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Revista Dr Plinio 33

Novembro de 2000

Novembro de 2000

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Noite<br />

de Luz


Quando uma alma tem a sensação de ser amada por Deus,<br />

os piores vagalhões da vida não atingem o seu tabernáculo<br />

interior. Em meio às maiores angústias e agonias, ela<br />

permanece calma e reconfortada, convicta de que não a<br />

abandona a benevolência divina. Essa segurança é parecida<br />

com a do rochedo batido pelo mar. Em vagas sucessivas e<br />

furiosas, as ondas se arrebentam de encontro a ele. O rochedo<br />

não se move. E quando o mar se retira, ele está ali, intacto,<br />

sabendo que foi inútil o furor de todos os vagalhões...<br />

Cabo da Boa Esperança,<br />

África do Sul


Sumário<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

venera a imagem<br />

do Divino Infante,<br />

após uma celebração<br />

natalina<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Jornalista Responsável:<br />

Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues erreira<br />

Marcos Ribeiro Dantas<br />

Edwaldo Marques<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Diogo de Brito, 41 salas 1 e 2<br />

02460-110 S. Paulo - SP - Tel: (11) 6971-1027<br />

otolitos: Diarte – Tel: (11) 5571-9793<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

0<strong>33</strong>35-000 S. Paulo - SP - Tel: (11) 291-2579<br />

Preços da assinatura anual<br />

DEZEMBRO de 2000<br />

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 60,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />

Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 180,00<br />

Grande Propulsor . . . . . . R$ 300,00<br />

Exemplar avulso . . . . . . . R$ 6,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./ax: (11) 6971-1027<br />

4<br />

5<br />

6<br />

9<br />

13<br />

15<br />

20<br />

26<br />

31<br />

36<br />

EDITORIAL<br />

A salvação virá da Igreja<br />

DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />

Paraninfo<br />

ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />

O Papa, Vigário de Cristo<br />

A maior força moral do mundo<br />

DONA LUCILIA<br />

Lembranças e riquezas de outrora<br />

DENÚNCIA PROÉTICA<br />

Não prevalecerão!<br />

DR. PLINIO COMENTA...<br />

“Senhor, venha a nós o vosso Reino!”<br />

O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />

A Igreja do Império Romano:<br />

o elogio da Europa<br />

GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

Dezessete anos<br />

LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

Onde o Arcanjo um dia pousou...<br />

ÚLTIMA PÁGINA<br />

Salve, luz pura!<br />

3


Editorial<br />

A salvação virá da Igreja<br />

Enquanto os Anjos de nossos piedosos presépios<br />

ostentam dísticos nos quais se lê: “Glória<br />

a Deus nos Céus, e paz na terra aos homens<br />

de boa vontade”, a imprensa diária está cheia de<br />

notícias terríveis que destoam tristemente da promessa<br />

angélica.<br />

Estes dizeres, com os quais <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> iniciava seu<br />

artigo para o Legionário de 27 de dezembro de 1936,<br />

aplicam-se de modo impressionante — e com maior<br />

razão — a nossos dias.<br />

Por toda a parte só encontramos ódio, rancor, perseguição.<br />

Exagero? Será que hoje, 64 anos após <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

se ter expresso assim, o mundo está melhor? Estarão<br />

a caridade, o amor fraterno, a bondade, governando<br />

as relações humanas nos presentes dias? Só alguém<br />

alheio ao que se passa por toda a parte, alheio até<br />

mesmo ao perigo que ronda sua própria casa, poderia<br />

afirmá-lo.<br />

Apesar de tudo, a hora não é de perder a esperança:<br />

Cumpre que não desanimemos. Não seríamos dignos<br />

da graça inestimável do Batismo que recebemos, se permitíssemos<br />

que o pânico se apoderasse de nós. Nem na<br />

ordem natural, nem na ordem sobrenatural, há motivos<br />

que justifiquem a inércia e o pessimismo.<br />

Seguindo o conselho de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, devemos erguer<br />

a vista para os Céus, colocando-nos inteiramente nas<br />

mãos do Pai. E então, como há dois milênios, uma luz<br />

brilhará para nós no meio da noite, esplendorosa,<br />

atraente, confortadora, espargida por um Menino<br />

que uma Virgem deu ao mundo.<br />

Mas, dirá alguém, Cristo é um Salvador ausente.<br />

Eternamente mudo, atrás da cortina de nuvens que o es-<br />

condem no Céu. Ele não se mostra à humanidade aflita.<br />

E esta, então, corre à busca de outros pastores.<br />

A esta objeção, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> responde:<br />

É horrível dizê-lo, mas há entre católicos quem fale<br />

assim. Há ainda quem não ouse falar, mas pense assim.<br />

E há quem não ouse pensar, mas sinta assim! Daí o existirem<br />

católicos que têm mais esperança na ação [humana]<br />

do que na ação de Cristo.<br />

Ah! São esses os corações que recebem a visita eucarística<br />

do Cristo, mas não recebem o seu Espírito: “In<br />

propria venit, et sui eum non receperunt” [Veio para os<br />

seus, e eles não O receberam]. Ah! São esses os corações<br />

que ouvem a palavra de Cristo, vinda do Vaticano,<br />

e não conhecem na voz do Papa o timbre da voz<br />

de Deus. A palavra do Papa ecoa no mundo, e o mundo<br />

não a conhece: “Lux in tenebris lucet, et tenebrae eam<br />

non comprehenderunt” [A luz brilhou nas trevas, e as<br />

trevas não a compreenderam].<br />

Cristo, para o bom católico, não está ausente. Na<br />

Eucaristia, Ele está tão realmente quanto esteve na<br />

Judéia. E do Vaticano fala tão verdadeiramente quanto<br />

falou ao Povo de Israel. A Igreja é tão seguramente guiada<br />

por Cristo em 1936 quanto o eram os Apóstolos,<br />

antes da Ascensão. O que Cristo quer fazer, fá-lo por<br />

meio da Igreja. O que Cristo quer dizer, di-lo por meio<br />

do Papa. Logo, a Igreja, em certo sentido, é onipotente e<br />

onisciente, porque é instrumento da onipotência e porta-voz<br />

da onisciência de Deus.<br />

Se Cristo é o Salvador único, a Salvação virá da Igreja.<br />

Trabalhar, lutar, sofrer, rezar, imolar-se ou sacrificarse<br />

alegremente pela Igreja, deve ser o fruto desta meditação<br />

de Natal. ...<br />

Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens<br />

de boa vontade.<br />

DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625<br />

e de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras<br />

ou na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista.Em nossa intenção, os títulos elogiosos não<br />

têm outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />

Paraninfo<br />

Em meio a seus inúmeros afazeres, obrigações<br />

de sua vida profissional, de suas<br />

atividades apostólicas e de sua condição<br />

de líder do Movimento Católico, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ainda<br />

precisava estar atento a convites para atividades<br />

extras que lhe abarrotavam a agenda. Era o que<br />

acontecia todo mês de dezembro, quando turmas<br />

de formandos de diversas instituições de ensino<br />

queriam tê-lo como paraninfo. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> procurava<br />

atender ao que fosse possível — sendo obrigado<br />

a recusar os pedidos chegados de fora da cidade<br />

de São Paulo. Na capital paulista, certos estabelecimentos<br />

obtiveram sua presença mais de uma<br />

vez, entre os quais o Colégio São Luís, dos jesuítas;<br />

o Colégio Arquidiocesano, dirigido pelos Irmãos<br />

Maristas; o Liceu Coração de Jesus, dos filhos<br />

de São João Bosco; o Colégio Santo Agosti-<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discursa no Colégio Arquidiocesano de<br />

São Paulo; no alto, quando foi paraninfo da turma de<br />

1951, do Colégio Santa Inês<br />

nho, da Ordem agostiniana; e a aculdade Sedes<br />

Sapientiae, da PUC, onde ele era professor catedrático<br />

de História da Civilização.<br />

Tido pelos jovens estudantes como modelo<br />

de católico ilibado, sincero e desinteressado,<br />

estes queriam ouvi-lo na hora em<br />

que iniciavam uma etapa decisiva de suas<br />

vidas. Com razão podiam esperar dos lábios<br />

daquele varão católico uma palavra de<br />

orientação segura. Hoje, não é raro encontrar<br />

algum daqueles felizes formandos, em<br />

cujo coração fincou raízes um dos conselhos<br />

recebidos de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> naquela<br />

ocasião.<br />

“Não vos direi as gentilezas convencionais<br />

ou as promessas falaciosas que já se<br />

tornaram de estilo em circunstâncias como<br />

esta”, disse ele a uma das turmas. E, para<br />

cada nova geração de apadrinhados, tinha<br />

ele uma palavra particular, procurando tocar<br />

as melhores fibras de suas almas.<br />

Como exemplo, citemos o Colégio Santa<br />

Inês, escola normal dirigida por freiras,<br />

que teve diversas turmas de professorandas<br />

paraninfadas por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>. Em 10 de dezembro<br />

de 1951, segundo as anotações de<br />

uma das mestras presentes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, “ao<br />

traçar para suas afilhadas um magnífico<br />

programa de bem e de educação, para governarem<br />

seu trabalho e obterem os melhores<br />

frutos no campo do magistério”, surpreendeu-as,<br />

ao lhes descortinar toda a grandeza<br />

e sublimidade do caminho que encetavam,<br />

mostrando-lhes que “o magistério constitui<br />

uma missão quase sacerdotal, divina”.<br />

5


ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />

O PAPA,<br />

VIGÁRIO DE CRISTO<br />

A MAIOR ORÇA MORAL<br />

DO MUNDO


Um poeta latino escreveu<br />

este verso tremendo: Tu<br />

regere imperio populos,<br />

Romane, memento! “Lembra-te, ó Roma,<br />

que tua missão é governar, pela<br />

força, os povos”.<br />

Nós, que viemos ao mundo dois mil<br />

anos depois, bem sabemos como faliu<br />

essa apóstrofe de Virgílio. A Roma<br />

das grandes conquistas e das grandes<br />

usurpações, a Roma da força bruta,<br />

cujo carro do triunfo trilhou tantas<br />

vezes sobre a dignidade dos povos<br />

subjugados e sobre o solo de países<br />

vencidos, esfacelou-se e sepultou-se<br />

nas próprias ruínas. Mas uma outra<br />

Roma surgiu sobre as cinzas da primeira.<br />

Uma Roma nova que triunfa,<br />

que conquista, não pela espada ou pela<br />

força, mas pelo coração e pelo amor.<br />

Se Virgílio conhecesse as maravilhas<br />

do amor, certamente seus versos seriam<br />

uma profecia sublime: Tu regere<br />

amore populos, Romane, memento!<br />

Lembra-te, ó Roma, que vencerás o<br />

mundo pelo amor!<br />

E esse grande amor, esse grande<br />

coração, centro e força da Roma nova,<br />

é o Papa, o Vigário de Cristo. Pedro,<br />

primeiro Pontífice, ao receber do<br />

Mestre as chaves do reino do Céu, recebia<br />

antes seu coração divino. Possuindo<br />

o coração de Cristo, capaz de<br />

amar a humanidade inteira, Pedro pôde<br />

ser Cristo na terra. Clemente XIII,<br />

na constituição “Inexhaustum” tem<br />

esta expressão singular: “Pedro é o<br />

sucessor de Cristo. Mas Pedro não<br />

poderia ser o sucessor de Cristo se<br />

não possuísse o coração de Cristo”.<br />

Eis o mistério augusto que faz do Pontífice<br />

Romano o Pai universal dos povos,<br />

o próvido distribuidor do pão da<br />

verdade, o guia seguro nos caminhos<br />

tortuosos da paz e da justiça. Há vinte<br />

séculos a humanidade o reconhece<br />

como tal. Malgrado as lutas, as perseguições,<br />

as aberrações de todos os tempos<br />

— indivíduos e povos, grandes e<br />

pequenos, nos momentos de dor e de<br />

infortúnio, voltam-se para Roma, apelando<br />

para Aquele que, sem distinção<br />

de casta ou de raça, a todos ouve, a<br />

todos acolhe, a todos consola e abençoa.<br />

A força moral do Pontífice é a mesma<br />

de sempre, de hoje, de ontem, de<br />

todos os períodos da sua história. Ele<br />

é o ponto de atração de todas as inteligências<br />

e de todos os corações.<br />

Sua majestade, sublime e excelsa entre<br />

todas, supera o humano,<br />

atinge o divino. Rei de um<br />

pequenino Estado, assenta-se<br />

sobre um trono<br />

que é a garantia de<br />

Sobre as ruínas da primeira Roma ergueu-se outra,<br />

triunfante, cujo coração é o Vigário de Cristo


ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />

“Quem passa...?”<br />

todos os tronos, porque é o guardião<br />

infalível da moral que defende a ordem<br />

mais que os aparatos da força e a<br />

bravura dos exércitos. Quem quisesse<br />

conhecer, em sua realidade, o poder<br />

moral do Pontífice, não deveria fazer<br />

mais que colocar-se, um dia só, nos<br />

primeiros degraus da escadaria que<br />

leva ao Vaticano<br />

— Quem passa? interrogaria, maravilhado,<br />

a todo instante. — É um rico<br />

senhor, filho de além-mar. Viajou<br />

pelo mundo inteiro; visitou todas as<br />

maravilhas da terra. Reservou para o<br />

fim a maior de todas: antes de voltar<br />

para as ilhas da sua Bretanha ou para<br />

as capitais da sua América, quer ver o<br />

Papa de Roma<br />

— Quem passa? — É uma irmã de<br />

caridade, com o seu cândido véu esvoaçando<br />

ao vento. Deixou um orfanato,<br />

um asilo, uma escola no interior<br />

mais deserto da Índia: vem beijar<br />

os pés do Santo Padre, para voltar, feliz,<br />

entre os seus órfãos e consagrarlhes<br />

a vida inteira.<br />

— Quem passa? — É um venerando<br />

prelado de cabelos brancos, cheio<br />

de anos, alquebrado de fadigas. Vem<br />

do Canadá, das Montanhas Rochosas,<br />

ou dos imensos pampas da<br />

América meridional. Vem ver o Santo<br />

Padre, implorar sua bênção.<br />

— Quem passa? — É o embaixador<br />

do mais poderoso soberano do<br />

mundo. É protestante, mas não se<br />

desdoura em homenagear o Septuagenário,<br />

que não é rei senão de um<br />

minúsculo Estado, mas que é o Pai<br />

universal de todos os povos.<br />

— Quem passa? — É um missionário<br />

do Japão, um religioso da Espanha,<br />

um missionário da África.<br />

Vem para referir ao Vigário de Cristo<br />

o êxito dos seus esforços, o fruto das<br />

suas fadigas apostólicas.<br />

— Quem passa, com todo esse<br />

aparato, com todo esse cortejo? — É<br />

um príncipe cristão, descendente augusto<br />

dos antigos guerreiros que rechaçaram<br />

os bárbaros, que fizeram as<br />

cruzadas. Guardando nas veias o sangue,<br />

e no coração os sentimentos dos<br />

seus avós, não se peja de vir colocar<br />

aos pés do Doce Cristo na terra, o tributo<br />

do seu afeto, as homenagens dos<br />

seus súditos.<br />

— Quem passa? É um peregrino<br />

da Polônia, é um monge da Armênia<br />

ou da Síria, é um homem de letras, é<br />

uma humilde filha do povo, é um livrepensador,<br />

é um capitão de armada.<br />

Todos sobem ansiosos aquelas escadas.<br />

Percorrem impacientes as salas<br />

do Vaticano, para ver o ancião vestido<br />

de branco, beijar-lhe as mãos e os<br />

pés, ouvir-lhe a voz, receber-lhe a<br />

bênção. E depois, descem radiantes<br />

de alegria, voltam bem-aventurados<br />

para as suas terras, para as suas casas,<br />

para os seus afazeres, e jamais se esquecerão<br />

desse dia tão afortunado.<br />

É essa a história de todos os dias,<br />

de todas as semanas, de todos os meses,<br />

de todos os anos. Essa é a história<br />

de todos os séculos. Tal é a força misteriosa,<br />

centro da Roma nova, que,<br />

partindo do Vaticano, irradia-se pelo<br />

mundo, toca os corações, tudo penetra,<br />

tudo move. E quando uma alma<br />

aflita ou dedicada não tiver a ventura<br />

de chegar-se ao Santo Padre para fazer<br />

sua queixa ou protestar o seu<br />

amor, ei-la mesmo de longínquas paragens,<br />

lançando um olhar e um grito<br />

para os lados onde se ergue, farol de<br />

Justiça, a Cúpula de São Pedro. [...]<br />

Não parece que estamos a ouvir,<br />

novamente, as narrações sublimes<br />

dos atos dos primeiros mártires que<br />

se entregavam aos suplícios, cantando<br />

hinos e enviando uma saudação afetuosa<br />

ao Pontífice de Roma?!<br />

Eis a força moral do Pontífice. A<br />

mesma de ontem, a mesma de hoje, a<br />

mesma no passado, a mesma no futuro,<br />

a única capaz de salvar o mundo.<br />

Bem poderíamos corrigir os versos<br />

de Virgílio, dizendo: Tu regere amore<br />

populos, Romane, memento.<br />

(Transcrito do “Legionário”,<br />

de 15/3/42)<br />

8


DONA LUCILIA<br />

A rica serenidade de outrora, presente<br />

numa cena no Jardim da Luz, em São Paulo<br />

Lembranças e riquezas de outrora<br />

Já vimos em outros artigos como<br />

Dª Lucilia usava seu esplêndido<br />

dom de narradora<br />

para, por meio de histórias dos antepassados,<br />

educar seus filhos no desejo<br />

de imitar os bons valores familiares.<br />

Entre seus temas prediletos estavam<br />

certos episódios ocorridos no Brasil<br />

imperial, que lhe traziam saudosas<br />

recordações. Um exemplo.<br />

O avô de Dª Lucilia<br />

ensina a Imperatriz a<br />

dançar<br />

Dª Teresa Cristina, sempre boa esposa<br />

e mãe exemplar, atraiu as afetuosas<br />

atenções de Dª Lucilia por<br />

causa de um infortúnio que a acompanhara<br />

desde os seus primeiros dias.<br />

Com tocante bondade, contava<br />

Dª Lucilia que o Barão de Cairu fora<br />

enviado por D. Pedro II à Europa, a<br />

fim de lhe escolher uma esposa. O<br />

Imperador, como é natural, desejava<br />

que entre outros predicados da futura<br />

Imperatriz estivesse a beleza. O barão<br />

entrou em contato com representantes<br />

de várias cortes européias, à<br />

procura de uma princesa ideal, e co-<br />

9


DONA LUCILIA<br />

mo não havia ainda chegado a era da<br />

fotografia, mandava ao Imperador<br />

medalhões em esmalte, reproduzindo<br />

as fisionomias das pretendentes, para<br />

que o soberano escolhesse a noiva.<br />

Quando chegou às mãos do Imperador<br />

o retrato da Princesa Teresa<br />

Cristina, filha do Rei das Duas Sicílias,<br />

sua formosura o encantou desde<br />

logo, e ele decidiu casar-se com<br />

ela. O matrimônio realizou-se por<br />

procuração e o irmão da noiva, o<br />

Príncipe Leopoldo de Bourbon Parma,<br />

conde de Siracusa, representou o<br />

augusto consorte na cerimônia. Pouco<br />

depois a princesa embarcou para o<br />

Brasil.<br />

Logo que o navio aportou no Rio<br />

de Janeiro, D. Pedro II, acompanhado<br />

da corte, foi a bordo receber, com<br />

toda a pompa, a esposa. Ao vê-la de<br />

longe caminhando em direção a ele, o<br />

monarca notou desde logo que ela<br />

mancava, e ao lograr discernir-lhe os<br />

traços do rosto, perdeu a fala. Em nada<br />

se parecia com a fisionomia do<br />

medalhão!<br />

Pelo protocolo, uma vez chegada<br />

diante dele, ela devia fazer uma reverência,<br />

a ponto de quase se ajoelhar.<br />

E, por sua vez, ele deveria segurá-la e<br />

beijar-lhe a mão. D. Pedro II, de tão<br />

aturdido, deixou que Dª Teresa Cristina<br />

tocasse com o joelho no chão...<br />

Naqueles bons tempos de honra e<br />

de compromisso sério, um matrimônio<br />

realizado, ainda que simplesmente<br />

por procuração, não mais era desfeito.<br />

Principalmente se os consortes<br />

fossem de Casas Reais. Assim, D. Pedro<br />

II se conformou com o irremediável<br />

drama que se estabelecera na vida<br />

de ambos. Por seu lado, quanto a Imperatriz<br />

desejaria que seu esposo jamais<br />

houvera tido aquela desilusão!<br />

O sofrimento de Dª Teresa Cristina<br />

crescia de intensidade por ocasião das<br />

festas na Corte, pois, devido a seu defeito<br />

físico, julgava que lhe era impossível<br />

dançar, não podendo portanto<br />

ser a alma daquelas solenidades sociais.<br />

Numa noite de baile no Palácio Imperial,<br />

<strong>Dr</strong>. Gabriel — avô de Dª Lucilia<br />

— então deputado por São Paulo,<br />

Em razão de<br />

seu defeito físico,<br />

a Imperatriz<br />

Teresa Cristina<br />

costumava se<br />

isolar durante os<br />

bailes na Corte...<br />

ao percorrer aquelas belas e luxuosas<br />

dependências, encontrou Dª Teresa<br />

Cristina sozinha, meio tristonha, sentada<br />

no sofá de uma pequena sala, enquanto<br />

no salão vizinho todos participavam<br />

alegremente da dança, ao som<br />

de melodiosa orquestra.<br />

Ao vê-la ali isolada, dela teve pena.<br />

Aproximou-se, fez uma reverência,<br />

ela lhe deu a mão a beijar e o convidou<br />

a sentar-se numa cadeira ao lado.<br />

Com o incomparável dom da conversa<br />

que possuíam os Ribeiro dos Santos,<br />

em pouco tempo <strong>Dr</strong>. Gabriel proporcionou<br />

à Imperatriz a oportunidade<br />

de pensar noutros temas que não<br />

seus aborrecimentos. Em determinado<br />

momento, ele, que já observara como<br />

a soberana caminhava, surpreendeu-a<br />

com uma sugestão:<br />

— Se Vossa Majestade me der licença,<br />

posso tentar ensinar-lhe um<br />

modo de dançar...<br />

Dª Teresa Cristina, a princípio, não<br />

quis acreditar que fosse possível isso,<br />

mas <strong>Dr</strong>. Gabriel insistiu com muito<br />

respeito e lhe propôs fazer, naquela<br />

sala, uma experiência. A Imperatriz<br />

aceitou e ensaiou uns passos de dança.<br />

Ele ia explicando como apoiar<br />

com certo jeito o pé no chão, a fim de<br />

contornar a dificuldade, e ela rapidamente<br />

aprendeu como devia proceder.<br />

Ao perceber que já estava bem<br />

segura, Dª Teresa Cristina sugeriu a<br />

<strong>Dr</strong>. Gabriel entrarem no salão e dançarem<br />

na presença de toda a corte.<br />

Qual não foi a agradável surpresa dos<br />

presentes ao verem a Imperatriz, com<br />

toda a normalidade, constituir com<br />

10


<strong>Dr</strong>. Gabriel o par por excelência daquela<br />

noite de gala!<br />

Dª Lucilia, que já era mocinha<br />

quando se passaram semelhantes acontecimentos,<br />

sabia ilustrar a história da<br />

amília Imperial através de pequenos<br />

fatos, como o narrado a seguir.<br />

A almofadinha de<br />

alfinetes da Imperatriz<br />

Certo dia Dª Lucilia esteve na residência<br />

de uma senhora que possuía,<br />

como era costume nas boas casas de<br />

outrora, em certo salão da casa uma<br />

vitrine com bibelots. Depois de os ter<br />

elogiado, a visitante comentou:<br />

— Perdoe-me a pergunta, mas por<br />

que razão se encontra em meio a objetos<br />

tão bonitos essa almofadazinha<br />

tão comum?<br />

A dona da casa respondeu tratar-se<br />

de uma recordação recebida da viúva<br />

de um ex-Presidente da República,<br />

senhora que, estando para falecer, lha<br />

entregou revelando sua procedência.<br />

Quando foi proclamada a República,<br />

após a ocupação do Palácio Imperial<br />

por tropas republicanas, as esposas<br />

dos chefes vitoriosos tiveram curiosidade<br />

de conhecê-lo por dentro.<br />

oi-lhes fácil obter autorização do governo<br />

provisório para a visita.<br />

Ao entrarem, o Palácio jazia completamente<br />

deserto. Percorreram um<br />

a um os vários salões, a Sala do Trono,<br />

os apartamentos. À medida que caminhavam,<br />

iam sentindo uma espécie de<br />

aperto na garganta, uma crescente<br />

emoção as envolvia. Por fim, chegaram<br />

ao quarto dos soberanos. Estava<br />

tudo como se há pouco tivessem saído.<br />

Via-se que o abandonaram às pressas,<br />

deixando em cima das cadeiras algumas<br />

roupas de que não mais necessitariam,<br />

além de vários objetos esparsos.<br />

Esse quadro causava a sensação<br />

de haverem eles recém passado<br />

por ali.<br />

As senhoras se impressionaram<br />

profundamente. Uma delas viu, em<br />

cima da mesa de toilette da Imperatriz,<br />

singelo objeto: uma almofadinha<br />

de seda, preenchida com ervas, que<br />

servia para as senhoras fixarem alfinetes.<br />

Notando que aquilo não tinha<br />

nenhum valor econômico e querendo<br />

a todo custo levar uma recordação da<br />

Residência Imperial, aproveitou-se<br />

de um momento em que as amigas<br />

não estavam prestando atenção, pegou<br />

a pequenina almofada e a guardou<br />

em sua bolsa. Durante décadas<br />

não revelaria a ninguém esse gesto.<br />

Quando sentiu a morte se aproximar,<br />

ao receber a visita de uma amiga,<br />

entregou-lhe aquele objeto, certa<br />

de que ela também lhe daria o devido<br />

apreço.<br />

... até a noite em<br />

que entrou dançando<br />

pelo salão de<br />

festas braços do<br />

<strong>Dr</strong>. Gabriel, tio-avô<br />

de Dª Lucilia<br />

Riquezas da<br />

tranqüilidade de outrora<br />

atos como esse da vida passada<br />

constituíam com freqüência tema de<br />

conversa para Dª Lucilia e os seus,<br />

numa feliz época em que a inexistência<br />

dos modernos meios de comunicação<br />

deixava que, vagarosamente, o<br />

tempo corresse permitindo melhor se<br />

degustar uma vida tranqüila, confortável<br />

e serena.<br />

As famílias, conservando ainda traços<br />

patriarcais, formavam pequenos<br />

mundos cheios de vitalidade que, de<br />

algum modo, bastavam-se a si pró-<br />

11


DONA LUCILIA<br />

Dª Lucilia compraziase<br />

em evocar fatos de<br />

sua vida passada,<br />

quando as famílias<br />

ainda conservavam<br />

traços patriarcais,<br />

criando em torno dos<br />

respectivos chefes um<br />

ambiente todo feito de<br />

respeito, tranqüilidade<br />

e benquerença, sob a<br />

bênção divina (ao lado,<br />

família e residência<br />

do Conde Álvares<br />

Penteado)<br />

prios. Seus numerosos membros conviviam<br />

muito entre si, pois se viajava<br />

pouco, e a vida familiar girava em geral<br />

em torno da casa do respectivo<br />

“patriarca”. Este, por vezes, chegava<br />

a reunir à sua volta gerações sucessivas<br />

de descendentes; mútuo respeito,<br />

cordialidade e atenção eram as notas<br />

tônicas do relacionamento entre eles.<br />

Nesse ambiente, coberto pela bênção<br />

de Deus, a serenidade fazia uma<br />

das alegrias da vida, a tal ponto que,<br />

ao se despedirem as pessoas, antes de<br />

se recolherem para dormir, não era<br />

raro ouvir-se:<br />

— Deus lhe dê uma noite tranqüila.<br />

Não era diferente a existência no<br />

palacete Ribeiro dos Santos. Por volta<br />

das cinco e meia da tarde os homens<br />

retornavam do trabalho e ficavam no<br />

living da casa, ou então no terraço,<br />

lendo o jornal e conversando distendidamente<br />

sobre tudo e sobre nada,<br />

enquanto desfrutavam a fresca brisa<br />

do entardecer.<br />

<strong>Dr</strong>. João Paulo, esposo de Dª Lucilia,<br />

junto com um cunhado ou algum<br />

irmão de sua sogra, saíam a passear a<br />

pé, após a refeição, enquanto as senhoras<br />

iam fazer tricot. Ao voltarem<br />

os homens, ficavam todos ainda longo<br />

tempo em conversa na sala, até que o<br />

relógio fazia soar lentamente dez badaladas,<br />

lembrando que o serão caminhava<br />

para seu fim.<br />

Que monotonia! será alguém levado<br />

a pensar, e talvez com certa razão.<br />

Porém, era essa mesma calma que proporcionava<br />

ao espírito humano condições<br />

para a reflexão, para o operar<br />

do pensamento, do qual brotariam as<br />

grandes realizações. Um dos frutos<br />

dessa tranqüilidade foi sendo destilado<br />

ao longo dos séculos, e resultou<br />

em precioso licor, que os homens civilizados<br />

degustavam agradados, e cujo<br />

segredo o infeliz habitante da babel<br />

contemporânea perdeu de todo: a<br />

arte de conversar.<br />

Nesta habilidade também se distinguiu<br />

Dª Lucilia, que a herdou de seus<br />

maiores e a soube cultivar de um modo<br />

tal que, ainda na extrema ancianidade,<br />

sabia como ninguém cativar<br />

seus enlevados ouvintes...<br />

(Transcrito e adaptado da obra<br />

“Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)<br />

12


DENÚNCIA PROÉTICA<br />

Não prevalecerão!<br />

Havia se formado o costume de, por ocasião de cada Natal, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> enviar<br />

uma saudação especial às muitas pessoas que, em todo o mundo, colocavamse<br />

como seus discípulos, amigos ou admiradores. A mensagem era sempre<br />

piedosa, animadora e de candente atualidade, como esta, de 1990.<br />

Estamos no mês de dezembro, e os nossos olhares<br />

já vão se voltando, ao mesmo tempo encantados<br />

e esperançosos, para as festas de Natal que se<br />

aproximam.<br />

Quanto é natural que para essas festas se voltem os<br />

nossos olhares, se nós tomarmos em consideração todas as<br />

aflições em meio às quais o Brasil e o mundo contemporâneo<br />

percorreram este penoso e fatigante ano de 1990, e<br />

em que, afinal de contas, encontra uma perspectiva de<br />

paz, de alegria e de força de alma nas comemorações natalinas<br />

que se avizinham.<br />

É um condão próprio às celebrações de Natal. esta<br />

que, ao mesmo tempo, confere às almas uma tranqüilidade<br />

e uma paz sem ilusões nem fraquezas, e uma força sem<br />

orgulho, sem prepotência, mas capaz de defender-se a si<br />

mesma e a grande causa da Igreja e da Civilização Cristã.<br />

A festa de Natal nos leva ao espírito o espetáculo pacificante<br />

entre todos do Divino Menino Jesus reclinado na<br />

13


DENÚNCIA PROÉTICA<br />

manjedoura de Belém, na gruta que desde pequenos<br />

aprendemos a imaginar como seria, e como ali se deu o<br />

episódio maravilhoso do Nascimento do Divino Infante.<br />

Leva-nos a pensar em Maria, Virgem antes do parto, durante<br />

o parto e depois do parto. Em seguida, traz à nossa<br />

lembrança a adoração de Nossa Senhora, de São José, e a<br />

dos Anjos do Céu que, em quantidade incontável, para lá<br />

olhavam e para lá dirigiam seus hinos de glória a Deus<br />

Nosso Senhor, ao Menino recém-nascido em Belém, à sua<br />

Mãe Celestial e ao seu pai jurídico, São José.<br />

Ao mesmo tempo, nos arredores da cidade de David,<br />

numa noite estrelada e fria, acordavam os pastores, e estes<br />

viam no firmamento rasgado, no qual o próprio paraíso<br />

celeste aparecia, os Anjos que cantavam: “Glória a Deus<br />

no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens de boa<br />

vontade!”<br />

Esta era a promessa feita aos homens na noite de Natal.<br />

Devemos esperar que esta promessa se volte de um modo<br />

especial para os pobres homens do século XX. Deste<br />

século que vai caminhando para o seu fim em meio a tantos<br />

tropeços, a tantos castigos — e quão merecidos castigos!<br />

— e a tantas decepções, mas deste século XX para o<br />

qual se volta também a misericórdia do Menino recémnascido,<br />

as preces em favor dele que se erguem da parte<br />

de Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças, Intercessora<br />

gloriosamente onipotente, que obtém de Deus tudo<br />

quanto pede, e de São José, Patrono da Santa Igreja<br />

Católica Apostólica Romana.<br />

Nesse momento, então, nós nos voltamos para Nossa<br />

Senhora e seu castíssimo esposo, pedindo que<br />

apresentem ao Divino Menino Jesus, desde logo,<br />

a perspectiva das nossas orações na noite<br />

de Natal, rogando a Eles, antes de tudo, pelo<br />

bem da Santa Igreja Católica. Em segundo<br />

lugar, pelo bem da Cristandade, outrora a<br />

gloriosa família das nações que tinham é<br />

e unanimemente criam na verdadeira Igreja, constituindo<br />

um só rebanho sob o cajado de um só pastor, que é o Santo<br />

Padre, o Papa, e que hoje se encontram divididas por dilacerações<br />

religiosas, filosóficas, políticas, sociais, econômicas<br />

e culturais de toda espécie.<br />

Nós nos voltamos para Eles, apresentando as nossas<br />

famílias, que também elas sofrem o contragolpe de todas<br />

essas penosas circunstâncias, pensando de um modo especial<br />

nos seus jovens expostos a tantos riscos de perdição,<br />

mas também procurados tão eficazmente pela graça de<br />

Deus, convidando-os a lutar pela Civilização Cristã até o<br />

último extremo de sua capacidade de agir.<br />

Considerando tudo isso, pedimos a São José e a Nossa<br />

Senhora que rezem para que tudo quanto ainda há de bom<br />

no mundo contemporâneo e em nosso Brasil, na nossa<br />

querida Terra de Santa Cruz, se consolide, se robusteça e<br />

se torne capaz de heróicas resistências aos germes de decomposição<br />

que trabalham hoje.<br />

E que, ao mesmo tempo, a Providência Divina intervenha<br />

para destroçar as conjurações, os ardis e os embustes<br />

daqueles que se articulam para acabar de destruir o que<br />

resta da Civilização Cristã, e que chegariam a destruir a<br />

Santa Igreja Católica Apostólica Romana, se destrutível<br />

fosse aquela Igreja de quem Nosso Senhor disse a São Pedro:<br />

“Pedro, tu és pedra, e sobre essa pedra edificarei a<br />

minha Igreja. E as portas do inferno não prevalecerão<br />

contra ela!”<br />

É inútil! As portas do inferno não prevalecerão contra a<br />

Igreja de Cristo! Pelo contrário, haverá um momento em<br />

que elas se quebrarão, se desfarão em pedaços, e a Igreja<br />

de Cristo continuará mais altaneira que nunca a sua peregrinação<br />

pela história, até o dia glorioso em que Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo baixará com os Anjos do Céu e com as<br />

almas dos justos para julgar os vivos e os mortos.<br />

É nesse sentimento de Natal que eu encerro essas<br />

palavras.<br />

v


DR. PLINIO COMENTA...<br />

“Senhor, venha<br />

a nós o vosso Reino!”


DR. PLINIO COMENTA...<br />

Se, em todas as épocas da história cristã a data<br />

do Natal abre uma clareira alegre e tranqüila<br />

no curso normal e laborioso da vida de todos<br />

os dias, em nossa época a trégua natalícia assume<br />

um significado especial, porque vale por um grande<br />

e universal “sursum corda” clamado a uma humanidade<br />

tumultuosa e sofredora, que vai imergindo<br />

aceleradamente no caos da mais completa dissolução<br />

moral e social.<br />

Nossa época é um vale sombrio entre duas culminâncias:<br />

a civilização do passado, da qual decaímos<br />

através de sucessivas catástrofes que começaram<br />

com a pseudo-Reforma, e culminaram com os<br />

totalitarismos da direita e da esquerda; e a civilização<br />

do futuro, para a qual caminhamos através de<br />

lutas e de dissabores que enchem, a cada momento,<br />

de cruzes o nosso caminho.<br />

Por isso mesmo, porque vivemos nos últimos minutos<br />

de um mundo que expira, e já vemos os sinais<br />

precursores de um outro mundo que nasce, a lição<br />

do Natal tem para nós um significado profundo, que<br />

devemos meditar no dia de hoje.<br />

Ruína do mundo antigo e a promessa<br />

de um Salvador<br />

[Antes de tudo, tratemos brevemente] das aspirações<br />

que a humanidade pré-cristã nutria a respeito<br />

da vinda de um Salvador. O povo eleito esperava a<br />

salvação por meio de um Messias, nascido do tronco<br />

de David, conforme a autêntica e insofismável promessa<br />

de Deus. Todos os outros povos da terra, não<br />

tendo embora recebido as mensagens divinas por<br />

meio dos profetas, conservavam uma reminiscência<br />

da promessa de um Salvador, feita por Deus a Adão<br />

e Eva, quando da saída destes do Paraíso. E, por isto<br />

também, eles conservavam, ora mais ora menos deformada,<br />

a esperança tradicional de que um Salvador<br />

haveria de regenerar a humanidade sofredora e<br />

pecadora.<br />

Esta esperança, entretanto, chegou ao seu auge<br />

na época em que Nosso Senhor veio ao mundo. Como<br />

afirmou um historiador famoso, toda a humanidade,<br />

então, se sentia velha e gasta. As fórmulas<br />

políticas e sociais utilizadas já não correspondiam<br />

aos anseios e ao modo de ver dos homens do tempo.<br />

Um imenso desejo de reforma sacudia diversos povos.<br />

A luta de classes fervera, não havia muito tempo,<br />

na Grécia, na Itália, na enícia, em outros países<br />

ainda. A organização política se tornava cada vez<br />

mais opressiva. Roma dilatara por todo o mundo as<br />

fronteiras de seu Império, e a Cidade Eterna era,<br />

naquela época, não a rainha, mas a tirana da hu-<br />

No momento em que expulsou nossos primeiros pais<br />

do Paraíso Terrestre, Deus lhes assegurou a promessa de um<br />

Redentor que, milênios depois, nasceria de uma Virgem<br />

para resgatar a humanidade<br />

16


manidade inteira, que ela sujeitava às mais injustas extorsões<br />

para pagar as orgias dos patrícios romanos.<br />

Em todos os países, o contraste entre a riqueza e a miséria<br />

era patente. De um lado, homens riquíssimos viviam no<br />

fausto e no luxo desordenado. Do outro lado, uma multidão<br />

de sem-trabalho infestava muitos bairros de grandes<br />

cidades de então. inalmente, como negro fundo de quadro,<br />

milhões e milhões de escravos, acorrentados nos porões<br />

das naus, ou atrelados como animais aos carros de<br />

transporte, ou presos indissoluvelmente ao arado, gemiam<br />

sob o guante de uma opressão que parecia não ter mais<br />

fim.<br />

Uma imensa corrupção de costumes se alastrava por todo<br />

o território do Império, e punha em ruína todas as instituições<br />

políticas. Os escândalos se multiplicavam nas fileiras<br />

da mais alta aristocracia e daí se projetavam sobre todas<br />

as camadas da sociedade. Augusto tentava em vão reagir<br />

contra a crescente decadência. Não surtiam efeito suas<br />

leis reacionárias. Era no seio de sua própria família que as<br />

aberrações mais monstruosas se multiplicavam. E todo<br />

mundo sentia que uma crise imensa ameaçava a sociedade<br />

de uma ruína inevitável.<br />

Numa gruta de Belém, a salvação<br />

do mundo<br />

oi neste ambiente, enquanto os homens de Estado e os<br />

moralistas da época discutiam gravemente sobre tantos e<br />

tão insolúveis problemas, que, no estábulo de Belém, no<br />

meio de uma noite profunda, raiou para o mundo a salvação.<br />

É possível que, no momento exato em que o Salvador<br />

nasceu, o orgulhoso imperador romano estivesse em<br />

seu palácio, entregue às mais amargas reflexões que lhe<br />

sugeriam o fracasso de sua política moralizadora. É possível<br />

que, a pouca distância da casa imperial, se prolongasse<br />

pela noite adentro alguma daquelas descabeladas orgias<br />

que eram o tema obrigatório dos potins [mexericos] da<br />

época. Nem uns, nem outros, nem o genial imperador,<br />

nem os sibaritas que punham a perder a sociedade, tinham<br />

idéia do que naquele momento ocorria em Belém.<br />

Entretanto, não era no palácio imperial, nem nas orgias<br />

aristocráticas, nem nos conciliábulos dos conspiradores,<br />

que o destino do mundo se decidia. A sociedade do futuro,<br />

oriunda da solução perfeita e completa dos mais importantes<br />

e vitais problemas da época, nascia em Belém, e<br />

era das mãos virginais de Maria que o mundo recebia<br />

o Messias que haveria de redimi-lo<br />

com seu sangue e reorganizá-lo com seu<br />

Evangelho.<br />

Nossas esperanças<br />

têm de estar na Igreja<br />

e no Papado<br />

Qual a lição primordial que<br />

daí devemos tirar?<br />

É, em primeiro lugar, que,<br />

assim como para a humanidade<br />

do tempo de Augusto a<br />

solução dos mais intricados<br />

problemas sociais e políticos<br />

não foi encontrada a não ser<br />

em Cristo, assim também, em<br />

nosso tempo, é só na Igreja<br />

Católica, o Corpo Místico de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />

que devemos concentrar nossas<br />

esperanças.<br />

É possível que, imitando<br />

inconscientemente a vigília de<br />

Augusto na noite de Natal,<br />

muito césar hodierno (que diferença<br />

de envergadura entre<br />

o César autêntico e seus facsímiles<br />

contemporâneos!) tenha<br />

passado a noite de Natal,<br />

indiferente à piedade das<br />

17


DR. PLINIO COMENTA...<br />

massas que oram nas Igrejas, debruçado sobre uma mesa<br />

de trabalho, a excogitar meios para arrancar do atoleiro da<br />

crise contemporânea sua pátria sofredora.<br />

É possível que, nessa mesma noite, as orgias desmandadas<br />

de muito palácio (não mais os palácios da aristocracia<br />

como na Roma antiga, mas os suntuosos dancings modernos,<br />

palácios que o mundo hodierno erige em honra de<br />

sua própria corrupção) façam estrugir o silêncio da noite<br />

com o som das músicas profanas do réveillon.<br />

É possível que muito conspirador esteja tramando a<br />

revolução e a guerra, no silêncio da noite, enquanto o povo<br />

comemora o nascimento do Príncipe da Paz.<br />

Sem embargo de tudo isto, não é dos novos césares,<br />

nem do conspirador de nossos dias e muito menos da sociedade<br />

que se corrompe nos dancings, que nos virá a salvação.<br />

Se somos católicos, devemos esperar a salvação exclusivamente<br />

de quem representa Cristo hoje na terra. É<br />

para [o Papa], e só para ele<br />

neste mundo, que devemos<br />

voltar nossos olhos.<br />

As preces de Maria anteciparam<br />

a Redenção<br />

Mas ainda há outra reflexão da maior utilidade. Todos<br />

os teólogos são acordes em afirmar que, se a salvação<br />

raiou para o mundo na época em que raiou, devemo-lo às<br />

preces onipotentes de Maria, que conseguiu antecipar o<br />

dia do nascimento do Messias. Ninguém pode dizer quantos<br />

anos ou quantos séculos teria ainda demorado a Redenção,<br />

sem as preces de Maria.<br />

Não foi, pois, daqueles que, no tempo de Augusto, se<br />

agitavam nas praças públicas ou nos conciliábulos políticos<br />

para conseguir a reorganização do mundo, que esta reorganização<br />

veio. Ela veio da oração humilde e confiante da<br />

Virgem Maria, inteiramente ignorada por seus contemporâneos,<br />

e vivendo uma vida contemplativa e solitária, no<br />

pequeno recanto, onde a Providência a fez nascer.<br />

Sem, com isto, desmerecer por pouco que seja a vida<br />

ativa, é preciso notar que foi por meio da<br />

oração e da contemplação, que se antecipou<br />

o momento da Redenção. E que os benefícios<br />

que o gênio de Augusto, o tino de todos<br />

os grandes políticos, todos os grandes<br />

generais, financistas e administradores<br />

Não foi do gênio de<br />

Augusto nem das<br />

habilidades dos<br />

grandes de sua<br />

época que veio a salvação<br />

do mundo...


... mas da oração humilde e confiante da Santíssima Virgem<br />

de seu tempo não puderam dar ao mundo, Deus os dispensou<br />

por meio de Maria Santíssima. Quem mais beneficiou<br />

ao mundo não foi quem mais estudou, nem quem mais<br />

agiu, mas quem mais e melhor soube orar.<br />

Que se realize o Reino de Cristo — em nós<br />

e fora de nós<br />

Se o mundo contemporâneo quiser sair do caos em que<br />

se encontra, ele deve, em primeiro lugar, voltar-se para a<br />

Igreja.<br />

É com uma suave e austera lição, que se termina esta<br />

breve meditação de Natal. É sobretudo dos lutadores da<br />

Ação Católica, e das almas eleitas que Deus chamou ao estado<br />

sacerdotal ou ao religioso para viver a vida da ação ou<br />

a vida de oração, que, no plano humano, pode depender<br />

uma antecipação ou um retardamento da restauração do<br />

reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Cônscios da grandeza desta missão, o que nós, os leigos<br />

que militam pela Igreja devemos fazer, é uma prece junto<br />

ao presepe do Senhor Menino.<br />

Domine, adveniat regnum tuum.<br />

“Senhor, venha a nós o vosso Reino”, que nós o realizemos<br />

em nós, para que depois, com vosso auxílio, o realizemos<br />

também em torno de nós.<br />

(Extraído, com adaptações, do “Legionário” nº 328,<br />

25/12/1938. Títulos e subtítulos nossos)<br />

19


O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />

A IGREJA DO<br />

IMPÉRIO ROMANO<br />

O ELOGIO DA EUROPA


N<br />

a fixação da fisionomia da Igreja, os diversos tipos de raciocínio dos<br />

povos é o título de uma conferência feita por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para jovens, da qual<br />

vimos publicando trechos desde outubro. Após elogiar o estilo de pensamento<br />

dos povos orientais, intuitivo e todo voltado para o sobrenatural e o místico, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> passa a analisar o raciocínio europeu e sua influência na Igreja dos primeiros<br />

séculos.<br />

aço agora o elogio da Europa.<br />

Nenhum povo antigo — a<br />

não ser primeiro os gregos e<br />

depois os romanos, continuadores da<br />

cultura grega —, se pôs a seguinte<br />

pergunta: “Este conjunto de seres em<br />

meio dos quais eu estou, os outros homens,<br />

as outras nações, a terra, os astros,<br />

etc., o que é tudo isto? Quem fez<br />

isto? Com que finalidade? Qual é o<br />

sentido da vida do homem na Terra?”<br />

Em comparação com o que anteriormente<br />

tratamos, vê-se que são<br />

perguntas de um feitio de espírito diferente<br />

do oriental. Não é “radar”,<br />

nem “antena”. ormular tais perguntas<br />

é ter o espírito grandiosamente<br />

largo, é querer ver claro onde os pagãos<br />

antigos se tinham contentado em<br />

comer, viver e morrer. É o nascimento<br />

de algo mais nobre, é a procura da<br />

finalidade, da razão de ser, da linha,<br />

da trajetória, do dever.<br />

Sobre uma porta de Babilônia, onde<br />

uma rainha se fez sepultar, estavam<br />

escritos esses dizeres: “Transeunte,<br />

na tua vida come, bebe e divertete,<br />

porque depois não há alegria nem<br />

dor”. São palavras desprovidas de<br />

qualquer nobreza. Pelo contrário, como<br />

é nobre o espírito que, podendo<br />

comer, beber e divertir-se, entretanto<br />

pára, pensa e pergunta: “Qual é o<br />

sentido de tudo isto? Aonde vamos?”<br />

Simbiose entre a fé cristã e<br />

as riquezas da cultura<br />

clássica<br />

Ao fazermos a história da filosofia<br />

grega, vemos que essa indagação vai<br />

nascendo como um sol, até ser respondida,<br />

primeiramente por Platão,<br />

depois, de modo mais adequado e<br />

com maior pureza, por Aristóteles.<br />

Este fala de um só Deus, causador e<br />

fim de todas as coisas, e de um sentido<br />

do universo todo para servir a esse<br />

Deus. Daí o dito de São Paulo, segundo<br />

o qual Deus tinha dado aos judeus<br />

a Revelação — Ele havia aparecido<br />

ao povo judaico como a nenhum outro<br />

—, mas aos gregos Ele dera a filosofia,<br />

quer dizer, esse raciocínio, essa<br />

análise tranqüila, essa classificação<br />

e essa conclusão.<br />

Em ambos os estilos, Deus é glorificado,<br />

quer na linha “antena”, quer<br />

na linha da reflexão. Devemos amar<br />

os dois, mesmo porque, se quisermos<br />

corresponder à vocação que o feitio<br />

ibero-americano pede, temos de ser<br />

um resumo compreensivo de todo o<br />

passado para que dele nasça o futuro.<br />

Não podemos fazer exclusões, nem<br />

dar pontapés de desprezo em um ou<br />

em outro. Cumpre apreciarmos no<br />

seu devido valor tudo quanto é bom,<br />

21


O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />

para daí tirar o néctar de uma admiração<br />

una, e oferecer esse néctar a<br />

Nossa Senhora.<br />

Podemos, pois, imaginar como era<br />

no seu aspecto humano a Igreja do<br />

Império Romano, e qual sua diferença<br />

com a fase anterior.<br />

Se Deus deu aos gregos a filosofia,<br />

deu aos romanos o direito. Este é tão<br />

parecido com os Dez Mandamentos<br />

que as Decretais de Graciano, uma<br />

espécie de compilação da legislação<br />

romana, foram incorporadas como<br />

Direito Canônico pela Igreja Católica<br />

e tinham vigência como lei de todos<br />

os povos cristãos na Idade Média.<br />

A Santa Igreja soube muito bem valer-se<br />

das riquezas da cultura clássica, tomando<br />

como base de seu pensamento e de<br />

suas leis a filosofia grega e o direito romano<br />

(“ilósofo sentado” e detalhe da<br />

“Escola de Atenas”, de Rafael)<br />

Onde não havia, sobre algum ponto,<br />

uma lei particular, o que valia era o<br />

Direito Romano.<br />

De tal maneira a filosofia grega entrava<br />

em simbiose com a fé cristã, os<br />

Dez Mandamentos e a moral católica,<br />

que foi adotada por São Tomás como<br />

base para definir inteiramente o<br />

pensamento católico filosófico princeps.<br />

E o direito elaborado pelos romanos<br />

é o fundamento do direito<br />

das nações católicas. Ambos produziram<br />

isso quando ainda pagãos.<br />

ato que bem precisamos<br />

frisar, para compreendermos<br />

a glória e a<br />

grandeza extraordinária,<br />

ao lado<br />

de mil misérias,<br />

da cultura<br />

clássica.<br />

No arco romano, a<br />

expressão da alma católica<br />

ocidental<br />

Como imaginar, então, o ambiente<br />

das catacumbas, a vibração da alma<br />

humana ali, ou já na Igreja liberta, no<br />

Império Romano do Ocidente?<br />

Tenho a impressão de que o arco<br />

romano exprime perfeitamente os imponderáveis<br />

dessa atmosfera. Pode-se<br />

dizer que os arcos simbolizam uma<br />

civilização quase tão sintomaticamente<br />

quanto os olhos refletem uma alma.<br />

Tome-se o arco ogival, considerese<br />

o arco árabe, evoque-se o arco romano.<br />

Certa vez, numa rua de São<br />

Paulo, deparei com a imitação de um<br />

portal japonês, muito modesta mas<br />

que exprime o espírito nipônico:<br />

aquelas duas pontas levantadas, ver-


melho, simples, ágil, meio desconfiado,<br />

reflexivo...<br />

Os arcos, as portas, as janelas são<br />

os olhos de um estilo. Tomemos o arco<br />

romano: duas colunas que sustentam<br />

aquele semicírculo perfeito e harmônico.<br />

Está ali a lógica da civilização<br />

clássica, sem a presença imediata<br />

do sobrenatural, a pura lógica natural<br />

e terrena, retamente desenvolvida, na<br />

força e na coerência de sua trajetória,<br />

em que o ponto de partida é afim com<br />

o ponto de chegada e estaqueia num<br />

só triunfo.<br />

Imaginemos como eram as almas<br />

daqueles romanos. Estão ali, nas catacumbas,<br />

perseguidos, e começam a raciocinar,<br />

a teologizar, a analisar, e já<br />

vai surgindo um problema que, mais<br />

tarde, eles vão se pôr claramente: o<br />

do confronto com a fé daquela filosofia<br />

cheia de afinidades e heterogeneidades<br />

com esta mesma fé, e de como<br />

servir-se dessa filosofia como pedestal<br />

da é cristã.<br />

O tipo do católico primitivo não é<br />

mais, então, à la São Charbel Makhlouf,<br />

mas é o homem que tem os pés<br />

na terra. É o católico das catacumbas,<br />

que vive neste mundo, que discursa<br />

(Charbel Makhlouf não discursa; seus<br />

olhos fazem poesia, nada mais), que<br />

interroga e increpa, que se move dentro<br />

da terra e é ativo, e que luta e impulsiona<br />

a história, enquanto os orientais<br />

parecem fixos na eternidade.<br />

Tomem os mártires do Ocidente, por<br />

exemplo: eles entram na arena e fazem<br />

proclamações, increpam o imperador,<br />

passam descomposturas, ameaçam<br />

o povo de castigos divinos, fazem<br />

abrasadas orações públicas de adoração<br />

a Deus; ou então ajoelham-se e se<br />

deixam devorar pelas feras numa atitude<br />

de recolhimento, mas visando a<br />

influenciar a opinião pública, a obter<br />

a conversão de outros, almejando a<br />

ação e fazendo girar a roda da história.<br />

É uma outra impostação, que<br />

não encontramos nas figuras hieráticas<br />

tipicamente orientais do culto primitivo<br />

do catolicismo.<br />

Vemos a Igreja sair das catacumbas<br />

e os pensadores católicos começarem<br />

a se desenvolver. E, entre eles, aquele<br />

que rivaliza com São Tomás de Aquino:<br />

Santo Agostinho.<br />

“Colunas que sustentam<br />

semicírculos perfeitos e harmônicos...”<br />

23


O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />

Santo Agostinho, romano<br />

típico<br />

Para dar uma idéia de como seria o<br />

romano católico, bem como a temperatura<br />

e o calor da Igreja naqueles<br />

tempos, vem a propósito analisarmos<br />

um trecho escrito por Santo Agostinho.<br />

É, a justo título, um dos mais famosos<br />

dele, conhecido como o “colóquio<br />

de Óstia”.<br />

Antes de comentá-lo, importa registrar<br />

alguns dados sobre as circunstâncias<br />

nas quais o colóquio se deu, e<br />

ainda dizer algo sobre a pessoa de<br />

Santo Agostinho. Assim, podemos entender<br />

melhor o Ocidente católico<br />

que nasce. Teremos dado um primeiro<br />

passo, utilizando uma matéria-prima<br />

indiscutivelmente nobre, analisada<br />

a fundo, para aqui lhes transmitir o<br />

que eu desejava.<br />

Santo Agostinho era de Cartago,<br />

urbe romana naquele tempo. A época<br />

em que essa cidade-Estado havia sido<br />

a grande inimiga da República Romana<br />

tinha passado. Ocupada e colonizada<br />

pelos césares, tornou-se parte<br />

integrante do Império.<br />

Santo Agostinho teria composições<br />

étnicas não latinas? Não há elementos<br />

suficientes para se afirmar isso,<br />

mas é certo que estava inteiramente<br />

incorporado à cultura latina, da qual<br />

foi um representante solar. Como<br />

pessoa dessa cultura do povo-rei, da<br />

nação que tinha dominado a Terra,<br />

vemo-lo, através das obras dele, como<br />

um homem de alma possante.<br />

Ele causa a impressão de ter sido<br />

fisicamente grande, sem chegar a ser<br />

um gigante, mas um desses homens<br />

que, quando se movem, parecem levar<br />

consigo toda a natureza. Pessoa<br />

com uma vida vegetativa tão intensa,<br />

que se teria impressão de que o reino<br />

mineral, o reino vegetal, o reino animal<br />

e o homem viviam nele com uma<br />

espécie de plenitude desconcertante.<br />

Senhor de um tom de voz grave e profundo,<br />

porém repercutindo longe como<br />

um desses sinos que podem acordar<br />

um vale ou uma cidade inteira. E<br />

com essa característica própria à alma<br />

dele (mas que seria bem da alma romana):<br />

as suas exclamações e os seus<br />

sentimentos que comoviam todo mundo<br />

a que ele se dirigia. Por causa disso,<br />

uma extraordinária capacidade de<br />

se comunicar, de penetrar nas almas<br />

dos outros, de fazê-las se mexerem<br />

como a dele. Predicado que o tornava<br />

um orador incomparável.<br />

De momento, contudo, não contemplaremos<br />

o orador. Vamos considerá-lo<br />

enquanto um escritor que escreve<br />

suas memórias.<br />

Ele começa por ressaltar que,<br />

quando pequeno, recebeu uma educação<br />

católica. As perseguições de há<br />

muito tinham acabado, o Império Romano<br />

todo era católico, mas Agostinho<br />

muito cedo prevaricou. O pai havia<br />

morrido, ele abandonou a mãe,<br />

meteu-se por vários lados, chegou a<br />

ingressar numa seita herética maniquéia,<br />

perdeu a é completamente e<br />

levou uma vida totalmente corrupta.<br />

Continuou assim até que a mãe dele,<br />

Depois de sua conversão, Santo Agostinho<br />

tornou-se um representante solar do pensamento<br />

católico latino (“Santo Agostinho lendo a<br />

Epístola de São Paulo”, por Gozzoli)<br />

24


“Santo<br />

Agostinho,<br />

um desses<br />

homens que,<br />

quando se<br />

movem,<br />

parecem<br />

levar<br />

consigo<br />

toda a<br />

natureza”<br />

Santa Mônica, rezando e<br />

rezando muito, conseguiu<br />

a conversão do filho.<br />

Este mudou de maneira<br />

radical, correspondendo a<br />

uma conversão — se pudéssemos<br />

usar a palavra<br />

— gigantesca.<br />

Santa Mônica e ele, estabelecidos<br />

no norte da<br />

Itália, resolveram voltar a<br />

morar na África. Na viagem<br />

de retorno, presumivelmente<br />

em etapas não<br />

muito pequenas, chegaram<br />

até Óstia, um porto<br />

marítimo no local onde o<br />

Tibre desemboca no Mediterrâneo,<br />

e de onde partiam<br />

muitos navios para a<br />

África.<br />

Presumivelmente também,<br />

deu-se o seguinte: os<br />

meios de navegação naquele<br />

tempo eram muito<br />

incertos, as naus pequenas<br />

e muito sujeitas às<br />

intempéries, de maneira<br />

que uma viagem nunca<br />

tinha dia fixo de chegada<br />

nem de partida. Ir da Itália<br />

a Cartago, naquela época,<br />

representava uma navegação<br />

a perder de vista<br />

mais incerta do que, por<br />

exemplo, se deslocar hoje<br />

do sul do Chile para a Sibéria,<br />

no oceano Pacífico.<br />

Nos dias de Santo Agostinho,<br />

para se tomar um<br />

navio que fizesse um percurso<br />

bem mais curto, era preciso se<br />

apresentar no porto com larga antecedência,<br />

a fim de se certificar que a<br />

embarcação não chegaria antes e, em<br />

conseqüência, não partiria também<br />

antes da data prevista. Na falta de<br />

agências, era necessário ficar na fila<br />

de embarque...<br />

Santo Agostinho conta, pois, que<br />

ele e a mãe, a caminho de Cartago,<br />

pararam no porto de Óstia. A presunção<br />

de que eles andaram em etapas<br />

grandes, deduz-se das próprias palavras<br />

do Santo, de que estavam descansando<br />

do trajeto árduo que tinham<br />

feito.<br />

Uma vez ali, eles começam a conversar<br />

a respeito das coisas eternas. E<br />

é a mãe, sempre virginalmente católica,<br />

que nunca aderiu a heresia nenhuma,<br />

que trata com o filho convertido<br />

pelas lágrimas dela, mas já então um<br />

santo. É o diálogo de uma santa com<br />

um santo. E para eles, que não tinham<br />

“antena” a la Charbel Makhlouf,<br />

conversa proveitosa era filosofar e<br />

teologizar sobre o Céu. Ou seja, eles<br />

vão tratar do Paraíso Celeste, segundo<br />

o modo de pensar do ocidental.<br />

Porém, abordam o tema com tal alma<br />

e tal ênfase que, sendo tudo raciocinado,<br />

nada tem de racionalista. Mais<br />

tarde, Santo Agostinho escreveria um<br />

eloqüente relato dessa conversa.<br />

Reservamos para o próximo número<br />

a transcrição da parte final desta<br />

conferência, na qual <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta<br />

o colóquio de Óstia.<br />

25


GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e Dª Lucilia na sede<br />

do “Legionário”. Ele está de pé,<br />

à direita do Crucifixo, e ela,<br />

sentada à direita de D. Duarte<br />

Leopoldo e Silva<br />

Dezessete anos<br />

M<br />

aio de 1944. Enquanto em quase todo o mundo a 2ª Guerra Mundial continuava<br />

a produzir mortes, brutalidades e lágrimas, a Arquidiocese de São<br />

Paulo ainda sangrava com o trágico desaparecimento de seu antigo Pastor,<br />

ocorrido no ano anterior num desastre de aviação. Talvez porque o sofrimento reaviva as<br />

recordações, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, diretor do “Legionário”, pensou ser oportuna a ocasião para um<br />

exame de consciência sobre a missão desse jornal.<br />

26


No dia 29, o LEGIONÁRIO completará 17 anos<br />

de lutas e de trabalhos. Sua fundação, que se<br />

deu em 1927, coincidiu com as primeiras manifestações<br />

do renascimento católico que se vem pronunciando<br />

de modo cada vez mais acentuado em nosso país.<br />

“Coincidiu” não é, entretanto, bem exatamente o termo:<br />

entre um e outro fato não houve mera coincidência,<br />

mas uma relação vital e direta de causa e efeito. O LE-<br />

GIONÁRIO nasceu do zelo e da dedicação dos pioneiros<br />

que desde a primeira hora levantaram entre nós o estandarte<br />

da reação católica. Ele nasceu, portanto, com uma<br />

missão bem determinada. Cumpria-lhe exprimir as tendências<br />

essenciais dessa reação, velar por que essas tendências,<br />

conservadas íntegras dentro da natural mutabilidade<br />

das circunstâncias e dos tempos, conservassem também<br />

o renouveau de Catolicismo que se operava, e seu verdadeiro<br />

sentido, os seus objetivos inicias, sua continuidade<br />

histórica enfim. Cumpria-lhe ser o porta-voz dessa mentalidade<br />

de reação vital, estenderlhe<br />

a influência, facilitar-lhe o<br />

triunfo final.<br />

Desde o seu primeiro dia, portanto,<br />

o LEGIONÁRIO não teve<br />

o caráter de um órgão católico<br />

inerte, apregoando nossa doutrina<br />

como um sistema abstrativo e<br />

tão indiferente à realidade, que<br />

poderia servir igualmente para o<br />

século XX e para a época em que<br />

os primeiros imperadores da dinastia<br />

dos Mings começavam a<br />

governar a China. Dentro da Santa Igreja, cada época herda,<br />

das anteriores, certas virtudes que lhe cumpre praticar<br />

e acrescer, e se defronta com problemas em função dos<br />

quais deve praticar, de modo especial e por assim dizer novo,<br />

virtudes que as épocas anteriores ainda não tinham<br />

considerado sob o prisma da época presente. Assim, na indefectível<br />

continuidade histórica que existe na Santa Igreja,<br />

pode-se notar de época para época diferenças de matiz<br />

análogas às que se notam, na mesma época, de uma para<br />

outra Ordem Religiosa.<br />

O LEGIONÁRIO situou-se claramente, desde seus primeiros<br />

dias, diante dos problemas particulares à nossa<br />

época, e teve desde logo um feitio espiritual muito característico.<br />

Ele trazia em seu programa todas as promessas e<br />

todas as esperanças da reação religiosa que começava então<br />

a se esboçar. Nesta vigília de um aniversário que transcorrerá<br />

em quadra de tanta significação para a Igreja e a<br />

Cristandade, é bem chegado o momento de um sério exa-<br />

Aspectos de<br />

algumas<br />

manifestações<br />

de<br />

Congregados<br />

Marianos<br />

que<br />

marcaram o<br />

renascimento<br />

católico no<br />

Brasil, em fins<br />

da década<br />

de 20<br />

27


GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

me de consciência para os que lutam pela causa de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo.<br />

Dos maiores aos menores, temos todos responsabilidades<br />

que, se no quadro geral dos acontecimentos podem<br />

não ser grandes — aliás, o que não é grande, desde que<br />

interesse à salvação das almas? — são grandes por certo<br />

no quadro de nossas responsabilidades particulares. Um<br />

exame de consciência pressupõe a noção clara de um dever<br />

a cumprir, e a análise de uma conduta para ver se nela<br />

se cumpriu o dever. O exame de consciência confere um<br />

ideal com uma vida, para ver se a vida está à altura do<br />

ideal. É o que procuraremos fazer publicamente.<br />

Reação num ocaso de Cristandade<br />

Qual o ideal inicial do LEGIONÁRIO? Qual a direção<br />

em que se movia a reação espiritual que começava a<br />

clarear os horizontes ideológicos do Brasil em 1927?<br />

Estávamos na liquidação final do regime liberal. Saturados<br />

de ceticismo, de latitudinarismo, de materialismo,<br />

deformados pelo linguajar baixo e deprimente [de parte]<br />

da imprensa, pelo espírito dissoluto do teatro e do cinema,<br />

pelo ambiente de crassa trivialidade em que se desenvolvia<br />

a juventude, aspirávamos todos a um ideal mais alto.<br />

Não tínhamos dúvida sobre esse ideal. Era o Catolicismo,<br />

plenitude de todos os ideais verdadeiros e nobres. Na<br />

atmosfera que respirávamos, duas circunstâncias nos afastavam<br />

desse ideal. De um lado, os inimigos declarados da<br />

Religião. .... De outro lado, os barateadores do espírito<br />

cristão: semi-católicos ....; gente que cria mas não praticava,<br />

gente que cria neste dogma mas que não cria naquele;<br />

gente que conservava, com um rótulo cristão, todos os sintomas<br />

de comodismo, displicência, indiferentismo do espírito<br />

do século. Católicos, enfim, para os quais a Igreja<br />

era um fardo que carregavam sem entusiasmo, um ideal<br />

com o qual procuravam sofismar, um espírito que procuravam<br />

de todos os modos acomodar com o da época, a fim<br />

de terem também a sua parte, lauta e confortável, no<br />

grande festim de Baltazar. .... [Os adversários] desprezavam<br />

a fundo o católico de tipo corrente. Sabiam que<br />

ele era, de antemão, o grande derrotado, pois<br />

que, no momento oportuno, deixaria a carga de<br />

Catolicismo ir a pique, para salvar assim o prazer<br />

de viver. Nesta gente que acendia dois círios,<br />

um a Deus e outro ao demônio, o círio de Deus<br />

minguava, se consumia, bruxuleava. O círio do<br />

demônio era novo, alvo, rijo, sua chama gorda e<br />

cintilante. ....<br />

Estávamos no último lusco-fusco de um ocaso<br />

de Cristandade. Na reação que clareou os horizontes,<br />

havia implícitas duas reações. Uma, contra<br />

os adversários da é, que deveriam aprender<br />

pela rijeza dos golpes que recebessem, que o<br />

campo não estava mais aberto sem reservas à<br />

sua insolência, sua afoiteza, seu cínico desprezo<br />

do Catolicismo. Outra, contra os católicos de<br />

meias medidas — “católicos café com leite”, era<br />

o termo da época — que com o escândalo de sua<br />

tibieza insinuavam por toda a parte a idéia de<br />

que o Catolicismo morria de inanição. ....<br />

Perseverança no ideal dos<br />

primeiros dias<br />

À frente do corpo redatorial do<br />

“Legionário”, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> manteve intacto o ideal<br />

que norteou a postura dessa folha...<br />

Dessas atitudes iniciais, deduziam-se outras.<br />

Odediência entusiástica à Santa Sé. Amor intensíssimo<br />

a todas as Ordens Religiosas, e especialmente<br />

à Companhia de Jesus. Nítido espírito de<br />

contra-revolução: o padre acima e muito acima<br />

do leigo, mais acima ainda o bispo, e acima do<br />

próprio bispo, o Papa. A palavra de um leigo devia<br />

levantar-se sempre para sustentar a autoridade<br />

do sacerdote. Era o sacerdote quem, acima<br />

de tudo, devia dirigir as iniciativas leigas. A<br />

28


palavra do sacerdote era sempre respeitada como a expressão<br />

autêntica do pensamento do bispo, Doutor e<br />

Pastor em sua Diocese.<br />

A palavra do Papa era a palavra do próprio Deus,<br />

fonte de toda a autoridade e de toda a verdade, coluna<br />

na qual se deviam firmar todos os magistérios, para<br />

serem legítimos e válidos. Muita, muita, muitíssima devoção<br />

a Nossa Senhora. Espírito Eucarístico ardente.<br />

Uma especial delicadeza em tudo quanto se refere à<br />

pureza e aos bons costumes.<br />

Em suma, como sempre se deu na Santa Igreja, os<br />

fiéis de escol deveriam amar com especial ardor tudo<br />

aquilo que de modo especial se atacava na Religião.<br />

Os atuais dirigentes do LEGIONÁRIO, em sua<br />

quase totalidade, não pertenceram aos primeiros dias<br />

do jornal. Pessoalmente, só ingressei na Congregação<br />

Mariana de Santa Cecília, à qual então o LE-<br />

GIONÁRIO pertencia, em 1928, como tímido e distante<br />

noviço.<br />

Lembrando-me, entretanto, daqueles tempos saudosos,<br />

dos mais saudosos de toda a minha vida, lembrando-me<br />

de toda a atmosfera intensamente católica<br />

que se oferecia ao meu espírito ávido de adolescente, e<br />

que respirei com a sofreguidão de quem sai de um porão<br />

sombrio para o mais puro dos píncaros de Campos<br />

do Jordão, revivo cheio de reconhecimento e de sau-<br />

... com sua obediência entusiasmada à Santa Sé, seu intenso amor ao clero e às ordens<br />

religiosas, especialmente à Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio (acima)<br />

29


GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

dades uma quadra que me parece um Tabor. E voltando<br />

daí para os dias que correm — tão cheios de angústias, de<br />

apreensões, de problemas — os meus olhares, não posso<br />

deixar de dizer que, graças a Deus, o LEGIONÁRIO de<br />

hoje é bem o de ontem, e que o pendão que ele ostenta<br />

não perdeu nenhum de seus florões.<br />

Toda obra humana tem defeitos, lacunas, misérias. Perdoe-nos<br />

Deus as nossas.<br />

Dentro de poucos dias, festejar-se-á a Universal Mediação<br />

da Rainha do Céu. Pedir-lhe-emos muito especialmente<br />

que nos alcance, com o conhecimento exato de todas<br />

as nossas faltas, um desejo ardente de as emendar, e as<br />

graças necessárias para tal. Mas, ao mesmo tempo, podemos<br />

dizer com humilde reconhecimento que, a despeito<br />

de todas as lacunas, o LEGIONÁRIO é sempre o mesmo<br />

LEGIONÁRIO de seus primeiros dias.<br />

Paladinos da Igreja e do Papado<br />

Antes de tudo, amamos sempre o Pontífice Romano.<br />

Não houve uma palavra do Papa que não publicássemos,<br />

que não explicássemos, que não defendêssemos. Não houve<br />

um interesse da Santa Sé que não reivindicássemos com<br />

o maior ardor de que uma criatura humana seja<br />

capaz. Em nossas palavras, graças a Deus, nenhum<br />

conceito, nenhum matiz, que destoasse<br />

do Magistério de Pedro em uma só vírgula,<br />

em uma só linha sequer.<br />

omos em toda a linha os homens da Hierarquia, cujas<br />

prerrogativas defendemos com ardor estrênuo, contra as<br />

doutrinas que pretendem arrancar ao Episcopado e ao<br />

Clero a direção do laicato católico. Não houve equívocos,<br />

nem confusões, nem tempestades que conseguissem deixar<br />

em nosso estandarte a mais leve mácula neste ponto.<br />

Defendemos em toda a linha o espírito de seleção, de formação<br />

interior, de mortificação e de ruptura com as ignomínias<br />

do século. .... Ninguém se ergueu em nenhuma<br />

parte do mundo contra a Igreja de Deus, que o LEGIO-<br />

NÁRIO, dentro do âmbito evidentemente limitado de<br />

suas possibilidades, não protestasse. Ao mesmo tempo,<br />

nunca perdemos de vista a obrigação de alimentar de todos<br />

os modos a devoção a Nossa Senhora, e ao Santíssimo<br />

Sacramento. Não houve uma só iniciativa católica genuína<br />

que não tivesse todo o nosso entusiástico apoio. Nunca a<br />

estas portas bateu quem tivesse em mira apenas a maior<br />

glória de Deus, sem encontrar colunas amigas e acolhedoras.<br />

Há nesta vida um bom combate a combater. Estamos<br />

extenuados, sangramos por todos os membros. oi neste<br />

combate que nos cansamos, que nos ferimos. Em compensação,<br />

não ousamos pedir como prêmio senão o perdão de<br />

tudo quanto inevitavelmente tenha havido de falível e<br />

de humano nesta obra que deveria ser toda para<br />

Deus, só para Deus.<br />

(Extraído do Legionário, nº 616, 28/5/44.<br />

Subtítulos nossos.)<br />

No programa do<br />

“Legionário”, extrema<br />

devoção a Nossa<br />

Senhora, ao Papado<br />

e ao Santíssimo<br />

Sacramento<br />

30


LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

Onde o Arcanjo um<br />

dia pousou...


LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

OTibre, o velho rio Tibre, corre suavemente por<br />

uma das mais pitorescas zonas da Cidade Eterna.<br />

Em suas águas tranqüilas, deixa refletir os<br />

arcos de uma robusta ponte e a silhueta de uma construção<br />

monumental, conferindo particular beleza a esse<br />

cenário romano.<br />

A ponte, de linhas fortes e traçado muito lógico, foi feita<br />

para resistir às vicissitudes e desgastes dos séculos. Nas<br />

margens onde ela toca cresce uma vegetação nascida ao<br />

léu, com um certo espontâneo e desordenado que a tornam<br />

ainda mais atraente. Ao longo de suas balaustradas se erguem,<br />

em intervalos regulares, imagens de santos e de anjos,<br />

diante das quais os fiéis costumam rezar, enquanto se<br />

dirigem para aquele grande edifício que se espelha no<br />

Tibre. Esses peregrinos vão visitar o Castelo Sant’Angelo.<br />

*<br />

Os antigos imperadores romanos, pagãos, tinham o<br />

hábito de preparar monumentos nos quais deveriam ser<br />

enterrados. Por suas características arquitetônicas, esses<br />

mausoléus procuravam imortalizar o César ali sepultado.


Mais que um túmulo, era uma glorificação à memória do<br />

homem que, por tempo maior ou menor, governara os destinos<br />

de Roma e de seus vastos domínios. Um desses perpetuados<br />

foi o imperador Adriano, cujos restos mortais<br />

descansariam para sempre no monumento que ele mandou<br />

construir, próximo às plácidas águas tiberinas.<br />

Na época imperial chamava-se “Mole Adriana”, nome<br />

bastante adequado se considerarmos tratar-se de um edifício<br />

de grandes e sólidas proporções. De diâmetro colossal,<br />

ele impressiona pelo sério, pelo compacto, pelo imenso.<br />

É uma afirmação do poder quantitativo, qualitativo e<br />

ordenativo de Roma, bem como de seu incontestável domínio<br />

sobre extensa parcela do mundo.<br />

Porém, com o passar dos séculos, os ossos desse Adriano<br />

se desfizeram e dele nada sobrou. A história não o celebra,<br />

apenas o registra, porque ainda permaneceu de pé<br />

seu imponente mausoléu. E metida a cidade de Roma nas<br />

contínuas guerrilhas e guerras da Idade Média, esse túmulo<br />

começou a ser utilizado para finalidades diversas,<br />

transformando-se numa importante fortaleza. Seu papel


LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

defensivo pode ser notado até hoje, por quem visita a sede<br />

do Papado e a Basílica de São Pedro. Visto de fora o Palácio<br />

do Vaticano, nota-se em determinado ponto um corredor<br />

todo coberto, construído sobre arcadas que, mais<br />

adiante, atravessam o Tibre e se emendam na antiga Mole<br />

Adriana, agora Castelo Sant’Angelo. De maneira que,<br />

sentindo-se ameaçado, o Sumo Pontífice podia facilmente<br />

escapar por esse corredor e se refugiar entre os robustos<br />

muros do velho monumento. Era a suprema defesa do<br />

Vigário de Cristo.<br />

Cessados os períodos de convulsões e saques a que se<br />

expunha a Cidade Eterna, o Castelo Sant’Angelo passou a<br />

ser outro lugar de descanso e recolhimento, à disposição<br />

do Papa.<br />

E assim, como tantas outras construções de passadas<br />

eras, esse monumento de um imperador pagão foi incorporado<br />

às tradições e aos valores cristãos, tornando-se<br />

mais um símbolo das grandezas da Igreja.<br />

No alto desse gigantesco castelo paira, sobranceira e<br />

protetora, a imagem de São Miguel Arcanjo. Ela é quem<br />

deu o novo nome ao antigo túmulo imperial.<br />

Narram as crônicas que, durante a Idade Média, devastadora<br />

epidemia se alastrou por Roma, ceifando incontáveis<br />

vidas.<br />

Compadecido e angustiado diante de tanta calamidade,<br />

o Soberano Pontífice ordenou que se fizessem procissões<br />

em toda a cidade, a fim de se alcançar dos Céus o fim daquele<br />

inclemente flagelo.<br />

E suas preces foram atendidas. Pouco depois, como<br />

sinal da misericórdia divina, viu-se o gladífero Arcanjo<br />

pairar sobre a Mole Adriana, numa atitude de quem conjurava<br />

a peste.<br />

Roma voltou à vida. E, desde então, a glória de um imperador<br />

em pó transformou-se em escabelo para o Príncipe<br />

da Milícia Celeste...<br />

v<br />

34


A glória de um imperador<br />

em pó é hoje escabelo<br />

para o Príncipe da Milícia Celeste...<br />

35


Salve, luz pura!<br />

Nossa Senhora é Aquela que gerou a luz do mundo: Jesus<br />

Cristo, Senhor nosso. Ela é o foco dessa luz que as trevas não<br />

conseguiram envolver e impedir que fosse vista pelos homens.<br />

Ela é o canal por meio do qual a luz do Salvador chega até nós.<br />

E Maria tanto resplandece da luz de seu Divino ilho que dir-se-ia ser<br />

Ela a mesma luz. Por isso podemos cantar com a Igreja: Salve radix,<br />

salve porta, ex qua mundo lux est orta — “Salve, ó raiz, ó porta,<br />

pela qual jorrou a luz ao mundo” (da antífona Ave Regina Caelorum).<br />

Devemos pedir à Santíssima Virgem que encha nossas almas dessa luz<br />

que fende as trevas e chega até os homens, libertando-os do erro, do vício,<br />

do crime e do mal.

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