à luz do direi<strong>to</strong>Multas confiscatórias:o caso das DCTFs* Raul Haidar“Trata-se de lei inconstitucional,iníqua, injusta, que qualquercongresso sério deveria ter vergonhade aprovar e qualquer governoigualmente sério mais vergonhaA Receita Federal vem enviando a milharesde contribuintes au<strong>to</strong>s de infração resultantesde audi<strong>to</strong>ria realizada nas DCTFs (Declaraçõesde Contribuições e Tribu<strong>to</strong>s Federais),onde, em mui<strong>to</strong>s casos, ocorrerampequenos erros de fa<strong>to</strong> relacionados comos recolhimen<strong>to</strong>s.Como a legislação tributária brasileira éextremamente complexa, instável e insegura,o seu cumprimen<strong>to</strong> vem se <strong>to</strong>rnando cadavez mais difícil, pois os contribuintes muitasvezes não conseguem acompanhar suas alterações,inclusive no que diz respei<strong>to</strong> aosdiversos prazos de recolhimen<strong>to</strong> dos inúmerostribu<strong>to</strong>s a que estão sujei<strong>to</strong>s. Essesprazos mudam com muita freqüência, de talforma que mesmo as empresas bem organizadascorrem o risco de, involuntariamente,cometerem irregularidades.Em praticamente <strong>to</strong>das as obrigações comerciaise civis tem sido admitido que se oseu vencimen<strong>to</strong> ocorrer em dia não útil (sábado,domingo, feriado) prorroga-se au<strong>to</strong>maticamentepara o dia útil imedia<strong>to</strong>. Mas alei fiscal diz que os tribu<strong>to</strong>s federais devemser antecipados. O governo que não devolveuos empréstimos compulsórios desde1986, que não devolve com rapidez oimpos<strong>to</strong> de renda retido na fonte a maior,que não paga pontualmente as suas dívidas,exige que o contribuinte antecipe orecolhimen<strong>to</strong> do tribu<strong>to</strong>, numa evidente violaçãoao princípio da isonomia, cláusulapétrea de nossa Constituição.E assim, com fundamen<strong>to</strong> nos artigos43 e 44 da lei 9.430/96, a Receita Federalvem lavrando au<strong>to</strong>s de infração onde cobrauma tal ‘multa isolada’ ali prevista, fixadaem 75% do valor do tribu<strong>to</strong>, mesmoque este tenha sido pago de boa fé, um oudois dias depois do vencimen<strong>to</strong> que foi‘antecipado’ pela ocorrência do dia nãoútil. E não cobra apenas essa ‘multa isolada’,mas também exige a multa pelo atraso,acrescida dos juros pela taxa ‘selic’.Embora essa ‘multa isolada’ seja previstaem lei - aliás uma das muitas leis que o Congressoaprovou sem ler, sem discutir, semsaber o que estava fazendo -, ela é absolutamenteincompatível com qualquer noção deJustiça, com qualquer princípio moral, violandoclaramente o preâmbulo da Constituiçãovigente.Confiscoainda de aplicar!”Quando a nossa Carta Magna foi promulgada,os constituintes, em nome do povobrasileiro, diziam instituir um estado democráticodestinado a assegurar, dentre outros,“...a igualdade e a justiça como valores supremosde uma sociedade fraterna ...”, parao que invocaram “...a proteção de Deus...”.A Lei 9430/96, ao viabilizar uma ‘multaisolada’ com efei<strong>to</strong> confiscatório, que oFisco exige cumulativamente com outra,nega vigência aos primeiros 5 artigos daConstituição e não pode ser utilizadacomo vem sendo.Determinada empresa, que recolheu comum único dia de atraso o tribu<strong>to</strong> que entendiavencido naquela data, recebeu um au<strong>to</strong>de infração onde, apesar de ter pago expressivaimportância (que aliás não sabemos se“Essa enxurrada de autuaçõesfeitas pelo Fisco Federalestá criando uma sériede dificuldades para oscontribuintes, que serãoobrigados a defender-seadministrativa ou judicialmente,abarrotando ainda mais nossaJustiça Federal”corretamente aplicada), é aplicada uma multapor atraso de cerca de R$ 1 mil e uma‘multa isolada’ de quase R$ 120 mil, que ultrapassao seu próprio patrimônio.A Constituição no artigo 150, IV, fazreferência apenas ao tribu<strong>to</strong>, quando proíbesua cobrança com efei<strong>to</strong>confiscatório. Todavia, a jurisprudênciae a doutrina entendem perfeitamente aplicávelàs multas a mesma limitação.ProporcionalidadeNesse sentido é a decisão do TribunalRegional Federal da 1ª Região (DJU de 20/8/99, página 341): “A multa, a pretex<strong>to</strong> dedesestimular a reiteração de condutasinfracionais, não pode atingir o direi<strong>to</strong> depropriedade, cabendo ao Poder Legislativo,com base no princípio da proporcionalidade,a fixação dos limites à sua imposição. Havendomargem na sua dosagem, a jurisprudência,com base no mesmo princípio, tem,no entan<strong>to</strong>, admitido a intervenção da au<strong>to</strong>ridadejudicial”.Ou seja: a Justiça pode, constatando quea multa é confiscatória, interferir no lançamen<strong>to</strong>e adequá-la aos princípios constitucionaisque mencionamos. Por outro lado,parece-nos óbvio que, lavrada a multa peloatraso, que não pode ser superior a 20%,uma outra multa, chamada de ‘isolada’, nãopode prevalecer e atingir a mais 75% do mesmotribu<strong>to</strong>!Ainda que seja legal essa multa, porqueprevista em lei, trata-se de leiinconstitucional, iníqua, injusta, que qualquercongresso sério deveria ter vergonhade aprovar e qualquer governo igualmentesério mais vergonha ainda de aplicar!Também o Superior Tribunal de Justiça, noProcesso 1998.010.00.50151-1, decidiu que:12 - Revista <strong>Fenacon</strong> em Serviços - Edição 73
“Não é confiscatória multa de 20%, inferior apercentual maior (30%) considerado razoávelpelo STF (RE 81.550-MG, in RTJ 74/319)”. Vejaseque o STJ, embora não tenha discutido atal ‘multa isolada’ de 75%, ado<strong>to</strong>u umparâmetro de 20% para considerar como nãoconfiscatória a multa por infração fiscal.NotificaçãoHá ainda uma outra questão a ser levantadanessa enorme quantidade de au<strong>to</strong>s deinfração que recentemente o Fisco Federalenviou a milhares de contribuintes: o decre<strong>to</strong>70.235/75, que regula o processo administrativofiscal, em seu artigo 11 determina queo contribuinte, antes de ser autuado, deveser previamente notificado, para que possadefender-se. Isso é norma prevista no artigo5º, inciso LV, da Constituição, que trata dodevido processo legal.O 1º Conselho de Contribuintes, órgãojulgador da 2ª instância administrativa noâmbi<strong>to</strong> do Ministério da Fazenda, já decidiuque: “Tendo a infração sido averiguada medianterevisão da declaração, realizada noâmbi<strong>to</strong> da repartição lançadora, o lançamen<strong>to</strong>deve ser fei<strong>to</strong> mediante notificação, conformeo artigo 11 do decre<strong>to</strong> 70.235/72”(acórdão n.º 101-79.888/90, Diário Oficial daUnião de 05/06/90).Essa enxurrada de autuações feitas peloFisco Federal está criando uma série de dificuldadespara os contribuintes, que serãoTributário.comA <strong>Fenacon</strong>, em parceria com o siteTributário.com, ofereceu gratuitamente, no finalde 2001, assinatura anual da revista digitalaos primeiros 50 inscri<strong>to</strong>s, associados dos sindica<strong>to</strong>sfiliados. A revista Tributario.com foicriada em outubro de 1999, garantindo confiabilidadee rapidez na disponibilização das informaçõesda área tributária.O site oferece um amplo leque de informações,divididas em seções, tais como: doutrinas,notícias, jurisprudência, normas federais,estaduais e municipais, publicadas nos diáriosobrigados a defender-se administrativa oujudicialmente, abarrotando ainda mais nossaJustiça Federal. E, como certamente algumaalta au<strong>to</strong>ridade dirá, pode surgir uma nova‘indústria de liminares’...* Raul Haidar é advogado tributaristae conselheiro da OAB-SPrhaidar@uol.com.brTex<strong>to</strong> publicado originalmente nos portaiswww.tributario.com e www.conjur.com.broficiais, agenda tributária e divulgação de cursose even<strong>to</strong>s. A atualização da revista é diária.O portal oferece ainda aos assinantes serviços,como: boletins informativos, endereço eletrônico,downloads, links para sites nacionais eestrangeiros e ferramenta de busca.Entre os colaboradores do site, nomes comoo do deputado federal, Marcos Cintra, professore vice-presidente da FGV, mestre em Planejamen<strong>to</strong>Regional e dou<strong>to</strong>r em Economia,pela Universidade de Harvard (EUA). Para breve,o portal promete oferecer aos assinantesparticipação em grupos de debates, para a discussãode temas atuais.Revista <strong>Fenacon</strong> em Serviços - Edição 73 - 13