REPORTAGEm | artistas brasileiros, artistas do mundoNA CRISTA DA ONDADe Lygia Pape a Rivane Neuenschwander, passando por Os Gêmeos e Romero Britto, a arte brasileira se livra dos estereótipos eganha o mundofoto: divulgaçãoLygia Pape, O Divisor, 1968, fotografia colorida,12,4 x 18,5 cm — acervo Projeto Lygia PapeTEXTO gabriela borges e kelly cristina spinelli“Não se pode encaixar o trabalho desses artistasno esquema de arte do pós-guerra como se elefosse uma variação de movimentos centrados naEuropa e na América do Norte”, disse o críticobritânico Guy Brett sobre o movimento neoconcretistabrasileiro. Liderado pelo poeta e críticoFerreira Gullar e por artistas como Hélio Oiticica,Lygia Pape, Mira Schendel e Lygia Clark, o movimentonasceu como reação ao concretismo e provocouuma ruptura na maneira de pensar a arteno final dos anos 1950. Para esses artistas, a arteera um organismo vivo, funcionando em contatocom os espectadores. Até hoje, as obras neoconcretistascausam impacto por seu caráter peculiar,como uma arte participativa, abstrata, visual, queincorpora diversas linguagens.O elogio de Brett é dos mais nobres, pois ele enxergouque a arte brasileira podia ir além dos es-tereótipos comuns à arte feita fora do eixo Europa--Estados Unidos: não é apenas folclórica, e nãoreage somente aos movimentos estrangeiros. Emvez disso, desenvolve ideias que podem influenciaroutros artistas no mundo. “Nos últimos 10, 15anos, a história da arte está sendo reescrita porquese percebeu que a visão eurocentrista não faz maissentido”, diz Jochen Volz, curador e diretor artísticodo Instituto de Arte Contemporânea Inhotim,em Brumadinho, Minas Gerais. “A arte brasileiranão pode mais ser vista como uma produção queestá de fora: ela é tão relevante no cenário internacionalquanto a de outros artistas estrangeiros.”Para Frederico Coelho, curador assistente doMAM/RJ, atualmente o Brasil tem maior visibilidadee seus artistas já não são mais compreendidoscomo alguém que representa uma identidadenacional. “O público internacional não esperamais o estereótipo; o artista brasileiro hoje é consideradoum bom artista, com impacto para aspessoas de qualquer lugar”, explica.Nos últimos anos, museus como o MoMA, deNova York, e o Reina Sofía, de Madri, e a galeriaTate Modern, de Londres, fizeram mostras dedicadasa Mira Schendel, Hélio Oiticica e Lygia Pape.A grande retrospectiva de Lygia Pape, exposta atéoutubro no Reina Sofía, chega à Pinacoteca de SãoPaulo no primeiro semestre de 2012 (veja box).E não foram apenas os neoconcretos que ganharamespaço. Cildo Meireles foi tema de umamostra na Tate Modern, em 2008. Rivane Neuenschwanderfoi celebrada em 2010 pelo jornal TheNew York Times, que a citou como herdeira dosneoconcretistas. Carlito Carvalhosa teve uma instalaçãosua exposta no MoMA até novembro.
As esculturas de Ernesto Neto e de Tunga, o grafitede Os Gêmeos, as pinturas coloridas deRomero Britto... a lista de brasileiros com boacirculação internacional vai longe. Os artistasnacionais já não são tão vinculados a perspectivasexóticas e identitárias – apesar de, obviamente,encontrarem inspiração na culturabrasileira. Adriana Varejão e Beatriz Milhazes,por exemplo, têm o olhar atento às cores e aosmovimentos, à alegria e à felicidade do povobrasileiro, mas os transmitem em obras nãolocalizáveis no espaço. Furacões no exterior,ambas venderam obras classificadas como asmais caras entre artistas brasileiros na história.A tela Parede com Incisões à La FontanaII, de Adriana, foi vendida em fevereiro por 1,1milhão de libras (2,9 milhões de reais à época),na Christie’s, casa de leilão de Londres. O quadroO Mágico, de Beatriz, foi arrematado por1,049 milhão de dólares (1,7 milhão de reais àépoca) em um leilão da Sotheby´s de NovaYork, em 2008.Vista de instalação da mostra Lygia Pape – Espaço Imantado, realizada no Reina Sofía, Madri, em 2011foto: Joaquín Cortés/Román LoresVik Muniz é outro dos queridinhos no exterior.Carioca radicado em Nova York desde 1983, realizaobras com diversas técnicas usando materiaisinusitados, como chocolate líquido, açúcar,catchup, lixo, poeira, que remetem sempre àmemória, à percepção e à representação de imagensdo mundo das artes e da comunicação. Elejá teve obras expostas no MoMA, fez mostras noJapão e na Coreia, e chegou a ter um filme inspiradoem seu trabalho concorrendo ao Oscar em2011, o documentário Lixo Extraordinário.Esses feitos também abriram as portas para representantesda geração seguinte à desses criadores,como Renata Lucas – que fez parte da 53ª Bienal deVeneza, em 2009, e conquista cada vez mais espaçono cenário internacional – e Cinthia Marcelle,que exibiu seus trabalhos na Bienal de Havana, em2006, e na de Lyon, em 2007.Crítica da críticaApesar do sucesso, há muito terreno a ser conquistadopelos brasileiros no exterior. “O problemaé que circula a obra, mas não circulam asideias. Esse é o calcanhar de aquiles lá fora”, dizCoelho. A arte brasileira é analisada pelo pontode vista do crítico internacional numa perspectivade consumo e não do dia a dia da construção desentido e reflexão crítica. São poucos os críticosde arte brasileiros que alcançam reconhecimentoglobal, como aconteceu com Paulo VenâncioFilho, autor de catálogos publicados no exterior ecurador da exposição Century City: Art and Culturein the Modern Metropolis, na Tate Modern, em2001. Também Paulo Herkenhoff, que na décadade 1990 foi curador adjunto do Departamento dePintura e Escultura do MoMA, e Mário Pedrosa,morto em 1981, que internacionalizou a discussãosobre a arte moderna brasileira.Um exemplo foi a escolha do curador da instalaçãode Carlito Carvalhosa no MoMA, o venezuelanoLuiz Pérez-Oramas (que será responsávelpela 30ª edição da Bienal de São Paulo).“Seu conhecimento é inquestionável, mas elenão tem o olhar de um brasileiro. Esse intercâmbioé interessante, mas a perspectiva é outra”,explica Coelho.Para completar, falta vencer nossa própriaperspectiva eurocentrista da arte. “Tradicionalmente”,ressalta Volz, do Inhotim, “a arte brasileiraganha visibilidade no Brasil só depois deser reconhecida no exterior”. Coincidência ounão, a retrospectiva da obra de Lygia Pape foiprimeiramente exposta em Madri, para depoischegar a São Paulo.Para Jochen Volz, “a arte brasileira ganha visibilidade no Brasil só depois de serreconhecida no exterior”. Coincidência ou não, a retrospectiva da obra de Lygia Papefoi primeiramente exposta em Madri, para depois chegar a São Paulo.bola da vezA fluminense Lygia Pape, que morreu em 2004, tem sua obra valorizada internacionalmente“A Lygia é uma das protagonistas das transformações radicais que aconteceram no Brasilna segunda metade do século XX”, diz em vídeo oficial a espanhola Teresa Velázquez,uma das curadoras da retrospectiva da artista no museu Reina Sofía, de Madri. A mostra,que chega à Pinacoteca do Estado de São Paulo no primeiro semestre de 2012, rastreia acarreira de Lygia desde seu início com o Grupo Frente, marco do movimento construtivono Brasil, até as experiências com luzes, formas geométricas, livros e panos – semprecom grande interação com o público –, que permearam sua carreira mais tarde.Há desde performances como O Divisor (1968) – em que algumas pessoas vestem umgrande pano branco, apenas com a cabeça de fora, representando uma multidão que caminhajunta, mas com espaço para movimento individual – até um livro-objeto, o Livro daCriação (1959), formatado de acordo com a decisão do visitante de virar as páginas, e instalaçõescomo Ttéia (2004), feita de fios de ouro projetados em formas quadradas em umespaço escuro que se transformam em feixes de luz quase imateriais.Essa obra será exposta permanentemente numa nova galeria no Inhotim, ainda no primeirosemestre do próximo ano. “O trabalho de Lygia ultrapassou o neoconcretismo. Elafez arte utilizando diversos meios, como desenho, esculturas e vídeos. Também teve umatrajetória particular, sendo professora de outros artistas e grande influenciadora do pensamentoe reflexão sobre a arte no Brasil”, diz Volz.31CONTINUUM30