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relações mundo da vida e cultura no processo educativo

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RELAÇÕES MUNDO DA VIDA E CULTURA NO PROCESSOEDUCATIVORAIMANN, Ari – UFGraimann04@gmail.comEixo Temático: Cultura, currículo e saberesAgência financiadora: Não contou com financiamentoResumoEste texto resulta de pesquisa que teve como propósito discutir as categorias de <strong>cultura</strong> e<strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>no</strong> pensamento habermasia<strong>no</strong> e sua relação com o currículo escolar. Arelevância <strong>da</strong> temática está em que não é possível na contemporanei<strong>da</strong>de discutir açãope<strong>da</strong>gógica sem a consideração <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>, pois não existiria nenhuma ativi<strong>da</strong>de pe<strong>da</strong>gógicasem a vinculação com a <strong>cultura</strong> (CANDAU, 2006), bem como com as considerações doinstituinte escolar (MARQUES, 1990). A construção do conhecimento ocorre pelaconsideração <strong>da</strong> muitas faces <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> presentes <strong>no</strong>s espaços/tempos <strong>da</strong> educação. Buscaruma educação comprometi<strong>da</strong> com a formação crítica e com auto<strong>no</strong>mia de pensamentosignifica levar em consideração as manifestações <strong>cultura</strong>is imbrica<strong>da</strong>s <strong>no</strong>s <strong>processo</strong>s<strong>educativo</strong>s. O desenvolvimento desta pesquisa demandou, inicialmente, a definição domaterial textual base para a investigação. Foram definidos textos primários de JürgenHabermas (1987; 1989 e 1990), a partir dos quais se <strong>no</strong>rteou a pesquisa, além de outros quepudessem iluminar a construção teórica. Habermas, teórico <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> geração <strong>da</strong> Escola deFrankfurt, tem sido lido e discutido largamente <strong>no</strong>s diversos espaços <strong>da</strong> produção científica,tendo em vista a sua importância <strong>no</strong> campo <strong>da</strong> educação. O trabalho procura demonstrar arelação direta que os conceitos de <strong>cultura</strong> e <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>no</strong> entendimento habermasia<strong>no</strong>,tem com o currículo escolar. A análise mostra que a <strong>cultura</strong> constitui os sujeitos e éconstituí<strong>da</strong> por eles e a relação dela com o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é direta, pois diz respeito ao modocotidia<strong>no</strong> de viver e de ser. Observando isso, entendemos o importância <strong>da</strong>consideração/valorização <strong>da</strong>s duas categorias <strong>no</strong> tratamento do currículo escolar.Palavras-chave: Cultura. Currículo. Mundo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.IntroduçãoAo se pensar a temática <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> escolar e suas <strong>relações</strong> com o desenvolvimento <strong>da</strong>educação e <strong>da</strong> constituição dos indivíduos, certamente Habermas não figura entre os teóricosque frequentemente se ocupam com a questão. Contudo, como um dos mais respeitadospensadores <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de, fazendo crítica ao modelo social <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de e propondo


11577caminho alternativo à razão, Habermas tem produzido reflexões e promovido debatesprofícuos nas áreas <strong>da</strong> filosofia, <strong>da</strong> sociologia e do direito que têm emprestado importantescontribuições à área <strong>da</strong> educação. Com forte presença acadêmica, Habermas tem se ocupadocom a pesquisa que diz respeito às condições de vi<strong>da</strong> do homem na civilização moderna.Mesmo não estando entre os teóricos que particularmente se ocupam com a discussãoa respeito <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> escolar, Habermas certamente traz contribuições que possibilitamenriquecer o debate, pois em sua teoria do agir comunicativo revela sua preocupação com avalorização dos aspectos <strong>cultura</strong>is do homem <strong>no</strong> encontro com os demais. Diante disso, agrande questão com a qual <strong>no</strong>s ocupamos neste trabalho assim se apresenta: Mundo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e<strong>cultura</strong>, que reali<strong>da</strong>de seria essa?DesenvolvimentoNa busca pelo desvelamento dessa questão, dialogamos com Habermas a partir de seustextos publicados a partir dos a<strong>no</strong>s 80, quando passa a enfocar o agir comunicativo.A partir <strong>da</strong> teoria do agir comunicativo (1987) Habermas trabalha a abor<strong>da</strong>gempolítico-<strong>cultura</strong>l dos homens que se relacionam entre si, por meio de <strong>no</strong>rmas lingüisticamentearticula<strong>da</strong>s, tendo como objetivo mútuo o entendimento. O conhecimento gerado a partirdesse encontro comunicativo tem em vista promover a emancipação dos indivíduos.O agir comunicativo pode ser compreendido como um <strong>processo</strong> circular <strong>no</strong> qual oator é as duas coisas ao mesmo tempo: ele é o iniciador, que domina as situaçõespor meio de ações imputáveis; ao mesmo tempo, ele é também o produto <strong>da</strong>stradições nas quais se encontra, dos grupos solidários aos quais pertence e dos<strong>processo</strong>s de socialização <strong>no</strong>s quais se cria. (HABERMAS, 1989, p. 166)Observando desta perspectiva, já é possível perceber que <strong>no</strong> bojo <strong>da</strong> teoria deHabermas está a consideração e o resgate dos valores sócio-<strong>cultura</strong>is.Podemos imaginar os componentes do <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a saber, os modelos <strong>cultura</strong>is,as ordens legítimas e as estruturas de personali<strong>da</strong>de, como se fossem condensações esedimentações dos <strong>processo</strong>s de entendimento, <strong>da</strong> coordenação <strong>da</strong> ação, e <strong>da</strong>socialização, os quais passam através do agir comunicativo. Aquilo que brota <strong>da</strong>sfontes do pa<strong>no</strong> de fundo do <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e desemboca <strong>no</strong> agir comunicativo, quecorre através <strong>da</strong>s comportas <strong>da</strong> tematização e que torna possível o domínio desituações, constitui o estoque de um saber comprovado na prática comunicativa.(HABERMAS, 1990, p. 96)


11578A afirmação de Habermas aponta também para as práticas <strong>cultura</strong>is <strong>no</strong> ambienteescolar, bem como para as definições curriculares <strong>da</strong> escola. Na linha desse pensamento,ain<strong>da</strong> podemos ressaltar queTodo ato de intercompreensão pode ser concebido como fazendo parte de um<strong>processo</strong> cooperativo, de interpretação, procurando a definição intersubjetiva desituações — os conceitos dos três <strong>mundo</strong>s servem de sistemas de coordena<strong>da</strong>scomuns, <strong>no</strong>s quais os contextos situacionais podem ser ordenados de modo a que umacordo seja obtido sobre o que os participantes podem tratar enquanto estados defato, <strong>no</strong>rmas váli<strong>da</strong>s ou experiências subjetivas de vi<strong>da</strong>. (HABERMAS, 1987, p. 85-86)Esse pensamento segue <strong>no</strong> sentido <strong>da</strong> consideração <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> dos indivíduos na escolaou na comuni<strong>da</strong>de externa. As experiências a que Habermas se refere seriam as vivênciascotidianas que são marca<strong>da</strong>s <strong>no</strong>s indivíduos, tornando-se reali<strong>da</strong>des cujos significadosprecisam ser considerados <strong>no</strong> ambiente escolar, podendo, inclusive contribuir com a dinâmicado currículo escolar.Para mim, <strong>cultura</strong> é o armazém de saber, do qual os participantes <strong>da</strong> comunicaçãoextraem interpretações <strong>no</strong> momento em que se entendem mutuamente sobre algo. Asocie<strong>da</strong>de compõe-se de ordens legítimas através <strong>da</strong>s quais os participantes <strong>da</strong>comunicação regulam sua pertença a grupos sociais e garantem soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.(HABERMAS, 1990, 96)Ao desenvolver a categoria <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, que considera pa<strong>no</strong> de fundo do agircomunicativo, Habermas observa:A prática comunicativa cotidiana, na qual o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> está centrado, alimentasede um jogo conjunto, resultante <strong>da</strong> reprodução <strong>cultura</strong>l, <strong>da</strong> integração social e <strong>da</strong>socialização, e esse jogo está, por sua vez, enraizado nessa prática. (HABERMAS,1990, p. 100)Ain<strong>da</strong> a esse respeito, em Teoria <strong>da</strong> Ação Comunicativa, Habermas (1987, p. 30)observa que “o conceito abstrato de <strong>mundo</strong> é condição necessária para que os sujeitos queatuam comunicativamente possam entender-se entre si sobre o que sucede <strong>no</strong> <strong>mundo</strong> ou o quese deve produzir <strong>no</strong> <strong>mundo</strong>”.


11579Já <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s sessenta essa categoria aprece nas obras do autor, sob as discussões emrelação ao conceito de interação, contudo, é em sua principal obra — Teoria <strong>da</strong> açãocomunicativa (1987) — que o autor vai sistematizar essa categoria, revelando que o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> é conceito complementar ao conceito de ação comunicativa. Este <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> precisaser entendido como base de to<strong>da</strong>s as ações humanas. Segundo ele, é o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> quealicerça e delimita as ações, sendo sempre pressuposto, mas não tematizado.Sua visão é <strong>no</strong> sentido de compreender a racionali<strong>da</strong>de que visa superar a razãoinstrumental pela razão comunicativa. Nessa linha de pensamento, a educação se faz <strong>no</strong><strong>processo</strong> e não se mostra como algo estático que prioriza o sujeito, porém algo dinâmico queconsidera a integração humana <strong>no</strong>s âmbitos do saber, do sentir e do ser. No encontro com osoutros é que produzimos e <strong>no</strong>s realizamos, porque somos seres sociais.Propondo a integração social, defende a idéia de socie<strong>da</strong>de como <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, quederiva do conceito de ação orienta<strong>da</strong> ao entendimento. Mas não compreende a complexi<strong>da</strong>de<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de moderna, <strong>da</strong>í, a necessi<strong>da</strong>de de conceber uma teoria que articule os dois<strong>mundo</strong>s: o vivido e o sistêmico. A estabili<strong>da</strong>de do <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é abala<strong>da</strong> pelos argumentos<strong>da</strong> ação comunicativa, pois o sistema apresenta-se como oposição ao <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Épreciso, portanto, redirecionar essa postura, indo ao encontro do “<strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, abrindo aooutro espaços de ação e, conseqüentemente, de valorização de sua história e bagagem <strong>cultura</strong>l.Recor<strong>da</strong>mos neste momento o pensamento de Prestes (1997, p.88), segundo o qual“compreender que não podemos mais educar sobre estruturas estáveis do ser e reconhecer quenão temos o pretendido controle sobre o desti<strong>no</strong> <strong>da</strong> educação, não significa negar apossibili<strong>da</strong>de de outros espaços de legitimação”.Assim, Habermas observa o <strong>mundo</strong>, buscando caminhos <strong>no</strong>vos e possíveis para asdificul<strong>da</strong>des do <strong>no</strong>sso tempo, pois é preciso dialogar com o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, real e atual. Nestesentido, é preciso levar em conta o instituinte escolar, que ‘são as pessoas envolvi<strong>da</strong>s na vi<strong>da</strong><strong>da</strong> instituição, quer como agentes inter<strong>no</strong>s, quer como “clientela”, e o próprio <strong>processo</strong> deinteração <strong>no</strong> meio em que ela atua’. (MARQUES, 1990, p.128).Considerar, portanto, o coletivo huma<strong>no</strong>, em suas mais diferentes manifestações, étarefa que diz respeito à escola. Não se faz educação adequa<strong>da</strong>mente quando não se leva emconta a força instituinte, pois é esta que apresenta <strong>no</strong>vas possibili<strong>da</strong>des, é esta que tambémpropõe <strong>no</strong>vos e significativos caminhos.


11581Ca<strong>da</strong> contexto é um <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, que emprega um saber comum e é umacomuni<strong>da</strong>de de saber. O <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> compreende a reserva <strong>da</strong>s evidências ou <strong>da</strong>sconvicções experientcia<strong>da</strong>s que os participantes na comunicação utilizam <strong>no</strong> <strong>processo</strong>cooperativo de interpretação. É o universo do senso comum, aceito na ativi<strong>da</strong>de socialcotidiana e problematizável.Habermas vê que <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e sistema são duas reali<strong>da</strong>des distintas: o sistemarefere-se às implicações funcionais <strong>da</strong>s ações para a reprodução de uma socie<strong>da</strong>dedetermina<strong>da</strong>. Já o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> contribui para manter a identi<strong>da</strong>de social e individual aoorganizar a ação em tor<strong>no</strong> de valores compartilhados, com o objetivo de alcançar um acordosobre aspectos de vali<strong>da</strong>de que são passíveis de crítica. Pelo <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> os sujeitoschegam à compreensão compartilha<strong>da</strong> do <strong>mundo</strong>, pois o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>Não somente forma o contexto para os <strong>processo</strong>s de entendimento mútuo, mastambém fornece os recursos para isso. O <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> comum a ca<strong>da</strong> caso ofereceuma provisão de obvie<strong>da</strong>des <strong>cultura</strong>is donde os participantes <strong>da</strong> comunicação tiramseus esforços de interpretação os modelos de exegese consentidos. (HABERMAS,1989, p. 166)Evidencia-se que os saberes que emanam do <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> são diferentes <strong>da</strong>quelessaberes de natureza estritamente teórica. A diferença está em que estes podem serfun<strong>da</strong>mentados.O pensamento habermasia<strong>no</strong>, portanto, promove resgate aos valores sócio-<strong>cultura</strong>isem qualquer comuni<strong>da</strong>de comunicativa, mesmo na comuni<strong>da</strong>de escolar. Construir <strong>no</strong>vossaberes, então, pressupõe levar em conta o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Tal postura encaminha a discussão<strong>no</strong> sentido de <strong>da</strong>r <strong>no</strong>vo significado ao currículo escolar, tanto expresso quanto o vivido <strong>no</strong>sdiferentes espaços e tempos <strong>da</strong> escola.Só os limitados fragmentos do <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que caem dentro do horizonte de umasituação constituem um contexto de ação orienta<strong>da</strong> ao entendimento, que pode sertematizado e aparecer sob a categoria de saber. Da perspectiva centra<strong>da</strong> na situação,o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> aparece como depósito de auto-evidências ou de convicçõesinquestiona<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>s quais os participantes na comunicação fazem uso <strong>no</strong>s <strong>processo</strong>scooperativos de interpretação. Mas só quando se tornam relevantes para umasituação [...] podem determina<strong>da</strong>s auto-evidências ser mobiliza<strong>da</strong>s em forma de umsaber sobre o qual existe consenso e que ao mesmo tempo é suscetível deproblematização. (HABERMAS, 1987, p. 176)


11582O <strong>mundo</strong> <strong>no</strong> qual se relacionam os sujeitos entre si é o <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e a linguagem éo que os une. O velho e o <strong>no</strong>vo se entrelaçam, resultando <strong>da</strong>í outro conhecimento, outroentendimento <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> e dos sujeitos que se encontram. O saber que nasce do <strong>mundo</strong><strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é diferente do saber teórico. Enquanto o saber teórico pode ser fun<strong>da</strong>mentado, o saberdo <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> adquire <strong>no</strong>vo status a partir do momento em que é colocado em discussão.Os indivíduos, conforme esse modelo de educação, encontram-se em igual<strong>da</strong>de decondições e se colocam na posição de reciproci<strong>da</strong>de, procurando entender juntos a vi<strong>da</strong>. Nessaperspectiva, busca-se valorizar o homem com suas capaci<strong>da</strong>des e <strong>cultura</strong>, seus sentidos eemoções. A educação assume papel ativo de aprendizagem e vivência coletiva. A escola,portanto, promove um homem que se entende parte de um grupo social, capaz de analisar,criticar e propor transformações, a partir de suas próprias experiências e vivências.Na trajetória curricular, é preciso, portanto, mais e mais entender o alu<strong>no</strong> como umsujeito capaz de construir <strong>no</strong>vos conhecimentos na relação/interação com os outros e com omeio em que vive, considerando e socializando os <strong>mundo</strong>s que se encontram <strong>no</strong> interior <strong>da</strong>escola.Ao perceber-se sujeito, <strong>no</strong> sentido de ser dignificado e considerado <strong>no</strong>s seussentimentos e valorizado pelos seus significados, o alu<strong>no</strong> passa a ser sujeito <strong>da</strong> história, isto é,passa a construir <strong>no</strong>va reali<strong>da</strong>de, contribuindo com seu potencial, encontrando na escolasignificados, antes não vivenciados.O <strong>processo</strong> constitutivo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana é <strong>processo</strong> interativo de encontro/ diálogo desujeitos que nele se constituem ao mesmo tempo em que o instauram e o realizam nadinâmica do encontro racional. Na intersubjetivi<strong>da</strong>de buscam os homens entender-se entre sisobre seus próprios objetivos ali onde estão. É ver<strong>da</strong>de que o entendimento sempre éprovisório, porque o amanhã poderá possibilitar um <strong>no</strong>vo entendimento sobre a mesmareali<strong>da</strong>de.A escola como agência de encontro e de realização do homem, se determina peloentendimento compartilhado e atuação solidária dos que dela fazem parte. Passa à condiçãode <strong>no</strong>rmali<strong>da</strong>de a discussão e a análise de argumentos e posicionamentos, visando umasolução que provenha do coletivo. Valoriza-se a fala dos sujeitos e considera-se essaferramenta como fun<strong>da</strong>mental <strong>no</strong> <strong>processo</strong> ensi<strong>no</strong>-aprendizagem.Esse paradigma, portanto, não concebe uma educação basea<strong>da</strong> em programapreestabelecido de disciplinas sujeitas a objetivos e métodos definidos por pessoas que nem


11583conhecem a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escola ou que não estão dispostas a lançar um olhar sobre a reali<strong>da</strong>detão diversa e tão rica onde se insere. Urge repensar os conteúdos, os currículos e a formacomo estes são tratados. Devem ser definidos, sempre de <strong>no</strong>vo, os critérios sobre o que épreciso ensinar e aprender, quando e como, porque a escola é um grupo dinâmico, ca<strong>da</strong> umcom suas peculiari<strong>da</strong>des (MARQUES, 1992).Na<strong>da</strong> está pronto, acabado, pois tudo é retomado pelos sujeitos em interação. Assim,em vez de a escola insistir em lançar conceitos preestabelecidos <strong>no</strong> tempo, na forma como <strong>no</strong>passado foram definidos, promove em seu meio a busca <strong>da</strong> significação do que se lê, vê, ouve,escreve ou se faz, <strong>da</strong>s práticas sociais que historicamente foram se enraizando. Assim, osconceitos começam a sofrer modificações, o valor <strong>da</strong> história <strong>cultura</strong>l <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de passa aecoar, porque os sujeitos são outros, em ca<strong>da</strong> tempo. Assim, o ensi<strong>no</strong> começa quando omestre aprende com seus alu<strong>no</strong>s. Como Kierkegaard, ´o ensi<strong>no</strong> começa quando o mestreaprende com o discípulo, quando o mestre se situa <strong>no</strong> que o discípulo compreendeu, <strong>da</strong>maneira como o discípulo compreendeu` (MARQUES, 1992).A teoria apresenta<strong>da</strong> por Habermas encaminha a educação na perspectiva de umaracionali<strong>da</strong>de comunicativa, significando <strong>da</strong>r valor às questões que até aqui têm estadodesvincula<strong>da</strong>s <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem argumentativa e passem a ser considera<strong>da</strong>s parte do contexto doensinar e do aprender. Fala-se <strong>da</strong>s questões do <strong>mundo</strong> vivido. Evidentemente, que para issoocorrer, é necessário que sejam adotados procedimentos que ampliem os conceitospe<strong>da</strong>gógicos reinantes e os fun<strong>da</strong>mentos epistemológicos <strong>da</strong> educação e que estes sejamdemarcados em bases <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> comunicação.A visão essencial de Habermas é a compreensão <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de, que, partindo <strong>da</strong>crítica <strong>da</strong> situação em vigor, encaminha para a superação <strong>da</strong> razão instrumental pela razãocomunicativa. Dentro dessa perspectiva, a educação é vista como <strong>processo</strong> <strong>no</strong> qual a vi<strong>da</strong> sealinha, via socie<strong>da</strong>de. Para a educação, eis que entra um componente fun<strong>da</strong>mental, aintersubjetivi<strong>da</strong>de.Habermas refuta os aspectos egoístas, individualistas e dominadores. Por outro,empenha-se por recuperar a universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> razão. Abandona a filosofia <strong>da</strong> consciência,optando pela filosofia <strong>da</strong> linguagem. Segundo seu pensamento, o homem é capaz deestabelecer <strong>relações</strong> com o <strong>mundo</strong> físico, com os objetos, com seus desejos e sentimentos.Essas ações têm <strong>no</strong> <strong>mundo</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> as referências para as pretensões de ver<strong>da</strong>de eautentici<strong>da</strong>de. Considerando isso, Habermas se defronta com a plurali<strong>da</strong>de histórica e <strong>cultura</strong>l


11584<strong>da</strong>s visões de <strong>mundo</strong>. Uma compreensão de <strong>mundo</strong>, inicialmente egocêntrica, <strong>da</strong>rá lugar àseparação do <strong>mundo</strong> objetivo e social frente ao <strong>mundo</strong> subjetivo. Assim, o ambiente escolarprecisa ser um lugar de encontro para as <strong>relações</strong> educativas do encontro dos sujeitos.Aprende-se frente a frente, ouvindo e falando, refletindo sobre, trocando vivências.Aprender a aprender, nesse contexto, apresenta-se como uma necessi<strong>da</strong>de e não comouma possibili<strong>da</strong>de. Tanto os educadores quanto a comuni<strong>da</strong>de educativa precisam estardispostos a repensar sua prática, rever seus referenciais teóricos, confrontar conceitos ecompartilhar ideias, observar a diversi<strong>da</strong>de <strong>cultura</strong>l, estando abertos a <strong>no</strong>vas possibili<strong>da</strong>des deconstrução de conhecimento, levando em conta os sujeitos e sua história.Considerações finaisDiante dessas mu<strong>da</strong>nças, ou desafios, aprender a viver torna-se também umimperativo. O homem, como ser social, não pode prescindir dos outros, seus semelhantes.Urge que a escola trabalhe ca<strong>da</strong> vez mais uma socialização que construa valores huma<strong>no</strong>scapazes de aproximar o homem do homem, derrubando barreiras e preconceitos que destroemou impedem a interação dos sujeitos. A escola precisa caminhar em direção a uma propostamais humana, que signifique as diversas reali<strong>da</strong>des e considere, na prática, osdesejos/necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de escolar.A escola precisa entender-se como espaço de encontro de <strong>cultura</strong>s, vi<strong>da</strong>s eexperiências vivi<strong>da</strong>s. Fazer educação, pois, é trabalhar com pessoas carrega<strong>da</strong>s de histórias,sentimentos, emoções, conhecimentos e bagagem <strong>cultura</strong>l. A reali<strong>da</strong>de e o momento do outrosão fun<strong>da</strong>mentais para a construção de <strong>no</strong>vos conhecimentos. Se assim não fosse, poderíamoscontentar-<strong>no</strong>s com um conhecimento estanque e sem o colorido <strong>da</strong>s diferentes reali<strong>da</strong>desvivi<strong>da</strong>s. A educação tem um papel político fun<strong>da</strong>mental. Ela deve desempenhar um papeleminentemente democrático, ser um lugar de encontro, de permanente troca de experiências,pois os alu<strong>no</strong>s, além de ter experiências de vi<strong>da</strong>, detêm também saberes muito significativos.REFERÊNCIASHABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa. V. 1 e 2. Madrid: Taurus, 1987.__________________. Pensamento Pós-metafísico – estudos filosóficos. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1990.


11585HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1989.MARQUES, Mário Osório. Educação / Interlocução, Aprendizagem / Reconstrução deSaberes. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1996.______________________. Pe<strong>da</strong>gogia – a ciência do educador. 2 ed. Ijuí: Editora UNIJUÍ,1996.______________________. Conhecimento e Moderni<strong>da</strong>de em reconstrução. Ijuí: Editora<strong>da</strong> UNIJUÍ, 1993.PRESTES, Nadja Hermann. O Pensamento de Habermas. In: Filosofia, Socie<strong>da</strong>de eEducação, a<strong>no</strong> 1, n.1. Marília: Facul<strong>da</strong>de de Educação UNESP, 1997.PRESTES, Nadja Hermann. Educação e Racionali<strong>da</strong>de. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

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