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Publicação Mensal Ano XVI - Nº <strong>180</strong> Março de 2013<br />
Das dores da Paixão aos<br />
fulgores da Ressurreição
Imagem de São José -<br />
São Paulo, Brasil<br />
São José,<br />
nobre e virgem<br />
S<br />
ão José teve de modo<br />
supereminente a nobreza e<br />
também a pureza que é a virtude<br />
mais conveniente a um nobre.<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, ao<br />
morrer, quis entregar sua Mãe<br />
Virgem a um apóstolo virgem.<br />
Não teria querido também que Ela<br />
estivesse sob a guarda de um esposo<br />
virgem? Para ser esposo da Virgem<br />
das virgens, alguém poderia não ser<br />
virgem? É uma coisa verdadeiramente<br />
inconcebível.<br />
Em São José brilhava a dignidade,<br />
a categoria, a largueza de visão,<br />
a segurança de um homem que é<br />
patriarca, rei e príncipe. E, ao mesmo<br />
tempo, o fulgor da virgindade. Um<br />
varão segundo o Sagrado Coração<br />
de Jesus e o Imaculado Coração de<br />
Maria.<br />
David Domingues<br />
(Extraído de conferência de 8/10/1966)<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XVI - Nº <strong>180</strong> Março de 2013<br />
Ano XVI - Nº <strong>180</strong> Março de 2013<br />
Das dores da Paixão aos<br />
fulgores da Ressurreição<br />
Na capa, Ressurreição<br />
(por Fra Angelico) -<br />
Museu de San Marco,<br />
Firenze (Itália)<br />
Foto: Gustavo Kralj<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Tel: (11) 2606-2409<br />
Editorial<br />
4 Das dores da Paixão aos fulgores da Ressurreição<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 Apoios eclesiásticos ao livro “Em defesa da Ação Católica”<br />
Dona Lucilia<br />
6 Elevação de alma e doçura<br />
Semana Santa<br />
10 As dores de Nossa Senhora<br />
Gesta marial de um varão católico<br />
16 Como nasceu a arte da oratória em <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> - I<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
20 Os fulgores da Ressurreição<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
24 Inocência e estado de espírito<br />
Calendário dos Santos<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum .............. R$ 114,00<br />
Colaborador .......... R$ 160,00<br />
Propulsor ............. R$ 370,00<br />
Grande Propulsor ...... R$ 590,00<br />
Exemplar avulso ....... R$ 15,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />
28 Santos de Março<br />
Hagiografia<br />
30 Santa Francisca Romana: discernimento e<br />
firmeza face aos demônios<br />
Orações<br />
34 Dar muito não basta, é preciso dar tudo!<br />
Última página<br />
36 Nossa Senhora da Soledade<br />
3
Editorial<br />
Das dores da Paixão aos<br />
fulgores da Ressurreição<br />
Por sua milenar e altamente simbólica Liturgia, por suas cerimônias pervadidas de mistério<br />
e de sacralidade, a Igreja nos conduz passo a passo pelas sendas da vida terrena de Jesus.<br />
Numa sucessão de alegrias e de dores, desde a Gruta de Belém, podemos compartilhar,<br />
ao lado de Maria Santíssima e de São José, a indizível felicidade de contemplar o Menino Deus, experimentar<br />
a surpresa da chegada dos reis magos, padecer os sofrimentos e incertezas da fuga para o<br />
Egito, entristecer-nos e indignar-nos com a morte dos Santos Inocentes, convivermos com a Sagrada<br />
Família em Nazaré, assistirmos aos trabalhos de São José e do Menino Jesus na marcenaria, e sentarmo-nos<br />
à mesa degustando a refeição preparada por Nossa Senhora.<br />
Para Deus não há tempo, tudo é presente. Sua Santa Igreja participa dessa atemporalidade, refletida<br />
na Liturgia, que nos permite efetivamente viver cada momento da vida de Jesus como se em concreto<br />
lá estivéssemos. Cada ato de desagravo de nossa parte, cada ato de amor, é levado em conta pelo<br />
Redentor, que tudo contemplou pela ciência divina. Essa é uma das razões pelas quais não podemos<br />
contemplar a vida de Nosso Senhor como meros espectadores, mas devemos nos envolver nela.<br />
Por isso mesmo devemos nos perguntar se, quando presencio os indizíveis sofrimentos padecidos<br />
por Nosso Senhor para a minha redenção, em retribuição, o que faço? Vivo como deveria, coerentemente<br />
com a minha fé? Tenho presente que cada falta minha representou um sofrimento a mais para<br />
Jesus?<br />
Neste mês em que vamos com a Igreja seguir passo a passo a dolorosa Paixão de Nosso Senhor,<br />
devemos ter a alma transida de gratidão por tudo o que Ele quis padecer pela nossa salvação. Quanto<br />
mais nos compenetrarmos da grandeza dessas dores do Deus feito Homem, tanto mais nos rejubilaremos<br />
com Ele e com a Igreja na Páscoa da Ressurreição! É o ápice da Redenção, o clímax da Liturgia<br />
católica. Vivamos com Nosso Senhor esses grandiosos momentos, e, por certo, receberemos insignes<br />
graças de afervoramento e de santificação.<br />
Para tal, muito auxiliarão as considerações de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a respeito da compaixão de Maria Santíssima<br />
que, ao longo dos 33 anos de vida de Jesus, com Ele sofreu cada dor, cada perplexidade, cada ingratidão,<br />
até o alto do Calvário, como também compartilhou cada esperança, cada alegria, cada consolação,<br />
até o júbilo da Ressurreição.<br />
De outro lado, como terá sido esse momento glorioso na vida do Homem-Deus? Foi algo processivo<br />
como o raiar da manhã ou, pelo contrário, como uma explosão magnífica, esplendorosa? A alguns<br />
toca mais a contemplação da Paixão, a outros, a da Ressurreição. Seja como for, contemplando esses<br />
mistérios pelo prisma que lhe é mais adequado, cada um se unirá mais ao Divino Redentor, e mais<br />
graças receberá para, em retribuição, tudo dar a Nosso Senhor.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
Apoios eclesiásticos ao livro<br />
“Em defesa da Ação Católica”<br />
Em março de 1943 <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> viajava ao Rio<br />
de Janeiro para estabelecer importantes<br />
contatos nos meios eclesiásticos com vistas<br />
à publicação de seu livro “Em defesa da Ação Católica”<br />
que viria a ter enorme repercussão na Igreja.<br />
Os frutos dessa viagem não se fizeram esperar.<br />
Com data de 25 de março de 1943, D. Bento Aloisi<br />
Masella, Núncio Apostólico no Brasil, prefaciava<br />
essa obra que pouco depois, conquistando grande<br />
penetração nos ambientes católicos, receberia numerosas<br />
manifestações de apoio do clero brasileiro.<br />
Assim se exprimia em seu prefácio o representante<br />
da Santa Sé no Brasil:<br />
[...]<br />
Alegramo-nos, portanto, ao verificar que cresce<br />
cada dia mais, no Brasil, o interesse pela Ação<br />
Católica, como o está a demonstrar o número<br />
sempre maior de livros, revistas e estudos dedicados<br />
a este assunto. É um fato que nos enche o coração<br />
de alvissareiras esperanças, muito especialmente<br />
quando estes escritos têm o cuidado de expor,<br />
inculcar e aprofundar os genuínos e tradicionais<br />
princípios da Ação Católica contidos na mina<br />
preciosa dos documentos pontifícios, como precisamente<br />
se propôs o <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira,<br />
digno representante da Junta Arquidiocesana<br />
da Ação Católica de São Paulo, na obra intitulada<br />
“EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA”.<br />
Sendo sempre útil e proveitoso estudar e meditar<br />
essas verdades, estamos<br />
Fac-símile da carta do Mons. João Batista Montini e<br />
do prefácio do Núncio Apostólico D. Bento Aloisi Masella<br />
certos de que este livro,<br />
escrito por um homem<br />
que sempre viveu<br />
na Ação Católica<br />
e cuja pena está inteiramente<br />
ao serviço<br />
da Santa Igreja, fará<br />
muito bem às almas<br />
e promoverá a causa<br />
da Ação Católica nesta<br />
terra abençoada de<br />
Santa Cruz.<br />
* * *<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na época da<br />
Em 19 de março de publicação de seu livro “Em<br />
1949 chegava às mãos defesa da Ação Católica”<br />
de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> uma carta<br />
do então Substituto da Secretaria de Estado do<br />
Vaticano, Mons. João Batista Montini – futuro Papa<br />
Paulo VI – que, em nome de Pio XII, enviava<br />
os seguintes louvores ao autor do livro:<br />
Preclaro Senhor<br />
Levado por tua dedicação e piedade filial<br />
ofereceste ao Santo Padre o livro “Em defesa da<br />
Ação Católica”, em cujo trabalho revelaste aprimorado<br />
cuidado e aturada diligência.<br />
Sua Santidade regozija-se contigo porque explanaste<br />
e defendeste com penetração e clareza<br />
a Ação Católica, da qual possuis um<br />
conhecimento completo, e à<br />
qual tens em grande apreço,<br />
de tal modo que se tornou claro<br />
para todos quão importante<br />
é estudar e promover tal forma<br />
auxiliar do apostolado hierárquico.<br />
O Augusto Pontífice de todo<br />
o coração faz votos que deste<br />
teu trabalho resultem ricos e<br />
sazonados frutos, e colhas não<br />
pequenas nem poucas consolações.<br />
E como penhor de que<br />
assim seja, te concede a Bênção<br />
Apostólica.<br />
5
Dona Lucilia<br />
Elevação de alma<br />
e doçura<br />
No trato com Dona Lucilia percebia-se que sua alma estava sempre<br />
voltada para altas considerações. Como mãe, patroa, dona de casa ou<br />
como irmã mais velha ela se apresentava com uma autoridade<br />
definida e firme, mas a exercia com doçura.<br />
Seu exemplo de vida demonstrou a falsidade da ideia revolucionária,<br />
segundo a qual a autoridade e a doçura se excluem.<br />
Oque chama mais a atenção em mamãe é a conjugação<br />
de duas qualidades: a retidão ou a elevação<br />
— que é uma forma excelente de retidão<br />
— e a doçura. Havendo nela uma espécie de reversibilidade,<br />
no sentido de que era elevada porque doce, e doce<br />
porque elevada.<br />
São dois predicados que, segundo a Revolução, se excluem.<br />
Na saga, no pesadelo revolucionário, uma pessoa<br />
muito elevada afasta e tende ao severo, a se impor sem<br />
doçura,<br />
Doçura penetrante como a<br />
água que vem do alto<br />
Pelo contrário, na apresentação que Dona Lucilia dá<br />
de si mesma, quanto mais elevado é o espírito dela, mais<br />
tem ímpeto inicial para penetrar em todos os meandros<br />
da alma.<br />
Para dar uma comparação, quando se descia por trem<br />
de São Paulo para Santos, a paisagem do trajeto era lindíssima,<br />
própria a atrair turistas. Entre outras belezas,<br />
mauroguanandi<br />
Dona Lucilia não era<br />
como alguém que faz<br />
da contemplação do<br />
panorama um hobby,<br />
mas chegava a altas<br />
considerações sobre<br />
a obra de Deus<br />
Manacá da serra (Tibouchina<br />
mutabilis) - São Paulo, Brasil<br />
6
Dona Lucilia em 1968<br />
7
Dona Lucilia<br />
podiam-se ver os manacás floridos. Muitas vezes a viagem<br />
era feita de dia, e mamãe se punha em pé junto à janela<br />
do vagão e ficava sem conversar, extasiada, com os<br />
olhos fixos no panorama que se desenrolava.<br />
Com frequência se notava, de pontos muito altos da<br />
montanha, irromperem pedras que eram como “pães de<br />
açúcar”, e via-se um olho d’água, uma fonte a escorrer.<br />
Aquilo abria um rasgão dentro da floresta e a água descia<br />
como uma espécie de cortinado luminoso sobre a pedra,<br />
e naturalmente, chegando embaixo, seguia seu curso<br />
rumo ao mar. E mamãe gostava muito de ver isso.<br />
Quanto mais do alto cai a água, tanto mais ela tem<br />
energia e pureza para penetrar depois nas capilaridades<br />
das raízes das plantas no chão. De maneira que o muito<br />
elevado convida a entrar no profundo e, num certo<br />
sentido da palavra, no muito baixo. Esta ação da doçura<br />
quando vem do alto, os antigos entendiam bem. Mas<br />
a Revolução fez perder esta noção completamente, e a<br />
substituiu, quando muito, por uma forma comercializada<br />
de doçura.<br />
Elevadas cogitações<br />
Isso se sentia em Dona Lucilia. Tratando-se com ela<br />
percebia-se de que elevação procediam suas cogitações.<br />
Por exemplo, quando ela descia a serra, via-se que<br />
não era como alguém que simplesmente faz do panorama<br />
um hobby, mas uma pessoa que, sem comentar, pelo<br />
olhar, pela seriedade, pela forma sacral do entusiasmo<br />
etc., chegava a altas considerações, de grande repercussão<br />
afetiva, sobre a obra de Deus, a beleza daquilo em si,<br />
porque tinha isso intenso dentro da alma.<br />
E porque sua alma estava nesse píncaro, quando chegava<br />
a hora de tratar com um filho ou com outra pessoa,<br />
tanto mais aquela doçura era penetrante quanto mais alto<br />
o cume de onde procedia.<br />
Nos campos em que possuía autoridade como mãe,<br />
patroa, dona de casa ou irmã mais velha, Dona Lucilia tinha<br />
certa liderança para alguns efeitos e sempre se apresentava<br />
com uma autoridade definida e firme, mas exercendo-a<br />
com doçura. Via-se que, se fosse preciso, ela fecharia<br />
a questão, mas tinha certeza de que, na maior parte<br />
dos casos, onde não conseguia pela severidade, por<br />
meio da bondade ela moveria. E isso formava uma interpenetração<br />
que tornava delicioso o convívio com ela.<br />
Um sofisma revolucionário<br />
Na minha educação deparei-me com o sofisma revolucionário<br />
segundo o qual a autoridade é incompatível com<br />
a doçura, a elevação conduz ao desprezo e a fraternidade<br />
só se encontra no mundo da liberdade e da igualdade<br />
entendidas conforme os conceitos da Revolução Francesa.<br />
Para os defensores desta falsa concepção, aquela Revolução<br />
foi uma irrupção da doçura no mundo, depois da<br />
tirania dos reis e do desprezo dos nobres.<br />
No começo da Revolução Francesa, o Abbé Sieyès 1 ,<br />
deputado dos Estados Gerais, definia a ordem de coisas<br />
do Ancien Régime 2 como uma “cascata de desprezo” que<br />
descia dos reis para os príncipes até atingir o povo.<br />
Esta visão errada se difundiu e se impôs ao mundo.<br />
Por isso muita gente é favorável à Revolução e, em geral,<br />
contrária a toda autoridade que queira se afirmar, por<br />
maior que seja sua doçura. A crítica feita à autoridade<br />
vai nesse sentido: “Em você falta caridade, bondade, doçura!”.<br />
Portanto, mais ou menos da Revolução Francesa para<br />
cá, grande número de autoridades que recuam e não<br />
cumprem seu dever procedem assim pelo pavor de serem<br />
increpadas como não tendo doçura, como sendo<br />
orgulhosas, más etc. E muita gente simpática ao aparato<br />
do Ancien Régime, uma vez convencida de que aquele<br />
Um sofisma revolucionário<br />
segundo o qual a autoridade<br />
é incompatível com a doçura,<br />
a elevação conduz ao<br />
desprezo e a fraternidade<br />
só se encontra no mundo da<br />
liberdade e da igualdade<br />
Reparação feita a Luís XIV pelo Doge<br />
de Gênova Francesco Maria Lercari<br />
Imperiale - Castelo de Versailles, França<br />
Carolus<br />
8
Dona Lucilia nas décadas de 1910, 1940 e 1960<br />
brilho todo redundava em desprezo<br />
para quem era menos, retira sua<br />
simpatia por não poder concordar<br />
com a falta de doçura. Assim, poderíamos<br />
dar incontáveis exemplos. É<br />
uma montanha de derrotas da Contra-Revolução<br />
por causa disso. Derrotas<br />
potenciais: antes de travada a<br />
batalha, a Contra-Revolução já perdeu<br />
terreno.<br />
Bondade hierárquica<br />
Dona Lucilia se<br />
apresentava com uma<br />
autoridade definida e<br />
firme, mas exercendo-a<br />
com doçura<br />
Apresentei os aspectos psicológico e tático; devo mostrar<br />
agora o caráter mais profundo, que atinge a própria<br />
ordem do ser e a própria natureza de Deus. Para um revolucionário,<br />
aquele que é maior do que nós não pode<br />
nos querer bem, mas nos despreza e deseja esmagar-nos<br />
para conter a nossa rebeldia.<br />
O conceito de luta de classes é este: O maior querendo<br />
sempre esmagar o menor, e o menor necessariamente<br />
se revoltando contra o maior. A concórdia entre as classes<br />
sociais, nunca; sempre a luta como desfecho. Segundo<br />
esta ideia, o Deus transcendente representa para a<br />
criatura humana uma classe diferente, e o homem deve<br />
tomar para si um outro deus — amigo, camarada, igual,<br />
o deus de todas as igualdades — e deixar de lado o Deus<br />
hierárquico considerado mau precisamente por ser sumo<br />
e hierárquico.<br />
Então este problema que, num primeiro<br />
momento, parece apenas psicológico,<br />
e depois, aprofundado, mostra<br />
também o aspecto tático possantíssimo,<br />
de fato é uma questão metafísica<br />
que se apresenta assim: É bom<br />
ou não que o homem seja inferior a<br />
Deus? Quem nos criou inferiores a<br />
Ele fez-nos um favor ou arranjou-nos<br />
uma prisão? Mas tudo envolve a questão<br />
da doçura: Terá faltado doçura a<br />
Ele ou não?<br />
A mentalidade revolucionária não acredita na harmonia<br />
como condição normal do trato humano. Ela crê apenas<br />
no interesse individual ou coletivo. Essa forma de<br />
afeto que consiste em sentir a harmonia ontológica entre<br />
uma pessoa e outra, a Revolução não tem; e Dona Lucilia<br />
transbordava disso. E daí vinha o fato de ser hierárquica<br />
sua bondade.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 20/2/1982)<br />
1) Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836). Eclesiástico, político<br />
e escritor francês imbuído das ideias revolucionárias. Votou<br />
pela morte de Luís XVI.<br />
2) Sistema social e político aristocrático em vigor na França<br />
entre os séculos XVI e XVIII.<br />
9
Semana Santa<br />
Hugo Grados<br />
Nossa Senhora das Dores -<br />
Arcos de la Frontera, Espanha<br />
10
As dores de Nossa Senhora<br />
Depois de descrever a fisionomia moral da Mãe de Deus, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
considera os sofrimentos pelos quais passou a “Mulier dolorum” ao<br />
longo de toda a sua existência, em união com seu Unigênito. Tais<br />
considerações nos convidam a um exame de consciência feito com paz<br />
e inteira confiança na misericórdia divina.<br />
Hoje é um dia muito significativo para nós, pois<br />
é a Festa das Sete Dores de Nossa Senhora.<br />
Parece-me que não podemos deixar passar<br />
a ocasião sem dizer uma palavra a respeito.<br />
”Mulier dolorum”<br />
O que nós podemos considerar a respeito de Nossa<br />
Senhora e de suas dores, fundamentalmente, é o seguinte:<br />
Enganam-se aqueles que julgam que a Virgem Maria<br />
teve em sua vida uma única ocasião de dor correspondente<br />
à Paixão e Morte de seu divino Filho. Esse momento<br />
foi realmente de uma dor suprema, a maior que<br />
jamais se tenha sentido no universo, abaixo da dor insondável<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo em sua humanidade<br />
santíssima.<br />
Foi uma dor tão grande que recapitulou todas as dores<br />
do universo. Tudo quanto os homens sofreram desde<br />
a queda de Adão e sofrerão até o último instante em que<br />
houver homens vivos na Terra, vai ser incomparavelmente<br />
menor do que a dor que Nossa Senhora sofreu.<br />
Contudo, erraria quem pensasse que Ela padeceu essas<br />
dores durante a Paixão, mas fora daquele período<br />
não teria sofrido mais. E, portanto, sua vida viria transcorrendo<br />
calma, satisfeita, inundada pelo contentamento<br />
de ser Mãe do Salvador quando, de repente, chegou<br />
aquela dor lancinante que durou até a Ressurreição de<br />
Nosso Senhor, mas depois passou o sofrimento e Ela teve<br />
novamente uma vida alegre.<br />
Na realidade isso não se deu e é um modo completamente<br />
equivocado de considerar as dores de Nossa Senhora.<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo foi chamado por um dos<br />
profetas — se não me engano, o profeta Isaías 1 — de<br />
Vir dolorum: o Varão das dores; o homem ao qual era<br />
próprio sofrer, que está cheio de dores e que trazia essas<br />
dores na sua alma santíssima durante toda a sua<br />
existência.<br />
De maneira que a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
não foi um fato isolado na sua vida, mas o ápice de<br />
uma sequência enorme de dores que começaram desde o<br />
primeiro instante de seu ser e foram até o momento em<br />
que Ele exalou, num dilúvio de dores, o terrível Consummatum<br />
est 2 . Durante todo esse tempo Ele continuamente<br />
sofreu.<br />
Ora, como Nossa Senhora é o espelho da sabedoria,<br />
é espelho da justiça e Ela reflete em Si tudo o que é de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, deve-se dizer de Nossa Senhora<br />
que Ela foi a Mulier dolorum, a Mulher, a Dama<br />
das dores e que também Ela teve a sua vida inteira pervadida<br />
pela dor, pelo sofrimento.<br />
É certo que essa dor teve proporção com as forças incalculáveis<br />
que a graça Lhe dava. Sem dúvida, foi uma<br />
dor imposta pela Providência e, portanto, por mais lancinante<br />
que tenha sido, não era dessas dores que produzem<br />
turbulência e provações que devastam e sujam a alma.<br />
Eram dores imensas, mas muito arquitetônicas, muito<br />
sábias, recebidas com uma serenidade de alma ad-<br />
11
Semana Santa<br />
mirável! De maneira que, assim como se atribui a Nosso<br />
Senhor essas palavras de Isaías: Ecce in pace amaritudo<br />
mea amarissima 3 — “Eis na paz a minha amargura<br />
muito amarga” —, também de Nossa Senhora se pode<br />
dizer: “Eis na paz a minha amargura amaríssima.”<br />
No meio de um oceano de dor, aquilo tudo equilibrado,<br />
raciocinado, refletido e suportado com amor e com<br />
estabilidade de alma incomparável, sem emoções exageradas.<br />
Entrelaçamento das mais tremendas<br />
dores com as mais excelsas alegrias<br />
Portanto, com uma quase infinidade de sofrimentos<br />
padecidos sem torcida, sem pânicos, mas com muito medo,<br />
com muita angústia e, em certas circunstâncias, até<br />
com um peso de dor que chegava quase a estraçalhar, a<br />
Santíssima Virgem foi durante a vida inteira uma grande<br />
sofredora. Entretanto, uma sofredora que teve momentos<br />
de alegria e, mais do que isso, Ela teve uma grande<br />
felicidade ao longo de toda a sua existência.<br />
Ela também teve gáudios como nunca pessoa alguma<br />
teve. E todas as alegrias do mundo, desde o primeiro instante<br />
em que o homem foi criado no Paraíso, até o último<br />
momento em que haja homens na Terra, todas somadas<br />
não darão as grandes alegrias de Nossa Senhora.<br />
Mas essas dores e alegrias se entrelaçavam continuamente<br />
e Ela vivia suportando o fardo dos mais tremendos<br />
padecimentos e, ao mesmo tempo, aliviada pelo bálsamo<br />
das mais excelsas alegrias.<br />
Assim vista a fisionomia moral insondavelmente santa<br />
de Maria, convém nos atermos especialmente às suas dores.<br />
Quais foram as dores de Nossa Senhora?<br />
O tormento ao considerar os<br />
pecados dos homens<br />
Antes mesmo de saber que seria a Mãe de Deus, Ela<br />
começou a sofrer uma dor que para uma alma zelosa é<br />
imensa e que atormentou incontáveis santos — creio<br />
ter afligido todos os santos ao longo da história — e que<br />
Nossa Senhora, naturalmente, teve em grau superlativo.<br />
Concebida sem o pecado original, desde o primeiro instante<br />
do uso da razão, a Santíssima Virgem já iniciou sua<br />
vida mística. E teve conhecimento do pecado e de toda a<br />
infelicidade dos homens. Nutrindo pela glória de Deus tal<br />
zelo que daria mil vidas para evitar um pecado mortal, Ela<br />
passava por essa dor tremenda de ver a humanidade inteira<br />
imersa em pecados. Sofria ao considerar aquelas pessoas<br />
que morriam e cujas almas, em número enorme, caíam<br />
no inferno, ou então, quando não se condenavam, iam para<br />
a triste morada do Sheol, onde muitas já se encontravam há<br />
dezenas de séculos à espera de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Além disso, Nossa Senhora viu os pecados cometidos<br />
por ocasião da vinda do Messias, e os que viriam depois<br />
do Salvador até o fim do mundo. E isso causava a Ela um<br />
tormento do qual não podemos ter ideia.<br />
Houve um santo — eu não sei se foi Santo Inácio de<br />
Loyola — que disse o seguinte: se ele tivesse de viver a<br />
vida inteira simplesmente para evitar um pecado mortal<br />
Victor Domingues<br />
Podemos imaginar a<br />
dor de Nossa Senhora<br />
vendo uma criança<br />
de cinco, dez, quinze<br />
anos a sofrer e a<br />
transpirar sangue face<br />
à perspectiva dos<br />
tormentos que viriam?<br />
Menino Jesus com os instrumentos<br />
da Paixão - Mosteiro dos<br />
Jerônimos, Lisboa (Portugal)<br />
12
Se houve santos<br />
que desmaiaram ao<br />
receberem a revelação<br />
dos padecimentos do<br />
Salvador, podemos<br />
imaginar o que<br />
representava para<br />
Nossa Senhora o mínimo<br />
episódio da Paixão<br />
Sergio Hollmann<br />
Coroação de espinhos - Catedral<br />
de Colônia, Alemanha<br />
de uma pessoa que depois fosse para o inferno, ele daria<br />
por bem empregados todos os sofrimentos de sua existência.<br />
Portanto, não para salvar aquela alma, mas para<br />
impedir de ser feita a Deus uma ofensa grave, de tal maneira<br />
o pecado mortal é um mal insondável.<br />
Mas se era esse o pensamento de um santo, o que pensava<br />
Nossa Senhora, perto da Qual o maior santo é menos<br />
do que uma gota d’água comparada a todos os mares<br />
do mundo, menor que um grão de poeira em comparação<br />
a todos os universos? A santidade da Virgem Maria<br />
não tem proporção com nada. Nós não podemos fazer o<br />
cômputo da desproporção entre a santidade d’Ela e a de<br />
todos os anjos e santos reunidos. Assim, que tormento os<br />
pecados dos homens constituíam para Ela!<br />
Dor diante da perspectiva e<br />
da realização da Paixão<br />
A Santíssima Virgem recebeu, depois, a magnífica notícia<br />
de que seria a Mãe do Verbo encarnado. Podemos<br />
imaginar sua alegria ao adorar Jesus no primeiro momento<br />
em que Ela O concebeu por obra do Espírito Santo!<br />
Mas também sua dor ao pensar ser esse Messias o homem<br />
sofredor de que falara o profeta Isaías...<br />
Segundo a opinião de alguns, antes dos trágicos acontecimentos<br />
da Paixão a Santíssima Virgem não tinha conhecimento<br />
da morte de Nosso Senhor na Cruz, e soube<br />
apenas no momento em que esta se deu. Eu não discuto<br />
a questão. É fora de dúvida que Ela, pelo profeta Isaías,<br />
sabia que seu Filho deveria sofrer dores inenarráveis.<br />
Maria de Ágreda 4 conta que havia na casa de Nazaré<br />
um oratório onde, várias vezes, Nossa Senhora encontrou<br />
Jesus ajoelhado e suando sangue, na previsão de sua<br />
Paixão e da ingratidão com que os homens a receberiam.<br />
Diante disso, que é tão verossímil, podemos imaginar a<br />
dor de Nossa Senhora vendo uma criança de cinco anos, depois<br />
de dez, mais tarde de quinze, depois um moço de vinte<br />
e, por fim, um homem já feito de vinte e cinco, e de trinta<br />
anos, ajoelhado frequentemente, a sofrer e a transpirar<br />
sangue face à perspectiva dos tormentos que viriam? Tanto<br />
mais Ela que amava Jesus, não apenas como uma mãe ama<br />
seu filho, mas como uma mãe ama seu Filho que é Deus!<br />
Com certeza, Ela se prostrava perto de Nosso Senhor<br />
e sofria das dores d’Ele. E não é de admirar que Ela tenha<br />
suado sangue como Ele.<br />
Ao iniciar-se a vida pública de Jesus, Nossa Senhora<br />
passa pela dor da separação. Começam os milagres, vêm<br />
as vitórias, é o momento da alegria. Mas, pouco depois,<br />
surge a ingratidão e prepara-se a tempestade de injustiças<br />
que desfechou na Paixão. Com tudo isso Ela sofria<br />
de um modo inenarrável! Se houve santos que desmaiaram<br />
ao receberem a revelação dos padecimentos do Salvador,<br />
podemos imaginar o que representava para Nossa<br />
Senhora o mínimo episódio da Paixão.<br />
Por amor a nós, quis sacrificar<br />
o seu Filho Unigênito<br />
Afinal, chega o momento da crucifixão, e as dores de<br />
Nosso Senhor atingem o seu paroxismo. E Maria Santís-<br />
13
Semana Santa<br />
sima fica nessa alternativa: de um lado, desejar que Ele<br />
morra logo para diminuir as dores; de outro, que sua vida<br />
ainda se prolongue, em primeiro lugar porque toda<br />
mãe anseia por prolongar a vida de seu filho e, em segundo<br />
lugar, pela ideia de que assim Ele sofreria mais e os<br />
pobres pecadores seriam mais favorecidos.<br />
Ela, então, concorda com o prolongamento desse sofrimento<br />
e firma o propósito de aceitar que Nosso Senhor<br />
seja imolado apenas naquela hora extrema, com todas<br />
as dores que Ele tivesse de sofrer.<br />
Ela, Rainha do Céu e da Terra, com uma palavra poderia<br />
encerrar todos os sofrimentos expulsando os demônios<br />
e toda aquela gente que estava lá. Mas, para a salvação<br />
das nossas almas, Ela quis deixar aqueles algozes ali.<br />
Apenas uma ou outra situação extrema Ela evitou.<br />
Conta Maria de Ágreda que o demônio havia arquitetado<br />
o seguinte projeto: quando Nosso Senhor fosse erguido no<br />
alto da Cruz e começasse a sua agonia, em determinado<br />
momento, derrubar a Cruz no chão, de maneira que a Sagrada<br />
Face batesse na terra e se despedaçasse. Mas Nossa<br />
Senhora, diante do excesso de ignominia de uma intenção<br />
como essa, proibiu o demônio de realizá-la.<br />
Agora, por que Ela deixou o demônio fazer todo o<br />
resto? Porque amava tanto a salvação de nossas almas —<br />
mas da alma de cada um de nós — a ponto de querer que<br />
o Filho d’Ela passasse por tudo aquilo para, por exem-<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> oscula a Santa Cruz na cerimônia<br />
da Sexta-Feira Santa de 1992<br />
plo, eu não ir para o inferno. E Ela ama de tal maneira a<br />
minha alma e a de cada um dos senhores que, ainda que<br />
houvesse um só dos senhores para ser salvo naquele dilúvio<br />
de dores, Ela quereria que seu divino Filho sofresse<br />
aqueles tormentos para salvar essa alma.<br />
Imaginem, por exemplo, Nossa Senhora vendo a coroa<br />
de espinhos penetrar na fronte sagrada de Nosso Senhor e<br />
produzir lesões nervosas que faziam o seu Corpo estremecer<br />
em meio a todas aquelas dores que Ele já padecia. Contemplar<br />
o Sangue escorrendo de todos os lados, a sede tremenda,<br />
a febre altíssima, os estertores de todo o Corpo.<br />
A Santíssima Virgem conhecia e media tudo isso. Entretanto,<br />
queria que fosse assim. Ela era como um sacerdote<br />
que imolava a Vítima divina no alto do Calvário. E se era<br />
esse o preço de uma alma, Ela desejava que o Filho d’Ela<br />
sofresse o que estava sofrendo para conquistar uma alma.<br />
A grandeza de Nossa Senhora não está tanto na enormidade<br />
das dores padecidas, quanto no fato de ter Ela<br />
querido sofrer o que sofreu. Ela quis que o Filho d’Ela<br />
realizasse esse sacrifício tremendo e admirável, e fez isso<br />
por amor a nós. Porque Deus nos amou a ponto de querer<br />
sacrificar o seu Unigênito, Ela nos amou tanto que<br />
aderiu a essa função sacrifical, e quis sacrificar por cada<br />
um de nós o seu Filho Unigênito.<br />
Um exame de consciência<br />
A Semana Santa está se aproximando e é o momento<br />
de cada um de nós fazer, individualmente, uma meditação<br />
a esse respeito. Por mais que o homem pense, ele<br />
não pode deixar de se nutrir dessa reflexão que nunca<br />
deve bastar para a alma católica.<br />
Colocar-se, portanto, sozinho frente a um Crucifixo<br />
ou diante de uma imagem de Nossa Senhora das Dores,<br />
e esquecer o restante do mundo. Porque diante de Deus,<br />
o mundo inteiro para mim não existe. E então fazer-me<br />
esta pergunta:<br />
Eu, <strong>Plinio</strong>, tenho consciência do preço da minha salvação?<br />
Todas as graças que eu tenho recebido, eu faço<br />
ideia dos gemidos e das dores que elas custaram e do que<br />
causaram no Coração Imaculado de Maria?<br />
Eu tenho ideia de que tudo quanto se passou no Gólgota<br />
de tal maneira visava a minha salvação que se teria<br />
realizado ainda que eu fosse o único beneficiado?<br />
Eu estou compenetrado de que no alto da Cruz Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo pensou nominalmente em cada homem,<br />
desde o começo do mundo até aqui? E que, portanto,<br />
passou pela mente divina d’Ele, com pensamento<br />
de misericórdia, de bondade e de salvação, o nome de<br />
<strong>Plinio</strong> Corrêa de Oliveira? E que Ele teve em vista não<br />
apenas meu nome, mas viu minha alma, minha pessoa,<br />
o meu ser, e amou o meu ser por Ele criado e, num ato<br />
14
Sergio Hollmann<br />
O flanco de Nosso Senhor Jesus Cristo está aberto, jorrando misericórdia para todos nós e nos chamando à<br />
contrição, à penitência, à reconciliação magnífica com Ele. Crucifixão - Museu do Louvre, Paris (França)<br />
de amor a meu ser, fez aquele sacrifício para eu ir para<br />
o Céu?<br />
Dou-me conta de que a minha salvação custou tudo isso?!<br />
E como tenho eu correspondido a tantos benefícios?<br />
Qual tem sido minha ingratidão? Quantas faltas cometidas,<br />
muitas vezes por imprudência! Simplesmente por<br />
não querer evitar uma ocasião, por não fazer uma pequena<br />
mortificação, eu peguei o Sangue de Cristo e o joguei<br />
na sarjeta! Apesar desse Sangue derramado em meu favor,<br />
eu me pus em condição de perdição.<br />
Entretanto, Deus me tolerou nessa vida, me suportou<br />
e me esperou com outras graças ainda maiores do que<br />
aquelas já recebidas.<br />
A Semana Santa é uma ocasião de graças para cada<br />
um de nós. O flanco de Nosso Senhor Jesus Cristo está<br />
aberto, jorrando misericórdia para todos nós e nos chamando<br />
à contrição, à penitência, à reconciliação magnífica<br />
com Ele. Há uma efusão de bondades e de carinho para<br />
conosco como jamais poderíamos imaginar!<br />
Portanto, minha primeira preocupação na Semana Santa<br />
deve ser a de pensar em minha alma. Pensar sem temor, sem<br />
pânico, porque Deus é Pai de misericórdia e Nossa Senhora<br />
é a Mãe e o canal de todas as misericórdias. Mas pensar com<br />
seriedade, a fundo, colocar-me diante desse Sangue de Cristo<br />
que corre e perguntar-me: O que fiz eu desse Sangue?<br />
Junto à Cruz como São João Evangelista<br />
Nosso Senhor pensou em tantas almas que haviam de<br />
desprezar o Sangue d’Ele levianamente, estupidamente,<br />
a propósito de uma ninharia, de uma bagatela: pela risada<br />
de uma criada, como São Pedro, por trinta dinheiros<br />
como Judas, por preguiça e vontade de dormir como os<br />
outros Apóstolos, por medo, por oportunismo, por sensualidade,<br />
enfim, por quantas coisas as almas haveriam<br />
de rejeitá-Lo!<br />
Mas isso ainda é pouco. Nosso Senhor teve em vista, e<br />
Nossa Senhora também, todas as traições, todos os abandonos,<br />
tudo quanto almas sacerdotais O fariam sofrer.<br />
Davi tem essa queixa em relação a um amigo que fez<br />
mal a ele: “Se outrem me fizesse isso eu não me queixaria.<br />
Mas tu, um outro eu mesmo, que comigo comias doces<br />
alimentos?!” 5<br />
Tudo isso foi visto. Mas também foram considerados<br />
com amor aqueles que, por uma graça especial conquistada<br />
por esse Sangue infinitamente precioso, seriam fiéis<br />
e estariam junto à Cruz como São João Evangelista. v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 17/3/1967)<br />
1) Is 53, 3.<br />
2) Jo 19, 30.<br />
3) Is 38, 17 (Vulgata).<br />
4) Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665). Religiosa e mística<br />
espanhola da Ordem da Imaculada Conceição. Em uma de<br />
suas principais obras, “Mística ciudad de Dios”, narra as revelações<br />
recebidas da Virgem Santíssima.<br />
5) Cf. Sl 54, 13-15 (Vulgata).<br />
15
Gesta marial de um varão católico<br />
Como nasceu a arte da<br />
oratória em <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> - I<br />
Remontando às suas experiências de infância em torno da escolha<br />
entre as alegrias proporcionadas pelo embalo e os gáudios inerentes<br />
à serenidade, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos revela a fonte de onde emanaram suas<br />
qualidades de orador e escritor, as quais, utilizadas com prudência,<br />
serviram-lhe de importante e eficaz instrumento de apostolado.<br />
Antes de iniciarmos uma caminhada juntos, é<br />
prudente acertarmos bem os relógios. Assim,<br />
comecemos por nos entender a respeito da palavra<br />
embalo 1 .<br />
O gosto da velocidade e a perda<br />
da noção de finalidade<br />
Imaginemos alguém que esteja correndo a cavalo para<br />
levar uma mensagem muito importante, de uma cidade a<br />
outra, dentro de um determinado espaço de tempo. Tendo<br />
em vista o cumprimento do dever como, por exemplo,<br />
a realização de uma missão apostólica, a pessoa cavalga<br />
rapidamente. Em certo momento ela começa a ter sua<br />
atenção voltada não mais para a finalidade — a obra de<br />
apostolado —, mas para o gosto de correr a cavalo.<br />
Esse gosto toma apenas a periferia e não o íntimo da<br />
alma, e atinge sua sensibilidade mais baixa, embora legítima.<br />
E o espírito superficial considera aquilo uma delícia.<br />
De repente, quando se dá conta, a pessoa está no fundo<br />
de um precipício. Ela correu demais e o cavalo rolou<br />
abismo abaixo. Ambos estão quebrados e ela não sabe<br />
onde a mensagem foi parar. A finalidade foi prejudicada.<br />
A essa pessoa faltou prudência. O embalo levou-a à<br />
imprudência, e a imprudência, ao desastre.<br />
O que significa, na minha terminologia, a palavra embalo?<br />
No tempo em que aprendi a linguagem correntemente<br />
usada por mim, embalo indicava o gosto por um<br />
ritmo exagerado pelo qual o indivíduo perdia a noção da<br />
finalidade e o aspecto raciocinado da atividade, ficando<br />
entregue à mera fruição.<br />
Então, por exemplo, estaria na linha do embalo o caso<br />
de uma pessoa que começa a contar um caso e, para<br />
tornar a narração mais atraente, diz uma pequena mentira.<br />
E os ouvintes manifestam interesse: “Ah, foi assim?!”<br />
A pessoa, então, aumenta a mentira: “Não foi só assim,<br />
mas vou contar mais.” E, pelo embalo de causar cada<br />
vez mais admiração, ela acaba numa mentirada da<br />
qual não sabe sair. Embalo!<br />
Não há coisa que embale mais do que a megalice 2 . O<br />
indivíduo chega numa roda e dá ares de que é um grande<br />
senhor, e os outros lhe fazem uma reverência. Ele pensa:<br />
“Ah, bom! se eu posso de tal maneira montar neles, vou<br />
fazê-lo ainda mais.” E termina por delirar, ou seja, tomando<br />
ares em que ninguém mais pode acreditar. E dão<br />
gargalhadas dele, dizendo: “Olha o mega 3 !”<br />
Portanto, o embalo é um ritmo, uma ênfase determinada<br />
por um deleite superficial inebriante que se multiplica<br />
por si mesmo até chegar ao absurdo. É uma forma<br />
de prazer inteiramente diferente de outros gáudios ordenados.<br />
16
Não creio que apanhem<br />
uma só fotografia em que<br />
eu tenha fisionomia de<br />
atormentado. Estou sempre<br />
tranquilo, sereno, em ordem<br />
e satisfeito, com um bemestar<br />
interior dado pelos<br />
gáudios da inocência<br />
O menino <strong>Plinio</strong> durante uma viagem<br />
a Águas da Prata - São Paulo<br />
O gáudio da serenidade<br />
Existem os gáudios do equilíbrio, da objetividade e da<br />
distância psíquica que constituem um todo. Quem tem<br />
estes gáudios começa por se alegrar em ser tranquilo:<br />
“Eu sou eu mesmo, sinto que mando em mim e que obedeço<br />
a quem deve ser obedecido. Dentro de mim tudo<br />
está em ordem, e eu vejo todas as coisas nas devidas proporções<br />
e distâncias: isso é bom, aquilo é mau; isso é verdadeiro,<br />
aquilo é falso; isso é belo, aquilo é feio; eu catalogo<br />
segundo os predicados e as circunstâncias sem mexer<br />
em ninguém, e simplesmente olhando de cá, de lá, de<br />
acolá e formando o meu universo interior, imagem fiel<br />
do universo exterior analisado.” Isto dá uma plenitude,<br />
uma satisfação!<br />
E depois vêm as legítimas simpatias e as legítimas execrações<br />
e antipatias. E como as ideias são claras, elas encontram<br />
as palavras adequadas para se exprimir, e saem<br />
cristalinas e fluentes. Não como um esguicho que jorra,<br />
mas como uma fonte em que as águas brotam puras, generosas,<br />
abundantes, irrigando uma parte do terreno e<br />
indo mais além, podendo formar um rio, mas na tranquilidade,<br />
no donaire daquilo que está ordenado e vê de cima.<br />
Como isto é diferente do embalo!<br />
Em meus antigos tempos, senti a propósito da oratória<br />
e de tantas outras coisas essa alternativa entre as duas<br />
formas de gáudio: o do embalo e o da serenidade, o qual,<br />
no fundo, é o gáudio da inocência.<br />
Vários membros de nosso Movimento tiveram a paciência<br />
de coletar fotografias minhas de todos os tempos<br />
e, portanto, também da época em que era pequeno.<br />
Não creio que apanhem uma só fotografia em que eu<br />
tenha fisionomia de atormentado. Estou sempre tranquilo,<br />
sereno, em ordem e satisfeito. Creio não terem<br />
encontrado também uma fotografia em que eu esteja<br />
manifestando muita alegria. Com bem-estar interior,<br />
graças a Nossa Senhora, sim. Esse bem-estar interior<br />
era dado pelos gáudios da inocência com a qual todos<br />
nós nascemos. Essa inocência foi acrescida, de um modo<br />
sobrenatural e admirável, pelo batismo, e dela fomos<br />
fazendo este ou aquele uso, ao logo de nossas vidas.<br />
Não é um privilégio meu, pois todos nós tivemos<br />
em mãos essa possibilidade.<br />
Um circuito semelhante à corrente elétrica<br />
Desde os albores de meu convívio com outros, lembro-me<br />
dessa diferença. Eu me sentia, dentro de mim,<br />
cheio de gáudios. Quando eu estava com um certo número<br />
de colegas e amigos, percebia neles a fruição da<br />
alegria pela alegria, o desejo exorbitante da gargalhada,<br />
da brincadeira, do corre-corre e do remexe-mexe,<br />
17
Gesta marial de um varão católico<br />
que era propriamente o embalo. Eu tinha impressão de<br />
serem como o mensageiro de que falei há pouco, correndo<br />
pelo gosto de correr e se quebrando em qualquer<br />
lugar. Quando se quebravam, ainda davam uma risada:<br />
“Oh, que engraçado, eu me quebrei!” E estava tudo<br />
acabado…<br />
Eu tinha a sensação de que os embalos formavam um<br />
circuito mais ou menos parecido com a conhecida experiência<br />
de Física: pegam-se um polo elétrico positivo e outro<br />
negativo, as pessoas se dão a mão e a corrente elétrica<br />
circula entre todos. Se um de fora toca naqueles, sente<br />
uma descarga elétrica.<br />
Minha impressão era de que o embalo fazia daqueles<br />
meninos uma corrente assim, e eu estava fora dela.<br />
Porque eu não vivia no corre-corre, no brinca-brinca,<br />
na agitação, ou seja, no embalo. Mas tranquilo, ordenado,<br />
como nestas ou naquelas linhas gerais Nossa Senhora<br />
me ajudou a ser até o presente momento, vendo<br />
as coisas com distância, com serenidade. Categórico sim<br />
— e quanto! —, como puderam verificar pelo discurso 4<br />
proclamado há pouco, o qual não notaram uma só vez<br />
que fosse embalado. Quer dizer, tudo muito pensado, no<br />
mesmo ritmo; não há um momento em que se possa dizer:<br />
“Agora o orador está entusiasmado!” O discurso levanta<br />
o voo que pode levantar, segue assim e termina.<br />
Não tem girândolas, nem floretes.<br />
E em relação aos outros, sentia-me como uma pessoa<br />
de fora da corrente e, portanto, uma espécie de alienígena<br />
que não só ficava excluído — o que já não era bom —,<br />
mas, pior do que isso, não tinha meios de influir. Ora, eu<br />
queria influir.<br />
Então, como arranjar uma posição de equilíbrio onde<br />
eu, sem ceder ao embalo, pudesse, entretanto, ter<br />
uma comunicação que atraísse? Como me exprimir para<br />
gente embalada e que, portanto, não gosta das lentidões<br />
serenas e magníficas de uma Suma Teológica de<br />
São Tomás de Aquino, por exemplo? Como evitar que<br />
minha exposição não fosse recusada pelos partidários<br />
do embalo?<br />
Aplicando a virtude da prudência<br />
à arte de conversar<br />
Havia aqui uma tangente a tirar. E essa tangente tinha<br />
muito a ver com algo que, em mim, foi o prelúdio<br />
da oratória, bem como do escrever livros ou artigos: a<br />
conversa.<br />
As circunstâncias me obrigaram que isso fosse assim<br />
e, prestando atenção nesse discurso, nos meus artigos da<br />
“Folha” 5 , ou passando pela penitência de ler um trecho<br />
de livro escrito por mim, se verifica que mais ou menos a<br />
matriz de tudo é a conversa.<br />
Eu não vivia no corre-corre,<br />
no brinca-brinca, na agitação,<br />
ou seja, no embalo. Mas<br />
tranquilo, ordenado, como<br />
nestas ou naquelas linhas<br />
gerais Nossa Senhora me<br />
ajudou a ser até o presente<br />
momento, vendo as coisas com<br />
distância, com serenidade<br />
<strong>Plinio</strong> na época em que frequentou<br />
o Colégio São Luís<br />
18
A tal ponto que quando almocei na “Folha”, há algum<br />
tempo atrás, eu tinha diante de mim dois repórteres<br />
e, em certo momento, dirigi a palavra a eles. Um<br />
disse para o outro: “Olhe que curioso, ele fala exatamente<br />
como escreve!” Eu tive vontade de dizer: “Não,<br />
eu escrevo exatamente como falo.” Mas não quis dar a<br />
ideia de um beliscão, de uma réplica; fui cordial e deixei<br />
passar.<br />
Mas eu tenho consciência de que meus artigos, comparados<br />
aos artigos de outros jornalistas, entretanto<br />
eméritos, são mais conversados. E hoje me dou conta de<br />
que a conversa, pelo fato de ser muito dirigida e moldada<br />
para exprimir-se em termos atraentes para os outros, começava<br />
a derivar para conferência, e da conferência para<br />
o discurso, do discurso para o artigo e para o livro. Porque<br />
essas coisas se prendiam uma à outra e tinham na<br />
raiz a questão do embalo.<br />
Esse empenho de assim modelar a palavra para a conversa<br />
— mas entre dois meninos de 12, 13 anos; e que<br />
continuei mantendo até os 72 — se chama prudência,<br />
porque é a utilização das palavras tendo em vista os riscos<br />
e as vantagens de cada vocábulo, e o seu emprego<br />
orientado a um determinado fim.<br />
O desejo de me comunicar vinha já do tempo em que<br />
eu, sendo criança, subia na mesa da copa de casa e fazia<br />
discursos, dava aulas de Catecismo para os empregados<br />
etc. Quer dizer, havia uma tendência natural a falar,<br />
a me expandir, a me comunicar, que eu atribuo à procedência<br />
nordestina de meu pai.<br />
Essa tendência me levava a conversar com qualquer<br />
um, e eu falava muito. E a prudência consistia precisamente<br />
em modelar esse falar para atingir meu objetivo:<br />
influir para a vitória da Contra-Revolução.<br />
A Providência preparou-me e ajudou-me a exercer esse<br />
papel não só por alguma coisa que me deu, mas também<br />
por muito do que me recusou.<br />
v<br />
Continua no próximo número.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 11/7/1981)<br />
1) Jovens discípulos de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> pedem-lhe que discorra sobre<br />
a relação existente entre oratória, embalo e prudência.<br />
2) Assim denominava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> o defeito de quem se imagina<br />
superior, dotado de qualidades que não possui ou que exagera<br />
as qualidades que tem.<br />
3) O que tem megalice (ver nota anterior).<br />
4) Discurso feito por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no Congresso Eucarístico de<br />
1942, em São Paulo.<br />
5) “Folha de São Paulo”, diário de maior circulação no Brasil,<br />
para o qual <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> passou a escrever a partir de 1968.<br />
19
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Os fulgores da<br />
Ressurreição<br />
Contemplando os esplendores e mistérios que envolvem a Páscoa da<br />
Ressurreição, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tece interessantes hipóteses e comentários<br />
sobre o significado dos acontecimentos narrados no Evangelho.<br />
N<br />
as cerimônias litúrgicas do tríduo pascal, a<br />
Igreja sempre soube impregnar de tristeza a<br />
atmosfera quando se tratava de ficar triste; e<br />
depois marcar de alegria os momentos em que se deveria<br />
estar alegre.<br />
Pudemos ver, por exemplo, essa nota de tristeza, sobretudo,<br />
ontem: a cerimônia da Sexta-Feira Santa<br />
estava pungente!<br />
Agora, o júbilo. O Gloria in Excelsis<br />
Deo dá-nos a impressão de ser o reflexo<br />
da alegria de quando Nosso Senhor<br />
ressuscitou!<br />
A primeira visita ao<br />
Santo Sepulcro<br />
Vitor Toniolo<br />
O Evangelho lido hoje narra<br />
que Santa Maria Madalena e<br />
a outra Maria encontraram o sepulcro<br />
aberto e um anjo sobre a<br />
lápide que antes vedava o túmulo.<br />
O anjo rolou a pedra e sentou-<br />
-se nela. Por ser o seu rosto como<br />
o raio e a sua vestimenta como a<br />
neve, ele incutiu grande terror àqueles<br />
guardas que tomavam conta do sepulcro,<br />
e que então fugiram. Duas simples<br />
mulheres não tiveram medo, e ele falou<br />
com elas familiarmente.<br />
Tem-se a impressão de que elas estavam muito<br />
intimidadas, porém não medrosas, o que é uma coisa diferente.<br />
Outra manifestação da intimidação delas é o fato de<br />
ter sido necessário o anjo dizer-lhes que entrassem no<br />
sepulcro. Seria normal elas penetrarem ali, vamos dizer,<br />
com as reverências devidas a um lugar sacrossanto, fazendo<br />
assim a primeira visita ao Santo Sepulcro! Uma<br />
honra, aliás, enorme! Todas as gerações dos séculos posteriores<br />
visitaram o Santo Sepulcro. Elas foram as<br />
duas primeiras. É formidável! Como honra, é<br />
algo extraordinário!<br />
Elas entraram e viram que Nosso Senhor<br />
não se encontrava lá. Estava tudo<br />
explicado.<br />
Um acontecimento<br />
pleno de simbolismos<br />
Agora, eu teria muita vontade<br />
de saber qual era o sentido simbólico<br />
do rosto como fulgor e das<br />
roupas como neve.<br />
Evidentemente o fulgor indica<br />
o poder de Deus. Mas indicará de<br />
que maneira? Será um fulgor de<br />
vitória, de festa triunfal em que não<br />
se está mais pensando no inimigo,<br />
ou desse tipo de celebração de triunfo<br />
na qual se tem a sensação de estar calcando<br />
aos pés o inimigo? É uma pergunta.<br />
Qual seria o feitio desse fulgor?<br />
Se soubéssemos como os exegetas consideram<br />
esse fulgor, talvez pudéssemos ter aí um elemento para<br />
formar um juízo sobre isso.<br />
20
Gustavo Kralj<br />
Todas as gerações dos<br />
séculos posteriores<br />
visitaram o Santo Sepulcro.<br />
Elas foram as primeiras.<br />
Uma honra enorme! Elas<br />
entraram e viram que Nosso<br />
Senhor não se encontrava<br />
lá. Estava tudo explicado<br />
Na página anterior, Cristo Ressurrecto -<br />
Pinacoteca dos Museus Vaticanos,<br />
Roma (Itália). Nesta página, o Anjo aponta<br />
o Sepulcro vazio para as santas mulheres -<br />
Basílica de São Marcos, Veneza (Itália)<br />
As roupas como a neve. Percebe-se que era neve refulgindo<br />
ao clarão desse fulgor. A neve é a pureza do espírito.<br />
Um puro espírito porque não tem carne e, além<br />
disso, é um espírito puro, ou seja, é santo! Compreende‐se<br />
bem que a túnica — seria provavelmente uma túnica<br />
— era como a neve. Mas quais são os outros significados<br />
dessa neve?<br />
Por que ele não pairava no ar ou não estava de pé sobre<br />
a pedra, mas sentado?<br />
Cada uma dessas coisas tem um significado. É claro<br />
que nós teríamos vontade de conhecê-los. Aumentaria<br />
nossa alegria pela Páscoa da Ressurreição.<br />
Por que um anjo anunciou a Ressurreição?<br />
Se o objetivo da manifestação angélica era dar uma<br />
prova apologética da Ressurreição, debaixo de certo<br />
ponto de vista, essa prova poderia não ser muito concludente.<br />
Sobretudo para os homens do século XX, cuja<br />
mentalidade os levaria a dizer:<br />
“As duas foram caminhando para a sepultura cada<br />
vez mais compenetradas. Quando chegaram lá, estavam<br />
no auge da excitação. Então julgaram ver um anjo. E os<br />
guardas estavam fora porque tinham saído para — em<br />
linguagem nossa — tomar um cafezinho. A sepultura estaria<br />
aberta? Quem pode garantir? Qual é a prova que se<br />
tem disso? Não seria mais interessante haver um magote<br />
de dez homens importantes como, por exemplo, Lázaro,<br />
José de Arimateia, Nicodemos que dissessem terem visto?<br />
Por que um anjo?”<br />
Eu julgaria uma objeção completamente inválida, mas<br />
é uma pergunta que se poderia fazer.<br />
A essa pergunta devemos dar a seguinte resposta:<br />
Deus, nas suas manifestações, não visa principalmente<br />
àqueles que não creem, mas aos que creem. Um episódio<br />
como esse — que foi a primeira manifestação da<br />
Ressurreição, depois vieram muitas outras — seria calculado<br />
conforme a conveniência da piedade e do aumento<br />
no fervor do punhado de fiéis reunidos em torno de Nossa<br />
Senhora. Era a esses que se tratava de afervorar, de<br />
alimentar, de preparar para Pentecostes, que seria o próximo<br />
grande lance.<br />
Sendo assim, compreende-se que fosse um anjo e não<br />
um homem. Porque não existe proporção entre dez homens<br />
e um anjo. Ademais, poderia haver entre eles pequenos<br />
desacordos a propósito de um ponto ou outro, e<br />
até mesmo algum que, ao contar o fato, ficasse vaidoso…<br />
Poder-se-ia, inclusive, levantar outra objeção: Nós não<br />
acreditamos muito nesses homens que estão servindo de<br />
testemunhas, porque nenhum homem estaria à altura de<br />
testemunhar tal acontecimento; só um puro espírito. Parece-me,<br />
portanto, inteiramente concludente e apropriado<br />
o aparecimento de um anjo para anunciar a Ressurreição.<br />
A honra de remover a lápide do Sepulcro<br />
Em uma de nossas comissões de estudo estamos lendo<br />
textos de São Dionísio Areopagita que tratam sobre<br />
a hierarquia dos Anjos. Segundo ele, dos nove coros<br />
angélicos existentes, o menos elevado é o dos simples<br />
Anjos.<br />
A palavra “anjo” significa “emissário.” E esses são os<br />
emissários. Um anjo de uma categoria mais elevada é um<br />
21
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Arcanjo. Os outros têm categorias mais altas: Principados,<br />
Virtudes, Potestades, Dominações, Tronos, Querubins<br />
e Serafins.<br />
E São Dionísio Areopagita dizia que embora a categoria<br />
dos Anjos seja a menos elevada, ela completa a hierarquia<br />
angélica. De tal maneira que esta ficaria cambaia<br />
como um vaso do qual se serrasse a base, caso não houvesse<br />
o coro dos Anjos.<br />
Quer dizer, a categoria menos alta é tão preciosa que<br />
constitui um elemento sem o qual toda aquela ordenação<br />
que está acima ficaria desajustada. É, pois, um importantíssimo<br />
papel.<br />
Por que Deus teria enviado um simples anjo e não um<br />
serafim para realizar uma missão como essa?<br />
Provavelmente porque remover uma pedra não é tarefa<br />
para um príncipe. E podemos imaginar esses anjos<br />
menos elevados fazendo uma humilde e razoável súplica<br />
diante de Deus para ser dada a eles, e não a uma categoria<br />
mais elevada, a honra de mover a pedra do Santo<br />
Sepulcro:<br />
“Senhor, Vós que nos mandais exercer missões que<br />
tocam mais diretamente na matéria, desta vez que se trata<br />
de operar a mais nobre remoção da matéria, Vós nos<br />
tirais essa ocasião única?! Ela não está na natureza de<br />
nosso ofício?”<br />
A qualquer pessoa pareceria um argumento difícil de<br />
responder...<br />
Duas maneiras de imaginar a Ressurreição<br />
Mas considerando a Ressurreição em si, poderíamos<br />
imaginá-la de duas formas:<br />
1<br />
Depois do sábado, ao raiar do primeiro dia da<br />
semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver<br />
o sepulcro. 2 De repente houve um grande terremoto:<br />
o anjo do Senhor desceu do céu e, aproximando-<br />
-se, removeu a pedra e sentou-se nela. 3 Sua aparência<br />
era como um relâmpago, e suas vestes, brancas<br />
como a neve. 4 Os guardas ficaram com tanto medo<br />
do anjo que tremeram e ficaram como mortos.<br />
5<br />
Então o anjo falou às mulheres: “Não temais! Sei<br />
que procurais Jesus, que foi crucificado. 6 Ele não<br />
está aqui! Ressuscitou como havia dito! Vinde ver o<br />
lugar em que ele estava. 7 Ide depressa contar aos<br />
discípulos: ‘Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa<br />
frente para a Galileia. Lá o vereis.’ É o que tenho<br />
a vos dizer.” 8 E saindo às pressas do túmulo, com<br />
sentimentos de temor e de grande alegria, correram<br />
para dar a notícia aos discípulos. 9 Nisso, o próprio<br />
Jesus veio-lhes ao encontro e disse-lhes: “Alegrai-<br />
-vos!” Elas se aproximaram e abraçaram seus pés,<br />
em adoração. 10 Jesus lhes disse: “Não tenhais medo;<br />
ide anunciar a meus irmãos que vão para a Galileia.<br />
Lá me verão.” (Mt 28, 1-10).<br />
Sergio Hollmann<br />
22
Em meio às trevas densas, de<br />
repente reluz algo à maneira<br />
de um corisco sublime! A<br />
montanha, como que, racha<br />
e Nosso Senhor se levanta<br />
como um raio. E num instante<br />
já está junto à porta, um anjo<br />
rola a lápide e Ele aparece<br />
diante dos olhos estupefatos<br />
Timothy Ring<br />
À direita, Cristo Ressuscitado - Vitral<br />
da Pro-Catedral de Ontário, Canadá.<br />
Na página anterior, Aparição de<br />
Jesus às santas mulheres - Museu<br />
do Prado, Madri (Espanha)<br />
Em certo momento, Nosso Senhor começaria a dar<br />
sinais de vida. Seu Corpo sagrado se tornaria de uma<br />
luminosidade extraordinária, e no instante em que sua<br />
Alma o reassumisse, sua primeira atitude seria uma<br />
glorificação do Padre Eterno e um ato de amor ao Espírito<br />
Santo. E levantando-Se com uma majestade indizível,<br />
caminharia dentro do sepulcro transformado,<br />
de repente, numa catedral feita de luzes, cânticos<br />
e glória.<br />
Chegando junto à porta do túmulo, o anjo rolaria a<br />
pedra. É-nos legítimo imaginar que no interstício entre<br />
a Ressurreição e o encontro com Santa Maria Madalena,<br />
em virtude do deslocamento rapidíssimo dos<br />
corpos gloriosos, Ele tenha estado no Cenáculo e se<br />
manifestado a Nossa Senhora. De maneira a ter sido<br />
Ela a primeira pessoa a contemplar seu divino Filho<br />
ressuscitado. Logo depois, Jesus teria Se apresentado<br />
a Santa Maria Madalena, conforme nos descreve<br />
o Evangelho.<br />
Essa seria uma modalidade de conceber a Ressurreição.<br />
Poder-se-ia figurá-la de outro modo, conforme a piedade<br />
e o feitio de cada pessoa. Por exemplo, em meio<br />
às trevas densas, de repente reluz algo à maneira de um<br />
corisco sublime! A montanha, como que, racha e Nosso<br />
Senhor se levanta como um raio. E num instante já está<br />
junto à porta, um anjo rola a lápide e Ele aparece diante<br />
dos olhos estupefatos. Acabou!<br />
A Páscoa: uma festa triunfal<br />
Em todo caso, a Páscoa não é uma celebração qualquer,<br />
é uma festa de triunfo. Portanto, não pode ser considerada,<br />
como muitos supõem, apenas como uma festa<br />
caseira para despertar a bonomia familiar, distribuindo<br />
ovos e todos se abraçando. Tudo isso é muito legítimo,<br />
acho um encanto, mas a Ressurreição tem qualquer coisa<br />
de um estouro, de uma explosão magnífica!<br />
Sem dúvida, pode-se imaginar a Ressurreição acompanhada<br />
pelo maior e mais majestoso dos raios desferidos<br />
numa aurora.<br />
Vários quadros representam o divino Ressuscitado assim,<br />
saindo com o braço direito levantado e tendo os dedos<br />
em posição de quem ensina ou abençoa, mas com<br />
um ar de desafio vitorioso: “Já atravessei!” Isso deveria<br />
causar no Inferno o terror diante da inutilidade de tudo<br />
quanto fizeram contra Ele.<br />
Aí está um pequeno comentário para participarmos<br />
juntos das alegrias pascais.<br />
v<br />
(Extraído de conferências de 18/4/1981 e 21/4/1984)<br />
23
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Inocência e estado<br />
de espírito<br />
Fazendo novas explicitações a respeito de um tema que lhe era tão<br />
caro, a inocência, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> mostra como ela gera um estado de espírito<br />
do qual procede a história de um homem, de uma instituição, de<br />
uma nação e até mesmo de uma época, como por exemplo, a Idade<br />
Média, cuja autenticidade dependeu da fidelidade ao estado de espírito<br />
irradiado a partir da pessoa e obra de São Bento.<br />
Segundo a boa doutrina, vistas as coisas como elas<br />
devem ser, acho que tudo quanto o homem tem<br />
realizado na Terra procede originalmente daquilo<br />
que, em linguagem comum, se chama estado de espírito.<br />
Estado de espírito sereno, matriz<br />
da qual todo o resto procede<br />
Há um estado de espírito inicial a partir do qual nasce<br />
uma série de critérios para ver e analisar as coisas, rejeitar<br />
umas e aceitar outras, e depois batalhar contra umas<br />
e a favor de outras, construir algumas e demolir outras.<br />
Há um critério fundamental no homem, que parte desse<br />
primeiro estado de espírito.<br />
O que chamo aqui o estado de espírito?<br />
É a inocência vista na posição tomada por ela quando<br />
contempla as mais altas verdades que é chamada a<br />
contemplar. Mas é um estado de alma tranquilo, sereno,<br />
uma espécie de matriz fundamental, central, da qual todo<br />
o resto parte.<br />
Desse estado de espírito procede depois a história de<br />
um homem, de uma instituição, de uma nação. A História<br />
do mundo pode proceder sucessivamente disso. Mas,<br />
quando o homem toma esse estado de espírito originário?<br />
Vou descrever em profundidade esse assunto, o quanto<br />
eu consiga.<br />
Uma ideia de conjunto...<br />
Um homem, por exemplo, que está andando, fazendo,<br />
mexendo etc., em certos momentos, sem se dar conta,<br />
ele deita um olhar de conjunto sobre as coisas. Eu tenho<br />
pouca oportunidade de ver isso hoje, porque os meios de<br />
transporte públicos são mais velozes e fechados do que os<br />
antigos bondes. Mas se via muito no tempo em que na cidade<br />
de São Paulo existiam bondes completamente abertos.<br />
Havia muito menos trânsito e esses veículos andavam<br />
devagar, de modo que os passageiros ficavam dentro deles<br />
durante um longo tempo. E eu gostava enormemente de<br />
ver o bonde passar e analisar as pessoas que nele estavam.<br />
Em frente à minha casa — situada na esquina da Rua<br />
Barão de Limeira com Alameda Glete — havia uma linha<br />
regularmente movimentada. E ali era um ponto de<br />
parada importante para a São Paulo daquele tempo. As<br />
janelas de algumas salas de minha casa davam diretamente<br />
para a rua, de maneira que quando eu tinha tempo<br />
e conseguia estar sozinho ficava olhando os bondes<br />
passarem, pararem e seguirem de novo naquele vagar.<br />
Na maior parte dos bancos desses veículos havia dois,<br />
três ocupantes muito largados, e o bonde ia avançando,<br />
com seu ruído característico, sobre os trilhos de ferro. Os<br />
passageiros não tinham o que fazer e, em pouco tempo,<br />
deixavam de olhar para as margens da rua, porque aquela<br />
sucessão de coisas era mais ou menos igual, e ficavam<br />
pensando num assunto qualquer. Essas são as horas em<br />
que vêm as ideias mais variadas à cabeça, e às vezes uma<br />
ideia de conjunto.<br />
...que culmina em Deus<br />
Quando o espírito é inocente os temas mais ou menos<br />
se revertem uns nos outros formando a ideia de conjun-<br />
24
Há um estado de espírito inicial<br />
a partir do qual nasce uma<br />
série de critérios para ver e<br />
analisar as coisas. É a inocência<br />
vista na posição tomada<br />
por ela quando contempla<br />
as mais altas verdades que<br />
é chamada a contemplar<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 1960<br />
Uma alma em ogiva: séria, sólida,<br />
recolhida, procurando sempre subir<br />
to. A pessoa se volta para si mesma e deixa falar aquela<br />
apetência que ela tem de um certo unum, de um certo estado<br />
de espírito. Então ela examina, se lembra desta ou<br />
daquela coisa, mas por associação de imagens, sem fixar<br />
o espírito. Depois se recorda também do que era o contrário,<br />
faz um certo contraste, mas aos pedacinhos. Não<br />
é nada raciocinado, em ordem como se fossem soldados<br />
marchando. Imaginemos cardumes de peixes no mar: as<br />
ondas vão e vêm, e eles as acompanham. Assim também<br />
o pensamento humano, mesmo quando é reto, flutua em<br />
certas horas.<br />
Em certo momento, quando o homem encontrou, mediu,<br />
sentiu bem um ponto e o relacionou com vários outros,<br />
antes de essa ideia se tornar inteiramente nítida, ele<br />
adquire a respeito da vida uma visão geral na qual considera<br />
os aspectos favoráveis e contrários. É a hora em que<br />
o homem forma o conjunto de afinidades e de repulsas<br />
em torno de um determinado assunto.<br />
Depois vem a análise desse conjunto em relação<br />
ao que está fora dele. Surge, então, de modo por vezes<br />
indefinido, a ideia de Deus. Nem sempre se pensa<br />
claramente n’Ele, tanto mais que não se ensina às<br />
pessoas que, quando isso vem ao espírito, é a própria<br />
ideia de Deus que está mais próxima e se trata de colher.<br />
Aquilo fica assim, no lusco-fusco, mas de fato é<br />
a ideia de Deus.<br />
Se disséssemos a um homem neste estado de espírito<br />
que o Céu é como se costuma pintar em certos quadrinhos,<br />
ele teria uma vontade muito maior de ir para o paraíso<br />
terrestre do que para esse Céu tão pouco atraente.<br />
Porque neste último ele sente a morada de todo mundo,<br />
mas não a sua própria. Ora, o Céu é a morada de todos,<br />
mas também a morada individualíssima de cada um. E é<br />
preciso sentir ambas as coisas.<br />
Suponhamos alguém com apetência por certa forma<br />
de seriedade que abrange esses vários aspectos da vida<br />
e se compraz em notar a grandeza, a majestade, a distinção,<br />
bem como a lógica interna que eles têm. Esta pessoa<br />
se toma a sério e se respeita a si própria. Dir-se-ia que é<br />
uma alma em ogiva, séria, sólida, pensativa, levando tudo<br />
para cima, calma, pesando e analisando tudo de modo<br />
inflexível, muito propensa a se recolher e estando disposta<br />
a redarguir os que afirmam o contrário deste estado<br />
de espírito, ou mesmo a usar de qualquer meio legítimo<br />
de luta para fazer triunfar a verdade contra o erro.<br />
Mas isso sem agitação, sem trepidação, sem excitação,<br />
com naturalidade.<br />
Torres que convidam para o sonho<br />
Dão essa impressão, sobretudo, certas catedrais medievais.<br />
Outro dia comentei com um membro de nosso Movimento<br />
um desenhozinho a bico de pena — feito pe-<br />
25
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
lo famoso Viollet-le-Duc 1 e publicado numa revista —<br />
da Catedral de Notre-Dame, vista um pouco de lado e<br />
imaginada de cima para baixo; era fruto de uma grande<br />
reflexão. E eu gostava de ver Notre-Dame toda feita de<br />
seriedade, gravidade, estabilidade, pensamento, grandes<br />
considerações das linhas gerais, mil pormenores e<br />
detalhes harmônicos, panorama, mas as torres vão para<br />
o céu.<br />
Tão magnificamente se dirigem para o céu, que nenhum<br />
artista se atreveu a completar aquelas torres, porque<br />
só quem planejou tem alma para completá-las. E as<br />
torres estão ali, ao mesmo tempo tragicamente incompletas,<br />
mas fazendo cada um imaginar, no subconsciente<br />
e segundo o seu próprio feitio, torres ideais. Dir-se-ia<br />
que aquelas torres terminam num pontilhado, de acordo<br />
com o espírito de cada um. De maneira que se nos<br />
dissessem: “Olha, sabe de uma novidade? Completaram<br />
as torres de Notre-Dame!” Tomaríamos um susto: “Será<br />
que completaram errado?” Ou seja, não de acordo<br />
com aquele pontilhado que, subconscientemente, fazemos<br />
olhando aqueles dois magníficos fragmentos de torre,<br />
que nos convidam para o sonho.<br />
O ”bimbalhar” do Castelo de Saumur e a<br />
estabilidade contemplativa de Notre-Dame<br />
Gustavo Kralj<br />
Esse estado de espírito que acabei de descrever, tão<br />
fundamentalmente católico, eu o encontro refletido em<br />
parte na Basílica de São Pedro e em outros edifícios civis<br />
e religiosos. Eu elogio tanto o Castelo de Saumur 2 , que é<br />
magnífico e do qual gosto imensamente. Mas esta grande<br />
seriedade ele não tem. Ele termina, não num bimbalhar<br />
de sinos, mas num bimbalhar de cores, de flechas, meio<br />
festivo. E este estado de espírito que descrevo não é inimigo<br />
da festa, mas olha a festa de cima.<br />
Enquanto para o comum dos homens a festa é o epílogo<br />
das coisas, para este estado de espírito ela é apenas<br />
um dos aspectos da vida. Há muito mais do que isso:<br />
a grande estabilidade contemplativa, satisfeita, disposta<br />
a qualquer luta. E eu a vejo maximamente expressa em<br />
Notre-Dame.<br />
Sainte-Chapelle: uma das refrações<br />
de Notre-Dame<br />
Alguém dirá: “Mas e a Sainte-Chapelle?”<br />
São vitrais lindos, encantadores, é uma bonbonnière<br />
feita para ter almas em seu interior e não bombons;<br />
é o que pode haver de magnífico. Mas não noto na Sainte-Chapelle<br />
esse estado de espírito solene e único. Ela<br />
é admirável! Já lhes contei que quando entrei na Sainte-Chapelle<br />
foi a única vez em minha vida que me lembro<br />
de ter tido uma surpresa tão agradável que exclamei:<br />
“Ah! Eu não imaginava tanta beleza!”<br />
Pois bem, esse estado de espírito é uma das refrações<br />
de Notre-Dame.<br />
Não sei explicar o que eu sentia dando a volta em Notre-Dame!<br />
É certo que me vinham ao espírito aquelas<br />
palavras da Escritura: “Cidade de uma beleza perfeita,<br />
alegria do mundo inteiro 3 ”. Ela é a igreja de uma beleza<br />
perfeita, alegria do mundo inteiro.<br />
Ponto de partida da Idade Média<br />
Tenho certas razões para afirmar que esse estado de espírito<br />
foi o ponto de partida da Idade Média, a qual foi ela<br />
mesma na medida em que cavalgou, rezou, lutou, construiu<br />
rumo a isso. E tudo o que contemplamos de belo no mun-<br />
26
Quando entrei na Sainte-<br />
Chapelle foi a única vez em<br />
minha vida que me lembro de<br />
ter tido uma surpresa tão<br />
agradável que exclamei:<br />
“Ah! Eu não imaginava<br />
tanta beleza!”<br />
Acima, Sainte-Chapelle, Paris. Na página<br />
anterior, Catedral de Notre-Dame de<br />
Paris e Castelo de Saumur, França<br />
do medieval se reduz a esse estado de espírito. Quando algo<br />
não o possui, está em discrepância com a Idade Média.<br />
Então, a armadura do cavaleiro, a coroa de um rei, o<br />
pulchrum de uma aldeia, a estabilidade de uma corporação,<br />
a majestade de um castelo, enfim qualquer coisa<br />
medieval é um dos estados de espírito secundários, derivados<br />
deste grande estado de espírito central.<br />
E julgo que este estado de espírito viveu e se expandiu<br />
a partir de Cluny 4 . E mais remotamente a partir da pessoa<br />
de São Bento.<br />
Peguei nesgas deste estado de espírito no mosteiro de<br />
São Bento em São Paulo. Numa tarde, estando lá com<br />
dois membros de nosso Movimento, tivemos uma impressão<br />
singular de que a Igreja de São Bento revivia inteira.<br />
A impressão que eu tinha era essa: aqui há esse estado<br />
de espírito.<br />
Passeando dentro de um olhar<br />
E no atual Jardim São Bento 5 , todos<br />
ou quase todos os nomes de ruas são ligados<br />
à história beneditina no mundo<br />
ou no Brasil, por exemplo, Rua Dom<br />
Domingos de Silos. Trata-se do velho<br />
abade Dom Domingos que conheci bem<br />
e era um homem respeitável. Esse bairro<br />
era uma antiga chácara, na qual estive<br />
várias vezes. Por cima da vegetação<br />
tropical pairava esse estado de espírito.<br />
Estive neste prédio 6 , no tempo em<br />
que era observatório astronômico. Olhei<br />
o prédio por alto e pensei com meus botões:<br />
“Aqui está mais uma construção<br />
feita com material moderno e que, provavelmente,<br />
polui este ambiente sacral e<br />
antigo que existe aqui.”<br />
Havia também um lago de uma água<br />
estagnada e pensativa, com mil folhinhas as quais vinham<br />
não sei de que raízes do solo e faziam com que o lago parecesse<br />
de esmeralda. Creio já ter falado aos presentes a<br />
respeito do olhar azul de dois beneditinos alemães que<br />
moravam aqui e eram irmãos leigos, muito direitos, sérios,<br />
pensativos. Lembro-me de que, certa vez, dirigindo-<br />
-me a um deles, eu lhe disse qualquer coisa. Ele parou de<br />
trabalhar — eram carpinteiros —, olhou-me como a um<br />
ser vindo não sei de onde, deu uma resposta em duas ou<br />
três palavras amáveis, mas de fim de conversa, e continuou<br />
no trabalho dele. Pensei: “Eu passeei dentro de um<br />
olhar; nunca isso me sairá do espírito.”<br />
Transcorreram os anos. Quando pela primeira vez venho<br />
visitar este prédio, enquanto sendo uma sede nossa, sou tomado<br />
pela mesma impressão que me davam o Mosteiro em<br />
São Paulo, o contato com um ou com outro beneditino,<br />
com coisas beneditinas que tenho conhecido ao longo de<br />
minha vida, as biografias de São Bento e de Santa Escolástica<br />
que eu li. É aquele mesmo estado de espírito. v<br />
(Extraído de conferência de 30/5/1981)<br />
1) Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879). Arquiteto francês, famoso<br />
restaurador de edifícios medievais.<br />
2) Ver “<strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”, n. 53, Agosto/2002, p. 31.<br />
3) Cf. Sl 48, 3.<br />
4) Mosteiro beneditino cuja ação e influência exerceram um<br />
papel fundamental na formação da Cristandade medieval.<br />
5) Bairro nobre da zona norte de São Paulo onde a Ordem Beneditina<br />
possuía propriedades até fins da década de 1940.<br />
6) Uma das sedes do Movimento onde <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> realizou a<br />
presente exposição.<br />
27
C<br />
alendário<br />
dos Santos – ––––––<br />
1. Santo Albino, Bispo († c. 550). Sendo o prelado de<br />
Anjou, França, repreendeu com veemência os maus costumes<br />
dos poderosos, e para renovar a Igreja promoveu o<br />
Terceiro Concílio de Orléans.<br />
2. São Ceada, Bispo († 672). Exerceu o ministério episcopal<br />
na Inglaterra central, com grande perfeição de vida,<br />
segundo o exemplo dos antigos Padres.<br />
3. III Domingo da Quaresma.<br />
Santa Conegunda, Viúva († c. 1036). Esposa do Imperador<br />
Henrique do Sacro Império. Depois da morte deste, entrou<br />
para o convento de Kaufungen, na Alemanha. Ao morrer,<br />
deixou todos os seus bens para Cristo, sendo os seus restos<br />
colocados junto aos do esposo na Catedral de Bamberg.<br />
9. Santa Francisca Romana, Viúva e Fundadora<br />
(† 1440). Ver página 30.<br />
10. IV Domingo da Quaresma.<br />
São Simpliciano, Papa († 483). Enquanto os bárbaros<br />
devastavam Roma e outras cidades da Itália, consolou os<br />
aflitos e fortaleceu a unidade e a Fé da Igreja.<br />
11. Santos Marcos Chng Ui-ba e Alejo U Se-yong, Mártires<br />
(† 1866). Leigos coreanos que por causa de sua Fé foram<br />
submetidos pela própria família a insultos a açoites.<br />
12. São Luís Orione, Presbítero e Fundador († 1940).<br />
Fundou a Pequena Obra da Divina Providência para auxílio<br />
aos jovens e abandonados.<br />
4. São Casimiro († 1484). Filho do Rei da Polônia, destacou-se<br />
pelo zelo na Fé, pela castidade, penitência, benignidade<br />
para com os pobres e devoção à Bem-aventurada<br />
Virgem Maria. Faleceu com 24 anos.<br />
13. Beato Agnelo de Pisa, Presbítero († c. 1236/1275).<br />
Enviado à França e Inglaterra por São Francisco de Assis,<br />
estabeleceu ali a Ordem dos Frades Menores e promoveu<br />
as ciências sagradas.<br />
5. São João José da Cruz (Carlos Caetano), Presbítero<br />
(† 1735). Seguindo as pegadas de São Pedro de Alcântara,<br />
restabeleceu a disciplina da<br />
regra em muitos conventos da<br />
província de Nápoles.<br />
6. São Crodegango, Bispo<br />
(† 766). Impôs ao clero de sua<br />
diocese, Metz (França), que<br />
vivesse dentro do recinto do<br />
claustro sob uma rigorosa norma<br />
de vida. Também promoveu<br />
o canto na Igreja.<br />
7. Santas Perpétua e Felicidade,<br />
Mártires († 203). Ainda<br />
jovens, foram aprisionadas em<br />
Cartago no tempo do Imperador<br />
Septímio Severo. Com o<br />
semblante alegre como quem<br />
caminha para o Céu, ingressaram<br />
no anfiteatro onde seriam<br />
devoradas pelas feras.<br />
8. São Provino, Bispo<br />
(† 420). Fiel discípulo de Santo<br />
Ambrósio, preservou da heresia<br />
ariana a sua diocese.<br />
Sergio Hollmann<br />
Martírio de Santa Felicidade - Paróquia<br />
de St. Sulpice, Fougeres (França)<br />
14. Beata Eva do Monte Cornélio, Religiosa († 1265).<br />
Trabalhou intensamente, com sua priora Santa Juliana, para<br />
que o Papa Urbano IV instituísse<br />
a Festa do Corpo de<br />
Cristo.<br />
15. São Clemente Maria Hofbauer,<br />
Presbítero († 1820).<br />
Membro dos redentoristas em<br />
Viena, Áustria. Empenhou-se<br />
admiravelmente na propagação<br />
da Fé e na reforma da disciplina<br />
eclesiástica. Trouxe para<br />
a Igreja várias personalidades<br />
das ciências e das artes.<br />
16. São João de Brébeuf, <br />
Presbítero e Confessor († 1649).<br />
Jesuíta francês e missionário<br />
no Canadá, onde foi atormentado<br />
com grande crueldade pelos<br />
pagãos.<br />
17. V Domingo da Quaresma.<br />
São Patrício, Bispo († 461).<br />
Quando jovem foi levado prisioneiro<br />
à Irlanda. Após ter re-<br />
28
––––––––––––––––– * Março * ––––<br />
cuperado a liberdade, quis regressar àquele país no qual,<br />
ordenado bispo, anunciou com ardor o Evangelho e organizou<br />
com firmeza a Igreja.<br />
18. São Cirilo, Bispo e Doutor da Igreja. Exerceu o<br />
episcopado em Jerusalém. Foi muito perseguido pelos<br />
arianos que o expulsaram várias vezes da sua diocese. Com<br />
orações e catequeses expôs admiravelmente a doutrina católica,<br />
as Escrituras e os sagrados mistérios.<br />
19. São José, Patrono da Igreja. Esposo da Bem-aventurada<br />
Virgem Maria, varão justo nascido da estirpe de<br />
Davi, pai putativo de Jesus. Ver página 2.<br />
20. São João Nepomuceno, Presbítero e Mártir († 1393).<br />
Por defender a Igreja, sofreu muitas injúrias por parte do<br />
Rei Venceslau da Boêmia. Foi atirado ao Rio Moldava, em<br />
Praga, por não revelar o segredo de Confissão.<br />
21. Beata Benita Cambiagio Frassinello, Fundadora<br />
(† 1858). De comum acordo com seu marido, renunciou<br />
espontaneamente à vida conjugal e fundou o Instituto das<br />
Irmãs Beneditinas da Providência, para a formação cristã<br />
de jovens pobres e abandonadas.<br />
22. Beato Francisco Chartier,<br />
Presbítero e Mártir<br />
(† 1794). Foi decapitado durante<br />
a Revolução Francesa por<br />
ser sacerdote.<br />
23. Santa Rebeca de Himlaya<br />
ar-Ravy, Virgem<br />
(† 1914). Religiosa da Ordem<br />
libanesa de Santo Antônio dos<br />
Maronitas. Em consequência<br />
de seu oferecimento como vítima,<br />
contraiu uma enfermidade<br />
que a deixou cega e paralítica<br />
de todos os seus membros.<br />
24. Domingo de Ramos e da<br />
Paixão do Senhor.<br />
Santa Catarina, Virgem<br />
(† 1381). Filha de Santa Brígida<br />
da Suécia, embora casada,<br />
manteve-se virgem com o consentimento<br />
de seu esposo. Ao<br />
François Boulay<br />
São Patrício - Basílica de<br />
St. Patrick, Montreal (Canadá)<br />
enviuvar, entregou-se a uma vida de intensa piedade, ingressando<br />
no mosteiro fundado pela mãe.<br />
25. Beato Jacob Bird, Mártir († 1592). Inglês recém-<br />
-convertido ao Catolicismo, com dezenove anos recusou-<br />
-se a participar num culto herético e foi por isso martirizado.<br />
26. São Pedro, Bispo (†391). Irmão mais novo de São<br />
Basílio Magno. Em Sebaste, na Armênia — diocese sob<br />
seus cuidados — foi exímio defensor da Fé contra os arianos.<br />
27. Beato Francisco Faá di Bruno, Presbítero († 1888).<br />
Sacerdote em Turim que uniu a ciência das matemáticas e<br />
da física com a prática das obras de caridade.<br />
28. Santos Prisco, Malco e Alexandre, Mártires († 260).<br />
Durante a perseguição do Imperador Valério, em Cesareia,<br />
na Palestina, apresentaram-se espontaneamente ao<br />
juiz, repreendendo-o por sua má conduta. Foram, por isso,<br />
lançados às feras.<br />
29. Sexta-Feira Santa da<br />
Paixão do Senhor.<br />
Beato Bertoldo, Religioso<br />
(† c. 1188). Deixando a vida<br />
militar foi admitido entre<br />
os irmãos que viviam no Monte<br />
Carmelo. Eleito prior, encomendou<br />
a comunidade à Mãe<br />
de Deus.<br />
30. Sábado Santo.<br />
São João Clímaco, Abade<br />
(† 649). Autor da “Escada do<br />
Paraíso”, obra que apresenta o<br />
progresso espiritual como uma<br />
ascensão em trinta degraus até<br />
Deus.<br />
31. Domingo da Páscoa da<br />
Ressurreição.<br />
Beata Joana, Virgem († séc.<br />
XV). Da Ordem das Carmelitas.<br />
Aliou eximiamente a prática<br />
da penitência à da caridade, privando-se<br />
até do necessário em<br />
favor dos pobres e enfermos.<br />
29
Hagiografia<br />
Santa Francisca Romana:<br />
discernimento e firmeza<br />
face aos demônios<br />
Ao considerar as impressionantes revelações de Santa Francisca<br />
Romana a respeito dos demônios, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> manifesta sua admiração<br />
por esta filha da Igreja, em quem reconhece, através dos matizes de sua<br />
biografia, o verdadeiro espírito da Esposa de Cristo.<br />
C<br />
omo se sabe, Santa Francisca Romana se caracteriza<br />
por visões extraordinárias a respeito dos demônios,<br />
e deixou revelações importantíssimas.<br />
Talvez nenhuma santa ou mística tenha se assinalado<br />
tanto na História da Igreja no que diz respeito a manifestações<br />
dos anjos maus do que Santa Francisca Romana.<br />
Essas revelações falam muito a respeito da presença<br />
na Terra dos tais demônios que ainda não foram para<br />
o Inferno e serão mandados para lá no fim do mundo.<br />
Embora sem tentar diretamente o homem para o pecado,<br />
eles predispõem a alma a aceitar a tentação dos demônios<br />
que estão no Inferno. Creio que no processo de<br />
canonização dela devem figurar muitas coisas dessas.<br />
Os espíritos malignos e suas<br />
relações com os vícios<br />
Diz uma ficha tirada do Pe. Rohrbacher 1 .<br />
9 de março, Santa Francisca Romana. Visão sobre os<br />
demônios.<br />
A terça parte dos anjos caiu em pecado, as outras duas<br />
partes perseveraram na graça. Na parte decaída, um terço<br />
está no Inferno para atormentar os condenados; são os<br />
que seguiram Lúcifer por sua própria malícia com inteira<br />
liberdade. Eles não saem do abismo senão pela permissão<br />
de Deus, e quando se trata de produzir uma grande calamidade<br />
para punir os pecados dos homens, e são eles os piores<br />
dentre os demônios.<br />
Os outros dois terços dos anjos decaídos estão espalhados<br />
nos ares e sobre a Terra: são aqueles que não tomaram parte<br />
entre Deus e Lúcifer, mas guardaram silêncio. Os que estão<br />
nos ares provocam frequentemente geadas, tempestades, ruídos<br />
e ventos com que enfraquecem as almas apegadas à matéria,<br />
conduzem-nas à inconstância e ao temor, induzem-nas<br />
a desfalecer na Fé e a duvidar da Providência divina.<br />
Quanto aos demônios que circulam entre nós a fim de<br />
nos tentar, são decaídos do último coro dos anjos, e os anjos<br />
fiéis que nos são dados por guardiães são todos do mesmo<br />
coro. O príncipe e chefe de todos os demônios é Lúcifer,<br />
ligado ao fundo do abismo, encarregado pela divina<br />
Justiça de punir os demônios e os condenados. Caindo do<br />
mais elevado dos coros angélicos, os serafins, tornou-se o<br />
pior dos demônios e condenados. Seu vício característico é<br />
o orgulho. Abaixo dele estão três outros príncipes: o primeiro,<br />
Asmodeu, tem o vício da carne como característica e foi<br />
chefe dos querubins. O segundo é chamado Mamon, caracteriza-o<br />
o vício da avareza e foi do coro dos tronos. O terceiro,<br />
chamado Belzebu, que foi dos coros das dominações,<br />
caracterizando-o a idolatria, o sortilégio e encantamentos;<br />
é o chefe de tudo quanto há de tenebroso e tem a missão de<br />
difundir as trevas sobre as criaturas racionais.<br />
Resumindo, ela mostra que Lúcifer era um serafim que<br />
pairava no mais alto dos céus, e o pecado dele foi de uma<br />
grande responsabilidade porque os serafins constituem o<br />
mais elevado coro dos anjos. Tendo sido o maior dos revoltados,<br />
ele foi precipitado para o mais fundo dos infernos.<br />
Houve anjos que resolveram acompanhá-lo por uma<br />
iniciativa própria, e estão no Inferno com ele; Lúcifer os<br />
atormenta continuamente porque é mais poderoso do que<br />
os outros, e é encarregado pela Justiça divina de punir<br />
eternamente os espíritos que ele mesmo induziu, mas que,<br />
por uma maldade própria, foram juntos para a perdição.<br />
30
Santiebeati.it<br />
Há uma batalha entre<br />
os anjos da guarda e os<br />
anjos perdidos, na qual<br />
o predomínio é dos anjos<br />
da guarda sobre as almas<br />
que se entregam a eles<br />
Visão de Santa Francisca Romana -<br />
Museu do Louvre, Paris (França)<br />
Sob a direção de Lúcifer há três anjos principais. O<br />
primeiro é Asmodeu, o demônio da luxúria e que tenta<br />
os homens especialmente para a impureza. O outro anjo<br />
é Mamon, que pertencia ao coro dos tronos, quer dizer,<br />
da categoria dos anjos que acompanham a História<br />
e suas harmonias, enlevam-se vendo Deus compor a trama<br />
histórica pelos seus decretos e encaminhar a História<br />
dos anjos e do mundo; Mamon é o demônio da avareza.<br />
E Belzebu, que é o demônio da idolatria, dos sortilégios<br />
e dos encantamentos, quer dizer, dos bruxedos.<br />
Lúcifer tem como característica o orgulho. Asmodeu,<br />
o vício da carne; era chefe dos querubins. Mamon, a avareza.<br />
E Belzebu é o chefe das idolatrias e das obras tenebrosas<br />
em geral.<br />
Diferentes categorias de demônios<br />
Vemos que os dois principais anjos rebeldes são, em primeiro<br />
lugar, Lúcifer e depois Asmodeu, os demônios do orgulho<br />
e da sensualidade. Isso está de acordo com a nossa<br />
concepção de que o orgulho e a sensualidade são os elementos<br />
que impulsionam e dão rumo à Revolução. Os anjos<br />
maus estão no Inferno, e Deus só raramente permite que<br />
algum deles saia para produzir catástrofes. Mas tenho a impressão<br />
de que, na época atual, a chave do poço do abismo<br />
caiu e o Inferno se abriu, e esses anjos péssimos estão todos<br />
espalhados por aí, e que a presença de Lúcifer é mais assídua,<br />
mais contínua, mais forte do que em qualquer época da História,<br />
do que na crucifixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Depois há outros anjos, que quiseram representar entre<br />
Deus e Lúcifer um papel de “terceira força”. Quer<br />
dizer, não se solidarizaram com Deus, mas também não<br />
se solidarizaram diretamente com Lúcifer; ficaram numa<br />
posição como que neutra, naturalmente com simpatia<br />
por Satanás. O resultado é que eles também foram<br />
condenados.<br />
A Justiça divina tornou a condenação deles de algum<br />
modo um pouco menos terrível, porque em vez de estarem<br />
sofrendo o fogo do Inferno, eles ficaram na Terra, nos<br />
ares, padecendo penas terríveis. Mas quando chegar o Juízo<br />
Final, eles serão precipitados no Inferno e vão sofrer lá<br />
por toda a eternidade. De maneira que estão fora do Inferno<br />
por um curto lapso de tempo, porque o período que<br />
vai desde o pecado deles até o dia do Juízo Final é muito<br />
pequeno, menos do que um minuto, em comparação com<br />
a eternidade na qual eles serão atormentados no Inferno.<br />
Esses anjos maus dividem-se em duas categorias: os<br />
que estão espalhados pelos ares e produzem as intempéries,<br />
as coisas que assustam as pessoas; outros ficam na<br />
Terra e são do mesmo coro dos nossos anjos da guarda.<br />
Batalha entre espíritos angélicos<br />
Há, portanto, uma batalha entre os anjos da guarda<br />
e os anjos perdidos, na qual naturalmente o predomínio<br />
é dos anjos da guarda sobre as almas que se entregam a<br />
eles.<br />
Houve uma santa que teve a visão de seu anjo da guarda,<br />
que pertence à menos alta das hierarquias angélicas.<br />
Ela se ajoelhou pensando que fosse Deus, tal é o esplendor<br />
do anjo da guarda. Podemos fazer ideia de qual é a<br />
sublimidade de um arcanjo, por exemplo!<br />
31
Hagiografia<br />
Temos aqui uma lição muito importante: compreender<br />
como o homem é pequeno dentro da natureza material,<br />
em relação à qual ele poderia ser comparado a uma<br />
formiga. E acima dessa natureza existem ainda espíritos<br />
angélicos com uma força, um poder incomparavelmente<br />
superior ao dos seres humanos.<br />
Em face dessa batalha de anjos que continua a se realizar<br />
por toda parte; anjos bons que descem do Céu e anjos<br />
maus que se misturam no meio dos homens, qual é o<br />
grande meio de defesa que temos contra os demônios?<br />
Aqui se aplicam as palavras de Nosso Senhor: “É preciso<br />
vigiar e orar para não cairdes em tentação.” 2 A vigilância<br />
consiste em crermos nos poderes angélicos e na<br />
ação dos demônios.<br />
Por exemplo, suponho que normalmente, durante as<br />
exposições que faço, os assistentes recebem muitas graças<br />
vindas por meio de seus anjos. Acredito também que<br />
um ou outro dos aqui presentes sistematicamente é tentado<br />
pelo demônio. Quer dizer, enquanto estamos falando,<br />
há uma batalha entre anjos e demônios.<br />
Faz parte do dinamismo das coisas haver pessoas que<br />
se dão mais a Nosso Senhor e outras menos. E devemos<br />
ter sempre em vista o princípio, aceito pela maioria dos<br />
teólogos, segundo o qual todas as vezes que um homem<br />
tem uma tentação por uma causa natural, o demônio<br />
junta-se a esta para agravar a tentação.<br />
Se, por exemplo, um dos presentes está irritado com<br />
um companheiro que se encontra ao seu lado e fica infernizado<br />
com isto, esta pequena tentação de irritação será<br />
acrescida por um cutucão do demônio para agravá-la.<br />
Quer dizer, o demônio está sempre atuando, os anjos da<br />
guarda estão sempre nos protegendo. Devemos discernir<br />
a ação do demônio e pedir a do anjo da guarda. Precisamos<br />
rezar e vigiar. É o que se deduz das revelações de<br />
Santa Francisca Romana.<br />
Filha da Igreja, cônscia de sua<br />
missão e do poder divino<br />
Ela possuía um discernimento fantástico a respeito dos<br />
espíritos malignos e frequentemente via demônios. Tomando<br />
conhecimento de sua história, fica-me a impressão<br />
de tê-la conhecido pessoalmente, porque a considero<br />
não como uma velha qualquer que tinha visões, mas sim<br />
como uma filha da Igreja dotada de determinadas características<br />
que, conhecendo o espírito da Esposa de Cristo,<br />
eu sei atribuir a ela através dos matizes de sua biografia.<br />
Percebo que era uma matrona romana firme, digna, e<br />
que olhava o demônio, não propriamente de modo ameaçador,<br />
mas com firmeza, de frente, cônscia de sua missão e<br />
do poder de Deus, enfrentando, descrevendo e intimidando.<br />
Ela considerava o que essas visões tinham, por assim<br />
dizer, de divino e amava o Criador através delas.<br />
Então, Santa Francisca Romana me enche de admiração.<br />
E tenho certeza de que, estudando o processo de<br />
sua canonização, encontraremos a confirmação do que<br />
afirmei.<br />
v<br />
(Extraído de conferências<br />
de 8/1/1965, 8/3/1969 e 9/3/1980)<br />
1) ROHRBACHER, René François. Histoire universelle de<br />
l’Église Catholique. Vol. XXI. Paris: Gaume Frères et J. Duprey<br />
- Libraires-éditeurs, 1858. p. 459-460.<br />
2) Cf. Mt 26,41.<br />
3) Cf. ROHRBACHER, René François. Vies des Saints pour<br />
tous les jours de l’année. Vol. II. Paris: Gaume Frères et J.<br />
Duprey - Libraires-éditeurs, 1853. p. 63-79.<br />
4) Elevada posteriormente à dignidade de Basílica Menor, é<br />
também chamada de Basílica de Santa Francisca Romana.<br />
Considero-a não como<br />
uma velha qualquer que<br />
tinha visões, mas como uma<br />
filha da Igreja dotada de<br />
determinadas características<br />
que, conhecendo o espírito<br />
da Esposa de Cristo, eu sei<br />
atribuir a ela através dos<br />
matizes de sua biografia<br />
Restos mortais de Santa Francisca Romana - Basílica de<br />
Santa Francisca Romana, Roma (Itália)<br />
David Domingues<br />
32
N<br />
asceu em Roma no ano de 1384 de duas famílias<br />
distintas de Roma: Buxis e Rofredeschi,<br />
tendo sido batizada na Igreja de Santa Águeda,<br />
na Praça Navona.<br />
Desde muito nova sentiu um chamado para o estado<br />
religioso, levando uma exímia vida de piedade e<br />
recitando o ofício de Nossa Senhora. Era de um pudor<br />
exemplar, e também a virtude da obediência tinha<br />
nela um brilho especial, a ponto de aos 12 anos,<br />
obedecendo ao seu confessor e aos desejos de seu pai,<br />
contrair matrimônio com o nobre Lorenzo de’Leoni.<br />
Tendo adoecido gravemente logo após o casamento<br />
e não conseguindo curar-se, opôs-se a qualquer tipo<br />
de sortilégio, afirmando preferir a morte a ofender<br />
a Deus. Curada milagrosamente, intensificou ainda<br />
mais a vida de piedade.<br />
Com o falecimento da sogra, a gestão do lar ficou<br />
sob seu cuidado. Mas os muitos afazeres não diminuíram<br />
em nada suas orações. Confessava-se duas vezes<br />
por semana e comungava frequentemente. Graças a<br />
este fervor nas práticas de piedade, assegurava a perfeita<br />
harmonia no lar.<br />
Francisca era um exemplo de caridade, não poupando<br />
meios para socorrer os mais necessitados. Por isso<br />
seu marido a advertia que tamanha liberalidade os levaria<br />
à miséria. E de fato, em certa ocasião, tendo já doado<br />
todo o trigo de sua despensa, varreu cuidadosamente<br />
o pouco que sobrara pelo chão para atender a um esmoler.<br />
Sabendo do acontecido, seu sogro e seu marido foram<br />
à despensa da casa para ver o que se passava. Qual<br />
não foi sua surpresa ao se depararem com 40 medidas<br />
do melhor trigo! Algo de semelhante passou-se com o<br />
vinho que, usado pelos pobres como remédio, também<br />
veio a faltar. Ao verificar os tonéis, encontraram-nos repletos<br />
de um vinho superior ao que se esgotara!<br />
Dos três filhos que teve, dois faleceram vítimas da<br />
peste.<br />
Cerca de um ano após a morte do primeiro filho, este<br />
lhe apareceu em estado glorioso e apresentou-lhe um<br />
anjo que desde então a acompanharia por toda a vida.<br />
Tinha frequentemente êxtases e recebeu várias revelações<br />
sobre o purgatório, o inferno e os anjos. Por<br />
vezes era atormentada pelos demônios, inclusive com<br />
agressões físicas.<br />
Apesar de sua intensa vida mística, não descuidava<br />
de seus deveres de esposa e mãe. Dedicava aos enfermos<br />
um particular cuidado e por mais de trinta anos<br />
serviu em hospitais. Agraciada por Deus com o dom<br />
Santa Francisca Romana<br />
David Domingues<br />
Santa Francisca Romana com o anjo<br />
que a acompanhava - Basílica de Santa<br />
Francisca Romana, Roma (Itália)<br />
da cura, confeccionava um remédio composto de diversos<br />
óleos e sucos ao qual atribuía o bem alcançado,<br />
evitando assim a fama de taumaturga.<br />
Nutria um entusiasmo especial por meditar na Paixão<br />
de Nosso Senhor e sofria misticamente suas dores.<br />
Talvez por isso fosse muito rígida consigo mesma,<br />
penitenciando-se com frequência. Mas, ao mesmo<br />
tempo, demonstrava muita suavidade e indulgência<br />
para com as outras pessoas.<br />
Em 1425 consagrou-se a Nossa Senhora sob cuja<br />
maternal proteção fundou, juntamente com um grupo<br />
de piedosas senhoras, a associação das Oblatas da<br />
Santíssima Virgem que se reuniam na Igreja de Santa<br />
Maria, a Nova.<br />
Com a aprovação concedida pelo Papa Eugênio IV<br />
em 1433, essas senhoras passaram a viver numa casa em<br />
Tor de’Specchi. Mas Francisca só pôde acompanhá-las<br />
em 1436, quando, após o falecimento de seu esposo, foi<br />
eleita superiora do convento por ela fundado.<br />
Faleceu a 9 de março de 1440, e o seu corpo se venera<br />
na Igreja de Santa Maria, a Nova 4 .<br />
33
Orações<br />
Dar muito<br />
não basta,<br />
é preciso<br />
dar tudo!<br />
Fotos: Timothy Ring / Sergio Hollmann<br />
N<br />
osso Senhor Jesus Cristo não deu muito por<br />
nós, mas deu tudo, e de um modo inimaginável!<br />
Depois de estendido na Cruz, Ele morreu.<br />
Dir-se-ia que estava completo o sacrifício.<br />
Não! Ele quis que um resto de água com sangue que<br />
havia no seu Corpo ainda fosse derramado por nós.<br />
Veio, então, o soldado Longinus com a lança e transpassou<br />
o Coração d’Ele. O Redentor quis, portanto, que<br />
o seu Coração, símbolo do amor d’Ele por nós, ainda fosse<br />
transpassado por uma lança, símbolo dos pecados dos<br />
homens.<br />
Uma oração que eu recomendo muito a vocês rezarem<br />
é Anima Christi. Há nessa oração uma invocação<br />
muito bonita: Aqua lateris Christi, lava me. Água que<br />
jorrou do lado de Cristo, lava-me.<br />
Quer dizer, todos nós temos defeitos e pecados. Essa<br />
água que jorrou do lado sacratíssimo de Jesus, água misturada<br />
com sangue, derradeiro tributo dado por Ele para<br />
a salvação dos homens, que essa água seja capaz de vencer<br />
as nossas últimas infidelidades e nos desapegar dos<br />
últimos falsos tesouros a que nosso egoísmo se agarra.<br />
Eu gosto muito dessa invocação: Aqua lateris Christi,<br />
lava me. Jesus Cristo, que com tanta propriedade é chamado<br />
o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo,<br />
quando deu tudo, brotou de seu flanco sagrado uma<br />
água que limpa os homens!<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo deu tudo! E a Quem deu<br />
tudo por nós, ou damos tudo por Ele ou não valemos nada!<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 1986)<br />
34
Na página anterior: Crucificado -<br />
Paróquia dos Jerónimos, Madri<br />
(Espanha). Nesta página, de cima<br />
para baixo: Crucifixão - Museu<br />
do Prado, Madri (Espanha);<br />
Vitral da Crucifixão - Basílica<br />
de Paray Le Monial, França;<br />
Crucifixo - São Paulo, Brasil<br />
35
Virgen de la Soledad - Catedral<br />
de Salamanca, Espanha<br />
Sergio Hollmann<br />
O<br />
Nossa Senhora da Soledade<br />
que é a soledade de Nossa Senhora? É<br />
o período da vida de Maria Santíssima<br />
que vai desde o Consummatum est até o instante<br />
em que Ela tomou conhecimento da Ressurreição.<br />
Ali esteve Ela inteiramente só!<br />
Peçam a Nossa Senhora da Soledade que os<br />
faça compreender a sublimidade e a elevação de<br />
espírito da soledade d’Ela e tomar a resolução de<br />
aceitarem a soledade sem amargura, sem rancor,<br />
sem pena de si mesmos, com naturalidade, como<br />
um herói aceita a luta e a morte.<br />
Não sejam desses isolados amargos, ácidos,<br />
orgulhosos, que se julgam os incompreendidos<br />
do gênero humano. Não! Sejam naturais,<br />
bons, alegres.<br />
É esse o holocausto, o sacrifício que temos de<br />
fazer.<br />
Alguém dirá: “Eu não tenho coragem.”<br />
Meu filho, se você não tem, diga assim: “Por<br />
enquanto não tenho coragem.” E reze para<br />
tê-la. Todas as portas se abrem para quem<br />
rezar! Peça, portanto, a Nossa Senhora da<br />
Soledade para lhe dar a coragem de suportar<br />
o isolamento.<br />
(Extraído de conferência de 5/2/1989)