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JUVENTUDES: É POSSÍVEL FALAR EM CULTURA JUVENIL?

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84formação da vida urbana. Esta escola aparece estreitamente unida ao Departamento deSociologia da Universidade de Chicago. Foi criada em 1890. A Escola de Chicagodesenvolveu trabalhos na área das ciências humanas com estudos dos movimentos sociais,seitas, comportamento das multidões, comportamentos patológicos ligados a urbe, gruposjuvenis e ocupação da cidade por esses grupos.A cidade é visualizada por esta corrente filosófico-social sob uma ordem ecológica ou natural,os debates (ainda que frágeis no início, anos depois conseguiriam articular melhor suasposições teóricas), envolviam temas como a pobreza, a delinquência juvenil, o crime, adoença, o desemprego e a prostituição.Mas por que Chicago e não outras grandes cidades americanas? Chicago, mais do quequalquer outra cidade americana, tinha um acentuado desenvolvimento urbanístico,econômico e financeiro no final do séc. XIX e início do séc. XX. A explosão do crescimentoda cidade, que se expande em círculos concêntricos (do centro para a periferia), cria váriosproblemas sociais, trabalhistas, familiares, morais e culturaisDo grupo de autores pertencentes a esta escola, dois se destacam por tratarem da questãojuvenil: Frederic M. Thrasher e sua obra publicada em 1927, The gang (THRASHER, 1927),pertencente ao grupo original da Escola de Chicago; e William Foote Whyte,excepcionalmente, por ter-se dedicado por 4 anos (entre 1937 e 1940) a estudar, emCornerville, localidade italiana em Boston, um grupo de rapazes, morando 18 meses com umafamília italiana da vizinhança, razão pela qual seu trabalho é um exemplo da técnica deobservação participativa. Whyte começa distinguindo entre os rapazes da esquina e os rapazesde colégio; os primeiros sem emprego, abandonados, inclusive pela escola; enquanto ossegundos tiveram acesso à educação com possibilidades de mobilidade social.Em outra vertente de construção teórica juvenil e com muitas e complexas ramificações, talcomo o simplifica José Machado Pais (1953 -) em duas principais tendências: a correntegeracional e a corrente classista.A corrente geracional inclui uma série de aspectos que têm em comum o fato de conceber ajuventude como uma fase da vida. O tema das gerações é explicitamente pontuado peloespanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), que afirma em 1923 seu artigo A ideia das


85gerações 1 que a “geração” é o compromisso mais dinâmico entre massa e indivíduo. Podemser os homens da mais diversa têmpera e pensar diferente, ser reacionários ou revolucionários,mas, são indivíduos de seu próprio tempo. Posteriormente, em mais amplamente conhecidaobra, A rebelião das massas (ORTEGA Y GASSET, 1999) dedica uma parte a uma das trêsgerações: “a juventude” (as outras são os maduros e os velhos), na qual reafirma o séc. XX secaracteriza pelo “extremo predomínio dos jovens” (ORTEGA Y GASSET, 1999, p.276), emque a idade não é uma data, mas uma área de datas, período que serve ao homem paratrabalhar ativamente projetando seu próprio modo de vida. Vislumbra-se, nestes termos, umaelaboração conceitual que ultrapassa a análise de que a mudança geracional se dá a cada 30 ou15 anos, ou para pensá-las em uma lógica retilínea do progresso, vai além da mera idadecronológica e biológica.Outro ponto de partida em torno da problematização do conceito de juventude é o que seapresenta em uma perspectiva construtivista, sintetizada no texto clássico de Bourdieu, escritoem 1978 e intitulado A juventude não é mais que uma palavra (BOURDIEU, 1990), no qualafirma que as relações entre a idade social e a biológica são muito complexas e, portanto,costumam estar sujeitas a manipulação, sobretudo no sentido de conceber os jovens como aunidade social com interesses comuns, pelo simples fato de compartilharem uma categoria deidade.As classificações por idade, diz Bourdieu (1983, p.112) (mas também por sexo, ou, é claro,por classe...) acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde cada um deve semanter em relação à qual cada um deve se manter em seu lugar.Bourdieu no decorrer da entrevista 2 vai tecendo uma série de considerações acerca dajuventude e da velhice lembrando “simplesmente que a juventude e a velhice não são dados,mas construídos socialmente na luta entre os jovens e os velhos”(p.113)O reconhecimento de que existem juventudes possibilita uma discussão sobre asrepresentações sociais a respeito dos jovens na contemporaneidade. <strong>É</strong> preciso admitir, há1 Este ensaio é a primeira parte do livro El tema de nuestro tiempo (1923). Que aparece emJosé Ortega y Gasset, Obras completas, v. III, Madri, Revista de Occidente, 1946-1983.Disponível em: http://www.ensaystas.org/antologia/XXE/ortega3.htm.2 Entrevista a Anne-Marie Métailié, publicada em Les Jeunes et le premier emploi, Paris,Associat ion desAges, 1978. Extraído de: BOURDIEU, Pierre. 1983. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero.P. 112-113.


86diferentes formas de considerar os jovens, como há diferentes maneiras de eles se afirmaremcomo sujeitos, considerando, inclusive, diferentes organizações sociais de referência, aexemplo da escola.Juventudes, sociedade e culturaIsleide Fontenelle (2004), em seu minucioso estudo sobre a expansão da marca McDonald’snos Estados Unidos e em todo o planeta, situa nos anos 1950, anos dourados do pós-guerra, aemergência de uma cultura adolescente na sociedade norte americana.A “cultura dos jovens” perceptível nos anos 60 começara bem antes e já se podiam vislumbrartodas as suas características no início dos anos 50. A figura do adolescente que de tal modoemergia era associada, sobretudo, à vida urbana. Uma geração vista como problemática, mas,também, como espelho refletor da sociedade americana do pós-guerra:“(...) muita da insistência sobre os jovens como consumidores – novo e gigantescomercado que se abria à venda de Coca-Cola, goma de mascar, balas, discos, roupas,cosméticos, acessórios para carros e carros usados – podia ser transmitida, apesardos tons de escândalo, ao prazer secreto de ver confirmada a filosofia do consumoque representava uma bíblia do bem-estar americano”. (KEHL, 2010) [n.p.].A relação dos jovens com a sociedade “pós”-moderna se dá de modo um tanto conflituosouma vez que prevalecem os estereótipos de incapazes, rebeldes e muitas das vezes,irresponsáveis. Mas, se de um lado, eles aparecem como pessoas problemáticas que transitamentre a infância e a vida adulta; por outro, transformaram-se num “objeto de desejo” daindústria cultural. <strong>É</strong> um processo que se fortaleceu a partir da década de 1990, quando asempresas responsáveis pelas pesquisas de mercado saíram “à caça” das tendências deconsumo. Fontenele (2004, p. 63), afirma que essas empresas tentam fazer uma mediaçãomais direta entre uma forma de expressão cultural – especialmente da cultura jovem – e umaprática de consumo. Em outras palavras, transformar cultura em mercadoria. Desse modo, osjovens passam a serem considerados os “nichos” do mercado, pois inspiram tendências paraas quais eles mesmos serão os consumidores.Em outra vertente, voltado para uma análise sociológica sobre a questão da cultura e seusdesdobramentos, Raymond Williams (1992) infere a realidade cultural como processo,conquanto, deve incluir sempre os esforços e contribuições daqueles que estão de uma forma


87ou de outra, fora, ou nas margens, dos termos da hegemonia específica. Na tentativa de definiro que é cultura, o autor aponta a complexidade em se fixar um determinado conceito, semantes colocá-lo num contexto histórico específico; recupera a trajetória do termo que, até oséculo XVI quando era associado à ideia de cultivar alguma coisa (animais, colheitas, mentes,etc.). <strong>É</strong> claro que a partir do século XVIII, seu significado se ampliou, passando a significartambém conhecimento erudito, relacionado ao desenvolvimento e progresso sociais.Williams, também, levanta questões acerca da noção idealista que previa uma separação entrecultura e vida material, ataca o pensamento materialista mecanicista, pelo fato deste, tentandocriticar os idealistas, reproduzir essa mesma concepção de campos separados. <strong>É</strong> inegável, queo pesquisador tivesse retomado os escritos de Marx e dos marxistas, contudo, ressalta-se, deque não teria aprofundado a ênfase no processo social material ao se analisar a cultura,outrossim, levantou as ideias de língua, literatura e ideologia, concebendo só se pensar acultura a partir da reflexão conjunta com esses outros conceitos.Interessante ressaltar, conquanto, ao tecer a crítica a esse tipo de marxismo mecanicista,Williams recupera os estudos de Mikhail Bakhtin, pois, segundo estes, seriam originais já quedefiniram a linguagem como sendo uma atividade social prática, dependente de uma relaçãosocial. Dessa maneira concebe a ideia de que a linguagem é a consciência prática e, como tal,está saturada por toda atividade social, inclusive a atividade produtiva. Nesse sentido, “alinguagem é a articulação dessa experiência ativa e em transformação; uma presença social edinâmica no mundo”. Ora, Williams, trabalha como Bakhtin, com a ideia de que a consciênciaé social, tal compreensão deve ser percebida em um processo dialético, uma vez que ela, emtermos práticos, opera na transformação dos seres humanos.Já, essa noção tomada de Bakhtin foi importante para Williams repensar sua noção de cultura,no sentido da elaboração de uma teoria materialista da cultura, superando as concepçõesmarxistas reducionistas que colocavam a cultura como superestrutura determinada pela infraestrutura.Notadamente, é importante destacar, não obstante, Williams é influenciado também porAntonio Gramsci, que representou uma inegável contribuição para as ciências sociais naforma adotada para a compreensão de hegemonia. Como apontava Gramsci - hegemoniasugere que uma determinada classe domine e subordine significados, valores e crenças aoutras classes. Todavia, apesar da difusão de um pensamento hegemônico por determinadaclasse, as demais não equacionam tal pensamento com a consciência, ou seja, não reduzem


88sua consciência a tal pensamento. Neste diapasão, Williams (1979, p. 113) afirma que acultura“(...) todo um conjunto de práticas e expectativas, sobre a totalidade da vida: nossossentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo.<strong>É</strong> um sistema vivido de significados e valores – constitutivo e constituidor – que, aoserem experimentados como práticas parecem confirmar-se reciprocamente.Constitui assim um senso da realidade para a maioria das pessoas na sociedade, umsenso de realidade absoluta, porque experimentada, e além da qual é muito difícilpara a maioria dos membros da sociedade movimentar-se, na maioria das áreas dasua vida”Nesse sentido, a hegemonia produz também contra-hegemonia, ou seja, a cultura dominanteproduz e limita, ao mesmo tempo, suas formas de contracultura.<strong>É</strong> inegável, a teoria materialista de cultura tem Williams como um de seus melhoresrepresentantes na medida em que, amplia o conceito no sentido de um processo integral davida, enfatizando a interdependência das várias esferas da realidade social e a atuação delascomo forças produtivas, ou seja, como elementos ativos na transformação social.Conclusão<strong>É</strong> “vero”, a juventude é um tema recente e encontra-se na pauta de estudiosos datemática juvenil, entretanto, reflexões aprofundadas acerca do tema são, ainda, bastantesincipientes, principalmente, no que tange ao desenvolvimento de uma racionalidade em tornodas juventudes e das violências, na escola. Tais ponderações incitam os estudiosos do tema arever o tema “juventudes” apreendendo sua pluralidade e diversidade, com vistas para adesconstrução e superação de alguns estereótipos, tais como, “o jovem é violento”, e/ou, “ojovem é irresponsável”.Ora, a categoria juventude, tem se tornado objeto de estudo das ciências sociais, destarte,como categoria política. Impende a promoção de discussões acerca da juventude tendo emvista a pluralidade no que diz respeito à diversidade de gênero, de pertencimento geracional,de classe social, de raça/etnia ou, mesmo, credo religioso, desconstruindo conceitoshegemônicos, dentre eles, “os jovens são todos iguais”, ou então, “a juventude é alienada.”Há um sério problema, portanto: para se alcançar maior nível de conscientização, háde se combater a hegemonia que domina nosso imaginário, combatendo-a com a consciência,


89esta, por fim, só é possível com discussões e debates visando à transformação social. Nistoconsiste pensar a juventude, em uma perspectiva plural: Juventudes.REFERÊNCIASBENEDICT, Ruth. Configurações de cultura [1932], em Estudos de organização social.Donald Pierson (org.). São Paulo: Martins, 1970, p. 312-347.BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.BOURDIEU, Pierre. La ‘juventud’ no ES más que uma palabra. Sociologia y cultura.México: Conaculta-Grijalbo, 1990. p.163-173. (Colecció Los Noventa).BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. CATANI, Afrânio e Nogueira, Maria Alice.(org.) Petrópolis: Vozes, 1998. Cap. III, IV e IX.FONTENELE, Isleide A. Os caçadores do cool. In: Lua Nova. São Paulo, n. 63, 2004.Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452004000300007 , acesso em 20/06/2011.GRAMSCI, Antonio. La cuestión de los jóvenes. Obras de Antonio Gramsci: losintelectuales y La organización de La cultura, v. 2. México: Juan Pablos Editor, 1975KEHL, Maria Rita. A Juventude como Sintoma da Cultura. Postado em 01/08/2010.Disponível em: http://outrascrateras.blogspot.com/2010/08/juventude-como-sintoma-dacultura.html, acesso em 30/06/2011.MAUSS, M. (1974). Ensaio sobre a Dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas.In: Sociologia e Antropologia, (pp. 37-184). São Paulo: Edusp.MEAD, Margaret, 1961[1928] Adolescencia Y Cultura en Samoa. Buenos Aires:EditorialPaidos,2ª edição. Ler:“Prefacio a la Edición de 1939”, “1925-1939”, “Expresiones deagradecimiento”, “Prefacio de Franz Boas”, caps.I a V,VII, e X.ORTEGA y Gasset, José. El tema de nuestro tiempo (1923).Obras completas, v. III, Madri,Revista de Occidente, 1946-1983. Disponível em:http://www.ensaystas.org/antologia/XXE/ortega3.htm.PAIS, José Machado. Culturas Juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1993.

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