museus do mundo | instituto figueiredo ferrazExterior do edifício do Instituto Figueiredo Ferraz:2,5 mil metros quadrados de área construídanovo trajetoInstituto Figueiredo Ferraz abre suas portas em Ribeirão Preto com potencial para fazer do interior paulista um rico polo cultural do paísTEXTO gustavo ranieri FOTOS maurício froldi/divulgaçãoJorge Guinle Filho, ou Jorginho Guinle, como ochamavam carinhosamente os amigos, respiravaos primeiros anos de reconhecimento como desenhistae pintor quando um de seus trabalhos,o óleo sobre tela Threshold, passou a ocupar umadas paredes da galeria paulistana Luisa Strina. Aobra foi a mesma que naquele ano de 1985 o jovemeconomista João Carlos de Figueiredo Ferrazescolheu para ser uma das primeiras a adquirir, e –mesmo sem saber – a que definiria o rumo de umapaixão feroz: colecionar. “O Jorginho começavaa aparecer naquela época e participava ainda desalões de arte quando a Luisa me apresentou o trabalhodele. Foi uma das primeiras peças que tivee, depois, viria a comprar outras obras dele”, diz.Hoje, mais de 25 anos depois, Threshold é umdos destaques em O Colecionador de Sonhos,exposição que inaugura o Instituto FigueiredoFerraz, coloca a cidade de Ribeirão Preto (a 313km da capital paulista) no circuito nacional dasartes plásticas e concretiza um antigo desejo deFigueiredo Ferraz: tornar público o acesso a, senãotudo, pelo menos parte de uma coleção queultrapassa mil obras de arte.“Não aguentava mais ver as obras encaixotadas;elas precisavam ser expostas. Então é um prazerimenso que estejam à mostra aqui”, diz o colecionador,com 60 anos, e filho do ex-prefeito de SãoPaulo, de 1971 a 1973, José Carlos de FigueiredoFerraz (1918-1994).Acervo de sonhosCom as portas abertas desde os primeiros diasde outubro, o instituto nasceu, na verdade, háaproximadamente dez anos na cabeça de FigueiredoFerraz. O primeiro passo foi buscarparcerias, que não se concretizaram, com instituiçõese museus, visando emprestar a eles ovasto acervo que detinha. Depois, tentou negociarauxílio, também sem sucesso, com a prefeiturade Ribeirão Preto, cidade que escolheupara viver em 1982, quando nela fundou umausina de açúcar. Tampouco recebeu apoio dogoverno de São Paulo. Diante dos planos fracassados,o colecionador assumiu, por contaprópria, a criação do espaço.“Tomei a decisão de fazer sozinho. A coleçãomerecia e eu precisava torná-la pública. Issoque está aqui faz parte do patrimônio do país”,salienta ele, que há dois anos adquiriu um terrenode 2 mil metros quadrados e, com a esposa,a arquiteta Dulce de Figueiredo Ferraz,desenhou as instalações. A concepção arquitetônicaresultou em 2,5 mil metros quadradosde área construída, na qual estão distribuídasquatro salas para exposição – duas no primeiropavimento e duas no segundo –, reservatécnica, um auditório com capacidade para 60pessoas, biblioteca, escritório, jardim e, ainda,um bar cujo funcionamento fica restrito apenasaos dias de eventos especiais. Para o diretor doinstituto, Bibi Junqueira, “as expectativas sãoenormes, já que a instituição vem preencheruma lacuna não só na cidade, mas em toda aregião e no interior do estado”.Quando a construção estava na reta final e a imponentefachada branca já despontava na paisagemda cidade, ainda restava a definição dasobras que comporiam a primeira exposição. Aincumbência foi entregue por Figueiredo Ferrazao velho amigo Agnaldo Farias, crítico de arte,professor da FAU/USP e curador da 29ª Bienal
de São Paulo. “Ao travar contato com o acervopreferi, em um primeiro momento, sublinhar ostrabalhos mais consagrados, como forma de honraros artistas e a coleção que o João vem fazendohá tanto tempo”, destaca o curador. “Separeias obras por famílias e as deixei se expressar. Atéporque quando os trabalhos são bons eles conversamentre si, mesmo que apontem algo muitodiferente”, completa.Para o visitante, o primeiro impacto ao entrarno instituto, que conta ainda com consultoria damuseóloga Cecília Machado, é o imenso trípticode Dudi Maia Rosa, batizado de Pai, Filho e EspíritoSanto — uma das obras que mais emocionamFigueiredo Ferraz. “Os três trabalhos sãodivididos em cores. No vermelho está escrito‘abba’, que em hebraico significa pai. Vermelhoé fogo, é o que cria, transforma, destrói e dá avida novamente. No verde está escrito ‘filho’, éo que vegeta, se alastra e aos poucos, pela perseverança,vai tomando tudo. E no roxo está escrito‘espírito santo’, que representa o mistério”,conta o colecionador.Mas a obra de Rosa é apenas uma das 154 exibidasem O Colecionador de Sonhos, dedicadainteiramente à arte contemporânea. É o casode um óleo sobre lona, sem título, de Leonilson(1957-1993). “Quando comprei esse trabalho,ele estava comigo na galeria e sugeriu que euo escolhesse em meio a outros dele expostos.Nesse período [1984], o Leonilson estava cheiode energia; é uma obra alegre, colorida. Tenhosaudade dessa época pensando nele”, relata FigueiredoFerraz, que ainda tem, entre tantos outros,criações de Mira Schendel, Tatiana Blass,Luis Paulo Baravelli, José Roberto Aguilar, VikMuniz e Rosângela Rennó.Ponto alto da exposição, a parte dedicada à religiãosurge para provocar o debate. Ocupam oespaço tanto a obra do artista plástico VanderleiLopes – uma catedral de cabeça para baixo,com água do mar em seu interior – quanto a deCaetano Dias: estátuas de Santa Bárbara de cerâmicaproduzidas em tamanho real. Cada umadelas traz acoplado um pequeno gravador comdepoimentos de ex-prostitutas moradoras de umabrigo em Salvador. Também atrai o olhar a fotografiaIgreja de São Francisco da Penitência I,de Caio Reisewitz. “Essa foto, diferentemente dotradicional, não foi tirada da porta em direção aoaltar, mas ao contrário. Então, o que você enxergasão os bancos da igreja. E, em minha opinião, sehá alguma coisa sagrada, ela está naqueles bancos,na pessoa que tem fé, e não no altar, no meiodo ouro”, opina o empresário.Olhar adianteParalelamente à exposição O Colecionador deSonhos, planejada, inicialmente, para até abril de2012, o Instituto Figueiredo Ferraz realiza mensalmentecursos e workshops de artes visuais,fotografia, literatura, arquitetura e design. Paradezembro estão programados os cursos Entreo Espaço e o Lugar, sobre a transformação dosespaços urbanos e o modo como os percebemos;Arte e Técnica no Processo Fotográfico; eLinguagem, uma abordagem do design comomanifestação cultural. As atividades são em parterealizadas no auditório. Completa os serviçosoferecidos a Biblioteca José Carlos de FigueiredoFerraz, com publicações dos artistas presentesno acervo da instituição.Com relação às exposições, dois novos projetosjá são idealizados. “Queremos fazer, no segundosemestre de 2012, uma bienal da imagem, exibindo,por exemplo, fotografias, videoinstalações eeslaides show. E, para 2013, organizaremos umbalanço do que foi produzido pelo famoso grupoda Casa 7 [casa-ateliê que nos anos 1980 era compartilhadapor Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez,Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade]”,destaca o curador Agnaldo Farias.Se depender de João Carlos de Figueiredo Ferraz,os planos não param por aí: “A ideia é queo instituto se torne não apenas um polo de arte,mas que faça com que Ribeirão Preto recebagrandes exposições itinerantes do eixo Rio–SãoPaulo. E temos estrutura para tanto”.para as artesO espaço expositivo abriga parte das mais de mil obras docolecionador, com destaque para a arte contemporâneaInstituto Figueiredo Ferraz – Rua Maestro IgnácioStabile, 200 – Alto da Boa Vista – Ribeirão Preto,São Paulo. Horário de funcionamento: terça a sexta,das 14h às 18h – entrada gratuita.