em</strong> Cuba o regime secaracteriza por um “pós-totalitarismo carismático” por entender<strong>em</strong> que o totalitarismodefinido como “controle total” do Estado <strong>sob</strong>re a socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as esferas – econômica,política, <strong>cultura</strong>l, educacional, religiosa – t<strong>em</strong> apresentado sinais de mu<strong>da</strong>nça na mesma linha<strong>em</strong> que Jorge Dominguez analisa. Por isso denominam de “pós-totalitarismo”, porque ototalitarismo ain<strong>da</strong> não foi suprimido, <strong>sob</strong>revivendo por meio de uma acentua<strong>da</strong> presença dopoder carismático do líder. Para esses autores, a liderança carismática analisa<strong>da</strong> por MaxWeber se baseia na confiança, nas quali<strong>da</strong>des e virtudes pessoais do líder. Eles consideramque o “controle total” <strong>em</strong> Cuba v<strong>em</strong> sendo atenuado <strong>em</strong> favor de uma liderança de tipototalitário. Eles deixam claro não acreditar<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma transição d<strong>em</strong>ocrática com Fidel, mastambém consideram que “no hay forma de saber qué tipo de dinámica generaría la muerte dellíder.” 205O discurso mais acentuado de uma saí<strong>da</strong> que tenha como ponto de parti<strong>da</strong> atolerância entre todos os el<strong>em</strong>entos que compõ<strong>em</strong> a história e a identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na é transcritono referido S<strong>em</strong>inário por Jesús Díaz. Sua ênfase é <strong>da</strong><strong>da</strong> a uma compreensão s<strong>em</strong> pretensõesde conteúdo científico <strong>em</strong> que ele mesmo justifica:203 LEÓN, Francisco. La negociación de la transición. Revista Encuentro…. Madrid. Otoño / Invierno de 1997.Vol.6/7. pp. 74-84204 MUJAL-LEÒN, Eusebio. SAAVEDRA, Jorge. El postotalitarismo-carismático y el cambio de régimen: Cubaen perspectiva compara<strong>da</strong>. Revista Encuentro… Madrid. Otoño / Invierno de 1997. Vol.6/7. p. 119205 Ibid<strong>em</strong>. p. 123


120...Cuba es un país grav<strong>em</strong>ente enfermo, necesitado de una intensa cura dereconciliación y amor. Quizás estas palabras suenen un tanto extrañas en estecónclave de sociólogos, politólogos y economistas, pero estoy firm<strong>em</strong>enteconvencido de que no habrá solución social, política ni económica para elpaís si éstas no van precedi<strong>da</strong>s y acompaña<strong>da</strong>s de grandes dosis decomprensión y perdón mutuo.... 206...Con los once millones de <strong>cuba</strong>nos que habitan en la Isla, negros y blancos,occidentales y orientales, militantes del Partido Comunista y disidentes,santeros y católicos, mi<strong>em</strong>bros del ejército y presos políticos, que son losdestinados a decidir el futuro inmediato del país, y con los casi dos millonesque viven el exilio, ya sea en Miami o en las lejanas brumas de Al<strong>em</strong>ania, decuyo capital, experiencia y conocimientos Cuba no podrá prescindir parareconstruirse. 207Em momento anterior, no volume 3 <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, JesúsDíaz <strong>em</strong> seu artigo “Una delica<strong>da</strong> bomba del ti<strong>em</strong>po” (publicado no diário El País, <strong>em</strong> 30 denov<strong>em</strong>bro de 1996), já afirmava que um renascimento <strong>em</strong> Cuba passa pelas diversas leituras<strong>sob</strong>re nação, incluindo comunistas, militares, diferentes setores do exílio, e <strong>sob</strong>retudo osnegros s<strong>em</strong> os quais não haverá d<strong>em</strong>ocracia, pois esta só se efetivará por uma composiçãoétnica ou “no será” d<strong>em</strong>ocracia, como frisa. O futuro de Cuba depende <strong>da</strong> oportuni<strong>da</strong>de decoexistênciadesde los que hoy viven y trabajan en la isla, incluido el Ejército y losmilitantes del partido comunista, hasta los mi<strong>em</strong>bros de la Cuban AmericanNational Foun<strong>da</strong>tion y de la Fun<strong>da</strong>ción Hispano-Cubana.… Cuba necesita un nuevo contrato social, la d<strong>em</strong>ocracia <strong>cuba</strong>na del futuroserá también étnica o no será. No puede ni debe prescindir de la inteligencia,el patriotismo y el capital del exilio…. 208Ambos os discursos ampliam a s<strong>em</strong>ântica <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des <strong>cultura</strong>is e políticasdiferencia<strong>da</strong>s como reflexão teórico-prática de uma saí<strong>da</strong> que não cont<strong>em</strong>pla um setor ououtro capaz de representar to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, mas que to<strong>da</strong>s as diferenças sejam reconheci<strong>da</strong>s esejam os próprios agentes de uma transição. Quando essas diferenças são coloca<strong>da</strong>s comosujeitos imprescindíveis na composição de uma transformação, subentende-se que há umaruptura <strong>da</strong> concepção hierárquica, <strong>em</strong> que uma determina<strong>da</strong> elite, seja ela econômica, social,política ou intelectual, venha falar <strong>em</strong> nome de outro, assumir o discurso do outro por suporque este mesmo não o tenha, e por isso se considera representante legítimo de to<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,206 DÍAZ, Jesús. Otra pelea <strong>cuba</strong>na contra los d<strong>em</strong>onios. Revista Encuentro… Madrid. Otoño / Invierno de1997. Vol. 6/7. p. 208207 Ibid<strong>em</strong>. p. 210208 Díaz, Jesús. Una delica<strong>da</strong> bomba del ti<strong>em</strong>po. Revista Encuentro…Madrid. Invierno de 1996/1997.Vol.3..p.133


121possuidor de uma consciência transformadora. Ao assumir o discurso <strong>da</strong>s diferenças, há umaproposição <strong>em</strong> se desvencilhar de seu próprio poder discursivo <strong>sob</strong>re o outro e admitir arelação como condição <strong>em</strong> que a heterogenei<strong>da</strong>de fale e aja por si mesma. Michel Foucaultnuma conversa com Gilles Deleuze <strong>sob</strong>re os Intelectuais e o Poder, trata do poder discursivodos intelectuais e qual seu papel:O papel do intelectual não é mais o de se colocar “um pouco na frente ou umpouco de lado” para dizer a mu<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de de todos; é antes o de lutar contraas formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, o objeto e oinstrumento: na ord<strong>em</strong> do saber, <strong>da</strong> “ver<strong>da</strong>de”, <strong>da</strong> “consciência”, dodiscurso. 209O grande desafio intelectual talvez esteja na sua capaci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> entender que seupoder discursivo deve começar pela desconstrução de sua autori<strong>da</strong>de de consciência <strong>em</strong>relação ao outro, de sua representação como sujeito detentor de um saber e construtor decertezas a ser<strong>em</strong> reproduzi<strong>da</strong>s por outros. Mas ao contrário, reconhecer o poder de seudiscurso dentro de possibili<strong>da</strong>des abertas de conhecimento, na perspectiva de que conhecerimplica <strong>em</strong> estabelecer relações e convivências.Como desfecho para este capítulo o artigo de Paulo Antonio Paranaguá <strong>sob</strong>re ocin<strong>em</strong>a de Tomás Gutiérrez Alea foi selecionado por sintetizar três pontos aqui estu<strong>da</strong>dos: aposição dos intelectuais <strong>em</strong> Cuba; o exílio e a discussão <strong>sob</strong>re identi<strong>da</strong>de e uma transiçãopolítica. O título de seu artigo é Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996) – Tensión yReconciliación no qual Paulo Paranaguá analisa os filmes de Alea, que segundo ele, traz<strong>em</strong>uma importante crítica ao realismo socialista, apontam as diferenças e contradições comosinais de vitali<strong>da</strong>de social presentes na obra do cineasta. Paranaguá afirma: “...para él elintelectual no puede conformarse con el escepticismo, el fatalismo, la impotencia, elpesimismo.” 210 A ênfase na heterogenei<strong>da</strong>de e heterodoxia de Alea pol<strong>em</strong>iza com as posturastanto dogmáticas quanto com as radicais hereges. E a identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na é concebi<strong>da</strong> pelacomplexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relação entre o “<strong>cuba</strong>no” e o “universal”, o “nacional” e o “importado”, o“autêntico” e o “postiço”. Ele mostra como que para Alea as tensões sociais não pod<strong>em</strong> serresolvi<strong>da</strong>s eliminando de forma maniqueísta os extr<strong>em</strong>os <strong>em</strong> conflito e, <strong>em</strong> seus filmes, aomostrar essas tensões, sugere a reconciliação entre os <strong>cuba</strong>nos. 211209 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Ed. Graal. Rio de Janeiro. 1979. p.71210 PARANAGUÁ, Paulo Antonio. Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996) – Tensión y Reconciliación. RevistaEncuentro… Madrid. Verano de 1996. Vol. 1. p. 86.211 Ibid<strong>em</strong>. pp. 77-88


122Numa ent<strong>revista</strong> a Tomás Gutiérrez Alea por Michael Chanan, Alea expressa seuponto de vista <strong>sob</strong>re a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na pós-revolução:Yo creo que si<strong>em</strong>pre ha habido por parte de la dirección de la revolución unaambiciosa idea de mantener la pureza ideológica, de evitar la contaminacióncon el exterior, y transformar al hombre a partir de su conciencia, no a partirde las relaciones materiales. Todo eso tiene como consecuencia elpaternalismo, el esqu<strong>em</strong>atismo, el idealismo y todo lo que h<strong>em</strong>os estadosufriendo durante todos estos años. 212No trecho acima, Tomás Gutiérrez Alea deixa clara a idéia de uma educaçãorevolucionária que tenta se impor <strong>sob</strong>re as diferenças <strong>cultura</strong>is, por meio de uma visão de“pureza ideológica”, na qual o hom<strong>em</strong> será movido pela sua consciência e não pelas relaçõessociais e <strong>cultura</strong>is. Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que compreende que é por meio destas que umasocie<strong>da</strong>de se transforma e não por uma consciência transcendente às contradições sociais. Éneste sentido que Paulo Paranaguá analisa o cin<strong>em</strong>a de Alea, no qual busca a reconciliaçãoentre os <strong>cuba</strong>nos considerando a heterogenei<strong>da</strong>de de sua <strong>cultura</strong> e não por uma uni<strong>da</strong>desuperior ao cotidiano que resulta na política do “paternalismo”, do “esqu<strong>em</strong>atismo”, do“idealismo”, nas palavras de Alea, como também no autoritarismo. É nessa perspectiva queuma transição política <strong>em</strong> Cuba é pensa<strong>da</strong>, <strong>em</strong> termos heterodoxos extraídos <strong>da</strong> compreensãodo cotidiano e não ideologicamente ortodoxos.O próximo capítulo abor<strong>da</strong>rá a recepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la CulturaCubana entre os <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros, as expectativas dos leitores quanto ao discursoenunciado <strong>sob</strong>re a identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na e as possibili<strong>da</strong>des de reconciliação entre os<strong>cuba</strong>nos, do ponto de vista dos leitores.212 CHANAN, Michael. Tomás Gutiérrez Alea: Entrevisto. Estamos perdiendo todos los valores. RevistaEncuentro… Madrid. Verano de 1996. Vol. 1. p. 75.


1234. CARTAS A ENCUENTRO: UMA DIMENSÃO TEÓRICO-HISTÓRICA4.1. O LEITOR COMO SUJEITO NA RELAÇÃO OBRA E PÚBLICONeste capítulo serão apresenta<strong>da</strong>s as cartas como ilustrativas, no conjunto <strong>da</strong><strong>revista</strong>, <strong>da</strong> história atual de Cuba vivi<strong>da</strong> pelos leitores, <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> sua maioria, e outraparcela significativa de estrangeiros interessados pela <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, que a compartilhamcom os colaboradores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, numa experiência dialoga<strong>da</strong> entreos que escrev<strong>em</strong> e os que lê<strong>em</strong>. As cartas traduz<strong>em</strong> a reciproci<strong>da</strong>de de uma “históriapossível” 213 para os <strong>cuba</strong>nos, no atual contexto <strong>da</strong> institucionalização <strong>da</strong> dupla condição desuas vi<strong>da</strong>s, transcorrido por um imaginário <strong>da</strong>s relações estabeleci<strong>da</strong>s entre “ser” e “não ser”revolucionário. E essa “história possível” é a pretendi<strong>da</strong> pela representação que vivencia afragmentação do que é ser <strong>cuba</strong>no na Ilha e o que é ser <strong>cuba</strong>no no exílio e busca superá-lacom o discurso desmistificador do antagonismo imposto.A experiência compartilha<strong>da</strong> pelos leitores com a <strong>revista</strong> aponta a perspectiva deuma nova vi<strong>da</strong> para si e uma nova história para Cuba. Esse é um <strong>da</strong>do no qual a Encuentro dela Cultura Cubana t<strong>em</strong> ganhado ressonância <strong>em</strong> seus apontamentos reflexivos e críticos<strong>sob</strong>re a nova geografia política <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, o espaço <strong>da</strong> Ilha e o espaço <strong>da</strong> diáspora.São gerações distintas, pré-revolucionárias e pós-revolucionárias, tanto entre os autores,quanto leitores, que entrecruzam suas experiências por meio <strong>da</strong> comunicação narrativa,tornando-as condição real, concreta e histórica no conjunto <strong>da</strong>s representações <strong>sob</strong>re Cubahoje. As experiências são narra<strong>da</strong>s, pol<strong>em</strong>iza<strong>da</strong>s e se convert<strong>em</strong> <strong>em</strong> expectativas de umporvir. S<strong>em</strong> que tal porvir seja claramente delineado numa visão teleológica, mas o sentido deuma socie<strong>da</strong>de plural plenamente aceita, dentro e fora de Cuba, compõe o anseio dessacomuni<strong>da</strong>de de escritores e leitores, que somam experiências e acenam expectativas diversas.Para a relação entre experiência e expectativa pod<strong>em</strong>os encontrar <strong>em</strong> ReinhartKoselleck, Futuro Passado, sua elaboração teórica mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>, perfilando o “espaço deexperiência e horizonte de expectativa” como categorias históricas que fun<strong>da</strong>mentam a“possibili<strong>da</strong>de histórica” e não tanto a história propriamente dita. Isto significa que tais213 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Pasado. Para una s<strong>em</strong>ántica de los ti<strong>em</strong>pos históricos. EdicionesPaidos. Barcelona, 1993. P. 332


124categorias mais do que mencionar<strong>em</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de concreta e acaba<strong>da</strong>, como porex<strong>em</strong>plo, a “Revolução Cubana”, trazendo nesse conceito to<strong>da</strong> uma situação históricadetermina<strong>da</strong>; elas indicam a “condição humana universal”, o seu sentido “antropológico” <strong>em</strong>tornar possível o desenrolar <strong>da</strong> história, significando nesse ex<strong>em</strong>plo, as experiências vivi<strong>da</strong>s,as expectativas vislumbra<strong>da</strong>s e /ou frustra<strong>da</strong>s que figuraram e ain<strong>da</strong> figuram o processorevolucionário <strong>cuba</strong>no. 214Em um acontecimento histórico <strong>da</strong>do, a condição de uma “história possível” paraKoselleck é coordena<strong>da</strong> pela relação entre “esperanza y el recuerdo, expectativa eexperiência”, e que, por sua vez, norteia a compreensão e o conhecimento <strong>da</strong> ciência histórica.E isto é o que configura o sentido antropológico e meta-histórico <strong>da</strong> t<strong>em</strong>porali<strong>da</strong>de na história,pois o que faz o passado e futuro se entrecruzar<strong>em</strong> são as experiências e expectativas humanasque dão sentido à condução <strong>da</strong> história e a modifica. 215Na relação entre expectativa e experiência apresenta<strong>da</strong> por Koselleck, deve-seobservar que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a expectativa se deduz <strong>da</strong> experiência, <strong>da</strong> mesma maneira que nãose pode entender a expectativa s<strong>em</strong> se basear na experiência. A aporia que se estabelece dessarelação só se resolve no decurso do t<strong>em</strong>po histórico, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que passado e futuro seinterconectam no hoje, fazendo as correspondências e não correspondências entre taiscategorias. O presente se torna o momento pelo qual o conflito entre passado e presente éenfrentado e pod<strong>em</strong> se reconciliar quando as expectativas são trazi<strong>da</strong>s para o campo real <strong>da</strong>stransformações e conviv<strong>em</strong> com a dinâmica <strong>da</strong>s experiências.A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> destas categorias é relevante para a análise do que se pretende nestetrabalho, pois a experiência revolucionária pós-59 <strong>em</strong> Cuba trouxe a possibili<strong>da</strong>de para os<strong>cuba</strong>nos de se tornar<strong>em</strong> condutores de um processo histórico que abriria não só um campo deexpectativas, mas a realização de um “hom<strong>em</strong> novo”, consciente de um ser coletivo e dosrumos de uma socie<strong>da</strong>de socialista. Mas, no transcorrer histórico <strong>da</strong> Revolução, a áurea do“hom<strong>em</strong> novo” se institucionalizou servindo de norte ao comportamento social. Tratava-se,então, <strong>da</strong> oficialização de uma experiência revolucionária que, pelo exercício do poder,impunha-se uma totali<strong>da</strong>de social como ver<strong>da</strong>de maior e determinante <strong>sob</strong>re as identi<strong>da</strong>des<strong>cultura</strong>is. As experiências individuais e sociais se submeteriam às de essência revolucionária.A conduta oficial de socialização como renúncia do indivíduo ao projeto social,não somente <strong>em</strong> seu aspecto econômico e político, mas também <strong>cultura</strong>l, se <strong>sob</strong>repôs àexperiência espontânea e cotidiana <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, procurando homogeneizar as expectativas214 Ibid<strong>em</strong>. p. 334215 Ibid<strong>em</strong>. pp. 336-337


125individuais <strong>em</strong> torno de uma reali<strong>da</strong>de social determinante. Entretanto, as diferençasrepresentacionais despontam como práticas contrapostas, tornando-as relativas à experiênciaoficial ou à não-oficial e conduzindo-as fora desses signos fechados. Dito de outro modo,quando a Revolução Cubana pretendeu se eternizar, ela buscou encerrar o fluxo de novasexpectativas, tornou o futuro uma reali<strong>da</strong>de presente de perpetuação do passado, a partir <strong>da</strong>qual na<strong>da</strong> poderia advir ou se desviar. A expectativa social se transformou <strong>em</strong> oficial, jáestava conquista<strong>da</strong>, não havia o que contestá-la e n<strong>em</strong> intencionar outras, pois o futuro já s<strong>em</strong>aterializava no poder socialista. A reprodução do imaginário bipartido era fomenta<strong>da</strong> pelainversão <strong>da</strong> representação do real, para assim a vali<strong>da</strong>r. Os valores revolucionários deveriamser perenes para dimensionar<strong>em</strong> um real futuro-presente, entretanto, as expectativasrevolucionárias constituíram-se <strong>em</strong> ausência de sentido para d<strong>em</strong>ais representações que seinsurgiam no seio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.Mas conforme Koselleck, a “experiência” e a “expectativa” sãoantropologicamente <strong>da</strong><strong>da</strong>s, então, pod<strong>em</strong>os sugerir que do movimento dessas categorias not<strong>em</strong>po histórico as ações humanas individuais se transformam configurando novoscomportamentos sociais. Do que pode ser entendido que, não há poder capaz de usurpar deforma absoluta a manifestação <strong>da</strong> “condição humana universal” <strong>em</strong> suas diferentesexperiências e expectativas individuais e sociais. Se a expectativa revolucionária sereproduzia frustrando a experiência <strong>em</strong> si, ain<strong>da</strong> assim, não determinou o impedimento totalde que novas expectativas surgiss<strong>em</strong> do interior de um descontentamento historicamenteacumulado. Sob esse ponto de vista, as experiências alternativas <strong>em</strong> Cuba foram <strong>em</strong>ergindo<strong>da</strong> saturação de uma reali<strong>da</strong>de oficial e criaram novos “horizontes de expectativas”.As diferentes escritas e leituras <strong>da</strong> Revolução despontavam como experiênciasdestaca<strong>da</strong>s e diferencia<strong>da</strong>s do comportamento previsível <strong>da</strong> ótica oficial, colocando umquestionamento imperativo e <strong>em</strong>pírico para o campo teórico e filosófico <strong>da</strong> relação indivíduoe socie<strong>da</strong>de. A renúncia do indivíduo ao determinismo social t<strong>em</strong> sido <strong>em</strong>piricamenteprobl<strong>em</strong>atiza<strong>da</strong> e contesta<strong>da</strong> <strong>em</strong> sua dimensão teórica. O indivíduo adquire uma novadimensão no conjunto <strong>da</strong>s relações sociais, insere-se num contexto na condição de sujeitotradutor de novas possibili<strong>da</strong>des históricas.Carlo Ginsburg a respeito do social e do indivíduo, como categorias deconhecimento científico, contribuiu com os estudos <strong>sob</strong>re a polêmica entre o métodoexperimental ou galileano e o método indiciário. Afirma que o grande probl<strong>em</strong>a do paradigmagalileano é a negligência quanto aos fatos individuais <strong>em</strong> favor dos fatos sociais relevantes, noqual as leis gerais pod<strong>em</strong> ser estabeleci<strong>da</strong>s por meio de sua repetição e quantificação. Mas


126diante <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> quantificação há a ineliminável presença do qualitativo, doindividual e <strong>da</strong>s diferenças na socie<strong>da</strong>de. Ginsburg assinala que é preciso um novo paradigma,uma nova cientifici<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no conhecimento científico individual. O conhecimento és<strong>em</strong>pre antropocêntrico. Esse é o método indiciário <strong>em</strong> que as disciplinas são qualitativas etêm por objeto de estudo os casos, situações casuais, conjeturas, documentos individuais,mesmo que o indivíduo seja um grupo social ou uma socie<strong>da</strong>de inteira. Os pressupostos são adiversi<strong>da</strong>de e a singulari<strong>da</strong>de inimitável <strong>da</strong>s escritas individuais. Isto não significa abandonaros fenômenos gerais, mas por meio dos indícios e dos pormenores pod<strong>em</strong> ser estabeleci<strong>da</strong>sconexões importantes com contextos mais amplos. 216Essa referência teórica como introdução à leitura <strong>da</strong>s cartas, esclarece o propósitode utilizá-las como recurso de compreensão de um contexto ilustrativo <strong>da</strong> experiência quecompartilha o desgaste do socialismo real, enquanto estrutura sócio-<strong>cultura</strong>l e política depoder, de como isto afetou a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, a vi<strong>da</strong> dentro e fora <strong>da</strong> Ilha, a psicologia e asubjetivi<strong>da</strong>de de gerações que conviv<strong>em</strong> com o poder vitalício de um líder. Além de umaexperiência compartilha<strong>da</strong>, as cartas revelam uma expectativa diferente de vi<strong>da</strong>, <strong>em</strong> que aidenti<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na seja livr<strong>em</strong>ente expressa<strong>da</strong> <strong>em</strong> suas diferenças. Mostram como os leitoresencontram na <strong>revista</strong> o dest<strong>em</strong>or <strong>em</strong> se posicionar <strong>sob</strong>re a <strong>cultura</strong> e política de seu país. Paraos leitores <strong>cuba</strong>nos t<strong>em</strong> sido relevante a existência de um eco de vozes <strong>em</strong> que outrasesperanças possam ser dest<strong>em</strong>i<strong>da</strong>mente pronuncia<strong>da</strong>s, que seja devolvi<strong>da</strong> sua identi<strong>da</strong>de,reconheci<strong>da</strong> sua <strong>cultura</strong> e que eles possam se auto-afirmar enquanto <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> diferentesterritórios, s<strong>em</strong> o estereótipo do revolucionário ou <strong>da</strong> dissidência, do amigo ou inimigo <strong>da</strong>Revolução, mas simplesmente <strong>cuba</strong>no.As cartas <strong>em</strong> seu conjunto representam uma comuni<strong>da</strong>de de leitores queestabelece a interlocução com a publicação e conseqüent<strong>em</strong>ente com seus autores, mas não serestringe ao espaço interior e delimitado pela <strong>revista</strong>, pois essa comuni<strong>da</strong>de estende suainterlocução como uma força centrífuga a novos leitores que multiplicam sua difusãocomunicativa, investigativa e produtora de sentido. Ela dimensiona a significação denarrativas identifica<strong>da</strong>s com o cotidiano de um contexto histórico internacional e multi<strong>cultura</strong>l<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na.Na perspectiva de um gênero epistolar, as cartas são um meio de comunicação, ecomunicar significa “por <strong>em</strong> comum” algo com o s<strong>em</strong>elhante. Não cabe traçar aqui o estudo<strong>da</strong> história <strong>da</strong> epistolografia desde a Antigui<strong>da</strong>de Clássica, aos estudos bíblicos, renascentistas216 GINZBURG, Carlo. Mitos, Embl<strong>em</strong>as e Sinais: Morfologia e História. Tradução de Frederico Carotti.Companhia <strong>da</strong>s Letras. São Paulo. 1989.


127até sua evolução no século XIX, como estratégia ficcional <strong>da</strong> narrativa, <strong>da</strong> poesia e enfim, desua concepção teórica literária mais recente. Mas delimitar sua dimensão estética e reflexiva<strong>em</strong> que d<strong>em</strong>ocratiza a relação autor e leitor, posicionando-os num mesmo plano <strong>em</strong> que sedesmistifica o inalcançável. T<strong>em</strong>-se uma comunicação <strong>em</strong> que estabelece a troca narrativa, oencontro de vivências numa linguag<strong>em</strong> de aproximação de espaço, de idéias e dedivergências. Trata-se também de uma dimensão estética <strong>em</strong> que a recepção faz conexão coma produção <strong>da</strong> obra, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que o diálogo com esta última traz as múltiplascomunicações percorri<strong>da</strong>s entre leitores e não leitores diretos <strong>da</strong> <strong>revista</strong>.A conexão entre a <strong>revista</strong> e o leitor se fun<strong>da</strong>menta nos estudos formulados pelateoria <strong>da</strong> recepção na déca<strong>da</strong> de 1960, <strong>da</strong> “Escola de Constanza” na Al<strong>em</strong>anha, especialmentepor Hans Robert Jauss, que debatia com os filólogos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Constanza acerca deuma nova teoria literária orienta<strong>da</strong> para a “estética <strong>da</strong> recepção e do efeito”. Em ExperienciaEstetica y Hermeneutica Literaria (1977), Jauss desenvolve a teoria <strong>da</strong> “hermenêutica <strong>da</strong>recepção” partindo <strong>da</strong> função representativa não só <strong>da</strong> criação do autor ou de sua obra, masganha importância o sujeito-leitor que ressignifica o texto na interpretação comunicativa e nadifusão. Traz a correspondência entre as ativi<strong>da</strong>des produtivas, receptivas e comunicativas.Sendo que a natureza <strong>da</strong> recepção confere a condição de sentido <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> experiênciahumana <strong>em</strong> sua ação comunicativa.A experiência estética resulta <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> intersubjetivi<strong>da</strong>de <strong>em</strong> comunicação,interagindo indivíduo e socie<strong>da</strong>de o que Jauss chama de “práxis estética”. Fun<strong>da</strong>menta osentido de liber<strong>da</strong>de tanto na produção (ou no ato <strong>da</strong> criação) quanto na recepção que s<strong>em</strong>anifesta <strong>sob</strong> a forma transgressora no “entorno” <strong>da</strong> relação texto-leitor. Considerandoentorno como o contexto histórico onde a repercussão <strong>da</strong> comunicação ocorre. 217A relação entre autores e leitores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, conformese apresenta, oferece por meio <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> literária e científica social a visibili<strong>da</strong>de de umavi<strong>da</strong> interposta entre os <strong>cuba</strong>nos que habitam diferentes territórios que possibilita asignificação de uma outra história, com outra narrativa e outra interpretação de seu cotidiano.Esta interposição de vi<strong>da</strong>s projeta o sentir-se <strong>cuba</strong>no nas duas dimensões intercruza<strong>da</strong>s. O<strong>cuba</strong>no que está dentro <strong>da</strong> Ilha, nas condições de impossibili<strong>da</strong>de de livre expressão,identifica-se com os anseios e a linguag<strong>em</strong> do <strong>cuba</strong>no que se encontra fora pelas mesmasrazões de limitação oficial <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. Desse modo as identificações se permeiam pelaoportuni<strong>da</strong>de do trânsito <strong>da</strong> comunicação.217 JAUSS, Hans Robert. Experiencia Estética y Hermenéutica Literaria – Ensayos en el campo de laexperiencia estética. Ed. Taurus. 1977. pp. 17-18


128Essa correlação configura uma “experiência estética” – fazendo uma ponte comas reflexões de Jauss – que se efetiva por meio <strong>da</strong> narrativa sociológica, histórica,antropológica, literária e artística que possibilita o indivíduo reconhecer-se a si mesmo e suahistória, vislumbrar uma reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> qual não possui o controle <strong>sob</strong>re ela e busca por meio<strong>da</strong> palavra exercer algum domínio de seu cotidiano. O indivíduo encontra na experiênciaestética uma forma de inserção que interrompe a expressão reprimi<strong>da</strong>, o silêncio imposto, eestimula o efeito “catarse”, que para Jauss “(...) echa mano de experiencias futuras y abre elabanico de formas posibles de actuación; (...)” A ação catártica seria a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>experiência estética na relação escritor-leitor <strong>da</strong> qual <strong>em</strong>erge uma nova leitura e escritaprodutora de novas identificações simbólicas transgressoras. Segundo Jauss, o diálogo entreobra e público possibilita que as instâncias <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de tenham “participación activa en laformación y transformación de los significados, que es lo que hace que una obra vivahistoricamente”. 218Nesse sentido o trabalho com as cartas adquire sua importância na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> queo diálogo entre os <strong>cuba</strong>nos se efetiva tendo como obra referência a <strong>revista</strong> Encuentro de laCultura Cubana na produção comunicativa com os leitores, que se identificam peloencontro narrativo, interag<strong>em</strong> com suas interpretações, observações críticas e a difund<strong>em</strong> nocontexto de expectativas de mu<strong>da</strong>nças. Eles externam sua compreensão interessa<strong>da</strong> e críticanos t<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos pelos colaboradores e anseiam por um canal <strong>em</strong> que o isolamento <strong>da</strong> Ilhapossa ser suplantado.Tal compreensão dos leitores corresponde ao nível de “identificação primária”,como a “admiração, <strong>em</strong>oção, o rir-se com, o chorar-se com”, abor<strong>da</strong>do por Jauss numa críticaà concepção estética de Adorno. Por sua vez, Adorno qualifica de “frívola” esta forma deidentificação porque é explora<strong>da</strong> pela indústria <strong>cultura</strong>l e se conforma ideologicamente comos interesses do poder, portanto, a reflexão estética deve-se <strong>da</strong>r num nível além do prazer paraque a autonomia lhe seja atesta<strong>da</strong>. E no que toca a experiência estética <strong>em</strong> sua produção,recepção e comunicação, Jauss considera que é precisamente o “prazer” <strong>da</strong> identificaçãoprovocado pela arte ou por outra obra de criação que constitui o “objeto <strong>da</strong> reflexão estética”.O prazer t<strong>em</strong> o efeito impulsionador <strong>da</strong> identificação, <strong>da</strong> autonomia comunicativa e <strong>da</strong>recriação no entorno histórico. Valoriza, então, a “identificação primária” como condiçãorelevante para a atuação transgressora, pois o ato de se <strong>em</strong>ocionar com a obra traz a218 Ibid<strong>em</strong>. pp. 40 e 55


129proximi<strong>da</strong>de com determina<strong>da</strong>s produções de sentido que alimentam no indivíduo a ação derecriar, capaz de estabelecer relações novas com o contexto social. 219A relevância <strong>da</strong> concepção de Jauss reside <strong>em</strong> situar o receptor, que a propósito éo leitor <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, como integrante <strong>da</strong> obra na funçãocomunicativa social. O leitor não é mero espectador, mas um sujeito também autônomo juntoà obra, compondo um universo de relações simbólicas interpretativas, subversivas e atuantes.É nessa perspectiva teórica que a visão dos leitores foi trazi<strong>da</strong> à análise desse trabalho, porqueatravés <strong>da</strong>s cartas se vê representa<strong>da</strong> nessa experiência e participa <strong>em</strong> sua identificação com aobra exposta.A análise <strong>da</strong>s cartas percorrerá um campo mais subjetivo, com uma seleção quepossa oferecer discussão acerca do posicionamento do leitor perante a concepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong>,tendo <strong>em</strong> vista que é imprecisa a abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> quantitativa dos <strong>da</strong>dos, porque oferec<strong>em</strong> poucasinformações para um detalhamento objetivo do perfil do leitor, <strong>sob</strong>retudo quando não é umdos colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Dados como profissão, por ex<strong>em</strong>plo, não são declarados,tornando difícil definir com exatidão qu<strong>em</strong> é o leitor. A orig<strong>em</strong> do leitor écircunstancialmente apresenta<strong>da</strong>, seus <strong>da</strong>dos se restring<strong>em</strong> ao nome e à ci<strong>da</strong>de onde reside.Pod<strong>em</strong>os obter algumas informações quando a ci<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na é identifica<strong>da</strong> e o próprio leitorse apresenta como <strong>cuba</strong>no, ou quando reside fora de Cuba, refere-se no contexto <strong>da</strong> cartacomo pertencente à socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, mas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre é possível precisar a orig<strong>em</strong>, porquenão está explicitamente coloca<strong>da</strong> na totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s correspondências. Portanto, não foi feitasua tabulação, porque tais <strong>da</strong>dos são pontualmente expressos.Mas, a maioria dos leitores é de <strong>cuba</strong>nos residentes <strong>em</strong> Cuba e no estrangeiro,contando também com uma quanti<strong>da</strong>de importante de leitores de outras nacionali<strong>da</strong>desinteressados pela <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na como poderá ser observado pelas cartas. O que d<strong>em</strong>onstraque o debate <strong>sob</strong>re a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na traz possibili<strong>da</strong>des de compreensão teórica no campo <strong>da</strong>sciências humanas não só restrita ao contexto histórico <strong>cuba</strong>no, mas de estabelecer relaçõesentre diferentes experiências <strong>cultura</strong>is e políticas.Pelo conteúdo, pela forma ou linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>s cartas percebe-se que os leitoresapresentam um perfil intelectual e acadêmico que provavelmente encontram nessa leituraa ressonância de uma experiência que se materializa no debate <strong>cultura</strong>l e político <strong>sob</strong>reCuba. Muitos colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> também enviam cartas dialogando com um artigoou outro como será observado. Os <strong>da</strong>dos do portal <strong>cuba</strong>encuentro.com, citados no219 Ibid<strong>em</strong>. pp. 54 e 57


130segundo capítulo, também confirmam o perfil dos leitores quando mencionam adistribuição <strong>da</strong> <strong>revista</strong> <strong>em</strong> Cuba aos “académicos, estudiantes, investigadores,economistas, historiadores, sociólogos, escritores, artistas plásticos, de teatro, cineastas,medios eclesiásticos, funcionarios estatales, etc.” Esse é um <strong>da</strong>do importante, pois deixaclaro o setor social abarcado pela <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana.4.2. TEMÁTICA DAS CARTASAs cartas de leitores de periódicos são previamente escolhi<strong>da</strong>s pelos editores queas publicam conforme as afini<strong>da</strong>des apresenta<strong>da</strong>s <strong>em</strong> seu conteúdo. Desse modo a análise <strong>da</strong>scartas refletirá a seleção defini<strong>da</strong> pelos colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Nas cartas a Encuentro de laCultura Cubana há uma varie<strong>da</strong>de de t<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos, <strong>em</strong> geral sintonizados com aconcepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Mas também há cartas que levantam pontos críticos que serãomenciona<strong>da</strong>s especificamente.Neste estudo, a leitura <strong>da</strong>s cartas suscitou uma seleção conforme a aproximaçãode conteúdos entre uma e outra. Os pontos comuns foram agrupados <strong>em</strong> diferentes t<strong>em</strong>áticasque analisam as cartas tanto <strong>em</strong> bloco, conforme ca<strong>da</strong> t<strong>em</strong>a, quanto uma a uma quandonecessário. Foram selecionados quatro itens t<strong>em</strong>áticos, que traz<strong>em</strong> citações <strong>da</strong>s cartas naíntegra ou trechos para que se tenha acesso ao conteúdo e escrita dos leitores, de maneira queseu sentido não seja fraturado. Este critério foi escolhido <strong>em</strong> função de que alguns pontosrelevantes e coincidentes entre umas e outras traziam a curiosi<strong>da</strong>de investigativa acerca <strong>da</strong>preferência do leitor ou a concentração <strong>em</strong> discutir determinados aspectos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<strong>cuba</strong>na. E, <strong>sob</strong>retudo, porque traduz<strong>em</strong> o nível de sintonia de parcela dos <strong>cuba</strong>nos acerca <strong>da</strong>produção <strong>cultura</strong>l e <strong>da</strong>s proposições políticas alternativas e reflexivas de seu país.A freqüente citação <strong>da</strong>s cartas t<strong>em</strong> o caráter metodológico de <strong>da</strong>r voz aos leitores<strong>em</strong> sua expressão a mais transparente possível, tendo <strong>em</strong> vista que o objetivo deste capítulo écompreender a participação dos leitores como sujeito dialógico <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> <strong>revista</strong>,perceber as condições e os sujeitos <strong>da</strong> recepção dos discursos <strong>da</strong> Encuentro de la CulturaCubana por meio <strong>da</strong>s cartas que são o corpus documental que permit<strong>em</strong> essa análise.As cartas foram delimita<strong>da</strong>s pelo intervalo entre os volumes 2 e 25 <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. E ost<strong>em</strong>as selecionados corresponderam, <strong>em</strong> primeiro lugar, às abor<strong>da</strong>gens de como a Encuentrode la Cultura Cubana é recebi<strong>da</strong> pelos <strong>cuba</strong>nos que resid<strong>em</strong> na Ilha, qual o acesso dos<strong>cuba</strong>nos à publicação, tendo <strong>em</strong> vista que a <strong>revista</strong> é trata<strong>da</strong> pelo governo <strong>cuba</strong>no como


131dissidente e também sua recepção entre os <strong>cuba</strong>nos do exílio. O segundo t<strong>em</strong>a <strong>da</strong>s cartas serefere ao posicionamento crítico dos leitores <strong>em</strong> relação a determinados artigos. O terceirot<strong>em</strong>a traz informações <strong>sob</strong>re o uso <strong>da</strong> <strong>revista</strong> como fonte de estudo <strong>em</strong> universi<strong>da</strong>des dediversos países. E, por fim, o quarto t<strong>em</strong>a trata <strong>da</strong> expectativa dos leitores diante <strong>da</strong>s questõesdebati<strong>da</strong>s pela <strong>revista</strong> e se encontra subdividido <strong>em</strong> dois itens, identi<strong>da</strong>de e a reconciliaçãoentre os <strong>cuba</strong>nos <strong>da</strong> Ilha e do exílio, por caracterizar<strong>em</strong> <strong>em</strong> conjunto as principaisexpectativas retrata<strong>da</strong>s nas cartas.4.2.1. COMO A REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA ÉADQUIRIDA PELOS CUBANOSEm geral, a <strong>revista</strong> chega a Cuba através de amigos, como transparec<strong>em</strong> as cartas,e a faz<strong>em</strong> circular entre outros conhecidos. Supõe-se que sua aquisição venha a ser por meiode viagens de amigos que chegam <strong>da</strong> Espanha, Estados Unidos, México, ou outro país atéCuba e entregam a publicação para os que resid<strong>em</strong> na Ilha. A Encuentro de la CulturaCubana pode ser acessa<strong>da</strong> à Internet, mas as cartas não mencionam esta forma de acesso,informando se há alguma dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> navegar pela Internet, <strong>em</strong> função <strong>da</strong> publicação serconsidera<strong>da</strong> dissidente. Uma <strong>da</strong>s formas de controle <strong>em</strong> Cuba, não só direcionado à <strong>revista</strong>,mas de um modo geral, quanto à comunicação on line, é a que se exerce por meio <strong>da</strong> cobrançade altas tarifas <strong>em</strong> seu uso, dificultando à maioria <strong>da</strong> população recorrer às informaçõesatravés do contato virtual. Portanto, o uso <strong>da</strong> Internet <strong>em</strong> Cuba é restrito e controlado pelasautori<strong>da</strong>des do governo.Mas, conforme os <strong>da</strong>dos citados no segundo capítulo do portal<strong>cuba</strong>encuentro.com, <strong>em</strong> Cuba são duas mil assinaturas gratuitas que chegam aosuniversitários, acadêmicos de diversas áreas, à Igreja, aos funcionários estatais, ou seja, umpúblico “formador de opinião” e “prováveis protagonistas de uma transição política”. Arecepção <strong>da</strong>s cartas confirma a expectativa de uma nova reflexão para o contexto atual.Quando adquir<strong>em</strong> a publicação, a reação dos leitores é de interesse <strong>em</strong> acompanhar o que seescreve <strong>sob</strong>re a <strong>cultura</strong> e a política <strong>cuba</strong>na, porque se sent<strong>em</strong> sujeitos desta circunstânciahistórica, na qual um outro imaginário possa vislumbrar uma condição diferente para seu país.No volume dois, uma pequena carta de Havana escrita por Orlando MárquezHi<strong>da</strong>lgo, colaborador <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, agradece a Encuentro de la Cultura Cubana por ter-lheenviado o primeiro número. Como m<strong>em</strong>bro <strong>da</strong> Arquidiocese de Havana, certamente ele está


132incluido no conjunto de assinaturas distribui<strong>da</strong>s gratuitamente. A carta de Orlando MárquezHi<strong>da</strong>lgo reflete um diálogo entre os discursos de transição veiculados pela <strong>revista</strong> e pelaIgreja Católica dentro de Cuba. Ela retrata sua identificação com o que se apresenta na <strong>revista</strong>,uma discussão sintoniza<strong>da</strong> com as necessi<strong>da</strong>des “con los ti<strong>em</strong>pos que vivimos”:Sirva esta para manifestarles mi agradecimiento por haberme enviado elprimer número de Encuentro, una buena publicación, a tono con los ti<strong>em</strong>posque vivimos. ORLANDO MÁRQUEZ HIDALGO (La Habana. vol.2, 1996,p.185)Na carta de Flavio Garciandía, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Monterrey no México, mesmo quenão esteja explicita<strong>da</strong> sua orig<strong>em</strong>, deixa claro que foi <strong>em</strong> Cuba que adquiriu a <strong>revista</strong> e pormeio de amigos:Les envío un catálogo y con él una diapositiva para que la reproduzcan enEncuentro. La <strong>revista</strong> me parece más que buena; conseguí los dos primerosnúmeros en La Habana gracias a un amigo. Sólo me gustaría que meretribuyeran enviándome aquí los próximos números, que espero seanmuchos. FLÁVIO GARCIANDÍA (México. vol. 4/5, 1997, p. 254)O leitor Wilfredo Cancio, é colaborador <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la CulturaCubana, foi professor <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Comunicação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Havana. Atualmenteele reside <strong>em</strong> Miami onde leciona na Barry University. Por residir num territórioestigamtizado do exílio, Cancio revela por meio de sua carta o enfrentamento à dicotomiaCuba-Miami. Como leitor, Wilfredo Cancio escreve como os artigos <strong>da</strong> <strong>revista</strong> se tornamobjeto de comunicação entre os <strong>cuba</strong>nos e é cria<strong>da</strong> a oportuni<strong>da</strong>de de que se cruze o diálogoentre os amigos desta conexão Cuba – Miami e to<strong>da</strong> a simbologia que essa relação sugere<strong>sob</strong>re as polari<strong>da</strong>des ideológicas. A referi<strong>da</strong> carta nos r<strong>em</strong>ete à reflexão do pequeno trechoonde o leitor aponta “los amigos de Miami y La Habana”, como um <strong>da</strong>do <strong>em</strong> que a condiçãode amigos se <strong>sob</strong>repõe à barreira ideológica que t<strong>em</strong> separado Cuba e Miami. E as cartascruza<strong>da</strong>s são indícios de uma vivência histórica que resiste à estereotomia política.La gente la r<strong>em</strong>ite, conversa <strong>sob</strong>re los artículos aparecidos en ella y es t<strong>em</strong>ade conversación entre los amigos de Miami y La Habana en sus cartascruza<strong>da</strong>s. WILFREDO CANCIO (Miami. vol. 4/5,1997,p.255)


133Da mesma maneira a carta de Albertina Garcia, de Havana, afirma como a leitura<strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana se espalha entre os <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> Havana, repassando-a de“mano en mano”:Puedo asegurarles con absoluta certeza y conocimiento de causa que lo qu<strong>em</strong>ás se ha leído en esta Habana este verano es el libro de Eliseo Alberto,Informe contra mi mismo, y las <strong>revista</strong>s Encuentro. Y digo “las” <strong>revista</strong>s,porque no sólo el número 3, sino los números 1 e 2 an<strong>da</strong>n circulando d<strong>em</strong>ano en mano, como “pan caliente”. ALBERTINA GARCÍA (La Habana.vol. 6/7, 1997, p.266)O volume 6/7 traz uma carta também de Cuba <strong>em</strong> que o leitor se referenovamente a um amigo a forma pela qual leu a <strong>revista</strong> e ressalta sua quali<strong>da</strong>de poética e<strong>cultura</strong>l na homenag<strong>em</strong> que a <strong>revista</strong> prestou a dois grandes expoentes <strong>da</strong> poesia <strong>cuba</strong>na,Eliseo Diego e Gastón Baquero:He leído, gracias a un amigo, el N° 3 de este Encontronazo poético y <strong>cultura</strong>lque representa su <strong>revista</strong>. Encontrar ese pequeño homenaje a Eliseo Diego(ese grandísimo poeta nuestro) y también a Gastón —precisamente ahora—,que hace tan poco lo h<strong>em</strong>os perdido, envuelto en la nostalgia de los amigos,es sin du<strong>da</strong>s un el<strong>em</strong>ento revelador, cargado de eterni<strong>da</strong>d poética. La <strong>revista</strong>viene siendo como decimos los <strong>cuba</strong>nos por acá: Un ajiaco con una sustanciaexquisita”. GEOVANIS MANSO (Santa Clara, Cuba, vol.6/7, 1997, pg.269)O leitor Juan Antonio Molina, <strong>cuba</strong>no residente na ci<strong>da</strong>de de Pachuca, México,também mostra o impacto <strong>da</strong> recepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> numa carta envia<strong>da</strong> ao volume 8/9 de 1998,<strong>em</strong> que valoriza a estética material e <strong>cultura</strong>l <strong>da</strong> publicação, disponibiliza sua contribuiçãocomo crítico de arte que será confirma<strong>da</strong> com a publicação de seu artigo El espejo y lamáscara. Comentarios a la fotografía <strong>cuba</strong>na postrevolucionaria no volume 11 de 1998/1999<strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana. Nesse artigo questiona a relação entre imag<strong>em</strong>, história eideologia com o probl<strong>em</strong>a do espelho e <strong>da</strong> máscara na fotografia <strong>cuba</strong>na pós-revolucionária.Ele analisa a interferência dos interesses ideológicos no processo de criação e codificação <strong>da</strong>imag<strong>em</strong> <strong>em</strong> Cuba. 220 Em sua carta anterior ao artigo, Juan Antonio Molina traduz o interesse<strong>em</strong> somar a este encontro de reflexão <strong>sob</strong>re o momento atual de seu país.220 MOLINA, Juan Antonio. El espejo y la máscara. Comentarios a la fotografía <strong>cuba</strong>na posrevolucionaria.Revista Encuentro… Madrid. Invierno. 1.998/1.999. Vol.11. P.59-73


134Por cortesía de Eduardo Muñoz Ordoqui y Marta María Pérez Bravo hanllegado a mis manos un par de números de Encuentro. La excelencia delmaterial ahí publicado y el indu<strong>da</strong>ble valor que posee la <strong>revista</strong> parapromover, discutir y “encontrar” nuestra <strong>cultura</strong>, me han estimulado paraenviarles algo de mi trabajo como crítico de artes visuales. JUANANTONIO MOLINA (Pachuca, México. vol.8/9,1998 p.270)A carta abaixo do <strong>cuba</strong>no Juan José Molina, de Havana, acrescenta umainformação a respeito <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de dos leitores, que se encontra entre 20 e 70 anos, mostrandouma extensão ampla de faixa etária no interesse estético pela publicação. Apesar <strong>da</strong>sautori<strong>da</strong>des <strong>cuba</strong>nas obstaculizar<strong>em</strong> o acesso à <strong>revista</strong>, ela t<strong>em</strong> atingido um público comdiferentes experiências durante esse período revolucionário dos anos de 1990, mas guar<strong>da</strong>m<strong>em</strong> comum uma atitude de renúncia à fideli<strong>da</strong>de forçosamente real ao poder, assumindo serOutro real nessa circunstância histórica. Os círculos de estudos clandestinos, como estãorelatados na carta, sinalizam uma condição de se colocar <strong>em</strong> contradição ao poder social,abrindo um canal para que esse Outro se transforme numa instância também real e aceitapelos círculos sociais oficialmente permitidos. Eles traz<strong>em</strong> para si a responsabili<strong>da</strong>de históricade ser<strong>em</strong> esse Outro pensar e se posicionar na ord<strong>em</strong> social.Los números nuevos de la <strong>revista</strong> se esperan con ver<strong>da</strong>dera avidez. Comomuchos amigos saben que la recibo, comienzan a llamarme cuando seimaginan que ya la tengo. La e<strong>da</strong>d de los lectores oscila entre los 20 y los70 años (no es un juego). Los jóvenes en su mayoría, son estudiantes de laUniversi<strong>da</strong>d que se la leen en una noche. ¡Hasta han llegado a realizarcírculos de estudio! Claro, círculos de estudio caseros, por no decirclandestinos. Los más afortunados, los que “consiguen” (¡qué nosharíamos sin esta palabrita!) un ej<strong>em</strong>plar para ellos, quieren la coleccióncompleta. La <strong>revista</strong> nos pone al día de cosas que sucedieron hace muchosaños y que debíamos haber sabido; y también nos mantiene al día de lo queestá pasando ahora mismo, de los libros que se publican, los pr<strong>em</strong>ios, lasconferencias. Creo que por eso gusta tanto y se nos ha hecho imprescindible.Algún día, públicamente, se reconocerá la importancia de la <strong>revista</strong> y seguronos llevar<strong>em</strong>os algunas sorpresas de lectores insospechados. JUAN JOSÉMOLINA (Lawton, La Habana. vol. 10, 1998, pp. 189-90) (Grifos meus)Por outro lado, o leitor desperta para o probl<strong>em</strong>a de qu<strong>em</strong> consegue <strong>em</strong> Cubaadquirir a <strong>revista</strong>, e que aqueles que a obtêm, segundo observa, são os mais afortunados. Adúvi<strong>da</strong> está posta: qu<strong>em</strong> são os mais afortunados <strong>em</strong> Cuba? Só é possível deduzir que se tratade um círculo clandestino politicamente, organizações ou movimentos de dissidentes, erestrito do ponto de vista social, devido às dificul<strong>da</strong>des ou limitações do poder aquisitivo <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na frente ao custo <strong>da</strong> publicação. Mas como já foi mencionado anteriormente


135que a <strong>revista</strong> é distribuí<strong>da</strong> gratuitamente <strong>em</strong> Cuba, tal carta lança dúvi<strong>da</strong> ao mencionar “losmás afortunados, los que conseguen”. Porém, Juan José Molina confirma o meio social qu<strong>em</strong>ais se destaca no acesso à <strong>revista</strong>, o universitário, ou intelectuais de um modo geral, no quala produção e a difusão estéticas circulam com mais freqüência no seu cotidiano. É umaconstatação extraí<strong>da</strong> <strong>da</strong> leitura <strong>da</strong>s cartas que revelam um público possuidor de umalinguag<strong>em</strong> acadêmica com senso estético elaborado.Outra carta, proveniente de um leitor <strong>cuba</strong>no, Luis Alberto González, reafirma ointeresse pela <strong>revista</strong> e também a dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> conseguí-la nos dois níveis anteriormenteabor<strong>da</strong>dos, o cerco político <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des <strong>cuba</strong>nas e questões financeiras. Solicitainformações <strong>sob</strong>re assinatura que suplant<strong>em</strong> as dificul<strong>da</strong>des menciona<strong>da</strong>s:Recient<strong>em</strong>ente un amigo me prestó un ej<strong>em</strong>plar de la <strong>revista</strong> y así tuveconocimiento de su existencia. Me pareció maravillosa, y me gustaron todoslos artículos, por lo cual les hago llegar mis más sinceras felicitaciones.Quisiera saber qué puedo hacer para poder leerla todos los meses, pues deseguro, aquí está prohibi<strong>da</strong> y no debe conseguirse ni en bibliotecas. Veo queincluyen un cupón para la suscripción pero, como saben, para nosotros esimposible pagar ese precio. ¿Se puede conseguir en algún lugar en pesos<strong>cuba</strong>nos? ¿Dónde? LUIS ALBERTO GONZÁLEZ (Cuba. Vol.10, 1998,pp. 190-191)A carta de Jeanette Erfuth aponta outro grupo de leitores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>,os m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong> UPEC – União de Periodistas de Cuba – enti<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>em</strong> 1963representante dos jornalistas <strong>cuba</strong>nos. A UPEC, desde sua fun<strong>da</strong>ção, t<strong>em</strong> <strong>em</strong> seu regulamentoo princípio de afirmar a política que move a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, como consta no site <strong>da</strong>Internet. A UPEC t<strong>em</strong> como um de seus objetivoscontribuir “a la formación de losperiodistas en las mejores tradiciones del pensamiento político <strong>cuba</strong>no, y en los elevadosprincipios patrióticos, éticos y d<strong>em</strong>ocráticos que inspiran a la socie<strong>da</strong>d <strong>cuba</strong>na.” 221Mas conforme o artigo de Wilfredo Cancio Isla, El periodismo en Cuba: otravuelta de tuerca, na déca<strong>da</strong> de 1990 a direção <strong>da</strong> UPEC apresentou uma posição crítica aojornalismo oficialista desta enti<strong>da</strong>de e aponta a necessi<strong>da</strong>de de seguir um caminho autônomo.Cita o dirigente <strong>da</strong> UPEC numa ent<strong>revista</strong>: “el modelo que pod<strong>em</strong>os llamar oficialista,apologético o unanimista (había agotado) sus polibili<strong>da</strong>des.” 222 É uma polêmica que não estáencerra<strong>da</strong> nos círculos dessa organização, mas a existência de uma postura crítica pode ser221 UPEC – Perfil. Disponível <strong>em</strong>: www.<strong>cuba</strong>periodistas.cu/001_<strong>sob</strong>re-la-upec/perfil.htm222 “En una cuer<strong>da</strong> fina y tensa”, ent<strong>revista</strong> com Julio García Luis: Juventud Rebelde, 21 oct. 1990, p. 8-9. apudISLA, Wilfredo Cancio El periodismo en Cuba: otra vuelta de tuerca. Revista Encuentro… Madrid. 1.996.Vol.2.p.33)


136confirma<strong>da</strong> pela carta de Jeanette Erfuth <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Colônia <strong>da</strong> Al<strong>em</strong>anha, quando esteve<strong>em</strong> Cuba. Pela <strong>da</strong>ta de sua publicação isto se deu por volta do ano de 1998, quando elapresenciou a circulação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana dentro <strong>da</strong> UPEC e ointeresse de seus integrantes quanto à leitura <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, conforme retrata a leitora:Estimados “aventureros”:Ayer llegué, regresé del “pueblo de las maravillas” y hoy ensegui<strong>da</strong> llené lasuscripción para Encuentro. (...) en la UPEC de La Habana circula lapublicación de ustedes y hay bastantes personas que entonces leen losartículos con gran interés. Fui allí y gracias a estas personas descubríEncuentro, que ya una vez (el primer número) había caído en mis manos,pero se me había perdido de vista. Realmente considero una buena señal quefue en Cuba misma, donde volví a tener un “encuentro” con estaimpresionante publicación (...) entre las pocas publicaciones serias alrededorde la actuali<strong>da</strong>d <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na. JEANETTE ERFUTH (Colonia, Al<strong>em</strong>anha.vol.10, 1998, p. 193)O artista plástico <strong>cuba</strong>no Rafael López Ramos faz sua apresentação na carta,menciona como conseguiu a <strong>revista</strong>, doa<strong>da</strong> por um amigo de Miami, e o efeito <strong>da</strong> recepção<strong>em</strong> sua m<strong>em</strong>ória de militância no início dos anos de 1990, como um dos artistas quepermaneceu na Ilha nesse período, porém atualmente reside no Canadá. Suas tentativas deuma mu<strong>da</strong>nça pacífica dentro de Cuba, ao que parece, foram frustra<strong>da</strong>s, mas lhe trouxeram acompreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social de seu país e o que isto significou para “los nacidos en losaños 60”. Sua reflexão é de que esses <strong>cuba</strong>nos cresceriam juntos com a Revolução e formarse-iamno projeto de educação revolucionária. Essa geração não traria nenhum resquício ouvício <strong>da</strong> era pré-revolucionária, portanto se encontrariam num estado de pureza apropriado àspretensões de formação do hom<strong>em</strong>-novo, já que teriam não só uma educação dentro dosprincípios revolucionários, mas seriam beneficiados pelo contexto histórico socialista, queabrigaria as condições ao pleno desenvolvimento de uma consciência “superior”, naperspectiva do poder revolucionário. Rafael López Ramos ressalta ain<strong>da</strong> a importância <strong>da</strong><strong>revista</strong> como “puente intercontinental” <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na “dispersa por el mundo”:Soy un pintor y crítico de arte <strong>cuba</strong>no, que participó del movimiento plásticode la Isla a finales de los 80. Cuando la mayor parte de estos artistas sefueron al exilio, por diversas razones yo permanecí en la Isla, integrándomeal movimiento de oposición pacífica, a principios de los 90; breve militanciaque sólo me sirvió para entender un poco más ampliamente el llamado«probl<strong>em</strong>a <strong>cuba</strong>no», y conocer el papel que le tocó a mi generación — losnacidos en los años 60 — en esa tragicomedia que es nuestra Historianacional quiero reconocer la importante función de puente intercontinental


137que está cumpliendo Encuentro, uniendo trimestralmente, en un solo haz,to<strong>da</strong>s las ramas y lianas de nuestra Cultura dispersas por el mundo. Recibirlos dos primeros números —donados por un amigo de Miami — para mi fuecomo ser invitado a un Oxigen Bar de la <strong>cuba</strong>nía — que sigue siendo amor,según sentenció un día el profesor Grau, con su voz nasal. RAFAEL LÓPEZRAMOS (Canadá. vol.11, 1998-99, p.192)Na carta <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, o leitor <strong>cuba</strong>no residente <strong>em</strong> Miami relata sua colaboraçãocom a divulgação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> tanto <strong>em</strong> Miami quanto <strong>em</strong> Cuba, reitera o alcance “nacional yracional” dos <strong>cuba</strong>nos de diversas partes do mundo por meio <strong>da</strong> Encuentro de la CulturaCubana. Desta forma o leitor assume a tarefa de contribuir <strong>em</strong> suplantar as barreiras queapresentam no acesso à <strong>revista</strong>, procurando ampliar o universo de leitores e intérpretes de seusignificado social e político.Estamos divulgando la <strong>revista</strong> por todos los medios a nuestro alcance,inclusive dentro de Cuba, y promoviendo su venta aquí, y haciendo circularnuestros números entre otros que tal vez no lo adquirirían, pero que lodivulgarán de seguro...Una vez más quiero que sepan que la labor de la <strong>revista</strong> por establecer unencuentro nacional y racional entre todos nosotros, <strong>cuba</strong>nos dentro y portodos los rincones del mundo, está avanzando, y que estamos promoviéndolocon convicción y entusiasmo.ROBERTO JIMÉNEZ (Miami. vol.21/22, 2001 p. 298)O conjunto <strong>da</strong>s cartas apresenta<strong>da</strong>s até aqui, traduz sentimento de receptivi<strong>da</strong>de e<strong>em</strong>patia com a <strong>revista</strong>, que se aproxima <strong>da</strong> concepção de Jauss <strong>sob</strong>re “identificação primária”no processo de recepção, como foi analisado no início desse capítulo. As cartas mencionamnão apenas uma leitura particular, mas o envolvimento de sentidos entre autores e leitores quetorna real e significativo sua subjetivi<strong>da</strong>de no atual contexto histórico de <strong>cuba</strong>no.4.2.2. CARTAS QUE POLEMIZAM COM OS ARTIGOS DA REVISTAENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANANeste it<strong>em</strong> foram seleciona<strong>da</strong>s algumas cartas que apresentam pontos de vistacríticos acerca de alguns artigos que chamaram atenção entre os leitores. Esta seleção foifeita para que se possa observar a existência de outras leituras e interpretações quepol<strong>em</strong>izam e traz<strong>em</strong> a postura de leitores atentos ao que se publica.


138Na carta de Rolando Sánchez Mejías, poeta <strong>cuba</strong>no que reside <strong>em</strong> Havana ecolaborador <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, há um conteúdo crítico relativo ao primeiro número <strong>sob</strong>re os escassose fragmentados artigos de ficção, e alerta para que a <strong>revista</strong> se dedique mais a este gênero e sepreocupe com a quali<strong>da</strong>de s<strong>em</strong> se envolver tanto nas abor<strong>da</strong>gens políticas dos acontecimentos<strong>em</strong> Cuba. No entanto, ele conclui que é a única <strong>revista</strong> <strong>cuba</strong>na que se pode ler na atuali<strong>da</strong>de.Segue abaixo um trecho <strong>da</strong> carta:Voy a criticar “duramente” el primer número; grosso modo: (...) no es buenover dispersos esos corticos y escasos po<strong>em</strong>as en la <strong>revista</strong>; (...) incorporar unveinte por ciento de ficción, pensar que la ficción no piensa es un error, yle <strong>da</strong>ría un atractivo a la <strong>revista</strong>; no moverse tanto a favor de los últimosacontecimientos políticos alrededor de Cuba (…) Pero en general creo que esla única <strong>revista</strong> <strong>cuba</strong>na legible en la actuali<strong>da</strong>d. (Rolando Sánchez Mejías.La Habana. 1996.Vol.2., p.185) (Grifo meu)May<strong>da</strong> Royero 223 <strong>em</strong> sua carta no volume 2 <strong>da</strong> <strong>revista</strong> discute o artigo de EliseoAlberto Los años grises que trata de uma reflexão <strong>sob</strong>re a repressão intelectual nos anos de1970. No seu ponto de vista, a intelectuali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na esteve subordina<strong>da</strong> a uma estratégiaideológica socialista na América Latina, vincula<strong>da</strong> ao modelo soviético. Para Eliseo Alberto oConselho Nacional de Cultura passou a exercer um poder de controle <strong>sob</strong>re os órgãos deimprensa escrita, rádio, televisão, educação, universi<strong>da</strong>de, instituições governamentais,organizações de massa que se tornaram instrumentos de difusão e institucionalização <strong>da</strong>concepção revolucionária. Eliseo Alberto considera que os chamados burocratas <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>lograram sua eterni<strong>da</strong>de na construção de uma ver<strong>da</strong>de que preservasse as conquistas <strong>da</strong>Revolução. Desta forma, a idéia de t<strong>em</strong>po na história – passado, presente e futuro – ésubestima<strong>da</strong> <strong>em</strong> função do que é considerado como uma grandeza maior, a do projetosocialista que transcende o t<strong>em</strong>po histórico:...El regreso es un movimiento física y humanamente imposible. La historiay la política tampoco vuelven las hojas......Por mucho que se corra, el que corra con más suerte llegará si puede alpunto de parti<strong>da</strong>.... En Cuba el pasado nunca acaba de pasar; nos precede,nos atrapa y nos proyecta. 224223 May<strong>da</strong> Royero é escritora e diretora de cin<strong>em</strong>a, dirigiu o filme Hello, H<strong>em</strong>ingway. Ela é também uma <strong>da</strong>scolaboradoras <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana e reside <strong>em</strong> Havana.224 ALBERTO, Eliseo. Los años grises. Revista Encuentro…. Madrid.1.996. Vol. 1. p. 41


139May<strong>da</strong> Royero <strong>em</strong> sua carta pol<strong>em</strong>iza com Eliseo Alberto quando ele questiona aque presente trouxe o passado <strong>cuba</strong>no revolucionário, e responde a si mesmo: “a la mier<strong>da</strong>”.A leitora rebate essa posição de Eliseo Albert no sentido de que não se deve renegar o vivido,pois o passado serve de estímulo pelo que significou de conquista e não de arrependimento.Alguns trechos <strong>da</strong> carta ilustram essa representação muito presente <strong>em</strong> Cuba, o significado <strong>da</strong>Revolução no cotidiano <strong>da</strong>s pessoas, <strong>sob</strong>retudo <strong>da</strong>quelas que de alguma forma lutaram juntaspelo fim do governo de Fulgêncio Batista e posteriormente pela construção do socialismo.Elas não pretend<strong>em</strong> sentir um passado inútil ou destruído, o qual ajudou construir, porque,<strong>em</strong> parte, a identificação com o projeto revolucionário ocorre numa dimensão pessoal esubjetiva tão intensa que não é somente um passado social revolucionário que está posto <strong>em</strong>questionamento, mas é sua própria vi<strong>da</strong> entregue a uma causa.¿Volver del revés todo lo vivido, todo lo aprendido? Camino <strong>em</strong>pedrado deinutili<strong>da</strong>des. (El pasado) está ahí, s<strong>em</strong>piterno, querámoslo o no. Mássalu<strong>da</strong>ble sería que nos sirviera la experiencia de estímulo que der<strong>em</strong>ordimiento....¿Que hay que hacer otras cosas? Pues a hacerlas. ¿Que se ha cambiado depensamiento y de modo de interpretar el mundo y la vi<strong>da</strong>? Ca<strong>da</strong> cual tiene suderecho. Y también a vivir donde le plazca, a criticar lo que le disguste, aalabar lo que considere digno de alabanza y a ser rojo, amarillo o magenta.¿Pero caer en el suicidio del yo que fuimos? ¿Renegar de lo que hicimos?¿Que En todo ese pasado que Eliseo Alberto man<strong>da</strong> a la mier<strong>da</strong> no hubona<strong>da</strong> bello? No lo creo.De todos modos, felicito a Eliseo Alberto por las polémicas que ha causadosu provocador artículo, que ha puesto a pensar a más de uno. Ya por esosolamente vale el haberlo leído, aunque no se esté de acuerdo con el (comoes mi caso). MAYDA ROYERO (La Habana. Vol. 4/5, 1997, p.252)Na carta de May<strong>da</strong> Royero pode ser observado o olhar de qu<strong>em</strong> permanece <strong>em</strong>Cuba e sente que sua história de vi<strong>da</strong> está vincula<strong>da</strong> à história de seu país, mas n<strong>em</strong> por issopretende ser identifica<strong>da</strong> com o que há de ser superado na Revolução. May<strong>da</strong> Royero ponderaa posição de negação do passado, referindo-se ao artigo de Eliseo Alberto, porque talvez elapossa comprometer o discurso de reconciliação e de uma transição pacífica a que os de“dentro” e os “fora” defend<strong>em</strong>. Nessa carta, May<strong>da</strong> Royero a conclui, num tom cortês,felicitando Eliseo Alberto por proporcionar tal polêmica que faz pensar a muitos, mesmo queela não concorde, reiterando o espaço discursivo aberto às diferenças de pensamento.S<strong>em</strong>elhante à crítica expressa pela carta de May<strong>da</strong> Royero é apresenta<strong>da</strong> peloleitor Angel W. Padilla. Para ele, o passado <strong>cuba</strong>no deve se constituir <strong>em</strong> um meio para serealizar experiências futuras, s<strong>em</strong> vasculhá-lo no sentido de apontar julgamentos que


140conden<strong>em</strong> seus antecessores, a culpa é um sentimento pelo qual os <strong>cuba</strong>nos dev<strong>em</strong> superarpara se ver<strong>em</strong> livres dos maniqueísmos. O leitor não faz referência a um artigo <strong>em</strong> especial,mas pressupõe uma crítica à forma <strong>em</strong> geral que o passado é tratado pelos autores <strong>da</strong>Encuentro de la Cultura Cubana. Por outro lado, ele inicia sua carta destacando o enlace quea <strong>revista</strong> proporciona a todos os <strong>cuba</strong>nos:La <strong>revista</strong> Encuentro de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na (...) es una publicación que haceun magnífico aporte al pueblo <strong>cuba</strong>no, tiene corresponsales y escritores quehacen envíos de sus trabajos desde Cuba y otras partes del mundo. Esta<strong>revista</strong> es un medio de enlace entre todos nosotros.Encuentro de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na ha cometido un pequeño error al tratar deauscultar procesos pretéritos. El pasado debe ser un medio de donde sederiven experiencias constructivas para el futuro. Todos nosotros ten<strong>em</strong>os unpasado dentro del contexto <strong>cuba</strong>no y quien esté libre de culpas, deberáarrojar la primera piedra. (...) A nuestro pueblo no le concierne cual ha sidoel pasado del escritor Lisandro Otero. A nuestro pueblo no le concierne siLisandro ha sido un santo o un diablillo. A nuestro pueblo le concierne lasen<strong>da</strong> concreta hacia su propia libertad. ANGEL W. PADILLA PINA(Puerto Rico. vol.19. 2000-2001. p. 206)Outra polêmica é levanta<strong>da</strong> pela carta de Vicente Echerri – poeta, narrador,ensaísta, colaborador <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana e reside <strong>em</strong> Nova York – acerca doartigo de René Vasquez Díaz que trata <strong>da</strong> relação entre os Estados Unidos e Cuba, após aaprovação <strong>da</strong> Lei Helms-Burton pelo Congresso norte-americano <strong>em</strong> 1996, durante o governode Bill Clinton, que fere o princípio de extraterritoriali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s. Essa lei seresume <strong>em</strong> quatro pontos básicos: na manutenção do <strong>em</strong>bargo econômico; na ingerência dogoverno norte-americano no processo de transição política <strong>em</strong> Cuba; na proteção dos direitosde proprie<strong>da</strong>de dos ci<strong>da</strong>dãos norte-americanos; por último, na recusa de visto aos <strong>cuba</strong>nosque comercializar<strong>em</strong> proprie<strong>da</strong>des norte-americanas. Para René Vasquez Díaz, <strong>em</strong> seu artigointitulado La extraña situación de Cuba, a “... obsessão do governo norte-americano <strong>em</strong>derrotar Fidel Castro ata, com força ca<strong>da</strong> vez maior, as mãos dos d<strong>em</strong>ocratas <strong>cuba</strong>nos”. 225 Istosignifica, segundo René Vasquez Díaz, que a arbitrarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei cita<strong>da</strong> v<strong>em</strong> reforçar osmecanismos de defesa do governo <strong>cuba</strong>no e recrudescer o nacionalismo revolucionário deFidel Castro que dificulta a transição, difundindo o t<strong>em</strong>or à ameaça de invasão norteamericana.A lei Helms-Burton v<strong>em</strong> a ser para o autor um obstáculo às perspectivas deabertura política para os intelectuais que defend<strong>em</strong> uma transição d<strong>em</strong>ocrática e se vê<strong>em</strong>225 DÍAZ, René Vasquez. La extraña situación de Cuba. Revista Encuentro… Madrid. 1.997. Vol.6/7. p.51


141mais uma vez confundidos com as tentativas de cooptação dos <strong>cuba</strong>nos pelo governo dosEUA.Para o leitor Vicente Echerre, <strong>em</strong> sua interpretação do artigo de René VasquezDíaz, a Lei Helms-Burton não é uma ação tão somente unilateral impl<strong>em</strong>enta<strong>da</strong> pelos EUA,mas conta com a colaboração e interesse de setores <strong>da</strong> própria socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na para umatransição na qual não sejam cont<strong>em</strong>pla<strong>da</strong>s as forças do atual regime. Isto significa que umasaí<strong>da</strong> negocia<strong>da</strong> para um processo de d<strong>em</strong>ocratização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na se encontraobviamente fora de perspectiva para a visão intervencionista norte-americana, como tambémpara setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, que segundo a carta de Vicente Echerre, não pretend<strong>em</strong>uma saí<strong>da</strong> com o governo castrista. A carta transcrita abaixo sugere essa polêmica e ain<strong>da</strong>caracteriza o artigo como pretensioso e anti-histórico por não considerar este el<strong>em</strong>ento interno<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na como alimentador <strong>da</strong> reação ianque. Trata-se de uma questão complexanas relações entre Cuba e EUA que define o discurso e a prática de manutenção <strong>da</strong>s relaçõessociais internas <strong>da</strong> Ilha. Em síntese, o governo norte-americano utiliza a propagan<strong>da</strong>antiditatorial aplica<strong>da</strong> ao regime de Fidel Castro para justificar, <strong>em</strong> prol dos valores <strong>da</strong>d<strong>em</strong>ocracia, sua ameaça de intervenção. Por outro lado, o governo de Fidel Castro lança mãodesta ameaça para defender seu regime e reforçar a política nacionalista interna desalvaguar<strong>da</strong>r a Revolução.Encuentro es un gran logro que viene a llenar muchos vacíos, ¡qué falta lehacía a la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na esta <strong>revista</strong>!, aunque, como es de esperar, uno notiene que estar de acuerdo con to<strong>da</strong>s las opiniones. El artículo de RenéVásquez Díaz me parece presuntuoso y antihistórico (ya es más que sabidoque la intervención norteamericana en nuestros asuntos fue una carta quenuestros próceres jugaron una y otra vez). En la actuali<strong>da</strong>d, no somos pocoslos que v<strong>em</strong>os en la política del gobierno norteamericano (y en particular enla ley Helms-Burton) una fuerza que el gobierno norteamericano le presta aun segmento del pueblo <strong>cuba</strong>no para poder exigir asiento en la mesa denegociaciones de mañana y no dejar que la transición inevitable la articulen– y la mediaticen – los que aún man<strong>da</strong>n. Sé que en este punto no estoy deacuerdo con Jesús Díaz – también leí su trabajo “Otra pelea <strong>cuba</strong>na contralos d<strong>em</strong>onios” – y acaso él lleve la razón, pero ver la política norteamericanahacia Cuba como un simple plan injerencista es lo mismo que negar que laintervención de 1898 fue apoya<strong>da</strong> y celebri<strong>da</strong>d en los campos de Cuba libre.VICENTE ECHERRE GUTTENBERG (Nueva York. vol. 10. 1998 p. 191)A carta <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> reconhece a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>revista</strong> quando a situa num espaçode ser porta-voz <strong>da</strong> <strong>cuba</strong>ni<strong>da</strong>de. Porém, ela ressalva a importância <strong>da</strong> presença que deve haverde outras reflexões como a marxista, a ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Pensamento Crítico <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de


1421960, e ain<strong>da</strong> adverte <strong>sob</strong>re o pensamento “débil” pós-moderno que des<strong>em</strong>boca num campoincerto e frágil <strong>da</strong> política e deseja que ele “não domine a <strong>revista</strong>”. A carta menciona<strong>da</strong> éinteressante porque abor<strong>da</strong> a questão que reflete o posicionamento <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, a que o leitordenomina de pós-moderna, e a rechaça reivindicando a presença do pensamento marxista, <strong>da</strong>esquer<strong>da</strong> para “que o encontro seja ver<strong>da</strong>deiramente amplo.”Están ustedes haciendo una labor de primera por Cuba. Leyendo Encuentronos <strong>da</strong>mos cuenta de que Cuba no es sólo un país de jineteras y caudillos,sino también, y principalmente, de personas que buscan un sentido y que lobuscan bien, con profundi<strong>da</strong>d y con forma. Una sinfonía de <strong>cuba</strong>ni<strong>da</strong>d deprimer rango que no elude la angustia, el testimonio en carne viva o lazumba denunciadora. (...) Veo que se anuncia un homenaje a MorenoFraginals. ¡Exacto! Que el marxismo de veras también esté en la <strong>revista</strong>, queesté la izquier<strong>da</strong> europea y norteamericana, como estuvo en PensamientoCrítico. Que el encuentro sea ver<strong>da</strong>deramente amplio. Que el pensamientopostmoderno – débil, lo confiesan – no domine la <strong>revista</strong>. Que tampoco laabrume la politología. Que no falte la alegría. RAFAEL ALMANZA(Camagüey. vol. 10, 1998, p. 189)O leitor Benigno Nieto reconhece a importância <strong>da</strong> Encuentro de la CulturaCubana e a qualifica de “plaza pública, d<strong>em</strong>ocrática y civiliza<strong>da</strong>” por simbolizar a conexãoentre os <strong>cuba</strong>nos dispersos <strong>em</strong> diversos cantos do planeta. Tal qualificação soa comocontraponto à ausência de uma relação aberta e d<strong>em</strong>ocrática dentro de Cuba, mas pondera<strong>sob</strong>re o desconforto que lhe causam as “cartas de elogio”. O leitor lamenta as ausências ecertas presenças na <strong>revista</strong>, mas não especifica quais. Mas de todo modo ele expressa aquali<strong>da</strong>de e importância <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, e l<strong>em</strong>bra os que a criticam por se encontrar<strong>em</strong> fechados<strong>em</strong> posturas de “rencor o la sospecha”:Los felicito, están publicando una estupen<strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Esa «plaza pública,d<strong>em</strong>ocrática y civiliza<strong>da</strong>», ha servido de conexión a la <strong>cuba</strong>nía dispersa, esa<strong>cultura</strong> desmesura<strong>da</strong> que desbor<strong>da</strong> ya la Isla y vive en los rincones másapartados del planeta. En lo personal, lamento algunas ausenciassignificativas y me irritan ciertas presencias, y «esas cartas de elogio» meparece que ya exceden el pudor; pero aplaudo la difícil selección dondepredomina lo interesante y lo excelente <strong>sob</strong>re lo anodino y lo mediocre. Hayquienes los critican; yo, ca<strong>da</strong> vez menos. Excepto los cegados por el rencor ola sospecha, todos reconocen la importancia de Encuentro. Los felicito.BENIGNO NIETO (Miami. 2001. vol.20. p.353)Enfim, as cartas aqui apresenta<strong>da</strong>s consideram o valor <strong>da</strong> <strong>revista</strong> comoaglutinadora <strong>da</strong> dispersão <strong>cuba</strong>na e não deixam de apontar sua relevância neste momentohistórico <strong>em</strong> que os <strong>cuba</strong>nos buscam uma mu<strong>da</strong>nça para o país. Por outro lado, elas reflet<strong>em</strong>


143questões essenciais e críticas que envolv<strong>em</strong> o complexo e delicado imaginário revolucionário<strong>cuba</strong>no, <strong>sob</strong>retudo quando é r<strong>em</strong>etido ao passado e a sua concepção filosófica marxistaleninista,<strong>em</strong> que seus princípios não são absolutamente contestados por todo o coletivo socialde forma coesa e n<strong>em</strong> defendidos de um mesmo modo. Bronislaw Baczo d<strong>em</strong>onstra como oimaginário social ganhou terreno no campo discursivo <strong>da</strong>s ciências humanas <strong>em</strong> suas funçõesmúltiplas que atuam no campo social como controle político ou como de enfrentamento aopoder, ao afirmar:Os antropólogos e os sociólogos, os historiadores e os psicólogoscomeçaram a reconhecer, senão a descobrir, as funções múltiplas ecomplexas que compet<strong>em</strong> ao imaginário na vi<strong>da</strong> coletiva, <strong>em</strong> especial, noexercício do poder. As ciências humanas punham <strong>em</strong> destaque o fato dequalquer poder, designa<strong>da</strong>mente o poder político, se rodear derepresentações coletivas. Para tal poder, o domínio do imaginário e dosimbólico é um importante lugar estratégico. 226Uma revolução produz esperanças, mitos e imaginários <strong>em</strong> que as expectativas easpirações populares são coloca<strong>da</strong>s. A sua consoli<strong>da</strong>ção no t<strong>em</strong>po cria um poder simbólicoque, <strong>em</strong> contraparti<strong>da</strong>, legitima o poder, sofistica ca<strong>da</strong> vez mais a manipulação política,garantindo a obediência social. As cartas acima cita<strong>da</strong>s contêm polêmicas que revelam osmecanismos múltiplos <strong>sob</strong>re os quais opera o imaginário social . Melhor dizendo, não há umimaginário harmônico, mas uma diversi<strong>da</strong>de de significados própria do momento de crisepolítica e social vivi<strong>da</strong> pelos <strong>cuba</strong>nos.4.2.3. A REVISTA ENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANA COMO FONTEDE ESTUDO NAS UNIVERSIDADES EM DIVERSOS PAÍSESAs cartas <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> tratam de uma experiência pela qual os leitores assum<strong>em</strong>uma prática concreta de intervenção social por meio institucional. O que significa que suaparticipação além de uma leitura particular <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e de uma comunicação espontânea entreum leitor e outro, transforma-se <strong>em</strong> um diálogo mais amplo e ao mesmo t<strong>em</strong>po definido, poisa publicação se volta para um trabalho direcionado ao conhecimento <strong>em</strong> nível científico eacadêmico por várias universi<strong>da</strong>des do mundo. O espaço <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de torna-se campofértil para probl<strong>em</strong>atizações discursivas. É o lugar de uma discussão articula<strong>da</strong>, com a226 BACZO, Bronislaw. Imaginação Social. Enciclopédia Einaudi. Imprensa Nacional-Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>. Porto.1996. Vol.5. p.297


144finali<strong>da</strong>de elabora<strong>da</strong> para interpretações textuais, recriação <strong>da</strong> pesquisa e de trânsito entrediferentes concepções teóricas e de mundo.O contexto político e o conhecimento <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na têm despertado acuriosi<strong>da</strong>de investigativa no campo <strong>da</strong>s ciências humanas <strong>em</strong> diversas universi<strong>da</strong>des. Emprimeiro lugar, porque sua própria situação <strong>em</strong>pírica suscita a discussão teórica <strong>sob</strong>re osvínculos entre ciência histórica e teoria literária que têm possibilitado o aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>compreensão do comportamento humano <strong>em</strong> sua dimensão individual e sócio-<strong>cultura</strong>l. Emsegundo lugar, a relação entre poder e socie<strong>da</strong>de e também as diferentes formas políticas depensá-la <strong>em</strong> seus <strong>em</strong>bates. Em terceiro lugar, e de maneira específica, a própria publicação <strong>da</strong><strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana t<strong>em</strong> sido um el<strong>em</strong>ento narrativo e factual dest<strong>em</strong>omento histórico de Cuba. Narrativo porque se constitui <strong>em</strong> fonte de conhecimento <strong>da</strong>literatura <strong>cuba</strong>na, de sua <strong>cultura</strong> e de uma outra maneira de conceber sua experiênciarevolucionária. O el<strong>em</strong>ento factual se justifica pelo que a <strong>revista</strong> t<strong>em</strong> configurado de espaçoreal de trabalho, de vivências, de conhecimento entre os <strong>cuba</strong>nos que habitam territóriosdiversos, a possibili<strong>da</strong>de de que diferentes experiências possam ser conecta<strong>da</strong>s por meio depublicações, além de suscitar um desconforto para as autori<strong>da</strong>des <strong>cuba</strong>nas.É um fato histórico a existência <strong>da</strong> <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana comopensamento e linguag<strong>em</strong>, que não se encerram <strong>em</strong> si mesmos, mas se materializam <strong>em</strong> açãonarrativa e interpretativa, estabelec<strong>em</strong> relações com diversas formas de pensar, que de ummodo ou de outro t<strong>em</strong> preenchido espaços históricos com novas percepções levanta<strong>da</strong>s pormuitos de seus colaboradores.O uso <strong>da</strong> <strong>revista</strong> como fonte de pesquisa <strong>em</strong> algumas universi<strong>da</strong>des traduz<strong>em</strong> ointeresse de uma ampla comuni<strong>da</strong>de pela <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, mas fun<strong>da</strong>mentalmente eluci<strong>da</strong> umapossibili<strong>da</strong>de de transcendência teórica acerca <strong>da</strong>s estreitas relações entre política, socie<strong>da</strong>dee <strong>cultura</strong> a que se identificam diversas áreas do conhecimento científico. Quando umadiscussão transcende a especifici<strong>da</strong>de de um contexto histórico, move um universo derepresentações que faz<strong>em</strong> a reflexão repercutir na dimensão de outras esferas históricas. Háuma tradução de experiências <strong>em</strong> outras que permite estabelecer relações teóricas entre elas.Nesse sentido, as cartas seleciona<strong>da</strong>s enfocam um nível de recepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> caracteriza<strong>da</strong>pela presença de estudos e pesquisas acadêmicas <strong>em</strong> universi<strong>da</strong>des de Cuba, Estados Unidos,Guat<strong>em</strong>ala, Brasil, Espanha, Al<strong>em</strong>anha, Bélgica e França.Uma observação relevante foi feita a partir <strong>da</strong> correspondência entre duas cartasque foram escritas, respectivamente por professor e seu aluno test<strong>em</strong>unhando a incorporação<strong>da</strong> <strong>revista</strong> no currículo do Departamento de Letras <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Sorbone, Paris. O


145intervalo de t<strong>em</strong>po entre as cartas, de três anos, d<strong>em</strong>onstra um acompanhamento e um estudosist<strong>em</strong>ático <strong>da</strong> publicação pelo departamento. Além de ser reconheci<strong>da</strong> pelo seu conteúdohistórico e literário, a leitura <strong>da</strong>s cartas revela que a <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubanafoi objeto de pesquisa de Mestrado desta Universi<strong>da</strong>de, cujo orientador foi o diretor ClaudeFell 227 , o autor <strong>da</strong> primeira carta. O que se destaca é a <strong>revista</strong> despertar nesta instituição ointeresse <strong>em</strong> transformá-la <strong>em</strong> objeto de dissertação de mestrado. 228Considero que Encuentro de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na ha adquirido un excelentenivel de presentación y, <strong>sob</strong>re todo, de información. El dossier dominante deca<strong>da</strong> número ofrece muy interesantes bases de discusión, a partir de unadocumentación si<strong>em</strong>pre rigurosa y explícita. La <strong>revista</strong> goza de un equilibrioadmirable en el reparto de los artículos entre historia y literatura, y aprecioparticularmente el tono mesurado del conjunto. CLAUDE FELL(Montrouge, Francia. 1999. Vol. 12/13. p. 261)Claude Fell (mi director de tesis) y yo si<strong>em</strong>pre hablamos de su <strong>revista</strong> conentusiasmo. Gracia a él la <strong>revista</strong> es bibliografía obliga<strong>da</strong> para losestudiantes de letras de la Sorbonne. Incluso una alumna suya estaterminando su Maestría <strong>sob</strong>re Encuentro. En Cuba muchos amigos – comoAmir Valle, por ej<strong>em</strong>plo – me han localizado gracias a Encuentro.ARMANDO VALDÈS (França.. 2002. vol. 23, p.267)As cartas abaixo d<strong>em</strong>onstram a utili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>revista</strong> para os professores de nívelsuperior que a inclu<strong>em</strong> <strong>em</strong> seus programas acadêmicos, por apresentar uma varie<strong>da</strong>de det<strong>em</strong>as <strong>sob</strong>re a literatura, sociologia, economia, história e a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na. Em geral, elasdestacam a quali<strong>da</strong>de lingüística, sua fonte documental e de informação <strong>sob</strong>re a história deCuba. Elas também foram cita<strong>da</strong>s <strong>em</strong> bloco porque retratam a mesma finali<strong>da</strong>de com que sãoutiliza<strong>da</strong>s. Na seqüência, a primeira é oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Sorbone, França. A segun<strong>da</strong>provém <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Economia e Empresa de Santiago de Compostela, Espanha. Aterceira foi escrita por um docente <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Leipzig, Al<strong>em</strong>anha. E a quarta é deautoria de um professor de Minas Gerais, Brasil.Recibir la <strong>revista</strong> y leerla de un cabo a otro es para mí un placer ca<strong>da</strong> vezmás intenso. En el plano profesional, representa también para mí una fuente227 Claude Fell é professor na Universi<strong>da</strong>de de Sorbone e especialista <strong>em</strong> análise de discurso <strong>sob</strong>re <strong>revista</strong>slatino-americanas. Entre suas publicações encontram-se : Le discours culturel <strong>da</strong>ns les revues latino-américainesde 1940 a 1970 (1992) e Le discours cuturel <strong>da</strong>ns les revues latino-américaines de 1970 a 1990 (1996).228 A dissertação de Mestrado foi defendi<strong>da</strong> por Corinne Satler <strong>em</strong> junho de 2002, pela Universi<strong>da</strong>de de Sorbone,<strong>sob</strong> a orientação do professor Claude Fell, com o título Representación de Cuba en la Revista Encuentrode la Cultura Cubana. Sua dissertação se estrutura <strong>sob</strong>re três t<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos pela <strong>revista</strong>: a socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na,sua <strong>cultura</strong> e literatura.


146inmejorable de información y documentación <strong>sob</strong>re <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, y meayu<strong>da</strong> considerabl<strong>em</strong>ente en mi labor de investigación y docencia, ya que mepermite al mismo ti<strong>em</strong>po suministrar orientaciones bibliográficas ynarratológicas muy útiles a los estudiantes de Doctorado que inician untrabajo de investigación y re<strong>da</strong>cción <strong>sob</strong>re <strong>cultura</strong> y literatura <strong>cuba</strong>nascont<strong>em</strong>poráneas en la Sorbone. CLAUDE FELL (Mountrouge, Francia.1999. Vol. 12/13. p. 261)Leyendo Le Monde me encontré un reportaje <strong>sob</strong>re su <strong>revista</strong>, donde se <strong>da</strong>bacuenta de la cali<strong>da</strong>d de su publicación (...) Compré su <strong>revista</strong> en un quioscoy, efectivamente, pude comprobar su cali<strong>da</strong>d. En la Facultad de Económicasy Empresariales de Santiago (en la que por cierto hay una «misión <strong>cuba</strong>na»de becados del PCC), donde doy clases de «Sociología General»,«Sociología de la Empresa» y «Socioeconomía de los movimientossociales», la he incluido en el programa, dentro de la información relativa aCuba. MIGUEL CANCIO (Santiago de Compostela. España. 1.998/99.Vol. 11. p. 194)Vengo por medio de ésta a agradecerles el envío de los números de su<strong>revista</strong>, la cual no sólo es muy interesante para mí ya que informa <strong>sob</strong>reasuntos <strong>cuba</strong>nos, sino que me sirve también en mis activi<strong>da</strong>des docentescomo catedrático de Lingüística Hispánica en la Universi<strong>da</strong>d de Leipizig.EBERHARD GÄTNER (Dresden. Al<strong>em</strong>anha. 2000-2001. Vol.19. p. 207)Quiero aprovechar estas líneas para felicitarles por su gran trabajo literario.No me cabe ni la menor du<strong>da</strong> de que su <strong>revista</strong> tiene futuro como lo dice lahoja de suscripción «un presente con futuro». Su <strong>revista</strong> le brin<strong>da</strong> al lector<strong>cultura</strong>, historia, literatura, religión, en fin, información <strong>sob</strong>re una granvarie<strong>da</strong>d de t<strong>em</strong>as. Me gustaron todos los artículos tanto por su equilibriolingüístico como por su carácter informativo. Todos tienen una ciertautili<strong>da</strong>d para los profesores que tengan alumnos de nivel avanzado ysuperior. Los alumnos si<strong>em</strong>pre muestran interés por conocer la historia, laliteratura y la <strong>cultura</strong> de otros pueblos y los artículos de Encuentro ilustranperfectamente lo que está aconteciendo con el pueblo <strong>cuba</strong>no en est<strong>em</strong>omento en todos los campos. Llevando a clase uno de estos artículos, devez en cuando, el profesor añade <strong>cultura</strong> y varie<strong>da</strong>d a sus clases. DOMINGOIGLESIAS (Minas Gerais. Brasil. 1999-2000. Vol. 15. p. 246)Tanto a carta anterior quanto a que se segue são provenientes do territóriobrasileiro e ilustram o pensamento desses intelectuais acerca do que se passa com aexperiência socialista <strong>em</strong> Cuba. Ain<strong>da</strong> que não esteja identifica<strong>da</strong> a nacionali<strong>da</strong>de de ambosos leitores, eles retratam a circunstância <strong>em</strong> que a <strong>revista</strong> é difundi<strong>da</strong> e o interesse de suanarrativa <strong>sob</strong>re o imaginário dos estu<strong>da</strong>ntes e intelectuais brasileiros. Como afirma a leitoraI<strong>da</strong>lia M. Arnais, grande parte <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de brasileira “opera com os grandes mitos erelatos <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> dos anos 60”. O acompanhamento <strong>da</strong> história <strong>da</strong> Revolução Cubana e ocontato com outra interpretação de sua condução têm suscitado a desconstrução do discurso e<strong>da</strong> simbologia do ideal socialista <strong>cuba</strong>no, como d<strong>em</strong>onstra a carta:


147El imaginario de los intelectuales brasileños en su gran mayoría se haa<strong>da</strong>ptado (o acomo<strong>da</strong>do) a operar con los grandes mitos e relatos de laizquier<strong>da</strong> de los años sesenta, por lo que continúan leyendo el momentopresente con nociones que <strong>revista</strong>s como Encuentro se están encargando dedesactivar. IDALIA MOREJÓN ARNAIS (Brasil. 2002. Vol.24. p.388)O escritor <strong>cuba</strong>no Ariel Ribeaux reside na Guat<strong>em</strong>ala e conforme relata na cartaabaixo t<strong>em</strong> se servido do material publicado na <strong>revista</strong> para sua pesquisa <strong>sob</strong>re a imag<strong>em</strong> donegro na arte <strong>cuba</strong>na, principalmente <strong>em</strong> seu aspecto social. Ele t<strong>em</strong> acesso à <strong>revista</strong> porintercâmbio de amigos que são colaboradores <strong>da</strong> publicação e ain<strong>da</strong> pode consultá-la <strong>em</strong>bibliotecas que receb<strong>em</strong> aju<strong>da</strong> de instituições espanholas de cooperação internacional.Soy un escritor <strong>cuba</strong>no que reside actualmente en Guat<strong>em</strong>ala. He seguidodesde hace unos años la <strong>revista</strong> a través de esas redes de intercambio que seproducen entre los escritores en Cuba y tengo ad<strong>em</strong>ás varios amigos que hanpublicado en ella. Algunos artículos me han servido de referencia para unainvestigación <strong>sob</strong>re la imagen del negro en el arte <strong>cuba</strong>no, <strong>sob</strong>re todo desdeel punto de vista social, pues el que más se ha abor<strong>da</strong>do es el religioso. Aquíen Guat<strong>em</strong>ala la he encontrado en algunas bibliotecas que llevaninstituciones españolas de cooperación internacional, lo cual me ha <strong>da</strong>domucha alegría por los espacios que Encuentro ha ido ganando. ARIELRIBEAUX (Antigua Guat<strong>em</strong>ala. 2000. Vol. 16/17. p. 252)María Luisa Ochoa Fernández relata sua investigação <strong>sob</strong>re a narrativa do exílio<strong>cuba</strong>no (atualmente já concluí<strong>da</strong> e publica<strong>da</strong> sua tese de doutoramento pela Universi<strong>da</strong>de deHuelva, Espanha) e aponta a importância <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana como consultapara aqueles que se dedicam aos estudos <strong>cuba</strong>nos.Creo que Encuentro es de un gran valor e interés para aquellos y aquellasque nos dedicamos a los estudios <strong>cuba</strong>nos. Me llamo María Luisa OchoaFernández y actualmente me encuentro trabajando como investigadora en elDepartamento de Filologia Inglesa de la Universi<strong>da</strong>d de Huelva gracias auna beca de 4 años de duración del Ministerio de Educación y Cultura qu<strong>em</strong>e permite llevar a cabo la re<strong>da</strong>cción de mi proyecto de tesis que se basa enla narrativa del exilio <strong>cuba</strong>no. MARÍA LUÍSA OCHOA FERNÁNDEZ(Huelva. Espanha. 2000. Vol. 18. p. 265)As duas últimas cartas também test<strong>em</strong>unham o uso <strong>da</strong> <strong>revista</strong> como fonte detrabalho acadêmico e tese doutoral <strong>em</strong> Nova Jersey e Madrid:


148Estoy interesado en completar mi colección de <strong>revista</strong>s de Encuentro. Ca<strong>da</strong>día las uso más y más para mi trabajo académico. Aparte de útiles, sondeliciosas. ENRIQUE DEL RISCO (New Jersey. Vol.20. 2001. p.355)Encuentro ha resultado ser una publicación fun<strong>da</strong>mental e imprescindiblepara mi tesis doctoral. ANA BELÉN (Madrid. Vol. 21/22. 2001. p.299)Pode-se concluir dessas cartas que a recepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong> se manifesta pelareferência obti<strong>da</strong> como fonte de documentação, investigação rigorosa e pesquisas publica<strong>da</strong>s<strong>sob</strong>re a socie<strong>da</strong>de e a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na por diversas instituições superiores de ensino no mundo.Isto contribui para a reflexão de novos imaginários sociais a que Baczo teoriza a partir <strong>da</strong>spercepções <strong>sob</strong>re <strong>cultura</strong> e política <strong>em</strong> Cuba narra<strong>da</strong> pela <strong>revista</strong> Encuentro de la CulturaCubana.4.2.4. A EXPECTATIVA DOS LEITORES DA REVISTA ENCUENTRO DELA CULTURA CUBANAAs primeiras cartas dos leitores aparec<strong>em</strong> no segundo volume <strong>da</strong> Encuentro de laCultura Cubana e expressam a identificação com os objetivos <strong>da</strong> <strong>revista</strong> no lançamento deseu primeiro volume – a relação que se propõe numa perspectiva de diálogo de uma <strong>cultura</strong>que precede ao projeto ideológico e político. Percebe-se a expectativa dos leitores <strong>em</strong> que a<strong>cultura</strong> seja a referência de uma red<strong>em</strong>ocratização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na. Algumas opiniões sediferenciam quanto ao enfoque mais político ou <strong>cultura</strong>l. No entanto, prevalece o pontocomum <strong>da</strong> relação entres esses enfoques, apresentando a diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e política <strong>em</strong>Cuba, desde os que se encontram na Ilha até os que habitam fora.Neste it<strong>em</strong> que trata <strong>da</strong> expectativa dos leitores, foram incluídos os t<strong>em</strong>as <strong>em</strong> queos leitores dialogam questões <strong>sob</strong>re identi<strong>da</strong>de e reconciliação entre os <strong>cuba</strong>nos, porapresentar<strong>em</strong> com muita freqüência nas cartas. Foram classificados assim, porque tambémcorrespond<strong>em</strong> aos t<strong>em</strong>as dos artigos selecionados nesta pesquisa e faz<strong>em</strong> interligação com oconteúdo dos d<strong>em</strong>ais capítulos.O leitor Willy Rasmussen <strong>da</strong> Noruega se encontrava <strong>em</strong> Cuba, quando teve acessoao primeiro volume <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e pôde perceber o interesse despertado entre os <strong>cuba</strong>nos aoter<strong>em</strong> contato com a publicação, apesar dos rumores de proibição <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des <strong>sob</strong>re acirculação <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e argumentou acerca de sua leitura:


149...me parece un hito histórico en las relaciones pan<strong>cuba</strong>nas. (...) parece habercumplido cabalmente con su propósito de contribuir a que la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>naaparezca en su diversi<strong>da</strong>d, ya que incluye t<strong>em</strong>as muy variados desde elámbito político y religioso hasta el literario y artístico, y desde varios puntosde vista (…) WILLY RASMUSSEN. (Noruega. 1996. Vol.2. p.185)O leitor reforça a plurali<strong>da</strong>de de t<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos pela <strong>revista</strong>, mencionando-acomo um marco histórico para as “relações pan<strong>cuba</strong>nas”. O termo utilizado pelo leitor contémuma preocupação com a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na suplantar as marcas de uma separaçãohistórica e recuperar o contato entre os <strong>cuba</strong>nos de to<strong>da</strong>s as tendências por meio <strong>da</strong> <strong>revista</strong>,que abriga a diversi<strong>da</strong>de de uma nacionali<strong>da</strong>de transcontinental. Ain<strong>da</strong> que não esteja clara aorig<strong>em</strong> do leitor, apenas de onde escreve, revela sua <strong>em</strong>patia com a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na e com oque se publica <strong>sob</strong>re ela. A contribuição do leitor <strong>em</strong> mencionar a expressão “relaçõespan<strong>cuba</strong>nas” d<strong>em</strong>onstra sua participação dialógica na leitura <strong>da</strong>s entrelinhas do propósito <strong>da</strong><strong>revista</strong> e traduz o sentido <strong>da</strong> presença <strong>cultura</strong>l dos <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> diversas locali<strong>da</strong>des, que seinterconecta pela escrita. Ele deixa explícito o marco histórico que caracteriza a <strong>revista</strong>, adiversi<strong>da</strong>de de t<strong>em</strong>as e a forma de sua abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>, segundo vários pontos de vista, tornam-seatrativas para a comuni<strong>da</strong>de de leitores, principalmente para os <strong>cuba</strong>nos que necessitam deum espaço diferenciado de expressão.O leitor Aramís Machado também de Havana centra na questão <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>dede ter este espaço para analisar a reali<strong>da</strong>de política e <strong>cultura</strong>l de Cuba <strong>sob</strong>re outro ponto devista, “s<strong>em</strong> fanatismos e parciali<strong>da</strong>des”:Les escribo porque hace poco tuve la posibili<strong>da</strong>d de leer un ej<strong>em</strong>plar de la<strong>revista</strong> Encuentro de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, la que encontré muy interesante puesse analiza la situaci6n actual de Cuba sin fanatismos ni parcializaciones...Les hablo centrando mis ideas en la única <strong>revista</strong> de este tipo que ha llegadoa mis manos, que <strong>da</strong>ta del 97, en la que Rafael Rojas tiene un artículollamado «Políticas invisibles»... en reali<strong>da</strong>d es una lástima que muchos más<strong>cuba</strong>nos de dentro no tengamos acceso a una <strong>revista</strong> tan importante einteresante como lo es ésta que nos enseña otro punto de vista acerca de lareali<strong>da</strong>d y la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na. ARAMÍS MACHADO (La Habana. 1999. Vol.12/13. p.261)A carta seguinte reforça a <strong>cultura</strong> como veículo de possibili<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nça,dirigindo-se mais especificamente ao campo <strong>da</strong> literatura, com to<strong>da</strong> a diversi<strong>da</strong>de de seuuniverso, a forma pela qual os horizontes se ampliam e pod<strong>em</strong> livrar-se <strong>da</strong> imposição de umaúnica tendência:


150No dejen de publicar la ver<strong>da</strong>d, no dejen de publicar Encuentro, pues envuestra <strong>revista</strong> nos llega otra literatura que nos ensancha los horizontes y noshace libres de la tiranía de otras, tal como apuntase nuestro apóstol:“...conocer diversas literaturas es el medio mejor de libertarse de la tiranía dealguna de ellas; así como no hay manera de salvarse del riesgo de obedecerciegamente a un sist<strong>em</strong>a filosófico, sino nutrirse de todos...” DOUGLASMIGUEL ARIAS. (Centro Penitenciario Combinado del Este, Ciu<strong>da</strong>d de LaHabana. 2002. Vol. 24. p. 386)O esgotamento <strong>da</strong> experiência revolucionária <strong>cuba</strong>na é exteriorizado pelo mesmoleitor citado anteriormente, Angel W. Padilla Pina de São João de Porto Rico, numa cartacrítica à <strong>revista</strong>. Na carta seguinte, entretanto, ele afirma que os quarenta anos de revoluçãolevaram duas gerações a enfrentar<strong>em</strong> o simbólico e o real <strong>da</strong> instituição do paredão.Reivindica, então, o diálogo como meio de desconstruir o entrincheiramento ideológico:Son 40 años de revolución, de confrontación y paredón; es d<strong>em</strong>asiado. Losque nacieron con la revolución son padres y algunos abuelos, es hora de quetodos comenc<strong>em</strong>os a desmantelar nuestras propias trincheras y comenc<strong>em</strong>osa dialogar. ÁNGEL W. PADILLA PIÑA (San Juan de Puerto Rico. 1999.Vol.12/13. p.264)A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> aqui introduz o sentido que os leitores esperam <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, suacontribuição ao projeto de desconstrução <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> de uma socie<strong>da</strong>de dividi<strong>da</strong>, que se vê nacondição de viver <strong>sob</strong> a determinação de uma divisão <strong>da</strong> qual sua população não é autora. Aexpectativa de uma reconciliação é reforça<strong>da</strong> pelos leitores pela necessi<strong>da</strong>de de que as suasdiferenças sejam reconheci<strong>da</strong>s e livr<strong>em</strong>ente circula<strong>da</strong>s <strong>em</strong> território <strong>cuba</strong>no. Em segui<strong>da</strong> serãoapresenta<strong>da</strong>s as cartas que discut<strong>em</strong> os t<strong>em</strong>as <strong>sob</strong>re identi<strong>da</strong>de e reconciliação comoconstitutivos <strong>da</strong>s expectativas entre os <strong>cuba</strong>nos de fora e dentro.4.2.4.1. A TEMÁTICA DA IDENTIDADE NAS CARTAS À REVISTAENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANAUma <strong>da</strong>s expectativas dos leitores freqüent<strong>em</strong>ente expressa nas cartas é ad<strong>em</strong>an<strong>da</strong> de sentido de identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> um nível de resistência à totalização do sujeitoimposto pelo exclusivismo ideológico revolucionário. Ela transpõe a imag<strong>em</strong> limite queusurpa a autonomia do sujeito <strong>cultura</strong>l e político. A busca dessa identi<strong>da</strong>de é posta na


151estratégia de um espaço discursivo <strong>em</strong> que o signo <strong>da</strong> autonomia referencia um outro sentidode <strong>cultura</strong> e política, que supere a identi<strong>da</strong>de nacional como fenômeno historicamenteconstruído. A <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana assume a visão crítica de umaidenti<strong>da</strong>de nacional atrela<strong>da</strong> à reinvenção <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na pós-revoluicionária,conforme Eric Hobsbawn discute a reinvenção <strong>da</strong> nação, já citado no terceiro capítulo. Outracontribuição nesse sentido é de Bronislaw Baczo ao analisar como um novo poder se estruturase apoderando <strong>da</strong> imaginação social e, para isso, forja novos símbolos e rituais:...o poder deve apoderar-se do controlo dos meios que formam e guiam aimaginação coletiva. A fim de impregnar as mentali<strong>da</strong>des com novos valorese fortalecer a sua legitimi<strong>da</strong>de, o poder t<strong>em</strong> designa<strong>da</strong>mente deinstitucionalizar um simbolismo e um ritual novos. 229Não é a identi<strong>da</strong>de homogênea que se reivindica, mas a relação entre sujeitos evalores heterogêneos, pois não há identi<strong>da</strong>de absoluta e auto-suficiente que possa enquadrar atotali<strong>da</strong>de do ser na imag<strong>em</strong> pretensamente única. Homi Bhabha enfatiza, <strong>em</strong> sua concepçãode identi<strong>da</strong>de, a importância <strong>da</strong> heterogenei<strong>da</strong>de como discurso de <strong>em</strong>ancipação <strong>da</strong>sconstruções binárias que alimentam o que ele denomina de “ontologia negativa” 230 – um serconcebido <strong>em</strong> uma essência pura negadora de outra que esteja fora de sua construção. Oespaço <strong>cultura</strong>l, <strong>em</strong> sua visão, se abre para novas formas de identificação que perturbam atradição e “rasuram as políticas de oposição binária.” 231 Em sua perspectiva pós-colonial“...a identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l e a identi<strong>da</strong>de política são construí<strong>da</strong>s através de um processo dealteri<strong>da</strong>de.” 232Nessa perspectiva, a escrita define a representação de uma identi<strong>da</strong>de <strong>em</strong> que a<strong>cultura</strong> seja o “intervalo” entre o que fazer (ação política) e o saber (conhecimento e a arte). Oreconhecimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de se dá na relação <strong>da</strong>s diferenças <strong>cultura</strong>is, no intervalo entre aspolari<strong>da</strong>des políticas, no intercruzamento dos discursos de um e de outro. Para Bhabha“dissensão, alteri<strong>da</strong>de e outri<strong>da</strong>de” constitu<strong>em</strong> o saber político no espaço <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong>identificação do sujeito <strong>cultura</strong>l e político “ambivalente”. Ele sugere com a ambivalência umavisão mais dialógica do político, um “acontecendo” nas práticas de negociação entre osdiscursos antagônicos, produzi<strong>da</strong> por sujeitos <strong>cultura</strong>lmente híbridos e levados a uma luta229 BACZO, Bronislaw. Imaginação Social. Enciclopédia Einaudi. Vol.5. Imprensa Nacional-Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>..Porto. 1996. p. 302230 BHABHA, Homi. O Local <strong>da</strong> Cultura. Ed. UFMG. Belo Horizonte. 1998. p. 257231 Ibid<strong>em</strong>. p. 249232 Ibid<strong>em</strong>. p. 254


152contrária às polari<strong>da</strong>des negativas. A identi<strong>da</strong>de que não aliena outras perspectivas inaugura aultrapassag<strong>em</strong> <strong>da</strong>s barreiras que separam as instâncias representativas <strong>da</strong>s ações e concepçõessócio-políticas distintas na socie<strong>da</strong>de. E, conforme Bhabha, abre espaço para uma linguag<strong>em</strong>teórico-prática <strong>em</strong> que o princípio <strong>da</strong> “negociação” se coloque no lugar <strong>da</strong> “negação”. 233É nesta linha discursiva que as cartas apresentam uma busca identitária. Umaescrita dialógica entre autores e leitores que absorv<strong>em</strong> o contexto <strong>da</strong>s diferenças <strong>cultura</strong>is epolíticas, o ponto <strong>em</strong> que estas diferenças se encontram e são narra<strong>da</strong>s não numa perspectivade “negação” dos termos que simbolizam a Ilha e o exílio, mas de “negociação”.Em uma série de cartas dos primeiros volumes pode ser observa<strong>da</strong> a linguag<strong>em</strong>representativa <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de uma identificação entre os <strong>cuba</strong>nos que não seja polariza<strong>da</strong>entre a história dos exilados e a história dos que viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> Cuba.A leitora Lourdes Jiménez relata o significado de se ler a <strong>revista</strong> <strong>em</strong> Cuba, econforme a concepção de “identificação primária” de Jauss <strong>em</strong> que a recepção inicialmentese move pelo prazer estético e conduz a uma reflexão, na carta está implícita sua identificaçãopela relação entre o prazer e a reflexão possível que permeia as questões identitárias:(...) No se pueden imaginar lo que significa leerla aquí, en Cuba, cuando yauno piensa que nadie se ocupa en serio de lo que nos pasa. Es, no sé, comouna gran felici<strong>da</strong>d, así como una cura... LOURDES JIMÉNEZ. (La Habana.1997. Vol. 3. p. 190)A carta acima esboça um sentimento de quebra <strong>da</strong> barreira que se interpõe entreos que estão fora <strong>da</strong> Ilha e os que estão dentro. Para a leitora <strong>cuba</strong>na e residente na ci<strong>da</strong>de deHavana, a Encuentro de la Cultura Cubana lhe proporciona identificar-se com a reflexão coma qual a <strong>revista</strong> se ocupa e a festeja por imaginar que ninguém se encarregaria de aprofun<strong>da</strong>rou torná-la uma reali<strong>da</strong>de a ser seriamente discuti<strong>da</strong> entre os <strong>cuba</strong>nos. E, <strong>sob</strong>retudo, “leerlaaqui en Cuba”, como afirma, irrompe um sentimento de qu<strong>em</strong> encontra outras vozes <strong>em</strong> suaprópria, de maneira que um contato com a linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> <strong>revista</strong> lhe possibilita identificarvivências, pensamentos que se ass<strong>em</strong>elham <strong>em</strong> contextos <strong>da</strong>s diferenças e <strong>em</strong> um país <strong>em</strong>que essas possibili<strong>da</strong>des são reprimi<strong>da</strong>s.A proximi<strong>da</strong>de se efetiva pela s<strong>em</strong>elhança encontra<strong>da</strong> nas diferenças entre qu<strong>em</strong>produz e qu<strong>em</strong> observa, ou qu<strong>em</strong> cria o texto e qu<strong>em</strong> lê, e no interior de ca<strong>da</strong> um dessessujeitos, pois eles <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> de uma mesma <strong>cultura</strong> e se vê<strong>em</strong> ligados mesmo <strong>em</strong> distintas233 Ibid<strong>em</strong>. pp. 46-51


153histórias e lugares. Michel Foucault expressa <strong>em</strong> sua formulação <strong>sob</strong>re os sentidos <strong>da</strong>“s<strong>em</strong>elhança”, que é por meio dela que “os diferentes seres se ajustam uns aos outros”. 234Foucault afirma ain<strong>da</strong> que “...pelo encadeamento <strong>da</strong> s<strong>em</strong>elhança e do espaço, pela força dessaconveniência que avizinha o s<strong>em</strong>elhante e assimila os próximos, o mundo constitui cadeiaconsigo mesmo”. 235 O sentido de cadeia é o do elo que atrai os seres do passado e dopresente, de lugares distantes no t<strong>em</strong>po e no espaço assegurado pelo contínuo contato queretém a s<strong>em</strong>elhança. A correspondência entre as diferenças aproxima a s<strong>em</strong>elhança, o serbusca o seu s<strong>em</strong>elhante, porque assim encontra uma maneira de buscar-se a si mesmo,conhecer-se a si mesmo.A <strong>cuba</strong>ni<strong>da</strong>de, um conceito muito utilizado pelos colaboradores <strong>da</strong> Encuentro dela Cultura Cubana, busca situar a identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na desvincula<strong>da</strong> dos paradigmasrevolucionários do modelo soviético e castrista, que procuram reduzi-la numa concepçãouniversalizadora do ser. Dessa forma, quando um poder político-<strong>cultura</strong>l é unilateralmenteimposto, ele impede a convivência entre as diferenças identitárias.Essa questão é alerta<strong>da</strong> pelo leitor Andrés Jorge – escritor <strong>cuba</strong>no, residente naCi<strong>da</strong>de de México e colaborador <strong>da</strong> Encuentro – <strong>em</strong> que associa a concepção de identi<strong>da</strong>deà de d<strong>em</strong>ocracia, porque à medi<strong>da</strong> que a <strong>cultura</strong> cria espaços para manifestação de suadiversi<strong>da</strong>de, pressiona o campo político para que a d<strong>em</strong>ocracia permeie as estruturas depoder. A condição inversa também amplia as possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> se expressar, ou seja,quando o poder d<strong>em</strong>ocrático se institui, favorece a produção <strong>cultura</strong>l. Se essa relação não seestabelece por um impedimento político, t<strong>em</strong>-se uma d<strong>em</strong>ocracia “maltrata<strong>da</strong>” e o sentido deidenti<strong>da</strong>de também “maltratado”, como o leitor menciona “ya tan dis<strong>em</strong>ina<strong>da</strong> y maltra<strong>da</strong><strong>cuba</strong>ni<strong>da</strong>d”. Entretanto, a <strong>cultura</strong> se refaz na dinâmica social, cria sua própria feição, afirmasua autonomia resistindo aos entraves políticos. A expectativa do leitor traduz essa relação evislumbra na <strong>revista</strong> uma referência para a abertura de um processo <strong>cultura</strong>l e d<strong>em</strong>ocrático.Ele abor<strong>da</strong> os intelectuais como grupo que t<strong>em</strong> despertado expectativas <strong>em</strong> torno desse<strong>sob</strong>jetivos:ENCUENTRO llena un espacio importante para la ya tan dis<strong>em</strong>ina<strong>da</strong> ymaltrata<strong>da</strong> <strong>cuba</strong>ni<strong>da</strong>d y puede llegar a convertirse en un punto de referencia<strong>cultura</strong>l y de reunión de la intelectuali<strong>da</strong>d <strong>cuba</strong>na y puede, en fin, hacermucho por nuestra <strong>cultura</strong>, tanto por el grupo de intelectuales que de inicioha logrado aglutinar a su alrededor, como por las expectativas que despiertael fin mayor que se ha trazado: abrir un espacio d<strong>em</strong>ocrático serio a la234 FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Ed. Martins Fontes. São Paulo. 2002. pp.25-26235 Ibid<strong>em</strong>.


154expresión <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na. ANDRÉS JORGE. (Ciu<strong>da</strong>d de México. 1996.Vol. 2. p.185)José Kozer, poeta <strong>cuba</strong>no filho de judeus, mudou-se de Cuba <strong>em</strong> 1960 para osEstados Unidos, onde ain<strong>da</strong> reside.. Um dos fun<strong>da</strong>dores e colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong>, apontatambém <strong>em</strong> sua carta à <strong>revista</strong>, como leitor, que a Encuentro de la Cultura Cubana t<strong>em</strong>cont<strong>em</strong>plado o encontro <strong>em</strong> sua multiplici<strong>da</strong>de e diversi<strong>da</strong>de, a necessi<strong>da</strong>de que os <strong>cuba</strong>nospossu<strong>em</strong> de superar a marca <strong>da</strong> “improvisação” <strong>da</strong>s disputas entre a Ilha e a diáspora,vivencia<strong>da</strong> pela história do exílio <strong>cuba</strong>no. Ele escreve na condição de qu<strong>em</strong> está fora de Cuba,pois desde os 20 anos passou a viver afastado de sua nacionali<strong>da</strong>de e traz uma <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>namescla<strong>da</strong> de ju<strong>da</strong>ísmo. Com to<strong>da</strong> sua trajetória de desenraizamento, ain<strong>da</strong> assim, lança a vozreivindicativa de múltiplos encontros, e nessa multiplici<strong>da</strong>de está conti<strong>da</strong> a idéia de umencontro <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de do qual necessita a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, e não a barreira ou a disputaentre os diversos: “Una multiplicación de encuentros es lo que necesita Cuba, y no esaimprovisación de encontronazos que nos viene marcando desde hace ti<strong>em</strong>po.” JOSÉ KOZER(Nova York. 1996. vol.2. p.185)As duas cartas que se segu<strong>em</strong>, a de Teresa D. Page e do escritor camagueyanoKevin S. Guillén, ambos no exílio, mostram sua identi<strong>da</strong>de resgata<strong>da</strong> pelo contato com aliteratura <strong>cuba</strong>na presente na Encuentro de la Cultura Cubana por meio de seus interlocutoresliterários. Suas raízes <strong>cultura</strong>is são recoloca<strong>da</strong>s num patamar de ligações pessoais e sociais aque o regime político não pode manobrar indefini<strong>da</strong>mente a possibili<strong>da</strong>de de sua existênciaautônoma. Quando a leitora Teresa D. Page assinala nomes <strong>da</strong> literatura <strong>cuba</strong>na, comoHeberto Padilla, Gastón Baquero, Raul Rivero, talvez esteja reforçando o pressuposto de quea literatura, e de um modo geral a <strong>cultura</strong>, seja o trilho a ser percorrido para que a identi<strong>da</strong>de<strong>cuba</strong>na se torne livre <strong>da</strong> exclusivi<strong>da</strong>de ou do atrelamento a uma única ideologia. Na mesmadimensão o escritor Kevin S. Guillén pontua a m<strong>em</strong>ória <strong>da</strong>s leituras de sua adolescência e queo contato com a <strong>revista</strong> lhe devolve a l<strong>em</strong>brança <strong>da</strong> proximi<strong>da</strong>de com as letras <strong>cuba</strong>nas. Eleacrescenta ao encontro literário o sentido vital de uma dissidência ideológica e não tanto umadissidência política.Al venir a España lo hice pensando en lo que se conoce por el lugar comúnde «volver a las raíces». Mis abuelos paternos, sevillana la una y gallego elotro, me habían despertado desde ti<strong>em</strong>po atrás la curiosi<strong>da</strong>d por lo queto<strong>da</strong>vía llaman en Cuba, si bien a veces irónicamente, la Madre Patria.Ahora, en Sevilla, mientras disfruto de un ver<strong>da</strong>dero encuentro con lo mejorque se ha producido en <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na (en el exterior y dentro de la Isla),


155desconocido para mí, que salí de La Habana hace casi tres años, me doycuenta de que el reencuentro no ha sido solamente con mis raíces españolas,sino con mi propia identi<strong>da</strong>d <strong>cuba</strong>na actual. Los nombres de Heberto Padilla,Gastón Baquero, Raúl Rivero y tantos otros autores que aparecen en la <strong>revista</strong>Encuentro me revelan otra Cuba. La que viví y no conocí, la que lasligaduras invisibles del régimen se han encargado de escamotearle a migeneración a maravilla. TERESA DOVAL PAGE (San Diego, EUA. 1999.Vol.12/13. p.262)Soy un escritor camagüeyano que reside ahora en Cartagena de Indias. Sonmuchas cosas las que he reencontrado en Encuentro. Primero que na<strong>da</strong>recordé mi lectura adolescente de Las iniciales de la tierra y mi t<strong>em</strong>pranodeslumbramiento ante esta novela diferente en las letras <strong>cuba</strong>nas,deslumbramiento que me llevó a leer to<strong>da</strong> la obra de Jesús Díaz publica<strong>da</strong> enCuba. Me reencontré también con el Luis Manuel García que en miadolescencia más lejana aún escan<strong>da</strong>lizara a mi generación con lapublicación de «El caso Sandra» en la <strong>revista</strong> Somos Jóvenes, la cual nosllenó a todos de perpleji<strong>da</strong>d y desconfianza. Más aún me sentí contento alsaber que el pintor camagüeyano Rafael Zequeira, hacía parte de la <strong>revista</strong>.Encontrar a Rafael en Encuentro me confirmó el signo disidente de estapublicación y no hablo de una disidencia política sino de una disidenciaideológica y en última instancia vital. Encuentro es algo que se ha venidoformando durante mucho ti<strong>em</strong>po, mucho antes de que ustedes salieran deCuba, porque esta <strong>revista</strong> es bálsamo de muchos desencuentros. KEVINSEDEÑO GUILLEN (Cartagena de Indias, Colombia. 1999-2000. Vol.15.p. 249)Outra carta ressalta a identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, denomina<strong>da</strong> de “<strong>cuba</strong>nía”, como fator detranscendência aos estreitamentos <strong>da</strong> ord<strong>em</strong> institucional imposta:Ca<strong>da</strong> número de Encuentro es un ver<strong>da</strong>dero encuentro de nuestra <strong>cuba</strong>nía.Los <strong>cuba</strong>nos somos unos, los de acá y los de allá, por encima de lascontradicciones políticas que rigen hoy nuestra patria, algún día será que nosestrech<strong>em</strong>os las manos todos los <strong>cuba</strong>nos y digamos adiós a la dictadura y aloscurantismo que nublan el cielo de la isla. FARA A. REY. (Miami. 2000-2001. Vol.19. p. 206)A carta <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> abor<strong>da</strong> o discurso de uma identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na mais “caribenha einternacional” contrapondo-se ao isolamento <strong>da</strong> Ilha diante <strong>da</strong> tensão entre as forçasantagônicas. O leitor ao reivindicar uma identi<strong>da</strong>de caribenha busca esta tradução pelaproximi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l que Cuba possui diante do Caribe. Está se referindo a uma região<strong>cultura</strong>l pauta<strong>da</strong> pela ambigüi<strong>da</strong>de e por uma complexa diversi<strong>da</strong>de, aonde os movimentos


156migratórios conduz<strong>em</strong> a uma abertura e fluidez de <strong>cultura</strong>s diversas. 236 Ele vislumbra apossibili<strong>da</strong>de de que essa condensação de processos <strong>cultura</strong>is diversos, típica do Caribe,reflita <strong>sob</strong>re a abertura e fluidez também nas relações políticas. Essa identi<strong>da</strong>de aberta para ocontato com o mundo busca sua alternativa e o caminho próprio que amenize os conflitosentre a cúpula política <strong>em</strong> Cuba e a cúpula do exílio <strong>cuba</strong>no e absorva mais as diferenças doque tentar reprimi-las ou ignorá-las. Conforme expressa Joan Casanovas de Barcelona:El último número de la <strong>revista</strong> Encuentro ha que<strong>da</strong>do magnífico. La cali<strong>da</strong>dde los textos es excelente. Es muy necesaria la labor que lleváis a cabo: crearcanales de debate intelectual serios y bien llevados. Pienso que la <strong>revista</strong>debe encontrar la manera de impulsar más el que Cuba se sienta máscaribeña e internacional, de mitigar en lo posible el etnocentrismo al que seha visto sumergi<strong>da</strong>. La cúpula del exilio <strong>cuba</strong>no más intransigente hagenerado muchas tensiones con las otras comuni<strong>da</strong>des no WASP de la órbitaestadounidense, y por lo tanto con la mayoría de las comuni<strong>da</strong>des hispanasInsistir en la línea que propongo contribuiría a diluir estas tensiones, reforzaríaposicionamientos como el vuestro, que considero muy positivo.JOAN CASANOVAS. BARCELONA. (2000. Vol. 16/17. p.251)O leitor a seguir chama atenção para a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong> história dosexilados, fragmentados <strong>em</strong> sua trajetória e negados <strong>em</strong> sua representação, transformaram-sena “Geração N”, referi<strong>da</strong> na carta como “N” de não, o não pertencimento aos signos <strong>da</strong>identi<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na, <strong>da</strong> pessoa desloca<strong>da</strong> de suas raízes <strong>cultura</strong>is, refugiados <strong>em</strong> outros espaçoshistóricos. O exílio impõe uma alienação histórica e geográfica que subtrai do refugiado osvínculos sociais, <strong>cultura</strong>is e afetivos com sua comuni<strong>da</strong>de, retira-lhe a identi<strong>da</strong>de. A carta deJosé Badué questiona precisamente o ponto de ruptura imposto pelo exílio, o <strong>da</strong> retórica do“menos <strong>cuba</strong>no” construído ao longo do processo revolucionário, como se ele representasseuma condição inferior ao <strong>cuba</strong>no presente <strong>em</strong> seu território nacional, e por isso mesmoconsiderado “mais <strong>cuba</strong>no” ou mais “legítimo” que aquele que se encontra fora, do ponto devista oficial. Porque estar “dentro” ou estar “fora” é a referência do imaginário de fideli<strong>da</strong>de àpátria e à política nacionalista.…hace falta que Encuentro le preste más atención a la generación <strong>cuba</strong>naque nació o se crió en el exilio. Conoci<strong>da</strong> como la “Generación Ñ”, estegrupo jugó y está jugando un papel muy importante en nuestro desarrollocomo pueblo. Es interesante notar que ésta fue la generación que se crió nocon cuentos de ha<strong>da</strong>s, sino con cuentos de Cuba. Ésta es la generación que se236 ROJO, Antonio Benítez. La <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na hacia el nuevo milenio. Revista Encuentro… Madrid. Primaverade 2001. Vol.20. pp. 75-79


157crió con sus familias dividi<strong>da</strong>s, con dos idiomas, con conflictos deidenti<strong>da</strong>d, y queriendo un lugar que conocían sólo por los cuentos de otros.¿Acaso estas personas son menos <strong>cuba</strong>nas por ser víctimas de un ridículo ymiserable proceso histórico? La historia del exilio, sea en España, Miami oNueva York, to<strong>da</strong>vía está por escribir. Ojalá que algún día se reconozca lageneración que fue forza<strong>da</strong> a desarrollarse fuera de la Cuba material, pero node la Cuba eterna. JOSÉ BADUÉ (Nueva York. 1998. Vol. 8/9. p. 270)Uma questão essencial é abor<strong>da</strong><strong>da</strong> nas entrelinhas <strong>da</strong> carta acima, a situação doexílio presente <strong>em</strong> diversas conjunturas históricas de opressão política <strong>em</strong> que é posta arelação entre o cotidiano, os novos vínculos que se criam no território de acolhi<strong>da</strong>, e aprodução material e <strong>cultura</strong>l destes exilados. Viver no exílio requer a duplici<strong>da</strong>de de<strong>sob</strong>reviver ao desgaste <strong>da</strong> separação e recriar a identi<strong>da</strong>de aos signos de outra <strong>cultura</strong>, érecuperar a digni<strong>da</strong>de na incerteza de um lugar fora de suas raízes, de seu passado, de suahistória. Edward Said <strong>em</strong> Reflexões <strong>sob</strong>re o Exílio abor<strong>da</strong> como os escritores buscam <strong>em</strong> suasnarrativas transcender à dura reali<strong>da</strong>de do exílio, e diz haver uma diferença entre produzirliteratura do exílio e viver nele. A literatura ganha <strong>em</strong> produção, mas n<strong>em</strong> por isso pode seconsiderar beneficia<strong>da</strong>, pois se trata de refugiados que viv<strong>em</strong> objetivamente a experiência <strong>da</strong>angústia “extraterritorial” e sua escrita <strong>em</strong>erge <strong>da</strong> busca por uma respeitabili<strong>da</strong>de <strong>em</strong> umasituação que a digni<strong>da</strong>de lhe foi tira<strong>da</strong>. “Ver um poeta no exílio – ao contrário de ler a poesiado exílio – é ver as antinomias do exílio encarna<strong>da</strong>s e suporta<strong>da</strong>s com uma intensi<strong>da</strong>de s<strong>em</strong>par.” 237Uma outra abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>em</strong> que a <strong>cultura</strong> seja o registro <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pode ser li<strong>da</strong>pelo desabafo contido na carta de Tomás González, residente nas Ilhas Canárias:Cuando to<strong>da</strong> esta pesadilla pase, y uno pue<strong>da</strong> cagarse en la madre delpresidente y que por ello no te mande a matar, entonces la Revista será comola biblioteca de una <strong>cultura</strong> rescata<strong>da</strong>. Que Dios los bendiga por combatir aldepravado silencio! TOMÁS GONZÁLEZ (Islas Canarias. 2001. Vol. 20.p. 353)A referi<strong>da</strong> carta vislumbra o momento <strong>em</strong> que o “pesadelo” desse momento <strong>da</strong>história de Cuba seja superado e a <strong>revista</strong>, então, representará uma fonte de conhecimento <strong>da</strong><strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na para novas gerações que poderão reconhecer que o silêncio imposto foicombatido nas linhas de sua publicação e o acentua de forma contundente: “depravadosilencio”. O leitor oferece um reconhecimento antecipado ao que a <strong>revista</strong> pode vir a237 SAID, Edward. Reflexões <strong>sob</strong>re o Exílio e Outros Ensaios. Ed. Companhia <strong>da</strong>s Letras. São Paulo. 2.003.p.47


158representar para a história de Cuba e para sua produção historiográfica, a presença de umanarrativa de um contraponto à oficialmente determinante.A última carta seleciona<strong>da</strong> para a discussão <strong>sob</strong>re identi<strong>da</strong>de é simples na forma esignificativa <strong>em</strong> seu conteúdo. Ressalta a proximi<strong>da</strong>de entre os <strong>cuba</strong>nos por meio <strong>da</strong> <strong>revista</strong>por traduzir os el<strong>em</strong>entos que simbolizam a <strong>cultura</strong> popular, o seu cotidiano como “la música,el béisbol, el himno, la bandera, el tamal, el lechón assado, el arroz con frijoles o la materva”como pode ser observa<strong>da</strong>:Unas líneas para felicitarlos por el gran trabajo que realizan en mantenernoscerca a todos los <strong>cuba</strong>nos a través de la Revista Encuentro de la <strong>cultura</strong><strong>cuba</strong>na.Creo que todos deb<strong>em</strong>os buscar las cosas que nos unen como pueblo, ya seala música, el béisbol, el himno, la bandera, el tamal, el lechón asado, el arrozcon frijoles o la materva…. ÁNGEL W. PADILLA PIÑA. (San Juan dePuerto Rico. 1999. vol 12/13. p.264)Novamente o leitor Ángel W. Padilla contribui com sua intervenção, deixandoclaro os el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na que referenciam a proximi<strong>da</strong>de identitária entre seusconterrâneos, e se vê<strong>em</strong> representados por estes el<strong>em</strong>entos talvez mais do que por umatendência política. Aqui também se expressa o sentido que une os <strong>cuba</strong>nos correspondendo aosignificado de “<strong>cultura</strong> una”, abor<strong>da</strong>do no editorial do volume 1, e de “comuni<strong>da</strong>deimagina<strong>da</strong>" de Benedict Anderson, analisados no terceiro capítulo desta dissertação.4.2.4.2. A TEMÁTICA DA RECONCILIAÇÃO NAS CARTAS À REVISTAENCUENTRO DE LA CULTURA CUBANAO t<strong>em</strong>a <strong>da</strong> reconciliação se reproduz nas cartas porque t<strong>em</strong> sido uma questãohistórica a ser compreendido entre os <strong>cuba</strong>nos, e mais que isto, trata-se de ser colocado comosaí<strong>da</strong> para uma mu<strong>da</strong>nça o menos trágica possível dentro <strong>da</strong> frágil relação delinea<strong>da</strong> entresocie<strong>da</strong>de e suas estruturas de poder. A reconciliação é o signo que norteia o discursoenunciado pelas cartas <strong>em</strong> diálogo com os artigos <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. A ruptura com o binarismo<strong>cultura</strong>l e político narrado <strong>sob</strong>re diferentes códigos – como os de “dentro” e os de “fora”,“revolucionários” e “anexionistas”, os de “cá” e os de “lá”, “amigos” e “inimigos” <strong>da</strong> naçãoou <strong>da</strong> revolução, e uma infini<strong>da</strong>de de dualismos que a história pós-revolução de 1959construiu – apresenta-se como expectativa dessa comuni<strong>da</strong>de de leitores que se junta a dos


159autores <strong>em</strong> torno de uma narrativa que traduza a incorporação <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> do Outro,continuamente nega<strong>da</strong>, à identi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l <strong>cuba</strong>na <strong>em</strong> sua diversi<strong>da</strong>de. Reafirma-se arelação entre as diferenças de Um e Outro para que a <strong>cultura</strong> se mova, não pela negação quecristaliza todo obscurantismo de uma visão exclusivista ou essencialista.No volume dois a carta de Daniele Capanelli <strong>da</strong> Universitá di Pisa d<strong>em</strong>onstracomo a reconciliação entre os <strong>cuba</strong>nos de “dentro” e de “fora” pode percorrer um caminhodiferente que garanta a existência de uma “socie<strong>da</strong>de plural”. É importante ressaltar nessacarta a condição esboça<strong>da</strong> de um diálogo que não seja produto de centro de poder e n<strong>em</strong>promovido por enti<strong>da</strong>de política ou partido político, expressa uma linha de pensamentoindependente que aspira uma mu<strong>da</strong>nça pela presença e influência do debate de idéias. Odesgaste <strong>da</strong>s instituições de poder t<strong>em</strong> provocado a falta de confiança de parte do pensamento<strong>cuba</strong>no, como se pode perceber <strong>da</strong> expressão <strong>da</strong> leitora, que não vê saí<strong>da</strong> d<strong>em</strong>ocrática noâmbito <strong>da</strong>s estruturas oficiais e, <strong>da</strong> mesma forma <strong>da</strong>s organizações de cunho partidário nãooficiais. A carta aponta uma reconciliação que não seja manipula<strong>da</strong> por nenhuma destasesferas de atuação política e deixa entender que, para alcançá-la, é através dorestabelecimento dos direitos sociais conjugados com a justiça, s<strong>em</strong> muito aprofun<strong>da</strong>r decomo isto se viabilizaria:Creo que vuestra iniciativa es digna de todo aprecio, bien ensambla<strong>da</strong>gráficamente y de contenido lo suficient<strong>em</strong>ente vario como para <strong>da</strong>rle libre yrespetuosamente cabi<strong>da</strong> en sus páginas a opiniones y posturas incluso muydistintas. Está bien que los de “dentro” y los de “fuera” tengan a su alcanceun medio que, precisamente por salirse de los cauces más acostumbrados yno estar manejado por enti<strong>da</strong>des políticas ni centro de poder alguno, seencuentra en condiciones, fomentando un debate serio y civilizado, deprefigurar aquella venidera “socie<strong>da</strong>d plural” a la que hacéis referencia en laintroducción (...) La <strong>revista</strong> no ignora que no podrá haber paz ni ver<strong>da</strong>derareconciliación (y tampoco, con anteriori<strong>da</strong>d, diálogo fructífero) sinplantearse, desde hoy, la exigencia de conjugar la convivencia y elrestablecimiento de los derechos con la justicia... En fin, muy bien y adelante!DANIELE CAPANELLI (Universitá di Pisa. Itália 1996. vol.2.p.185)Carmelo Mesa-Lago 238 além de colaborador <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana,escreveu, como leitor, uma carta no final do ano de 1996 d<strong>em</strong>onstrando apreciar a <strong>revista</strong> e238 Carmelo Mesa-Lago é destacado economista <strong>cuba</strong>no com formação <strong>em</strong> Direito e reside nos Estados Unidos.Publicou vários livros <strong>sob</strong>re economia e o socialismo <strong>em</strong> Cuba : (Revolutionary Change in Cuba,1971; Cuba inthe 1970’s, 1974; The Economy of Socialist Cuba: A Two-Decade Appraisal,1981; Cuba After the ColdWar,1993; Breve historia económica de la Cuba socialista: Políticas, resultados, y perspectivas,1994;Economia y bienestar social <strong>em</strong> Cuba a comienzos Del siglo XXI, 2003, entre outros), editou <strong>revista</strong>s como


160destacou a repercussão que esta t<strong>em</strong> alcançado ao que ele denomina de “Ilha oficiosa”:He leído el número 1 y me ha gustado mucho, ad<strong>em</strong>ás parece tener fuerteinfluencia como indica la reacción de la Isla oficiosa.” CARMELO MESA-LAGO (Pittsburgh. 1997. Vol. 3. p.190)Trata-se de uma carta breve, mas que contém uma observação característica dopresente contexto simbólico expresso pela “reação <strong>da</strong> Ilha oficiosa”, referindo-se à parcela <strong>da</strong>população <strong>cuba</strong>na que não compartilha com a ideologia oficial e à influência que a <strong>revista</strong>proporciona neste meio, o que nos faz pensar na existência do imaginário também de uma‘Ilha oficial’ que, por sua vez, t<strong>em</strong> uma reação contrária quanto à abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> <strong>revista</strong>. Acarta compartilha a compreensão de uma comunicação que circula no interior de uma situaçãooficial adversa, <strong>em</strong> que se busca o movimento de idéias entre os leitores. É o sinal de umaresistência que se constrói no debate <strong>da</strong>s idéias ao que se impôs como divisão entre a chama<strong>da</strong>“Ilha oficial” e a “Ilha oficiosa”. São denominações que retratam a imag<strong>em</strong> inverti<strong>da</strong> de umreal forjado para justificar a fragmentação.Essa fragmentação entre os <strong>cuba</strong>nos se instituiu pelo discurso reproduzido paraalimentar a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> oficial revolucionária, mas que, por outro lado, o contradiscursoestá presente na linha editorial, <strong>em</strong> vários artigos como também nas cartas dosleitores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, compondo uma outra representação ou outrasrepresentações no atual contexto histórico de Cuba. É também uma questão de <strong>sob</strong>revivênciapara os <strong>cuba</strong>nos, assim como morar, alimentar-se, vestir-se, trabalhar, estu<strong>da</strong>r, enfim, é ver ofim desta classificação que v<strong>em</strong> separando famílias, amigos, revolucionários, religiosos,profissionais ao longo de quase cinco déca<strong>da</strong>s.Cubanos <strong>em</strong> outros cantos do mundo expressam o mesmo sentimento deidentificação com o espaço criado pela <strong>revista</strong> para o diálogo internacional, como relata acarta de Cristina Piza <strong>em</strong> Londres:Uno de los sentimientos sofocantes tanto de La Habana como de Miami esel constante separatismo que hay entre <strong>cuba</strong>nos y extranjeros, entre nonCuban miamians, etc… Era necesario un espacio donde se intercambiaranEstudos Cubanos pela Universi<strong>da</strong>de de Pittsburgh <strong>em</strong> Miami, <strong>da</strong> qual foi diretor do Centro de Estudos <strong>sob</strong>reAmérica Latina. Além disso t<strong>em</strong> publicado diversos ensaios na Encuentro de la Cultura Cubana acerca <strong>da</strong>situação econômica, política e do sist<strong>em</strong>a de seguri<strong>da</strong>de social <strong>em</strong> Cuba. Ele foi secretário geral do Banco deSeguri<strong>da</strong>de Social de Cuba no primeiro ano <strong>da</strong> Revolução, e no início dos anos 1960 se estabeleceu <strong>em</strong> Miami,onde reside até os dias de hoje. Carmelo Mesa-Lago recebeu homenag<strong>em</strong> <strong>da</strong> <strong>revista</strong> no volume 34/35 no iníciodo ano de 2005.


161muchas cosas, que den aire y nuevas brisas a la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, que a vecesla siento tan centrípeta. CRISTINA PIZA. (Londres. 1997. vol.4/5. p. 255)Por meio <strong>da</strong>s cartas, pode-se perceber que a Encuentro de la Cultura Cubana t<strong>em</strong>propiciado a discussão entre <strong>cuba</strong>nos <strong>em</strong> diferentes países <strong>sob</strong>re sua reali<strong>da</strong>de nacional,configurando uma rede de ramificações do intercâmbio comunicativo de sua <strong>cultura</strong>. A leitorareforça um <strong>da</strong>do na relação entre <strong>cuba</strong>nos e estrangeiros, e os <strong>cuba</strong>nos que não são <strong>cuba</strong>nomiamenses.Esta é uma questão historicamente solidifica<strong>da</strong> pelos estereótipos pósrevolucionários,<strong>em</strong> que os carimbos ‘amigos’ e ‘inimigos’ <strong>da</strong> Revolução se generalizaram eserviram às explicações <strong>sob</strong>re os retrocessos ou avanços no processo histórico de Cuba pós-59. To<strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de no desenvolvimento do socialismo <strong>em</strong> Cuba se atribuía externamente aoimperialismo ianque, ao seu <strong>em</strong>bargo econômico respal<strong>da</strong>do pelos setores ligados àdenomina<strong>da</strong> direita <strong>cuba</strong>na de Miami. 239 E as conquistas eram ti<strong>da</strong>s como glória do modelode socialismo construído na Ilha. Todos aqueles fora de Cuba eram considerados alinhados àdireita de Miami e que, por sua vez, não se aproximavam também <strong>da</strong>queles <strong>cuba</strong>nos que nãofoss<strong>em</strong> declarados anti-Fidel, onde quer que estivess<strong>em</strong>. Uma divisão era instituí<strong>da</strong>, a dos<strong>cuba</strong>nos miamenses, considerados historicamente, desde a Revolução, os mais radicais contraFidel Castro, e os não-miamenses, como denomina a leitora Cristina Piza. Nessa conceituaçãoa conotação é mais política que geográfica, pois se refere àqueles que estão fora de Cuba, masnão se alinham a uma posição <strong>da</strong> tradicional direita de Miami e, por isto, a barreira <strong>em</strong> ser<strong>em</strong>aceitos pelos <strong>cuba</strong>nos miamenses. Isto estabeleceu uma dificul<strong>da</strong>de de comunicação entre<strong>cuba</strong>nos, fora destes paradigmas pré-fixados, que impuseram o silêncio ou o medo <strong>em</strong> serinscrito <strong>em</strong> uma destas representações. Portanto, <strong>em</strong> geral, as cartas assum<strong>em</strong> o desejo de umaoutra forma com que os <strong>cuba</strong>nos possam ser reconhecidos, livres de qualquer que seja o cercofronteiriço de ideologias separatistas e sufocantes à individuali<strong>da</strong>de e à <strong>cultura</strong>.O poeta <strong>cuba</strong>no Yoel Mesa Falcón <strong>em</strong> sua carta à <strong>revista</strong> enfatiza o afastamentodos fanatismos como forma de enfrentamento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na para superar a ruptura pósrevolucionária.Ele situa a <strong>revista</strong> como sendo o ponto possível de “resgate <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na”, s<strong>em</strong> prejuízo de nenhuma posição. O termo totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> utilizadopelo poeta reflete a preocupação com o divisionismo que os <strong>cuba</strong>nos estão submetidos ereforça a condição de reconciliação entre um e outro, do que propriamente uma pretensãoholística de seu significado teórico-<strong>cultura</strong>l:239 PÉREZ-STABLE, Marifeli. Misión cumpli<strong>da</strong>: de cómo el gobierno <strong>cuba</strong>no liquidó la amenaza del diálogo.Revista Encuentro… Madrid. Verano de 1996. Vol. 1. pp. 25-31


162Soy un poeta y ensayista <strong>cuba</strong>no que vive en México desde 1992. He leídoalgunos números de Encuentro y me ha parecido una publicación quenecesitábamos, que llena un vacío, al <strong>da</strong>r a conocer lo que unos ocultan y loque otros desprecian. El punto en que se sitúa la <strong>revista</strong> es el justo eimprescindible para rescatar la totali<strong>da</strong>d de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na, y no una partepreconcebi<strong>da</strong> de ella por prejuicios de uno u otro tipo. Me parece meritoriohaber realizado homenajes necesarios, equidistantes de los fanatismos deuno u otro color. No con otro espíritu pod<strong>em</strong>os los <strong>cuba</strong>nos enfrentar elfuturo. YOEL MESA FALCON (México. 1999-2000. vol.15. p. 245)Para qu<strong>em</strong> a experiência socialista representou tanto quanto o mundo capitalistafoi capaz de negar a <strong>cultura</strong>, a política e a economia adversária, de como a guerra friaalimentou no mundo a idéia de sua grande cisão <strong>em</strong> blocos impermeáveis, <strong>em</strong> constantesdisputas, é exigir muito que essa pessoa com tal grau de compreensão, tendo vivido nacondição de negação de uma <strong>cultura</strong> pela outra, continue sustentando indefini<strong>da</strong>mente asmesmas representações <strong>em</strong> conflito. Quando o mundo, objetivamente, clama pela ruptura<strong>da</strong>s fronteiras territoriais, <strong>cultura</strong>is e políticas, o esquecimento <strong>da</strong> experiência fraciona<strong>da</strong> seinsurge buscando situações de troca e vivências históricas que se somam e não se subtraiamuma <strong>da</strong> outra. O leitor Jorge Carrigan escreve na perspectiva de uma posição aonde a arte e a<strong>cultura</strong> ocup<strong>em</strong> o lugar na representação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e sejam o “centro” <strong>da</strong> governabili<strong>da</strong>de.É um discurso que mostra que as utopias políticas e ideológicas foram frustra<strong>da</strong>s e uma novautopia se apresenta, a relevância do fator <strong>cultura</strong>l como representação <strong>sob</strong>re “cualquiertendencia política”:La llega<strong>da</strong> a mis manos, aunque con un poco de retraso, de varios de losprimeros números de la <strong>revista</strong> Encuentro de la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na fue una granalegría ad<strong>em</strong>ás de la confirmación de que se puede hacer una <strong>revista</strong>profun<strong>da</strong> en su contenido y que, sin <strong>em</strong>bargo, su lectura sea amena, por locual debo comenzar felicitando a los editores. Los felicito también porqueesta publicación propicia el tendido de puentes que durante mucho ti<strong>em</strong>po havenido reclamando la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na y que en tantas ocasiones se ha vistoabortado por priorizar las posiciones políticas de un extr<strong>em</strong>o u otro. Pero eltendido de puentes propuesto por Encuentro tiene la virtud de que nodes<strong>em</strong>boca en uno de los lados sino en el centro, en ese territorio en el cualgobiernan el arte y la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>nas y que nos representan mejor quecualquier tendencia política. He ahí, en mi opinión, el motivo del éxito deEncuentro. JORGE CARRIGAN (Montreal. 1999. vol.12/13. p.262)A posição de “centro” também é proposta pela leitora Juana Lidia González deHavana. Ela afirma não celebrar posturas agressivas ou apologéticas de qualquer que seja a


163concepção, tanto do governo de Cuba, quanto de publicações que possam expressar oposição.Não está muito clara qual publicação a leitora se refere, quando menciona a crítica àsapologias de algumas publicações e estações de rádio, mas coloca-se até certo ponto comoprincípio o caminho do “meio”, do “centro” e do “equilíbrio” para uma saí<strong>da</strong> não agressivadiante do impasse político:La <strong>revista</strong> Encuentro llegó a mis manos prácticamente por casuali<strong>da</strong>d y heleído dos de sus números del año 97. En primer lugar celebro su meridianaobjetivi<strong>da</strong>d. No soy de los que celebran al gobierno actual de Cuba, perotampoco me gusta caer en las ingenuas apologías que a menudo realizanotras publicaciones o estaciones radiales. (...) Creo que la confrontaciónagresiva no conduce a parte alguna y que no hay mejor camino que el delmedio, el centro, el equilibrio y la armonía entre los seres humanos...JUANA LIDIA GONZÁLEZ. (La Habana. 1998. vol. 10. p. 190)José Rivero García de Havana apresenta <strong>em</strong> sua carta no volume 2 o desejo <strong>da</strong>d<strong>em</strong>ocracia <strong>em</strong> seu país, onde o contexto <strong>cultura</strong>l seja preponderante no posicionamento nesteterreno, pois pode atuar independente <strong>da</strong>s disputas ideológicas:En este número, donde hay un sancocho apetecible, nos <strong>da</strong>mos ca<strong>da</strong> vez(más) cuenta de que el contexto <strong>cultura</strong>l, independient<strong>em</strong>ente de los perfilesideológicos, resulta apropiado para promover lo que todos, en definitiva,deseamos: un país d<strong>em</strong>ocratizado. JOSÉ RIVERO GARCÍA. (Havana.1996. vol.2. p.185)Uma outra forma de expressão do mesmo sentimento de que a <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>nadeverá encontrar o caminho entre “los de Aqui y los de Allá” é apontado pelo leitor EzequielOviedo de Cuba. Ele abor<strong>da</strong> o ponto <strong>em</strong> que as controvérsias sejam absorvi<strong>da</strong>s no âmbito <strong>da</strong>“d<strong>em</strong>ocracia”, destaca<strong>da</strong> <strong>em</strong> letras maiúsculas na carta. Talvez preten<strong>da</strong> reforçar o discurso deque a d<strong>em</strong>ocracia passa pela absorção <strong>da</strong>s razões divergentes <strong>da</strong>s posições políticas e seencontra no contato entre uma e outra. Não é subtraindo uma tendência ou outra <strong>em</strong> nome deuma suposta causa maior que se estabelece uma estrutura social d<strong>em</strong>ocrática.Referente a la Revista, ¿qué le podré decir que no me interese? A mí meinteresan «los sí», pero también, ¿y por qué no? «los no». Considero que esuna forma de entendernos y sacar provecho de ca<strong>da</strong> uno. Aunque aquí en losmedios oficiales, la han puesto en el INDEX revolucionario, no estoy deacuerdo, porque la razón es relativa y entre el blanco y el negro existe unmatiz llamado DEMOCRACIA. Por suerte, he podido conseguir otros


164números de Encuentro y como es lógico, mi visión se ha ampliado, no por lasabi<strong>da</strong> controversia entre los de Aquí y los de Allá, sino porque todos, todos,ten<strong>em</strong>os derecho a opinar y reflexionar de acuerdo a nuestros principios.Continúen en sus <strong>em</strong>peños, que <strong>da</strong>ño no hace. Al contrario. Sólo lamientoque esta <strong>revista</strong> no pue<strong>da</strong> llegar a todos. EZEQUIEL OVIEDO (Matanzas,Cuba. 1999-2000. Vol. 15. p. 247)O leitor eluci<strong>da</strong> a troca de opiniões, o aproveitamento de uma e outra numapossível relação de igual<strong>da</strong>de entre os homens. Se pensar que, do ponto de vista social, osocialismo apresentou uma experiência com desigual<strong>da</strong>des não tão avassaladoras como nomundo capitalista, porque a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> foi elimina<strong>da</strong>, é de se supor que as relaçõespolíticas transcorreriam <strong>em</strong> situações que não precisass<strong>em</strong> privilegiar uma classe <strong>em</strong>detrimento de outra, as relações de troca na esfera do poder social seriam refleti<strong>da</strong>s no poderpolítico. Mas essa mesma experiência t<strong>em</strong> mostrado que as relações políticas não seencontram organicamente presas a uma condição de classe. Não depend<strong>em</strong> somente de umaposição sócio-econômica, mas também do campo do saber, do conhecimento, do pensamentoconvergindo para um raio de ações e reflexões múltiplas que produz<strong>em</strong> o efeito interativo oude pressão <strong>sob</strong>re as representações do poder político.Dessa forma, a carta suscita a reflexão a que Claude Lefort faz <strong>em</strong> sua referênciaao pensamento de Hannah Arendt <strong>sob</strong>re a questão do político, a relação entre “igual<strong>da</strong>de evisibili<strong>da</strong>de”. Esta relação concebe o poder como um espaço político que dê visibili<strong>da</strong>de atodos os homens <strong>em</strong> cena pública com suas diferenças, “na qual os homens se defin<strong>em</strong>,apreend<strong>em</strong>-se reciprocamente como iguais.” 240 As decisões são toma<strong>da</strong>s por uma troca entreiguais do ponto de vista dos direitos políticos, não iguais <strong>em</strong> termos sócio-<strong>cultura</strong>is. É umadiferença significativa porque pressupõe uma igual<strong>da</strong>de que viabilize a relação d<strong>em</strong>ocráticaentre os homens, não uma igual<strong>da</strong>de que estabeleça a unilaterali<strong>da</strong>de de uma únicarepresentação <strong>cultura</strong>l e política. Na interpretação de Lefort <strong>sob</strong>re o pensamento de HannahArendt questiona o sentido unilateral com que os discursos de d<strong>em</strong>ocracia são veiculados, eafirma o seu oposto, o que é não ser “um”, mas um “mundo comum de múltiplos: A própriaexistência desse espaço é a condição de aparecimento de um “mundo comum”, um mundoque não é um, mas se mostra como o mesmo, porque se encontra <strong>da</strong>do à multiplici<strong>da</strong>de deperspectivas.” 241240LEFORT, Claude. Pensando o Político. Ensaios <strong>sob</strong>re d<strong>em</strong>ocracia, revolução e liber<strong>da</strong>de. Rio deJaneiro. Paz e Terra. 1991. p. 69.241 Ibid<strong>em</strong>. p. 70.


165O discurso anti-divisionista entre os leitores é freqüent<strong>em</strong>ente reiterado, buscandoencontrar na narrativa <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana esta identificação, comotest<strong>em</strong>unha de maneira contundente a carta <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> do <strong>cuba</strong>no Alberto Alvarez, residenteno Canadá:Encuentro... logra varios encuentros, pero de por sí dos ya son suficientes. Elprimero: aunar los creadores de la isla y el exilio, rompiendo divisiones, enun clima de tolerancia y respeto difícil de lograr —si no imposible— en losmedios <strong>cultura</strong>les del país que ejecutan la des-orientación de que vanguardiapolítica e intelectual convergen en la revolución, entendiendo por ésta lapolítica oficial y «combatiendo» lo d<strong>em</strong>ás. En el VI Congreso de la UNEACque acaba de concluir, Retamar, en lectura del documento Cultura ySocie<strong>da</strong>d, expresó «La <strong>cultura</strong>... es el rostro coherente, unitario, de unasocie<strong>da</strong>d». Nosotros pod<strong>em</strong>os rebatir — con certeza — que, por el contrario,la <strong>cultura</strong> es el reflejo; las imágenes y la obra coherente pero si<strong>em</strong>pre diversade la socie<strong>da</strong>d, de su entorno y de su época. Las percepciones que ambosconceptos encierran son muy distintas. La nuestra enfatiza lo que la primeradeja a un lado — lo diverso —. Cuba y su <strong>cultura</strong> no podrán sercomprendi<strong>da</strong>s vistas bajo la monofonía, el mito de la excepcionali<strong>da</strong>d<strong>cuba</strong>na en ti<strong>em</strong>po y espacio, ni mediante el enlace forzado entre patria,socialismo y líder carismático. (…) Conformando una tolerancia ver<strong>da</strong>dera(con los <strong>cuba</strong>nos de to<strong>da</strong>s partes) que respete el más amplio pluralismo,buscando en el debate y las libres ideas la solución de la grave crisiseconómica, social y de valores que padece Cuba, ustedes pueden aportarmucho al desarrollo de nuestra <strong>cultura</strong> y su multiplici<strong>da</strong>d de creaciones,enfoques y reflexiones. Como ustedes han afirmado «la <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na esuna». Así será gústele a quien le guste. Mis sinceras felicitaciones a todo elcolectivo. ALBERTO ALVAREZ. (Canadá. 2000. Vol.16/17. p. 248)Na carta de Alberto Alvarez, o discurso anti-divisionista assinalado mencionaduas concepções de <strong>cultura</strong>. A primeira refere-se à visão <strong>da</strong> vanguar<strong>da</strong> oficial, que concebe<strong>cultura</strong> como manifestação “coherente” e “unitaria” <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, citando o pronunciamentode Roberto Fernández Retamar no Congresso <strong>da</strong> União Nacional de Escritores e ArtistasCubanos (UNEAC). A outra concepção li<strong>da</strong> com a idéia de <strong>cultura</strong> abor<strong>da</strong><strong>da</strong> pela <strong>revista</strong>como imag<strong>em</strong> <strong>da</strong>s diferenças, <strong>em</strong> que ressalta o “diverso” como essência <strong>da</strong> concepção de<strong>cultura</strong>. Deixa clara a distinção entre <strong>cultura</strong> unitária e <strong>cultura</strong> una, sendo que a primeirasegue servindo à “monofonia”, segundo o leitor, de uma ord<strong>em</strong> s<strong>em</strong> tropeços entre pátria,poder e socialismo. A segun<strong>da</strong>, a idéia de <strong>cultura</strong> una, reafirma a representação <strong>da</strong> tolerância àmultiplici<strong>da</strong>de de suas abor<strong>da</strong>gens, de seus enfoques criativos e de sua diversi<strong>da</strong>de. Estaconcepção pretende <strong>em</strong> sua definição de “una” pactuar as divisões entre a Ilha e o exílio,entre “revolucionários” e “não-revolucionários”.


1665. CONCLUSÃOA conclusão de um trabalho d<strong>em</strong>an<strong>da</strong> um esforço de síntese que, <strong>em</strong> geral, asdificul<strong>da</strong>des são as primeiras a ser<strong>em</strong> pensa<strong>da</strong>s. Primeiro a definição do objeto queinicialmente se apresenta de um modo, e no decorrer <strong>da</strong>s leituras e dos fichamentos é quaseinevitável sua redefinição. Em segundo, o cui<strong>da</strong>do com a correspondência entre a hipótese e odesenvolvimento <strong>da</strong> pesquisa.Ao deparar-me com o estudo de <strong>revista</strong>, como curiosi<strong>da</strong>de na apreensão do que sepoderia extrair à investigação historiográfica, sua capaci<strong>da</strong>de de extensão foi se avolumandode tal modo que o entusiasmo extrapolava o próprio campo <strong>da</strong> historiografia. Dessa forma,para não penetrar <strong>em</strong> áreas como, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>da</strong> comunicação e literatura, que s<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>trariam grande contribuição à pesquisa, mas exigiriam um conhecimento além do que sepoderia alcançar num intervalo de t<strong>em</strong>po de viabilização <strong>da</strong> pesquisa, foi preciso reencontrarmecom o objeto, num diálogo estabelecido por meio <strong>da</strong> troca entre o que o objeto ofereceriae o que seria estu<strong>da</strong>do.A primeira dificul<strong>da</strong>de foi resolvi<strong>da</strong> na definição de que a <strong>revista</strong> não seriatrabalha<strong>da</strong> na totali<strong>da</strong>de de seus artigos, e n<strong>em</strong> na totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s t<strong>em</strong>áticas abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong>que estimulass<strong>em</strong> a curiosi<strong>da</strong>de e o interesse <strong>em</strong> trazê-las junto à pesquisa. A pesquisaculminou no desenvolvimento do t<strong>em</strong>a <strong>cultura</strong> e política que se aproxima do debateestabelecido pelos autores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana <strong>sob</strong>re uma nova relação entreCuba e exílio, dentro <strong>da</strong> varie<strong>da</strong>de de seu conteúdo e de formas de linguag<strong>em</strong> apresenta<strong>da</strong>spela publicação.E o resultado do diálogo veio, então, <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação: dentro do universo de t<strong>em</strong>asque uma <strong>revista</strong> de envergadura acadêmica possui, qual a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de que tanto a fonte doobjeto me interessaria e ofereceria acréscimos <strong>em</strong> termos de conhecimento particular e social;quanto aquela <strong>em</strong> que meu esforço poderia oferecer e contribuir ao objeto investigado. Asleituras dos editoriais e artigos apontaram o caminho desse diálogo. Fui percebendo como setornavam visíveis as idéias <strong>sob</strong>re o sentido histórico que a <strong>cultura</strong> vislumbra <strong>sob</strong>re o real e decomo é abor<strong>da</strong><strong>da</strong> na relação com as necessi<strong>da</strong>des políticas de um determinado contexto.Durante o trabalho procurei d<strong>em</strong>arcar a presença de um poder discursivo dessa relação. Isto é,como a <strong>cultura</strong> <strong>em</strong> sua heterogenei<strong>da</strong>de pode ser referência de uma nova maneira de pensar oprocesso político também fun<strong>da</strong>mentado na heterogenei<strong>da</strong>de. Esse foi o ponto essencial do


167pensamento <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana que procurei investigar e retratar a partir deseus editoriais, artigos e cartas.Como a hipótese centrou na questão de que maneira a <strong>cultura</strong> e a política sãotrata<strong>da</strong>s pela <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, t<strong>em</strong>as afins foram sendo incorporadose se tornavam imprescindíveis na tradução de uma representação específica do pensamento<strong>cuba</strong>no atual. Na correspondência entre <strong>cultura</strong> e política, envolvia a discussão <strong>em</strong> torno <strong>da</strong>concepção teórica de identi<strong>da</strong>de, nação, exílio, as relações e diversi<strong>da</strong>des que ca<strong>da</strong> categoriadesta contém, assim como as relações entre elas.Uma constatação importante do resultado desse estudo é de que, dentro <strong>da</strong>diversi<strong>da</strong>de discursiva presente na <strong>revista</strong>, há um ponto <strong>em</strong> que converg<strong>em</strong> colaboradores(por meio dos editoriais e artigos) e leitores (por meio <strong>da</strong>s cartas) <strong>em</strong> direção a uma novamaneira de conduzir a política que deverá cont<strong>em</strong>plar as contradições, a diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l eas contribuições dos diferentes setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de dentro e fora de Cuba. Esse ponto deconvergência é o que justifica o nome <strong>da</strong>do à <strong>revista</strong> – Encuentro de la Cultura Cubana – quebusca representar a iniciativa do diálogo entre Cuba e o exílio a partir de uma nova percepção<strong>da</strong> <strong>cultura</strong> e política. Nesse sentido, há uma coerência discursiva entre editoriais, artigos ecartas <strong>em</strong> torno dos objetivos propostos pela <strong>revista</strong>.. Contudo, as diferenças se encontramabertas no espaço <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e são evidencia<strong>da</strong>s, <strong>sob</strong>retudo, nas análises <strong>sob</strong>re as relações depoder <strong>em</strong> Cuba, para onde a visão crítica se direciona, se é ao governo de Fidel Castro ou se éa to<strong>da</strong> a Revolução e como se deve encaminhar uma transição política.Durante a pesquisa, fui pontuando as idéias possíveis de relação que os autores <strong>da</strong>Encuentro de la Cultura Cubana desenvolv<strong>em</strong>. Pude situar neste estudo o discurso específicode uma visão de qu<strong>em</strong> pertence a uma <strong>cultura</strong>, mas se encontra fora do território dela, e ain<strong>da</strong>busca um meio de encontrar-se com ela. Trata-se de um discurso de qu<strong>em</strong> fala <strong>em</strong> nome desua própria situação, <strong>em</strong> nome de sua <strong>cultura</strong>, do que pretend<strong>em</strong> para seu país e o que faz<strong>em</strong>pela sua <strong>cultura</strong> fora do país.Os colaboradores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana são sujeitos que, de ummodo geral, vivenciaram o esgotamento de duas visões holísticas de mundo (o Iluminismo e oMarxismo-leninismo), transforma<strong>da</strong>s <strong>em</strong> experiências de totalização social e política ecolocaram-nas no âmbito de seus estudos, reflexões e questionamentos. Diante <strong>da</strong> experiência<strong>da</strong>s grandes narrativas políticas milagrosas que vêm, <strong>em</strong> geral, <strong>em</strong> forma de acirradosconfrontos, impondo sacrifícios sociais incalculáveis, o discurso enfático <strong>em</strong> torno <strong>da</strong>s idéiasde diálogo <strong>em</strong>erge como força transgressora. A exposição a sucessivos confrontos trouxe asaturação de projetos transcendentes que não traduz<strong>em</strong> as reais contradições sociais, não


168cont<strong>em</strong>pla as diferenças nas instituições de poder. Por isso, a característica do exílio <strong>cuba</strong>nodos anos de 1990, boa parte representa<strong>da</strong> na <strong>revista</strong> e com to<strong>da</strong> a sua diversi<strong>da</strong>de, tenha sepautado pela postura de negociação entre Cuba e exílio, b<strong>em</strong> como as diferentesrepresentações que atuam <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> um destes territórios.Num mundo <strong>em</strong> que as grandes utopias frustraram novas iniciativas para ocotidiano, é relevante tal abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> que, <strong>em</strong> princípio, pode estar surgindo como mais umautopia. A utopia <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>, <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as suas formas de expressão, do cotidiano popular eintelectual. Ain<strong>da</strong> que utópica, a compreensão de que as diferenças <strong>cultura</strong>is possamrepresentar um veículo de enunciação <strong>da</strong>s idéias de diálogo, negociação, reconciliação, enortear as relações políticas, esse é um campo que não pode ser desconhecido e merece serestu<strong>da</strong>do. Pois a <strong>revista</strong>, como porta-voz dessa compreensão, t<strong>em</strong> deixado seu registrohistoriográfico não somente para a história de Cuba, mas sua reflexão incide <strong>sob</strong>re todo umcontexto internacional e concepção de mundo.A perspectiva de reconciliação entre os <strong>cuba</strong>nos <strong>da</strong> Ilha e do exílio é narra<strong>da</strong> pelaEncuentro de la Cultura Cubana, vinculando à desconstrução dos conceitos dualistas queenvolv<strong>em</strong> essa relação, entre ser revolucionário e contra-revolucionário, os de “dentro” e osde “fora”, que tanto têm asfixiado a convivência entre os <strong>cuba</strong>nos. Os indícios de umatransição são explicitados nos discursos <strong>em</strong> que esses imaginários dão lugar a umarepresentação de proximi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relação Cuba e exílio.De um modo geral, a seleção dos artigos correspondeu à hipótese formula<strong>da</strong>. Masalguns pontos inconclusos me impeliam a continuar investigando como, por ex<strong>em</strong>plo, adiversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> narrativa do exílio <strong>cuba</strong>no, mas isso d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>ria um estudo extensivo a outrasformas de representação além <strong>da</strong> enuncia<strong>da</strong> pela <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, oque ultrapassaria o campo delimitado desta dissertação. A curiosi<strong>da</strong>de também se voltou parao conhecimento do conjunto <strong>da</strong> obra produzi<strong>da</strong> por Jesús Díaz, seus filmes e livros literáriosproduzidos <strong>em</strong> Cuba e no exílio. Por outro lado, tive que suprimir outros itens que estavampreviamente incorporados à pesquisa, como por ex<strong>em</strong>plo, a presença <strong>da</strong> literatura <strong>cuba</strong>na na<strong>revista</strong>, a discussão <strong>sob</strong>re as minorias – mulheres, negros, homossexuais – na perspectiva <strong>da</strong><strong>revista</strong>. Essa contradição trazia o impulso de prosseguir na pesquisa, entretanto, foi reserva<strong>da</strong>para um outro momento.Outra questão para ser enfrenta<strong>da</strong> era quanto à presença <strong>da</strong> <strong>em</strong>patia pelo que a<strong>revista</strong> sugeria de leitura e conhecimento. Quando a dificul<strong>da</strong>de de distanciamento seapresentou, procurei transformar a identificação com o objeto numa tentativa modesta <strong>em</strong>fazer <strong>da</strong> pesquisa tornar visível e conheci<strong>da</strong> a concepção de mundo esboça<strong>da</strong> pelos


169colaboradores <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, que foge dos paradigmas convencionais euniversais que nortearam as revoluções burguesas e socialistas. Paradigmas que persegu<strong>em</strong>boa parte do imaginário <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de mundial, apoiados nos discursos <strong>da</strong> concepção deum humanismo que iguala todos os homens dentro de um sist<strong>em</strong>a político, mas que omite ounega as diferenças. Procurei, então, com esta pesquisa, contribuir para que a diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de <strong>cuba</strong>na e suas representações enuncia<strong>da</strong>s na <strong>revista</strong> Encuentro de la CulturaCubana, tornass<strong>em</strong> mais conheci<strong>da</strong>s e refletidos os estereótipos dualistas.Outro aspecto conclusivo desta dissertação é quanto à recepção <strong>da</strong> <strong>revista</strong>observa<strong>da</strong> nas cartas. Podendo ser percebido qu<strong>em</strong> era o leitor, por meio <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>apresenta<strong>da</strong>, grande parte de escritores, colaboradores <strong>da</strong> <strong>revista</strong> e intelectuais que não estãodiretamente vinculados à publicação <strong>da</strong> Encuentro de la Cultura Cubana, mas atuam comoleitores, intérpretes, divulgadores e formadores de opinião.Do ponto de vista social, a Encuentro de la Cultura Cubana atinge leitoresconhecedores <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na que se identificam com sua produção e a acompanhamcuriosamente, d<strong>em</strong>onstrando preocupação com os desdobramentos do futuro político de Cuba.E nesse sentido, buscam um canal de atuação <strong>da</strong> reflexão além <strong>da</strong>s convenções binárias pósrevolucionárias,colocam-se como divulgadores de uma representação <strong>cultura</strong>l e políticaindependente.Torna-se claro o desejo dos leitores por uma nova história para Cuba e,alimentados pelo conhecimento de seu contexto histórico, direcionam-se nessa perspectiva deação: persistir na produção de uma narrativa não-dualista. Vê<strong>em</strong> na linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> <strong>revista</strong> nãoum conteúdo propagandístico de uma ou outra tendência, como manifestam inúmeras cartas,mas uma possibili<strong>da</strong>de interdisciplinar entre <strong>cultura</strong> e política, com a qual se identificamnesse momento de uma resistência ao poder de estado. A questão <strong>cultura</strong>l não pode ser maisrelega<strong>da</strong> a segundo plano ou atrela<strong>da</strong> à Revolução, mas ela ganha relevância ao afirmar suaindependência aos discursos dicotômicos pós-revolucionários.É precisamente com sua expressão atuante que contam os colaboradores e leitorespara um processo de transição política. As expectativas de mu<strong>da</strong>nça passam peloreconhecimento de que a <strong>cultura</strong> é preponderante frente às oscilações e determinismos dopoder político. É por intermédio dela que se acredita que um novo cenário histórico poderá seabrir. Cultura e política não caminham separa<strong>da</strong>s, mas é imprescindível a reorientação decomo essa relação trilha no percurso histórico s<strong>em</strong> que o poder usurpe a independência <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>, <strong>da</strong> produção <strong>cultura</strong>l e <strong>da</strong> criativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações sociais cotidianas.


170O intercâmbio de idéias aproxima autores e leitores além <strong>da</strong> textuali<strong>da</strong>de para umcontato onde histórias de vi<strong>da</strong> se interconectam entre os territórios <strong>da</strong> Ilha e os dispersos noexílio. Esse intercâmbio produz representações históricas pela vivência de uma linguag<strong>em</strong>,pensamento e desejo de uma nova condução de suas vi<strong>da</strong>s. Rel<strong>em</strong>brando Koselleck, sãoexperiências que traduz<strong>em</strong> um sentido histórico, ressaltam a condição antropológica do serno direcionamento de novas expectativas de sua realização e auto-afirmação individual esocial.O discurso de que a <strong>cultura</strong> atue na perspectiva autônoma frente à políticarevolucionária ou contra-revolucionária se apresenta inovador não somente entre os <strong>cuba</strong>nos,mas também para boa parte <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de estrangeira. Pois conceber uma transição rumoà d<strong>em</strong>ocracia política cont<strong>em</strong>plando representantes <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>, <strong>em</strong> suas diferentes formaspolíticas de inserção e concepção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de como propõe Jesús Díaz 242 , por ex<strong>em</strong>plo,revela-se um discurso aberto e negociador. Ao mesmo t<strong>em</strong>po se mostra politicamentetransgressor por buscar aproximar inclusive extr<strong>em</strong>os que não se aceitam durante déca<strong>da</strong>s,porque são inimigos históricos, e isto, por si só, já é o bastante para que os pólos extr<strong>em</strong>os seindign<strong>em</strong> contra os discursos de reconciliação.E sua inovação se relaciona ain<strong>da</strong> à questão de que não é coloca<strong>da</strong> uma transiçãona perspectiva de uma tendência ou força política partidária alternativa, mas por uma políticacoordena<strong>da</strong> pelas diferenças <strong>cultura</strong>is. Isto porque a <strong>cultura</strong> <strong>em</strong> seus contatos múltiplos,pressupõe fluidez e flexibili<strong>da</strong>de nas relações sociais. Ela quebra fronteiras partidárias. Oparti<strong>da</strong>rismo é típico dos conflitos políticos entre grupos ideologicamente fechados, <strong>em</strong> quetêm como meta final a toma<strong>da</strong> do poder, considerando, de forma narcisista, como ver<strong>da</strong>desocial unicamente seu próprio discurso. Pensar a política <strong>em</strong> termos de diferença, naperspectiva <strong>cultura</strong>l, é conceber uma nova <strong>cultura</strong> política, <strong>em</strong> que as vozes do cotidianosejam traduzi<strong>da</strong>s <strong>em</strong> poder de decisão <strong>sob</strong>re seu curso histórico.Por último, pode se concluir que a <strong>revista</strong> Encuentro de la Cultura Cubanaadquiriu uma prática discursiva e expansiva na influência de sua interpretação <strong>sob</strong>re ascondições históricas cont<strong>em</strong>porâneas de Cuba. Conforme os leitores relatam, sua linguag<strong>em</strong>t<strong>em</strong> produzido o efeito agregador de diferentes concepções e atuações nas relações sociaisdentro e fora de Cuba, numa articulação do espaço, <strong>da</strong> comunicação, <strong>da</strong> interdisciplinari<strong>da</strong>de,<strong>da</strong> intersubjetivi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de reuni<strong>da</strong> na simbologia Encuentro, representativa de umconhecimento, pensamento e inserção histórica.242 Conferir a citação de Jesús Díaz que trata dos representantes <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>cuba</strong>na responsáveis pelo futuropolítico do país no capítulo três desta dissertação, p. 116.


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