sistema tributárioTerror fiscalNos últimos anos, aarrecadação do governo, viaPrevidência Social e ReceitaFederal, aumen<strong>to</strong>uvertiginosamente. Há quem digaque is<strong>to</strong> se deve à maioreficiência fiscalizadora, porémexistem aqueles queconsideram a existência de umaverdadeira indústria de multas eoutros procedimen<strong>to</strong>squestionáveisPor Márcio Sampaio de CastroA Constituição de 1988 instituiu impos<strong>to</strong>se contribuições em cascata que <strong>to</strong>rnariama vida dos contribuintes, em particularas pessoas jurídicas, um verdadeiro calvário.Hoje, uma empresa para se manter na legalidadeprecisa recolher contribuições sobreo IPI, Cofins, Pis/Pasep, CPMF, IOF, entreoutros. Com o Plano Real e os compromissosjun<strong>to</strong> ao FMI, para obtenção de umsuperávit primário, surgia a necessidade deobtenção de recursos para o fechamen<strong>to</strong>das contas governamentais com saldo positivo,a qualquer preço.Os técnicos (ou burocratas) se lembraram,é claro, dos contribuintes e, em particular,daqueles que pudessem estar ematraso com suas obrigações. O passo seguintefoi criar um sistema que viabilizassea potencialização destas fontes de recursos.Mas o que o governo federal fez paraincrementar a arrecadação?A primeira solução criada foi aimplementação de um sistema deinformática mais eficiente e implacável.Atualmente, declarações por meios impressosestão se <strong>to</strong>rnando coisa dopassado e praticamente 100% dos dadospassam por meios eletrônicos queconfrontam informações e buscam possíveislapsos do contribuinte. Segundodados do Institu<strong>to</strong> de PesquisasEconômicas e Aplicadas - IPEA, apenasa arrecadação previdenciária subiu,nos últimos cinco anos, de trintapara cinqüenta bilhões de reais.Matéria publicada no jornal Valor Econômico,de São Paulo, do dia 17 de dezembro,mostrou que os escritórios de advocaciavêm registrando “aumen<strong>to</strong> sensívelnas consultas de clientes que receberamnotificações sobre autuações fiscais”. Areportagem apon<strong>to</strong>u que quase <strong>to</strong>das asautuações são baseadas em cruzamen<strong>to</strong>eletrônico de dados contidos em declarações,como DCTF, DIPJ e Dirf.A Delegacia de Administração Tributáriada Receita Federal, no município de SãoPaulo, teria informado que o número deau<strong>to</strong>s de infração, a partir do cruzamen<strong>to</strong>de dados, ultrapassou, no quar<strong>to</strong> trimestrede 2001, meios de autuação tradicionais,como a fiscalização baseada nas audi<strong>to</strong>riase nas investigações diretas nasempresas e pessoas físicas.A maioria das multas são referentes aosexercícios de 1996 e 1997. O interesse nasdeclarações desse período não é à <strong>to</strong>a, poisas dívidas tributárias prescrevem em cincoanos. O motivo das penalidades, segundoadvogados tributaristas consultadospelo jornal Valor Econômico, seriamdívidas de impos<strong>to</strong>s já pagos, mas provavelmenteainda não computados pelo Fisco,ou erros nas declarações.No quar<strong>to</strong> trimestre de 2001 teriam sidoexpedidas na capital paulista 14 mil autuaçõesfiscais originadas de discrepância deinformações verificadas com o cruzamen<strong>to</strong>eletrônico de dados. O município representapraticamente 25% da arrecadação nacionalda Receita Federal.Confisco ou eficiência?Em números gerais, até agos<strong>to</strong> de 2001,as autuações chegavam ao montante deR$ 15,4 bilhões, entre médios e grandescontribuintes, números relativos somenteàs pessoas jurídicas. Nestes casos, apenasmetade dos valores das autuações éconsiderada pela Receita Federal como sonegação.Seriam situações nas quaishouve má fé do contribuinte. A outra metadeviria da diferença de interpretação dalegislação tributária ou erros de preenchimen<strong>to</strong>etc. Em ambas as situações, no entan<strong>to</strong>,a Receita aplica multa sobre o valordevido.Mas o problema não está apenas no aumen<strong>to</strong>do volume de autuações, mas tambémno valor das multas. A Medida Provisória2158-35, editada no dia 24 de agos<strong>to</strong>do ano passado, por exemplo, estabeleceem seu artigo 57, que, pelo descumprimen<strong>to</strong>de obrigações acessórias, dependendo doporte da empresa, a multa será de R$ 5 mil emais 5%, não inferiores a R$100 do valordas transações comerciais ou das operaçõesfinanceiras, próprias da pessoa jurídica,no caso de informação omitida, inexataou incompleta.Vale lembrar que esta MP já foi editada 30vezes, sob diversos números, mas basicamentecom o mesmo conteúdo. “São medidasprovisórias umas atrás das outras, ficamosaté malucos, não entendemos nada, masa multa continua lá”, lembra o dire<strong>to</strong>r de Relaçõesdo Trabalho e Assun<strong>to</strong>s Legislativosda <strong>Fenacon</strong>, Sauro Henrique de Almeida, quetambém é consul<strong>to</strong>r contábil.8 - Revista <strong>Fenacon</strong> em Serviços - Edição 73
Mui<strong>to</strong>s tributaristas consideram estesvalores um exagero, pois acabam dificultandoa vida do contribuinte que queiraacertar suas contas. É o caso de CelsoBotelho de Moraes, advogado tributarista,titular da Advocacia CBM, de São Paulo.“O problema é que se traçarmos umalinha imaginária, com uma carga tributáriasuportável, <strong>to</strong>dos pagam. Acima desta linha,por uma questão de sobrevivência aempresa pode acabar deixando de pagaros impos<strong>to</strong>s para honrar a folha de pagamen<strong>to</strong>ou para não <strong>to</strong>mar emprestado nobanco. Quando a empresa vai acertar, sedepara com os juros elevados, por exemplo.A empresa se vê em dificuldades paraacertar o que deve e continuar pagandoem dia os tribu<strong>to</strong>s vincendos”, conclui.SigiloSauro Henrique de Almeida,dire<strong>to</strong>r de Relações doTrabalho e Assun<strong>to</strong>sLegislativos da <strong>Fenacon</strong>Os percentuais de multas estabelecidospela Receita Federal variam de 75% a 225%sobre o valor do impos<strong>to</strong> devido. Ao serautuado, o contribuinte tem trinta dias parapagar o crédi<strong>to</strong> devido ou impugnar o resultado.Se o pagamen<strong>to</strong> for fei<strong>to</strong> à vista edentro do prazo, há um descon<strong>to</strong> de 50%.Mas, em alguns casos, a secretaria acabaincluindo os dados do devedor na DívidaAtiva, mui<strong>to</strong> antes de qualquer negociação,o que acaba sendo uma forma de pressão.No campo da fiscalização, outra formacom validade jurídica questionável, aindaque aprovada pelo Congresso, é o cruzamen<strong>to</strong>de dados, a partir da CPMF. Com apossibilidade da quebra do sigilo bancário,a SRF pode agora atuar como o Grande Irmãodo livro do escri<strong>to</strong>r britânico GeorgeOrwell, aquele que tudo vê e tudo sabe.No final do ano, a Receita Federal haviaconcluído processos fiscais contra 1.161contribuintes que fizeram movimentaçõesfinanceiras incompatíveis com a sua declaraçãode renda, com base em dadosobtidos no cruzamen<strong>to</strong> de informações daCPMF e do Impos<strong>to</strong> de Renda de 1998.Desses 1.161 contribuintes, 703 são pessoasfísicas e 458, empresas. As fiscalizaçõesresultaram em autuações que somaramR$ 587 milhões.A Receita provou que, desse <strong>to</strong>tal, 800contribuintes tiveram a intenção de cometera fraude e terão de pagar multa de 150%sobre o valor do impos<strong>to</strong> não recolhido.Entre os outros contribuintes autuados,não foi constatada a intenção da fraude.Ainda assim, esses contribuintes terão depagar multa de 75%.RefisSeguindo esta linha de ampliar as possibilidadesde arrecadação, a SRF instituiuo Refis - Programa de Recuperação Fiscal,que permite aos devedores de tribu<strong>to</strong>s econtribuições federais renegociar e parcelaro pagamen<strong>to</strong> de suas dívidas. As parcelassão corrigidas pela taxa Selic, o quedá cerca de 17% ao ano. Só para comparar,a caderneta de poupança paga 6,5% aoano, enquan<strong>to</strong> um bom fundo de aplicaçõeschegava no máximo a 14% ao ano, nofinal do último mês de outubro.Apenas em dezembro do ano passado,69.797 empresas foram excluídas do Refis.Das 129.089 empresas que aderiram ao programa,no início de 2000, restam apenas37.358 pagando seus débi<strong>to</strong>s com o governo,ou seja, só 28,9%. Um dos motivos paraa exclusão do programa é a inadimplênciapor três meses consecutivos ou seis intercaladosou o não recolhimen<strong>to</strong> regular dostribu<strong>to</strong>s e contribuições correntes.Dívida externaDados divulgados pelo IBGE, no últimomês de dezembro, apontaram que o crescimen<strong>to</strong>de 15,3% na arrecadação, de 1999Celso Botelho de Moraes:“se traçarmos uma linhaimaginária, com uma cargatributária suportável,<strong>to</strong>dos pagam”para 2000, fez com que a carga tributáriapassasse a representar 32,34% do PIB. Ouseja, de <strong>to</strong>das as riquezas produzidas pelopaís, os governos municipais, estaduais efederal ficaram com R$ 351,4 bilhões.Esse crescimen<strong>to</strong>, segundo o institu<strong>to</strong>, foiimpulsionado principalmente pelo aumen<strong>to</strong>da arrecadação de 81% da CPMF (aumen<strong>to</strong>da alíquota de 0,20% para 0,38% em junhode 1999 e redução para 0,30% em julho de2000); de 25% do Cofins (aumen<strong>to</strong> daalíquota de 2% para 3% a partir de março de1999 e obriga<strong>to</strong>riedade de pagamen<strong>to</strong> dessacontribuição pelas instituições financeiras).As despesas do governo federal concentram-se,ainda segundo o IBGE, sobretudo,na Previdência e no pagamen<strong>to</strong> dejuros da dívida pública. No período avaliado(1996 a 1998), as despesas com os pagamen<strong>to</strong>sefetuados a inativos e pensionistasaumentaram de 40% em 1996 para 42%em 1997, chegando a cerca de 44% em 1998.O pagamen<strong>to</strong> dos juros das dívidas internae externa consumiu, no ano de 1998,cerca de 19% do <strong>to</strong>tal das despesas. Emtermos de comparação, do <strong>to</strong>tal arrecadadopelo governo, cerca de 1% foi destinadoa programas de Meio Ambiente, Habitação/Urbanismoe Cultura/Despor<strong>to</strong>s. ASaúde ficou com 5,32 e a Educação, 3,07.Talvez <strong>to</strong>dos estes números expliquemos sucessivos recordes de arrecadação daReceita Federal ou o empenho do governoem adiar a Reforma Tributária. O ladoruim desta história é bem definido peloadvogado Celso Botelho: “diferentementede outros países, como na Escandinávia,por exemplo, não vemos o re<strong>to</strong>rno”.Colaborou: André Luiz de AndradeRevista <strong>Fenacon</strong> em Serviços - Edição 73 - 9