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Noite<br />
de Luz
Quando uma alma tem a sensação de ser amada por Deus,<br />
os piores vagalhões da vida não atingem o seu tabernáculo<br />
interior. Em meio às maiores angústias e agonias, ela<br />
permanece calma e reconfortada, convicta de que não a<br />
abandona a benevolência divina. Essa segurança é parecida<br />
com a do rochedo batido pelo mar. Em vagas sucessivas e<br />
furiosas, as ondas se arrebentam de encontro a ele. O rochedo<br />
não se move. E quando o mar se retira, ele está ali, intacto,<br />
sabendo que foi inútil o furor de todos os vagalhões...<br />
Cabo da Boa Esperança,<br />
África do Sul
Sumário<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
venera a imagem<br />
do Divino Infante,<br />
após uma celebração<br />
natalina<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
Diretor:<br />
Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />
Jornalista Responsável:<br />
Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues erreira<br />
Marcos Ribeiro Dantas<br />
Edwaldo Marques<br />
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Redação e Administração:<br />
Rua Diogo de Brito, 41 salas 1 e 2<br />
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otolitos: Diarte – Tel: (11) 5571-9793<br />
Impressão e acabamento:<br />
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26<br />
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36<br />
EDITORIAL<br />
A salvação virá da Igreja<br />
DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />
Paraninfo<br />
ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />
O Papa, Vigário de Cristo<br />
A maior força moral do mundo<br />
DONA LUCILIA<br />
Lembranças e riquezas de outrora<br />
DENÚNCIA PROÉTICA<br />
Não prevalecerão!<br />
DR. PLINIO COMENTA...<br />
“Senhor, venha a nós o vosso Reino!”<br />
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
A Igreja do Império Romano:<br />
o elogio da Europa<br />
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
Dezessete anos<br />
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Onde o Arcanjo um dia pousou...<br />
ÚLTIMA PÁGINA<br />
Salve, luz pura!<br />
3
Editorial<br />
A salvação virá da Igreja<br />
Enquanto os Anjos de nossos piedosos presépios<br />
ostentam dísticos nos quais se lê: “Glória<br />
a Deus nos Céus, e paz na terra aos homens<br />
de boa vontade”, a imprensa diária está cheia de<br />
notícias terríveis que destoam tristemente da promessa<br />
angélica.<br />
Estes dizeres, com os quais <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> iniciava seu<br />
artigo para o Legionário de 27 de dezembro de 1936,<br />
aplicam-se de modo impressionante — e com maior<br />
razão — a nossos dias.<br />
Por toda a parte só encontramos ódio, rancor, perseguição.<br />
Exagero? Será que hoje, 64 anos após <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
se ter expresso assim, o mundo está melhor? Estarão<br />
a caridade, o amor fraterno, a bondade, governando<br />
as relações humanas nos presentes dias? Só alguém<br />
alheio ao que se passa por toda a parte, alheio até<br />
mesmo ao perigo que ronda sua própria casa, poderia<br />
afirmá-lo.<br />
Apesar de tudo, a hora não é de perder a esperança:<br />
Cumpre que não desanimemos. Não seríamos dignos<br />
da graça inestimável do Batismo que recebemos, se permitíssemos<br />
que o pânico se apoderasse de nós. Nem na<br />
ordem natural, nem na ordem sobrenatural, há motivos<br />
que justifiquem a inércia e o pessimismo.<br />
Seguindo o conselho de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, devemos erguer<br />
a vista para os Céus, colocando-nos inteiramente nas<br />
mãos do Pai. E então, como há dois milênios, uma luz<br />
brilhará para nós no meio da noite, esplendorosa,<br />
atraente, confortadora, espargida por um Menino<br />
que uma Virgem deu ao mundo.<br />
Mas, dirá alguém, Cristo é um Salvador ausente.<br />
Eternamente mudo, atrás da cortina de nuvens que o es-<br />
condem no Céu. Ele não se mostra à humanidade aflita.<br />
E esta, então, corre à busca de outros pastores.<br />
A esta objeção, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> responde:<br />
É horrível dizê-lo, mas há entre católicos quem fale<br />
assim. Há ainda quem não ouse falar, mas pense assim.<br />
E há quem não ouse pensar, mas sinta assim! Daí o existirem<br />
católicos que têm mais esperança na ação [humana]<br />
do que na ação de Cristo.<br />
Ah! São esses os corações que recebem a visita eucarística<br />
do Cristo, mas não recebem o seu Espírito: “In<br />
propria venit, et sui eum non receperunt” [Veio para os<br />
seus, e eles não O receberam]. Ah! São esses os corações<br />
que ouvem a palavra de Cristo, vinda do Vaticano,<br />
e não conhecem na voz do Papa o timbre da voz<br />
de Deus. A palavra do Papa ecoa no mundo, e o mundo<br />
não a conhece: “Lux in tenebris lucet, et tenebrae eam<br />
non comprehenderunt” [A luz brilhou nas trevas, e as<br />
trevas não a compreenderam].<br />
Cristo, para o bom católico, não está ausente. Na<br />
Eucaristia, Ele está tão realmente quanto esteve na<br />
Judéia. E do Vaticano fala tão verdadeiramente quanto<br />
falou ao Povo de Israel. A Igreja é tão seguramente guiada<br />
por Cristo em 1936 quanto o eram os Apóstolos,<br />
antes da Ascensão. O que Cristo quer fazer, fá-lo por<br />
meio da Igreja. O que Cristo quer dizer, di-lo por meio<br />
do Papa. Logo, a Igreja, em certo sentido, é onipotente e<br />
onisciente, porque é instrumento da onipotência e porta-voz<br />
da onisciência de Deus.<br />
Se Cristo é o Salvador único, a Salvação virá da Igreja.<br />
Trabalhar, lutar, sofrer, rezar, imolar-se ou sacrificarse<br />
alegremente pela Igreja, deve ser o fruto desta meditação<br />
de Natal. ...<br />
Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens<br />
de boa vontade.<br />
DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625<br />
e de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras<br />
ou na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista.Em nossa intenção, os títulos elogiosos não<br />
têm outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />
Paraninfo<br />
Em meio a seus inúmeros afazeres, obrigações<br />
de sua vida profissional, de suas<br />
atividades apostólicas e de sua condição<br />
de líder do Movimento Católico, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ainda<br />
precisava estar atento a convites para atividades<br />
extras que lhe abarrotavam a agenda. Era o que<br />
acontecia todo mês de dezembro, quando turmas<br />
de formandos de diversas instituições de ensino<br />
queriam tê-lo como paraninfo. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> procurava<br />
atender ao que fosse possível — sendo obrigado<br />
a recusar os pedidos chegados de fora da cidade<br />
de São Paulo. Na capital paulista, certos estabelecimentos<br />
obtiveram sua presença mais de uma<br />
vez, entre os quais o Colégio São Luís, dos jesuítas;<br />
o Colégio Arquidiocesano, dirigido pelos Irmãos<br />
Maristas; o Liceu Coração de Jesus, dos filhos<br />
de São João Bosco; o Colégio Santo Agosti-<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> discursa no Colégio Arquidiocesano de<br />
São Paulo; no alto, quando foi paraninfo da turma de<br />
1951, do Colégio Santa Inês<br />
nho, da Ordem agostiniana; e a aculdade Sedes<br />
Sapientiae, da PUC, onde ele era professor catedrático<br />
de História da Civilização.<br />
Tido pelos jovens estudantes como modelo<br />
de católico ilibado, sincero e desinteressado,<br />
estes queriam ouvi-lo na hora em<br />
que iniciavam uma etapa decisiva de suas<br />
vidas. Com razão podiam esperar dos lábios<br />
daquele varão católico uma palavra de<br />
orientação segura. Hoje, não é raro encontrar<br />
algum daqueles felizes formandos, em<br />
cujo coração fincou raízes um dos conselhos<br />
recebidos de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> naquela<br />
ocasião.<br />
“Não vos direi as gentilezas convencionais<br />
ou as promessas falaciosas que já se<br />
tornaram de estilo em circunstâncias como<br />
esta”, disse ele a uma das turmas. E, para<br />
cada nova geração de apadrinhados, tinha<br />
ele uma palavra particular, procurando tocar<br />
as melhores fibras de suas almas.<br />
Como exemplo, citemos o Colégio Santa<br />
Inês, escola normal dirigida por freiras,<br />
que teve diversas turmas de professorandas<br />
paraninfadas por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>. Em 10 de dezembro<br />
de 1951, segundo as anotações de<br />
uma das mestras presentes, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, “ao<br />
traçar para suas afilhadas um magnífico<br />
programa de bem e de educação, para governarem<br />
seu trabalho e obterem os melhores<br />
frutos no campo do magistério”, surpreendeu-as,<br />
ao lhes descortinar toda a grandeza<br />
e sublimidade do caminho que encetavam,<br />
mostrando-lhes que “o magistério constitui<br />
uma missão quase sacerdotal, divina”.<br />
5
ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />
O PAPA,<br />
VIGÁRIO DE CRISTO<br />
A MAIOR ORÇA MORAL<br />
DO MUNDO
Um poeta latino escreveu<br />
este verso tremendo: Tu<br />
regere imperio populos,<br />
Romane, memento! “Lembra-te, ó Roma,<br />
que tua missão é governar, pela<br />
força, os povos”.<br />
Nós, que viemos ao mundo dois mil<br />
anos depois, bem sabemos como faliu<br />
essa apóstrofe de Virgílio. A Roma<br />
das grandes conquistas e das grandes<br />
usurpações, a Roma da força bruta,<br />
cujo carro do triunfo trilhou tantas<br />
vezes sobre a dignidade dos povos<br />
subjugados e sobre o solo de países<br />
vencidos, esfacelou-se e sepultou-se<br />
nas próprias ruínas. Mas uma outra<br />
Roma surgiu sobre as cinzas da primeira.<br />
Uma Roma nova que triunfa,<br />
que conquista, não pela espada ou pela<br />
força, mas pelo coração e pelo amor.<br />
Se Virgílio conhecesse as maravilhas<br />
do amor, certamente seus versos seriam<br />
uma profecia sublime: Tu regere<br />
amore populos, Romane, memento!<br />
Lembra-te, ó Roma, que vencerás o<br />
mundo pelo amor!<br />
E esse grande amor, esse grande<br />
coração, centro e força da Roma nova,<br />
é o Papa, o Vigário de Cristo. Pedro,<br />
primeiro Pontífice, ao receber do<br />
Mestre as chaves do reino do Céu, recebia<br />
antes seu coração divino. Possuindo<br />
o coração de Cristo, capaz de<br />
amar a humanidade inteira, Pedro pôde<br />
ser Cristo na terra. Clemente XIII,<br />
na constituição “Inexhaustum” tem<br />
esta expressão singular: “Pedro é o<br />
sucessor de Cristo. Mas Pedro não<br />
poderia ser o sucessor de Cristo se<br />
não possuísse o coração de Cristo”.<br />
Eis o mistério augusto que faz do Pontífice<br />
Romano o Pai universal dos povos,<br />
o próvido distribuidor do pão da<br />
verdade, o guia seguro nos caminhos<br />
tortuosos da paz e da justiça. Há vinte<br />
séculos a humanidade o reconhece<br />
como tal. Malgrado as lutas, as perseguições,<br />
as aberrações de todos os tempos<br />
— indivíduos e povos, grandes e<br />
pequenos, nos momentos de dor e de<br />
infortúnio, voltam-se para Roma, apelando<br />
para Aquele que, sem distinção<br />
de casta ou de raça, a todos ouve, a<br />
todos acolhe, a todos consola e abençoa.<br />
A força moral do Pontífice é a mesma<br />
de sempre, de hoje, de ontem, de<br />
todos os períodos da sua história. Ele<br />
é o ponto de atração de todas as inteligências<br />
e de todos os corações.<br />
Sua majestade, sublime e excelsa entre<br />
todas, supera o humano,<br />
atinge o divino. Rei de um<br />
pequenino Estado, assenta-se<br />
sobre um trono<br />
que é a garantia de<br />
Sobre as ruínas da primeira Roma ergueu-se outra,<br />
triunfante, cujo coração é o Vigário de Cristo
ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />
“Quem passa...?”<br />
todos os tronos, porque é o guardião<br />
infalível da moral que defende a ordem<br />
mais que os aparatos da força e a<br />
bravura dos exércitos. Quem quisesse<br />
conhecer, em sua realidade, o poder<br />
moral do Pontífice, não deveria fazer<br />
mais que colocar-se, um dia só, nos<br />
primeiros degraus da escadaria que<br />
leva ao Vaticano<br />
— Quem passa? interrogaria, maravilhado,<br />
a todo instante. — É um rico<br />
senhor, filho de além-mar. Viajou<br />
pelo mundo inteiro; visitou todas as<br />
maravilhas da terra. Reservou para o<br />
fim a maior de todas: antes de voltar<br />
para as ilhas da sua Bretanha ou para<br />
as capitais da sua América, quer ver o<br />
Papa de Roma<br />
— Quem passa? — É uma irmã de<br />
caridade, com o seu cândido véu esvoaçando<br />
ao vento. Deixou um orfanato,<br />
um asilo, uma escola no interior<br />
mais deserto da Índia: vem beijar<br />
os pés do Santo Padre, para voltar, feliz,<br />
entre os seus órfãos e consagrarlhes<br />
a vida inteira.<br />
— Quem passa? — É um venerando<br />
prelado de cabelos brancos, cheio<br />
de anos, alquebrado de fadigas. Vem<br />
do Canadá, das Montanhas Rochosas,<br />
ou dos imensos pampas da<br />
América meridional. Vem ver o Santo<br />
Padre, implorar sua bênção.<br />
— Quem passa? — É o embaixador<br />
do mais poderoso soberano do<br />
mundo. É protestante, mas não se<br />
desdoura em homenagear o Septuagenário,<br />
que não é rei senão de um<br />
minúsculo Estado, mas que é o Pai<br />
universal de todos os povos.<br />
— Quem passa? — É um missionário<br />
do Japão, um religioso da Espanha,<br />
um missionário da África.<br />
Vem para referir ao Vigário de Cristo<br />
o êxito dos seus esforços, o fruto das<br />
suas fadigas apostólicas.<br />
— Quem passa, com todo esse<br />
aparato, com todo esse cortejo? — É<br />
um príncipe cristão, descendente augusto<br />
dos antigos guerreiros que rechaçaram<br />
os bárbaros, que fizeram as<br />
cruzadas. Guardando nas veias o sangue,<br />
e no coração os sentimentos dos<br />
seus avós, não se peja de vir colocar<br />
aos pés do Doce Cristo na terra, o tributo<br />
do seu afeto, as homenagens dos<br />
seus súditos.<br />
— Quem passa? É um peregrino<br />
da Polônia, é um monge da Armênia<br />
ou da Síria, é um homem de letras, é<br />
uma humilde filha do povo, é um livrepensador,<br />
é um capitão de armada.<br />
Todos sobem ansiosos aquelas escadas.<br />
Percorrem impacientes as salas<br />
do Vaticano, para ver o ancião vestido<br />
de branco, beijar-lhe as mãos e os<br />
pés, ouvir-lhe a voz, receber-lhe a<br />
bênção. E depois, descem radiantes<br />
de alegria, voltam bem-aventurados<br />
para as suas terras, para as suas casas,<br />
para os seus afazeres, e jamais se esquecerão<br />
desse dia tão afortunado.<br />
É essa a história de todos os dias,<br />
de todas as semanas, de todos os meses,<br />
de todos os anos. Essa é a história<br />
de todos os séculos. Tal é a força misteriosa,<br />
centro da Roma nova, que,<br />
partindo do Vaticano, irradia-se pelo<br />
mundo, toca os corações, tudo penetra,<br />
tudo move. E quando uma alma<br />
aflita ou dedicada não tiver a ventura<br />
de chegar-se ao Santo Padre para fazer<br />
sua queixa ou protestar o seu<br />
amor, ei-la mesmo de longínquas paragens,<br />
lançando um olhar e um grito<br />
para os lados onde se ergue, farol de<br />
Justiça, a Cúpula de São Pedro. [...]<br />
Não parece que estamos a ouvir,<br />
novamente, as narrações sublimes<br />
dos atos dos primeiros mártires que<br />
se entregavam aos suplícios, cantando<br />
hinos e enviando uma saudação afetuosa<br />
ao Pontífice de Roma?!<br />
Eis a força moral do Pontífice. A<br />
mesma de ontem, a mesma de hoje, a<br />
mesma no passado, a mesma no futuro,<br />
a única capaz de salvar o mundo.<br />
Bem poderíamos corrigir os versos<br />
de Virgílio, dizendo: Tu regere amore<br />
populos, Romane, memento.<br />
(Transcrito do “Legionário”,<br />
de 15/3/42)<br />
8
DONA LUCILIA<br />
A rica serenidade de outrora, presente<br />
numa cena no Jardim da Luz, em São Paulo<br />
Lembranças e riquezas de outrora<br />
Já vimos em outros artigos como<br />
Dª Lucilia usava seu esplêndido<br />
dom de narradora<br />
para, por meio de histórias dos antepassados,<br />
educar seus filhos no desejo<br />
de imitar os bons valores familiares.<br />
Entre seus temas prediletos estavam<br />
certos episódios ocorridos no Brasil<br />
imperial, que lhe traziam saudosas<br />
recordações. Um exemplo.<br />
O avô de Dª Lucilia<br />
ensina a Imperatriz a<br />
dançar<br />
Dª Teresa Cristina, sempre boa esposa<br />
e mãe exemplar, atraiu as afetuosas<br />
atenções de Dª Lucilia por<br />
causa de um infortúnio que a acompanhara<br />
desde os seus primeiros dias.<br />
Com tocante bondade, contava<br />
Dª Lucilia que o Barão de Cairu fora<br />
enviado por D. Pedro II à Europa, a<br />
fim de lhe escolher uma esposa. O<br />
Imperador, como é natural, desejava<br />
que entre outros predicados da futura<br />
Imperatriz estivesse a beleza. O barão<br />
entrou em contato com representantes<br />
de várias cortes européias, à<br />
procura de uma princesa ideal, e co-<br />
9
DONA LUCILIA<br />
mo não havia ainda chegado a era da<br />
fotografia, mandava ao Imperador<br />
medalhões em esmalte, reproduzindo<br />
as fisionomias das pretendentes, para<br />
que o soberano escolhesse a noiva.<br />
Quando chegou às mãos do Imperador<br />
o retrato da Princesa Teresa<br />
Cristina, filha do Rei das Duas Sicílias,<br />
sua formosura o encantou desde<br />
logo, e ele decidiu casar-se com<br />
ela. O matrimônio realizou-se por<br />
procuração e o irmão da noiva, o<br />
Príncipe Leopoldo de Bourbon Parma,<br />
conde de Siracusa, representou o<br />
augusto consorte na cerimônia. Pouco<br />
depois a princesa embarcou para o<br />
Brasil.<br />
Logo que o navio aportou no Rio<br />
de Janeiro, D. Pedro II, acompanhado<br />
da corte, foi a bordo receber, com<br />
toda a pompa, a esposa. Ao vê-la de<br />
longe caminhando em direção a ele, o<br />
monarca notou desde logo que ela<br />
mancava, e ao lograr discernir-lhe os<br />
traços do rosto, perdeu a fala. Em nada<br />
se parecia com a fisionomia do<br />
medalhão!<br />
Pelo protocolo, uma vez chegada<br />
diante dele, ela devia fazer uma reverência,<br />
a ponto de quase se ajoelhar.<br />
E, por sua vez, ele deveria segurá-la e<br />
beijar-lhe a mão. D. Pedro II, de tão<br />
aturdido, deixou que Dª Teresa Cristina<br />
tocasse com o joelho no chão...<br />
Naqueles bons tempos de honra e<br />
de compromisso sério, um matrimônio<br />
realizado, ainda que simplesmente<br />
por procuração, não mais era desfeito.<br />
Principalmente se os consortes<br />
fossem de Casas Reais. Assim, D. Pedro<br />
II se conformou com o irremediável<br />
drama que se estabelecera na vida<br />
de ambos. Por seu lado, quanto a Imperatriz<br />
desejaria que seu esposo jamais<br />
houvera tido aquela desilusão!<br />
O sofrimento de Dª Teresa Cristina<br />
crescia de intensidade por ocasião das<br />
festas na Corte, pois, devido a seu defeito<br />
físico, julgava que lhe era impossível<br />
dançar, não podendo portanto<br />
ser a alma daquelas solenidades sociais.<br />
Numa noite de baile no Palácio Imperial,<br />
<strong>Dr</strong>. Gabriel — avô de Dª Lucilia<br />
— então deputado por São Paulo,<br />
Em razão de<br />
seu defeito físico,<br />
a Imperatriz<br />
Teresa Cristina<br />
costumava se<br />
isolar durante os<br />
bailes na Corte...<br />
ao percorrer aquelas belas e luxuosas<br />
dependências, encontrou Dª Teresa<br />
Cristina sozinha, meio tristonha, sentada<br />
no sofá de uma pequena sala, enquanto<br />
no salão vizinho todos participavam<br />
alegremente da dança, ao som<br />
de melodiosa orquestra.<br />
Ao vê-la ali isolada, dela teve pena.<br />
Aproximou-se, fez uma reverência,<br />
ela lhe deu a mão a beijar e o convidou<br />
a sentar-se numa cadeira ao lado.<br />
Com o incomparável dom da conversa<br />
que possuíam os Ribeiro dos Santos,<br />
em pouco tempo <strong>Dr</strong>. Gabriel proporcionou<br />
à Imperatriz a oportunidade<br />
de pensar noutros temas que não<br />
seus aborrecimentos. Em determinado<br />
momento, ele, que já observara como<br />
a soberana caminhava, surpreendeu-a<br />
com uma sugestão:<br />
— Se Vossa Majestade me der licença,<br />
posso tentar ensinar-lhe um<br />
modo de dançar...<br />
Dª Teresa Cristina, a princípio, não<br />
quis acreditar que fosse possível isso,<br />
mas <strong>Dr</strong>. Gabriel insistiu com muito<br />
respeito e lhe propôs fazer, naquela<br />
sala, uma experiência. A Imperatriz<br />
aceitou e ensaiou uns passos de dança.<br />
Ele ia explicando como apoiar<br />
com certo jeito o pé no chão, a fim de<br />
contornar a dificuldade, e ela rapidamente<br />
aprendeu como devia proceder.<br />
Ao perceber que já estava bem<br />
segura, Dª Teresa Cristina sugeriu a<br />
<strong>Dr</strong>. Gabriel entrarem no salão e dançarem<br />
na presença de toda a corte.<br />
Qual não foi a agradável surpresa dos<br />
presentes ao verem a Imperatriz, com<br />
toda a normalidade, constituir com<br />
10
<strong>Dr</strong>. Gabriel o par por excelência daquela<br />
noite de gala!<br />
Dª Lucilia, que já era mocinha<br />
quando se passaram semelhantes acontecimentos,<br />
sabia ilustrar a história da<br />
amília Imperial através de pequenos<br />
fatos, como o narrado a seguir.<br />
A almofadinha de<br />
alfinetes da Imperatriz<br />
Certo dia Dª Lucilia esteve na residência<br />
de uma senhora que possuía,<br />
como era costume nas boas casas de<br />
outrora, em certo salão da casa uma<br />
vitrine com bibelots. Depois de os ter<br />
elogiado, a visitante comentou:<br />
— Perdoe-me a pergunta, mas por<br />
que razão se encontra em meio a objetos<br />
tão bonitos essa almofadazinha<br />
tão comum?<br />
A dona da casa respondeu tratar-se<br />
de uma recordação recebida da viúva<br />
de um ex-Presidente da República,<br />
senhora que, estando para falecer, lha<br />
entregou revelando sua procedência.<br />
Quando foi proclamada a República,<br />
após a ocupação do Palácio Imperial<br />
por tropas republicanas, as esposas<br />
dos chefes vitoriosos tiveram curiosidade<br />
de conhecê-lo por dentro.<br />
oi-lhes fácil obter autorização do governo<br />
provisório para a visita.<br />
Ao entrarem, o Palácio jazia completamente<br />
deserto. Percorreram um<br />
a um os vários salões, a Sala do Trono,<br />
os apartamentos. À medida que caminhavam,<br />
iam sentindo uma espécie de<br />
aperto na garganta, uma crescente<br />
emoção as envolvia. Por fim, chegaram<br />
ao quarto dos soberanos. Estava<br />
tudo como se há pouco tivessem saído.<br />
Via-se que o abandonaram às pressas,<br />
deixando em cima das cadeiras algumas<br />
roupas de que não mais necessitariam,<br />
além de vários objetos esparsos.<br />
Esse quadro causava a sensação<br />
de haverem eles recém passado<br />
por ali.<br />
As senhoras se impressionaram<br />
profundamente. Uma delas viu, em<br />
cima da mesa de toilette da Imperatriz,<br />
singelo objeto: uma almofadinha<br />
de seda, preenchida com ervas, que<br />
servia para as senhoras fixarem alfinetes.<br />
Notando que aquilo não tinha<br />
nenhum valor econômico e querendo<br />
a todo custo levar uma recordação da<br />
Residência Imperial, aproveitou-se<br />
de um momento em que as amigas<br />
não estavam prestando atenção, pegou<br />
a pequenina almofada e a guardou<br />
em sua bolsa. Durante décadas<br />
não revelaria a ninguém esse gesto.<br />
Quando sentiu a morte se aproximar,<br />
ao receber a visita de uma amiga,<br />
entregou-lhe aquele objeto, certa<br />
de que ela também lhe daria o devido<br />
apreço.<br />
... até a noite em<br />
que entrou dançando<br />
pelo salão de<br />
festas braços do<br />
<strong>Dr</strong>. Gabriel, tio-avô<br />
de Dª Lucilia<br />
Riquezas da<br />
tranqüilidade de outrora<br />
atos como esse da vida passada<br />
constituíam com freqüência tema de<br />
conversa para Dª Lucilia e os seus,<br />
numa feliz época em que a inexistência<br />
dos modernos meios de comunicação<br />
deixava que, vagarosamente, o<br />
tempo corresse permitindo melhor se<br />
degustar uma vida tranqüila, confortável<br />
e serena.<br />
As famílias, conservando ainda traços<br />
patriarcais, formavam pequenos<br />
mundos cheios de vitalidade que, de<br />
algum modo, bastavam-se a si pró-<br />
11
DONA LUCILIA<br />
Dª Lucilia compraziase<br />
em evocar fatos de<br />
sua vida passada,<br />
quando as famílias<br />
ainda conservavam<br />
traços patriarcais,<br />
criando em torno dos<br />
respectivos chefes um<br />
ambiente todo feito de<br />
respeito, tranqüilidade<br />
e benquerença, sob a<br />
bênção divina (ao lado,<br />
família e residência<br />
do Conde Álvares<br />
Penteado)<br />
prios. Seus numerosos membros conviviam<br />
muito entre si, pois se viajava<br />
pouco, e a vida familiar girava em geral<br />
em torno da casa do respectivo<br />
“patriarca”. Este, por vezes, chegava<br />
a reunir à sua volta gerações sucessivas<br />
de descendentes; mútuo respeito,<br />
cordialidade e atenção eram as notas<br />
tônicas do relacionamento entre eles.<br />
Nesse ambiente, coberto pela bênção<br />
de Deus, a serenidade fazia uma<br />
das alegrias da vida, a tal ponto que,<br />
ao se despedirem as pessoas, antes de<br />
se recolherem para dormir, não era<br />
raro ouvir-se:<br />
— Deus lhe dê uma noite tranqüila.<br />
Não era diferente a existência no<br />
palacete Ribeiro dos Santos. Por volta<br />
das cinco e meia da tarde os homens<br />
retornavam do trabalho e ficavam no<br />
living da casa, ou então no terraço,<br />
lendo o jornal e conversando distendidamente<br />
sobre tudo e sobre nada,<br />
enquanto desfrutavam a fresca brisa<br />
do entardecer.<br />
<strong>Dr</strong>. João Paulo, esposo de Dª Lucilia,<br />
junto com um cunhado ou algum<br />
irmão de sua sogra, saíam a passear a<br />
pé, após a refeição, enquanto as senhoras<br />
iam fazer tricot. Ao voltarem<br />
os homens, ficavam todos ainda longo<br />
tempo em conversa na sala, até que o<br />
relógio fazia soar lentamente dez badaladas,<br />
lembrando que o serão caminhava<br />
para seu fim.<br />
Que monotonia! será alguém levado<br />
a pensar, e talvez com certa razão.<br />
Porém, era essa mesma calma que proporcionava<br />
ao espírito humano condições<br />
para a reflexão, para o operar<br />
do pensamento, do qual brotariam as<br />
grandes realizações. Um dos frutos<br />
dessa tranqüilidade foi sendo destilado<br />
ao longo dos séculos, e resultou<br />
em precioso licor, que os homens civilizados<br />
degustavam agradados, e cujo<br />
segredo o infeliz habitante da babel<br />
contemporânea perdeu de todo: a<br />
arte de conversar.<br />
Nesta habilidade também se distinguiu<br />
Dª Lucilia, que a herdou de seus<br />
maiores e a soube cultivar de um modo<br />
tal que, ainda na extrema ancianidade,<br />
sabia como ninguém cativar<br />
seus enlevados ouvintes...<br />
(Transcrito e adaptado da obra<br />
“Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)<br />
12
DENÚNCIA PROÉTICA<br />
Não prevalecerão!<br />
Havia se formado o costume de, por ocasião de cada Natal, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> enviar<br />
uma saudação especial às muitas pessoas que, em todo o mundo, colocavamse<br />
como seus discípulos, amigos ou admiradores. A mensagem era sempre<br />
piedosa, animadora e de candente atualidade, como esta, de 1990.<br />
Estamos no mês de dezembro, e os nossos olhares<br />
já vão se voltando, ao mesmo tempo encantados<br />
e esperançosos, para as festas de Natal que se<br />
aproximam.<br />
Quanto é natural que para essas festas se voltem os<br />
nossos olhares, se nós tomarmos em consideração todas as<br />
aflições em meio às quais o Brasil e o mundo contemporâneo<br />
percorreram este penoso e fatigante ano de 1990, e<br />
em que, afinal de contas, encontra uma perspectiva de<br />
paz, de alegria e de força de alma nas comemorações natalinas<br />
que se avizinham.<br />
É um condão próprio às celebrações de Natal. esta<br />
que, ao mesmo tempo, confere às almas uma tranqüilidade<br />
e uma paz sem ilusões nem fraquezas, e uma força sem<br />
orgulho, sem prepotência, mas capaz de defender-se a si<br />
mesma e a grande causa da Igreja e da Civilização Cristã.<br />
A festa de Natal nos leva ao espírito o espetáculo pacificante<br />
entre todos do Divino Menino Jesus reclinado na<br />
13
DENÚNCIA PROÉTICA<br />
manjedoura de Belém, na gruta que desde pequenos<br />
aprendemos a imaginar como seria, e como ali se deu o<br />
episódio maravilhoso do Nascimento do Divino Infante.<br />
Leva-nos a pensar em Maria, Virgem antes do parto, durante<br />
o parto e depois do parto. Em seguida, traz à nossa<br />
lembrança a adoração de Nossa Senhora, de São José, e a<br />
dos Anjos do Céu que, em quantidade incontável, para lá<br />
olhavam e para lá dirigiam seus hinos de glória a Deus<br />
Nosso Senhor, ao Menino recém-nascido em Belém, à sua<br />
Mãe Celestial e ao seu pai jurídico, São José.<br />
Ao mesmo tempo, nos arredores da cidade de David,<br />
numa noite estrelada e fria, acordavam os pastores, e estes<br />
viam no firmamento rasgado, no qual o próprio paraíso<br />
celeste aparecia, os Anjos que cantavam: “Glória a Deus<br />
no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens de boa<br />
vontade!”<br />
Esta era a promessa feita aos homens na noite de Natal.<br />
Devemos esperar que esta promessa se volte de um modo<br />
especial para os pobres homens do século XX. Deste<br />
século que vai caminhando para o seu fim em meio a tantos<br />
tropeços, a tantos castigos — e quão merecidos castigos!<br />
— e a tantas decepções, mas deste século XX para o<br />
qual se volta também a misericórdia do Menino recémnascido,<br />
as preces em favor dele que se erguem da parte<br />
de Nossa Senhora, Medianeira de todas as graças, Intercessora<br />
gloriosamente onipotente, que obtém de Deus tudo<br />
quanto pede, e de São José, Patrono da Santa Igreja<br />
Católica Apostólica Romana.<br />
Nesse momento, então, nós nos voltamos para Nossa<br />
Senhora e seu castíssimo esposo, pedindo que<br />
apresentem ao Divino Menino Jesus, desde logo,<br />
a perspectiva das nossas orações na noite<br />
de Natal, rogando a Eles, antes de tudo, pelo<br />
bem da Santa Igreja Católica. Em segundo<br />
lugar, pelo bem da Cristandade, outrora a<br />
gloriosa família das nações que tinham é<br />
e unanimemente criam na verdadeira Igreja, constituindo<br />
um só rebanho sob o cajado de um só pastor, que é o Santo<br />
Padre, o Papa, e que hoje se encontram divididas por dilacerações<br />
religiosas, filosóficas, políticas, sociais, econômicas<br />
e culturais de toda espécie.<br />
Nós nos voltamos para Eles, apresentando as nossas<br />
famílias, que também elas sofrem o contragolpe de todas<br />
essas penosas circunstâncias, pensando de um modo especial<br />
nos seus jovens expostos a tantos riscos de perdição,<br />
mas também procurados tão eficazmente pela graça de<br />
Deus, convidando-os a lutar pela Civilização Cristã até o<br />
último extremo de sua capacidade de agir.<br />
Considerando tudo isso, pedimos a São José e a Nossa<br />
Senhora que rezem para que tudo quanto ainda há de bom<br />
no mundo contemporâneo e em nosso Brasil, na nossa<br />
querida Terra de Santa Cruz, se consolide, se robusteça e<br />
se torne capaz de heróicas resistências aos germes de decomposição<br />
que trabalham hoje.<br />
E que, ao mesmo tempo, a Providência Divina intervenha<br />
para destroçar as conjurações, os ardis e os embustes<br />
daqueles que se articulam para acabar de destruir o que<br />
resta da Civilização Cristã, e que chegariam a destruir a<br />
Santa Igreja Católica Apostólica Romana, se destrutível<br />
fosse aquela Igreja de quem Nosso Senhor disse a São Pedro:<br />
“Pedro, tu és pedra, e sobre essa pedra edificarei a<br />
minha Igreja. E as portas do inferno não prevalecerão<br />
contra ela!”<br />
É inútil! As portas do inferno não prevalecerão contra a<br />
Igreja de Cristo! Pelo contrário, haverá um momento em<br />
que elas se quebrarão, se desfarão em pedaços, e a Igreja<br />
de Cristo continuará mais altaneira que nunca a sua peregrinação<br />
pela história, até o dia glorioso em que Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo baixará com os Anjos do Céu e com as<br />
almas dos justos para julgar os vivos e os mortos.<br />
É nesse sentimento de Natal que eu encerro essas<br />
palavras.<br />
v
DR. PLINIO COMENTA...<br />
“Senhor, venha<br />
a nós o vosso Reino!”
DR. PLINIO COMENTA...<br />
Se, em todas as épocas da história cristã a data<br />
do Natal abre uma clareira alegre e tranqüila<br />
no curso normal e laborioso da vida de todos<br />
os dias, em nossa época a trégua natalícia assume<br />
um significado especial, porque vale por um grande<br />
e universal “sursum corda” clamado a uma humanidade<br />
tumultuosa e sofredora, que vai imergindo<br />
aceleradamente no caos da mais completa dissolução<br />
moral e social.<br />
Nossa época é um vale sombrio entre duas culminâncias:<br />
a civilização do passado, da qual decaímos<br />
através de sucessivas catástrofes que começaram<br />
com a pseudo-Reforma, e culminaram com os<br />
totalitarismos da direita e da esquerda; e a civilização<br />
do futuro, para a qual caminhamos através de<br />
lutas e de dissabores que enchem, a cada momento,<br />
de cruzes o nosso caminho.<br />
Por isso mesmo, porque vivemos nos últimos minutos<br />
de um mundo que expira, e já vemos os sinais<br />
precursores de um outro mundo que nasce, a lição<br />
do Natal tem para nós um significado profundo, que<br />
devemos meditar no dia de hoje.<br />
Ruína do mundo antigo e a promessa<br />
de um Salvador<br />
[Antes de tudo, tratemos brevemente] das aspirações<br />
que a humanidade pré-cristã nutria a respeito<br />
da vinda de um Salvador. O povo eleito esperava a<br />
salvação por meio de um Messias, nascido do tronco<br />
de David, conforme a autêntica e insofismável promessa<br />
de Deus. Todos os outros povos da terra, não<br />
tendo embora recebido as mensagens divinas por<br />
meio dos profetas, conservavam uma reminiscência<br />
da promessa de um Salvador, feita por Deus a Adão<br />
e Eva, quando da saída destes do Paraíso. E, por isto<br />
também, eles conservavam, ora mais ora menos deformada,<br />
a esperança tradicional de que um Salvador<br />
haveria de regenerar a humanidade sofredora e<br />
pecadora.<br />
Esta esperança, entretanto, chegou ao seu auge<br />
na época em que Nosso Senhor veio ao mundo. Como<br />
afirmou um historiador famoso, toda a humanidade,<br />
então, se sentia velha e gasta. As fórmulas<br />
políticas e sociais utilizadas já não correspondiam<br />
aos anseios e ao modo de ver dos homens do tempo.<br />
Um imenso desejo de reforma sacudia diversos povos.<br />
A luta de classes fervera, não havia muito tempo,<br />
na Grécia, na Itália, na enícia, em outros países<br />
ainda. A organização política se tornava cada vez<br />
mais opressiva. Roma dilatara por todo o mundo as<br />
fronteiras de seu Império, e a Cidade Eterna era,<br />
naquela época, não a rainha, mas a tirana da hu-<br />
No momento em que expulsou nossos primeiros pais<br />
do Paraíso Terrestre, Deus lhes assegurou a promessa de um<br />
Redentor que, milênios depois, nasceria de uma Virgem<br />
para resgatar a humanidade<br />
16
manidade inteira, que ela sujeitava às mais injustas extorsões<br />
para pagar as orgias dos patrícios romanos.<br />
Em todos os países, o contraste entre a riqueza e a miséria<br />
era patente. De um lado, homens riquíssimos viviam no<br />
fausto e no luxo desordenado. Do outro lado, uma multidão<br />
de sem-trabalho infestava muitos bairros de grandes<br />
cidades de então. inalmente, como negro fundo de quadro,<br />
milhões e milhões de escravos, acorrentados nos porões<br />
das naus, ou atrelados como animais aos carros de<br />
transporte, ou presos indissoluvelmente ao arado, gemiam<br />
sob o guante de uma opressão que parecia não ter mais<br />
fim.<br />
Uma imensa corrupção de costumes se alastrava por todo<br />
o território do Império, e punha em ruína todas as instituições<br />
políticas. Os escândalos se multiplicavam nas fileiras<br />
da mais alta aristocracia e daí se projetavam sobre todas<br />
as camadas da sociedade. Augusto tentava em vão reagir<br />
contra a crescente decadência. Não surtiam efeito suas<br />
leis reacionárias. Era no seio de sua própria família que as<br />
aberrações mais monstruosas se multiplicavam. E todo<br />
mundo sentia que uma crise imensa ameaçava a sociedade<br />
de uma ruína inevitável.<br />
Numa gruta de Belém, a salvação<br />
do mundo<br />
oi neste ambiente, enquanto os homens de Estado e os<br />
moralistas da época discutiam gravemente sobre tantos e<br />
tão insolúveis problemas, que, no estábulo de Belém, no<br />
meio de uma noite profunda, raiou para o mundo a salvação.<br />
É possível que, no momento exato em que o Salvador<br />
nasceu, o orgulhoso imperador romano estivesse em<br />
seu palácio, entregue às mais amargas reflexões que lhe<br />
sugeriam o fracasso de sua política moralizadora. É possível<br />
que, a pouca distância da casa imperial, se prolongasse<br />
pela noite adentro alguma daquelas descabeladas orgias<br />
que eram o tema obrigatório dos potins [mexericos] da<br />
época. Nem uns, nem outros, nem o genial imperador,<br />
nem os sibaritas que punham a perder a sociedade, tinham<br />
idéia do que naquele momento ocorria em Belém.<br />
Entretanto, não era no palácio imperial, nem nas orgias<br />
aristocráticas, nem nos conciliábulos dos conspiradores,<br />
que o destino do mundo se decidia. A sociedade do futuro,<br />
oriunda da solução perfeita e completa dos mais importantes<br />
e vitais problemas da época, nascia em Belém, e<br />
era das mãos virginais de Maria que o mundo recebia<br />
o Messias que haveria de redimi-lo<br />
com seu sangue e reorganizá-lo com seu<br />
Evangelho.<br />
Nossas esperanças<br />
têm de estar na Igreja<br />
e no Papado<br />
Qual a lição primordial que<br />
daí devemos tirar?<br />
É, em primeiro lugar, que,<br />
assim como para a humanidade<br />
do tempo de Augusto a<br />
solução dos mais intricados<br />
problemas sociais e políticos<br />
não foi encontrada a não ser<br />
em Cristo, assim também, em<br />
nosso tempo, é só na Igreja<br />
Católica, o Corpo Místico de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
que devemos concentrar nossas<br />
esperanças.<br />
É possível que, imitando<br />
inconscientemente a vigília de<br />
Augusto na noite de Natal,<br />
muito césar hodierno (que diferença<br />
de envergadura entre<br />
o César autêntico e seus facsímiles<br />
contemporâneos!) tenha<br />
passado a noite de Natal,<br />
indiferente à piedade das<br />
17
DR. PLINIO COMENTA...<br />
massas que oram nas Igrejas, debruçado sobre uma mesa<br />
de trabalho, a excogitar meios para arrancar do atoleiro da<br />
crise contemporânea sua pátria sofredora.<br />
É possível que, nessa mesma noite, as orgias desmandadas<br />
de muito palácio (não mais os palácios da aristocracia<br />
como na Roma antiga, mas os suntuosos dancings modernos,<br />
palácios que o mundo hodierno erige em honra de<br />
sua própria corrupção) façam estrugir o silêncio da noite<br />
com o som das músicas profanas do réveillon.<br />
É possível que muito conspirador esteja tramando a<br />
revolução e a guerra, no silêncio da noite, enquanto o povo<br />
comemora o nascimento do Príncipe da Paz.<br />
Sem embargo de tudo isto, não é dos novos césares,<br />
nem do conspirador de nossos dias e muito menos da sociedade<br />
que se corrompe nos dancings, que nos virá a salvação.<br />
Se somos católicos, devemos esperar a salvação exclusivamente<br />
de quem representa Cristo hoje na terra. É<br />
para [o Papa], e só para ele<br />
neste mundo, que devemos<br />
voltar nossos olhos.<br />
As preces de Maria anteciparam<br />
a Redenção<br />
Mas ainda há outra reflexão da maior utilidade. Todos<br />
os teólogos são acordes em afirmar que, se a salvação<br />
raiou para o mundo na época em que raiou, devemo-lo às<br />
preces onipotentes de Maria, que conseguiu antecipar o<br />
dia do nascimento do Messias. Ninguém pode dizer quantos<br />
anos ou quantos séculos teria ainda demorado a Redenção,<br />
sem as preces de Maria.<br />
Não foi, pois, daqueles que, no tempo de Augusto, se<br />
agitavam nas praças públicas ou nos conciliábulos políticos<br />
para conseguir a reorganização do mundo, que esta reorganização<br />
veio. Ela veio da oração humilde e confiante da<br />
Virgem Maria, inteiramente ignorada por seus contemporâneos,<br />
e vivendo uma vida contemplativa e solitária, no<br />
pequeno recanto, onde a Providência a fez nascer.<br />
Sem, com isto, desmerecer por pouco que seja a vida<br />
ativa, é preciso notar que foi por meio da<br />
oração e da contemplação, que se antecipou<br />
o momento da Redenção. E que os benefícios<br />
que o gênio de Augusto, o tino de todos<br />
os grandes políticos, todos os grandes<br />
generais, financistas e administradores<br />
Não foi do gênio de<br />
Augusto nem das<br />
habilidades dos<br />
grandes de sua<br />
época que veio a salvação<br />
do mundo...
... mas da oração humilde e confiante da Santíssima Virgem<br />
de seu tempo não puderam dar ao mundo, Deus os dispensou<br />
por meio de Maria Santíssima. Quem mais beneficiou<br />
ao mundo não foi quem mais estudou, nem quem mais<br />
agiu, mas quem mais e melhor soube orar.<br />
Que se realize o Reino de Cristo — em nós<br />
e fora de nós<br />
Se o mundo contemporâneo quiser sair do caos em que<br />
se encontra, ele deve, em primeiro lugar, voltar-se para a<br />
Igreja.<br />
É com uma suave e austera lição, que se termina esta<br />
breve meditação de Natal. É sobretudo dos lutadores da<br />
Ação Católica, e das almas eleitas que Deus chamou ao estado<br />
sacerdotal ou ao religioso para viver a vida da ação ou<br />
a vida de oração, que, no plano humano, pode depender<br />
uma antecipação ou um retardamento da restauração do<br />
reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Cônscios da grandeza desta missão, o que nós, os leigos<br />
que militam pela Igreja devemos fazer, é uma prece junto<br />
ao presepe do Senhor Menino.<br />
Domine, adveniat regnum tuum.<br />
“Senhor, venha a nós o vosso Reino”, que nós o realizemos<br />
em nós, para que depois, com vosso auxílio, o realizemos<br />
também em torno de nós.<br />
(Extraído, com adaptações, do “Legionário” nº 328,<br />
25/12/1938. Títulos e subtítulos nossos)<br />
19
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
A IGREJA DO<br />
IMPÉRIO ROMANO<br />
O ELOGIO DA EUROPA
N<br />
a fixação da fisionomia da Igreja, os diversos tipos de raciocínio dos<br />
povos é o título de uma conferência feita por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para jovens, da qual<br />
vimos publicando trechos desde outubro. Após elogiar o estilo de pensamento<br />
dos povos orientais, intuitivo e todo voltado para o sobrenatural e o místico, <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> passa a analisar o raciocínio europeu e sua influência na Igreja dos primeiros<br />
séculos.<br />
aço agora o elogio da Europa.<br />
Nenhum povo antigo — a<br />
não ser primeiro os gregos e<br />
depois os romanos, continuadores da<br />
cultura grega —, se pôs a seguinte<br />
pergunta: “Este conjunto de seres em<br />
meio dos quais eu estou, os outros homens,<br />
as outras nações, a terra, os astros,<br />
etc., o que é tudo isto? Quem fez<br />
isto? Com que finalidade? Qual é o<br />
sentido da vida do homem na Terra?”<br />
Em comparação com o que anteriormente<br />
tratamos, vê-se que são<br />
perguntas de um feitio de espírito diferente<br />
do oriental. Não é “radar”,<br />
nem “antena”. ormular tais perguntas<br />
é ter o espírito grandiosamente<br />
largo, é querer ver claro onde os pagãos<br />
antigos se tinham contentado em<br />
comer, viver e morrer. É o nascimento<br />
de algo mais nobre, é a procura da<br />
finalidade, da razão de ser, da linha,<br />
da trajetória, do dever.<br />
Sobre uma porta de Babilônia, onde<br />
uma rainha se fez sepultar, estavam<br />
escritos esses dizeres: “Transeunte,<br />
na tua vida come, bebe e divertete,<br />
porque depois não há alegria nem<br />
dor”. São palavras desprovidas de<br />
qualquer nobreza. Pelo contrário, como<br />
é nobre o espírito que, podendo<br />
comer, beber e divertir-se, entretanto<br />
pára, pensa e pergunta: “Qual é o<br />
sentido de tudo isto? Aonde vamos?”<br />
Simbiose entre a fé cristã e<br />
as riquezas da cultura<br />
clássica<br />
Ao fazermos a história da filosofia<br />
grega, vemos que essa indagação vai<br />
nascendo como um sol, até ser respondida,<br />
primeiramente por Platão,<br />
depois, de modo mais adequado e<br />
com maior pureza, por Aristóteles.<br />
Este fala de um só Deus, causador e<br />
fim de todas as coisas, e de um sentido<br />
do universo todo para servir a esse<br />
Deus. Daí o dito de São Paulo, segundo<br />
o qual Deus tinha dado aos judeus<br />
a Revelação — Ele havia aparecido<br />
ao povo judaico como a nenhum outro<br />
—, mas aos gregos Ele dera a filosofia,<br />
quer dizer, esse raciocínio, essa<br />
análise tranqüila, essa classificação<br />
e essa conclusão.<br />
Em ambos os estilos, Deus é glorificado,<br />
quer na linha “antena”, quer<br />
na linha da reflexão. Devemos amar<br />
os dois, mesmo porque, se quisermos<br />
corresponder à vocação que o feitio<br />
ibero-americano pede, temos de ser<br />
um resumo compreensivo de todo o<br />
passado para que dele nasça o futuro.<br />
Não podemos fazer exclusões, nem<br />
dar pontapés de desprezo em um ou<br />
em outro. Cumpre apreciarmos no<br />
seu devido valor tudo quanto é bom,<br />
21
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
para daí tirar o néctar de uma admiração<br />
una, e oferecer esse néctar a<br />
Nossa Senhora.<br />
Podemos, pois, imaginar como era<br />
no seu aspecto humano a Igreja do<br />
Império Romano, e qual sua diferença<br />
com a fase anterior.<br />
Se Deus deu aos gregos a filosofia,<br />
deu aos romanos o direito. Este é tão<br />
parecido com os Dez Mandamentos<br />
que as Decretais de Graciano, uma<br />
espécie de compilação da legislação<br />
romana, foram incorporadas como<br />
Direito Canônico pela Igreja Católica<br />
e tinham vigência como lei de todos<br />
os povos cristãos na Idade Média.<br />
A Santa Igreja soube muito bem valer-se<br />
das riquezas da cultura clássica, tomando<br />
como base de seu pensamento e de<br />
suas leis a filosofia grega e o direito romano<br />
(“ilósofo sentado” e detalhe da<br />
“Escola de Atenas”, de Rafael)<br />
Onde não havia, sobre algum ponto,<br />
uma lei particular, o que valia era o<br />
Direito Romano.<br />
De tal maneira a filosofia grega entrava<br />
em simbiose com a fé cristã, os<br />
Dez Mandamentos e a moral católica,<br />
que foi adotada por São Tomás como<br />
base para definir inteiramente o<br />
pensamento católico filosófico princeps.<br />
E o direito elaborado pelos romanos<br />
é o fundamento do direito<br />
das nações católicas. Ambos produziram<br />
isso quando ainda pagãos.<br />
ato que bem precisamos<br />
frisar, para compreendermos<br />
a glória e a<br />
grandeza extraordinária,<br />
ao lado<br />
de mil misérias,<br />
da cultura<br />
clássica.<br />
No arco romano, a<br />
expressão da alma católica<br />
ocidental<br />
Como imaginar, então, o ambiente<br />
das catacumbas, a vibração da alma<br />
humana ali, ou já na Igreja liberta, no<br />
Império Romano do Ocidente?<br />
Tenho a impressão de que o arco<br />
romano exprime perfeitamente os imponderáveis<br />
dessa atmosfera. Pode-se<br />
dizer que os arcos simbolizam uma<br />
civilização quase tão sintomaticamente<br />
quanto os olhos refletem uma alma.<br />
Tome-se o arco ogival, considerese<br />
o arco árabe, evoque-se o arco romano.<br />
Certa vez, numa rua de São<br />
Paulo, deparei com a imitação de um<br />
portal japonês, muito modesta mas<br />
que exprime o espírito nipônico:<br />
aquelas duas pontas levantadas, ver-
melho, simples, ágil, meio desconfiado,<br />
reflexivo...<br />
Os arcos, as portas, as janelas são<br />
os olhos de um estilo. Tomemos o arco<br />
romano: duas colunas que sustentam<br />
aquele semicírculo perfeito e harmônico.<br />
Está ali a lógica da civilização<br />
clássica, sem a presença imediata<br />
do sobrenatural, a pura lógica natural<br />
e terrena, retamente desenvolvida, na<br />
força e na coerência de sua trajetória,<br />
em que o ponto de partida é afim com<br />
o ponto de chegada e estaqueia num<br />
só triunfo.<br />
Imaginemos como eram as almas<br />
daqueles romanos. Estão ali, nas catacumbas,<br />
perseguidos, e começam a raciocinar,<br />
a teologizar, a analisar, e já<br />
vai surgindo um problema que, mais<br />
tarde, eles vão se pôr claramente: o<br />
do confronto com a fé daquela filosofia<br />
cheia de afinidades e heterogeneidades<br />
com esta mesma fé, e de como<br />
servir-se dessa filosofia como pedestal<br />
da é cristã.<br />
O tipo do católico primitivo não é<br />
mais, então, à la São Charbel Makhlouf,<br />
mas é o homem que tem os pés<br />
na terra. É o católico das catacumbas,<br />
que vive neste mundo, que discursa<br />
(Charbel Makhlouf não discursa; seus<br />
olhos fazem poesia, nada mais), que<br />
interroga e increpa, que se move dentro<br />
da terra e é ativo, e que luta e impulsiona<br />
a história, enquanto os orientais<br />
parecem fixos na eternidade.<br />
Tomem os mártires do Ocidente, por<br />
exemplo: eles entram na arena e fazem<br />
proclamações, increpam o imperador,<br />
passam descomposturas, ameaçam<br />
o povo de castigos divinos, fazem<br />
abrasadas orações públicas de adoração<br />
a Deus; ou então ajoelham-se e se<br />
deixam devorar pelas feras numa atitude<br />
de recolhimento, mas visando a<br />
influenciar a opinião pública, a obter<br />
a conversão de outros, almejando a<br />
ação e fazendo girar a roda da história.<br />
É uma outra impostação, que<br />
não encontramos nas figuras hieráticas<br />
tipicamente orientais do culto primitivo<br />
do catolicismo.<br />
Vemos a Igreja sair das catacumbas<br />
e os pensadores católicos começarem<br />
a se desenvolver. E, entre eles, aquele<br />
que rivaliza com São Tomás de Aquino:<br />
Santo Agostinho.<br />
“Colunas que sustentam<br />
semicírculos perfeitos e harmônicos...”<br />
23
O PENSAMENTO ILOSÓICO DE DR. PLINIO<br />
Santo Agostinho, romano<br />
típico<br />
Para dar uma idéia de como seria o<br />
romano católico, bem como a temperatura<br />
e o calor da Igreja naqueles<br />
tempos, vem a propósito analisarmos<br />
um trecho escrito por Santo Agostinho.<br />
É, a justo título, um dos mais famosos<br />
dele, conhecido como o “colóquio<br />
de Óstia”.<br />
Antes de comentá-lo, importa registrar<br />
alguns dados sobre as circunstâncias<br />
nas quais o colóquio se deu, e<br />
ainda dizer algo sobre a pessoa de<br />
Santo Agostinho. Assim, podemos entender<br />
melhor o Ocidente católico<br />
que nasce. Teremos dado um primeiro<br />
passo, utilizando uma matéria-prima<br />
indiscutivelmente nobre, analisada<br />
a fundo, para aqui lhes transmitir o<br />
que eu desejava.<br />
Santo Agostinho era de Cartago,<br />
urbe romana naquele tempo. A época<br />
em que essa cidade-Estado havia sido<br />
a grande inimiga da República Romana<br />
tinha passado. Ocupada e colonizada<br />
pelos césares, tornou-se parte<br />
integrante do Império.<br />
Santo Agostinho teria composições<br />
étnicas não latinas? Não há elementos<br />
suficientes para se afirmar isso,<br />
mas é certo que estava inteiramente<br />
incorporado à cultura latina, da qual<br />
foi um representante solar. Como<br />
pessoa dessa cultura do povo-rei, da<br />
nação que tinha dominado a Terra,<br />
vemo-lo, através das obras dele, como<br />
um homem de alma possante.<br />
Ele causa a impressão de ter sido<br />
fisicamente grande, sem chegar a ser<br />
um gigante, mas um desses homens<br />
que, quando se movem, parecem levar<br />
consigo toda a natureza. Pessoa<br />
com uma vida vegetativa tão intensa,<br />
que se teria impressão de que o reino<br />
mineral, o reino vegetal, o reino animal<br />
e o homem viviam nele com uma<br />
espécie de plenitude desconcertante.<br />
Senhor de um tom de voz grave e profundo,<br />
porém repercutindo longe como<br />
um desses sinos que podem acordar<br />
um vale ou uma cidade inteira. E<br />
com essa característica própria à alma<br />
dele (mas que seria bem da alma romana):<br />
as suas exclamações e os seus<br />
sentimentos que comoviam todo mundo<br />
a que ele se dirigia. Por causa disso,<br />
uma extraordinária capacidade de<br />
se comunicar, de penetrar nas almas<br />
dos outros, de fazê-las se mexerem<br />
como a dele. Predicado que o tornava<br />
um orador incomparável.<br />
De momento, contudo, não contemplaremos<br />
o orador. Vamos considerá-lo<br />
enquanto um escritor que escreve<br />
suas memórias.<br />
Ele começa por ressaltar que,<br />
quando pequeno, recebeu uma educação<br />
católica. As perseguições de há<br />
muito tinham acabado, o Império Romano<br />
todo era católico, mas Agostinho<br />
muito cedo prevaricou. O pai havia<br />
morrido, ele abandonou a mãe,<br />
meteu-se por vários lados, chegou a<br />
ingressar numa seita herética maniquéia,<br />
perdeu a é completamente e<br />
levou uma vida totalmente corrupta.<br />
Continuou assim até que a mãe dele,<br />
Depois de sua conversão, Santo Agostinho<br />
tornou-se um representante solar do pensamento<br />
católico latino (“Santo Agostinho lendo a<br />
Epístola de São Paulo”, por Gozzoli)<br />
24
“Santo<br />
Agostinho,<br />
um desses<br />
homens que,<br />
quando se<br />
movem,<br />
parecem<br />
levar<br />
consigo<br />
toda a<br />
natureza”<br />
Santa Mônica, rezando e<br />
rezando muito, conseguiu<br />
a conversão do filho.<br />
Este mudou de maneira<br />
radical, correspondendo a<br />
uma conversão — se pudéssemos<br />
usar a palavra<br />
— gigantesca.<br />
Santa Mônica e ele, estabelecidos<br />
no norte da<br />
Itália, resolveram voltar a<br />
morar na África. Na viagem<br />
de retorno, presumivelmente<br />
em etapas não<br />
muito pequenas, chegaram<br />
até Óstia, um porto<br />
marítimo no local onde o<br />
Tibre desemboca no Mediterrâneo,<br />
e de onde partiam<br />
muitos navios para a<br />
África.<br />
Presumivelmente também,<br />
deu-se o seguinte: os<br />
meios de navegação naquele<br />
tempo eram muito<br />
incertos, as naus pequenas<br />
e muito sujeitas às<br />
intempéries, de maneira<br />
que uma viagem nunca<br />
tinha dia fixo de chegada<br />
nem de partida. Ir da Itália<br />
a Cartago, naquela época,<br />
representava uma navegação<br />
a perder de vista<br />
mais incerta do que, por<br />
exemplo, se deslocar hoje<br />
do sul do Chile para a Sibéria,<br />
no oceano Pacífico.<br />
Nos dias de Santo Agostinho,<br />
para se tomar um<br />
navio que fizesse um percurso<br />
bem mais curto, era preciso se<br />
apresentar no porto com larga antecedência,<br />
a fim de se certificar que a<br />
embarcação não chegaria antes e, em<br />
conseqüência, não partiria também<br />
antes da data prevista. Na falta de<br />
agências, era necessário ficar na fila<br />
de embarque...<br />
Santo Agostinho conta, pois, que<br />
ele e a mãe, a caminho de Cartago,<br />
pararam no porto de Óstia. A presunção<br />
de que eles andaram em etapas<br />
grandes, deduz-se das próprias palavras<br />
do Santo, de que estavam descansando<br />
do trajeto árduo que tinham<br />
feito.<br />
Uma vez ali, eles começam a conversar<br />
a respeito das coisas eternas. E<br />
é a mãe, sempre virginalmente católica,<br />
que nunca aderiu a heresia nenhuma,<br />
que trata com o filho convertido<br />
pelas lágrimas dela, mas já então um<br />
santo. É o diálogo de uma santa com<br />
um santo. E para eles, que não tinham<br />
“antena” a la Charbel Makhlouf,<br />
conversa proveitosa era filosofar e<br />
teologizar sobre o Céu. Ou seja, eles<br />
vão tratar do Paraíso Celeste, segundo<br />
o modo de pensar do ocidental.<br />
Porém, abordam o tema com tal alma<br />
e tal ênfase que, sendo tudo raciocinado,<br />
nada tem de racionalista. Mais<br />
tarde, Santo Agostinho escreveria um<br />
eloqüente relato dessa conversa.<br />
Reservamos para o próximo número<br />
a transcrição da parte final desta<br />
conferência, na qual <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta<br />
o colóquio de Óstia.<br />
25
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e Dª Lucilia na sede<br />
do “Legionário”. Ele está de pé,<br />
à direita do Crucifixo, e ela,<br />
sentada à direita de D. Duarte<br />
Leopoldo e Silva<br />
Dezessete anos<br />
M<br />
aio de 1944. Enquanto em quase todo o mundo a 2ª Guerra Mundial continuava<br />
a produzir mortes, brutalidades e lágrimas, a Arquidiocese de São<br />
Paulo ainda sangrava com o trágico desaparecimento de seu antigo Pastor,<br />
ocorrido no ano anterior num desastre de aviação. Talvez porque o sofrimento reaviva as<br />
recordações, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, diretor do “Legionário”, pensou ser oportuna a ocasião para um<br />
exame de consciência sobre a missão desse jornal.<br />
26
No dia 29, o LEGIONÁRIO completará 17 anos<br />
de lutas e de trabalhos. Sua fundação, que se<br />
deu em 1927, coincidiu com as primeiras manifestações<br />
do renascimento católico que se vem pronunciando<br />
de modo cada vez mais acentuado em nosso país.<br />
“Coincidiu” não é, entretanto, bem exatamente o termo:<br />
entre um e outro fato não houve mera coincidência,<br />
mas uma relação vital e direta de causa e efeito. O LE-<br />
GIONÁRIO nasceu do zelo e da dedicação dos pioneiros<br />
que desde a primeira hora levantaram entre nós o estandarte<br />
da reação católica. Ele nasceu, portanto, com uma<br />
missão bem determinada. Cumpria-lhe exprimir as tendências<br />
essenciais dessa reação, velar por que essas tendências,<br />
conservadas íntegras dentro da natural mutabilidade<br />
das circunstâncias e dos tempos, conservassem também<br />
o renouveau de Catolicismo que se operava, e seu verdadeiro<br />
sentido, os seus objetivos inicias, sua continuidade<br />
histórica enfim. Cumpria-lhe ser o porta-voz dessa mentalidade<br />
de reação vital, estenderlhe<br />
a influência, facilitar-lhe o<br />
triunfo final.<br />
Desde o seu primeiro dia, portanto,<br />
o LEGIONÁRIO não teve<br />
o caráter de um órgão católico<br />
inerte, apregoando nossa doutrina<br />
como um sistema abstrativo e<br />
tão indiferente à realidade, que<br />
poderia servir igualmente para o<br />
século XX e para a época em que<br />
os primeiros imperadores da dinastia<br />
dos Mings começavam a<br />
governar a China. Dentro da Santa Igreja, cada época herda,<br />
das anteriores, certas virtudes que lhe cumpre praticar<br />
e acrescer, e se defronta com problemas em função dos<br />
quais deve praticar, de modo especial e por assim dizer novo,<br />
virtudes que as épocas anteriores ainda não tinham<br />
considerado sob o prisma da época presente. Assim, na indefectível<br />
continuidade histórica que existe na Santa Igreja,<br />
pode-se notar de época para época diferenças de matiz<br />
análogas às que se notam, na mesma época, de uma para<br />
outra Ordem Religiosa.<br />
O LEGIONÁRIO situou-se claramente, desde seus primeiros<br />
dias, diante dos problemas particulares à nossa<br />
época, e teve desde logo um feitio espiritual muito característico.<br />
Ele trazia em seu programa todas as promessas e<br />
todas as esperanças da reação religiosa que começava então<br />
a se esboçar. Nesta vigília de um aniversário que transcorrerá<br />
em quadra de tanta significação para a Igreja e a<br />
Cristandade, é bem chegado o momento de um sério exa-<br />
Aspectos de<br />
algumas<br />
manifestações<br />
de<br />
Congregados<br />
Marianos<br />
que<br />
marcaram o<br />
renascimento<br />
católico no<br />
Brasil, em fins<br />
da década<br />
de 20<br />
27
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
me de consciência para os que lutam pela causa de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo.<br />
Dos maiores aos menores, temos todos responsabilidades<br />
que, se no quadro geral dos acontecimentos podem<br />
não ser grandes — aliás, o que não é grande, desde que<br />
interesse à salvação das almas? — são grandes por certo<br />
no quadro de nossas responsabilidades particulares. Um<br />
exame de consciência pressupõe a noção clara de um dever<br />
a cumprir, e a análise de uma conduta para ver se nela<br />
se cumpriu o dever. O exame de consciência confere um<br />
ideal com uma vida, para ver se a vida está à altura do<br />
ideal. É o que procuraremos fazer publicamente.<br />
Reação num ocaso de Cristandade<br />
Qual o ideal inicial do LEGIONÁRIO? Qual a direção<br />
em que se movia a reação espiritual que começava a<br />
clarear os horizontes ideológicos do Brasil em 1927?<br />
Estávamos na liquidação final do regime liberal. Saturados<br />
de ceticismo, de latitudinarismo, de materialismo,<br />
deformados pelo linguajar baixo e deprimente [de parte]<br />
da imprensa, pelo espírito dissoluto do teatro e do cinema,<br />
pelo ambiente de crassa trivialidade em que se desenvolvia<br />
a juventude, aspirávamos todos a um ideal mais alto.<br />
Não tínhamos dúvida sobre esse ideal. Era o Catolicismo,<br />
plenitude de todos os ideais verdadeiros e nobres. Na<br />
atmosfera que respirávamos, duas circunstâncias nos afastavam<br />
desse ideal. De um lado, os inimigos declarados da<br />
Religião. .... De outro lado, os barateadores do espírito<br />
cristão: semi-católicos ....; gente que cria mas não praticava,<br />
gente que cria neste dogma mas que não cria naquele;<br />
gente que conservava, com um rótulo cristão, todos os sintomas<br />
de comodismo, displicência, indiferentismo do espírito<br />
do século. Católicos, enfim, para os quais a Igreja<br />
era um fardo que carregavam sem entusiasmo, um ideal<br />
com o qual procuravam sofismar, um espírito que procuravam<br />
de todos os modos acomodar com o da época, a fim<br />
de terem também a sua parte, lauta e confortável, no<br />
grande festim de Baltazar. .... [Os adversários] desprezavam<br />
a fundo o católico de tipo corrente. Sabiam que<br />
ele era, de antemão, o grande derrotado, pois<br />
que, no momento oportuno, deixaria a carga de<br />
Catolicismo ir a pique, para salvar assim o prazer<br />
de viver. Nesta gente que acendia dois círios,<br />
um a Deus e outro ao demônio, o círio de Deus<br />
minguava, se consumia, bruxuleava. O círio do<br />
demônio era novo, alvo, rijo, sua chama gorda e<br />
cintilante. ....<br />
Estávamos no último lusco-fusco de um ocaso<br />
de Cristandade. Na reação que clareou os horizontes,<br />
havia implícitas duas reações. Uma, contra<br />
os adversários da é, que deveriam aprender<br />
pela rijeza dos golpes que recebessem, que o<br />
campo não estava mais aberto sem reservas à<br />
sua insolência, sua afoiteza, seu cínico desprezo<br />
do Catolicismo. Outra, contra os católicos de<br />
meias medidas — “católicos café com leite”, era<br />
o termo da época — que com o escândalo de sua<br />
tibieza insinuavam por toda a parte a idéia de<br />
que o Catolicismo morria de inanição. ....<br />
Perseverança no ideal dos<br />
primeiros dias<br />
À frente do corpo redatorial do<br />
“Legionário”, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> manteve intacto o ideal<br />
que norteou a postura dessa folha...<br />
Dessas atitudes iniciais, deduziam-se outras.<br />
Odediência entusiástica à Santa Sé. Amor intensíssimo<br />
a todas as Ordens Religiosas, e especialmente<br />
à Companhia de Jesus. Nítido espírito de<br />
contra-revolução: o padre acima e muito acima<br />
do leigo, mais acima ainda o bispo, e acima do<br />
próprio bispo, o Papa. A palavra de um leigo devia<br />
levantar-se sempre para sustentar a autoridade<br />
do sacerdote. Era o sacerdote quem, acima<br />
de tudo, devia dirigir as iniciativas leigas. A<br />
28
palavra do sacerdote era sempre respeitada como a expressão<br />
autêntica do pensamento do bispo, Doutor e<br />
Pastor em sua Diocese.<br />
A palavra do Papa era a palavra do próprio Deus,<br />
fonte de toda a autoridade e de toda a verdade, coluna<br />
na qual se deviam firmar todos os magistérios, para<br />
serem legítimos e válidos. Muita, muita, muitíssima devoção<br />
a Nossa Senhora. Espírito Eucarístico ardente.<br />
Uma especial delicadeza em tudo quanto se refere à<br />
pureza e aos bons costumes.<br />
Em suma, como sempre se deu na Santa Igreja, os<br />
fiéis de escol deveriam amar com especial ardor tudo<br />
aquilo que de modo especial se atacava na Religião.<br />
Os atuais dirigentes do LEGIONÁRIO, em sua<br />
quase totalidade, não pertenceram aos primeiros dias<br />
do jornal. Pessoalmente, só ingressei na Congregação<br />
Mariana de Santa Cecília, à qual então o LE-<br />
GIONÁRIO pertencia, em 1928, como tímido e distante<br />
noviço.<br />
Lembrando-me, entretanto, daqueles tempos saudosos,<br />
dos mais saudosos de toda a minha vida, lembrando-me<br />
de toda a atmosfera intensamente católica<br />
que se oferecia ao meu espírito ávido de adolescente, e<br />
que respirei com a sofreguidão de quem sai de um porão<br />
sombrio para o mais puro dos píncaros de Campos<br />
do Jordão, revivo cheio de reconhecimento e de sau-<br />
... com sua obediência entusiasmada à Santa Sé, seu intenso amor ao clero e às ordens<br />
religiosas, especialmente à Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio (acima)<br />
29
GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
dades uma quadra que me parece um Tabor. E voltando<br />
daí para os dias que correm — tão cheios de angústias, de<br />
apreensões, de problemas — os meus olhares, não posso<br />
deixar de dizer que, graças a Deus, o LEGIONÁRIO de<br />
hoje é bem o de ontem, e que o pendão que ele ostenta<br />
não perdeu nenhum de seus florões.<br />
Toda obra humana tem defeitos, lacunas, misérias. Perdoe-nos<br />
Deus as nossas.<br />
Dentro de poucos dias, festejar-se-á a Universal Mediação<br />
da Rainha do Céu. Pedir-lhe-emos muito especialmente<br />
que nos alcance, com o conhecimento exato de todas<br />
as nossas faltas, um desejo ardente de as emendar, e as<br />
graças necessárias para tal. Mas, ao mesmo tempo, podemos<br />
dizer com humilde reconhecimento que, a despeito<br />
de todas as lacunas, o LEGIONÁRIO é sempre o mesmo<br />
LEGIONÁRIO de seus primeiros dias.<br />
Paladinos da Igreja e do Papado<br />
Antes de tudo, amamos sempre o Pontífice Romano.<br />
Não houve uma palavra do Papa que não publicássemos,<br />
que não explicássemos, que não defendêssemos. Não houve<br />
um interesse da Santa Sé que não reivindicássemos com<br />
o maior ardor de que uma criatura humana seja<br />
capaz. Em nossas palavras, graças a Deus, nenhum<br />
conceito, nenhum matiz, que destoasse<br />
do Magistério de Pedro em uma só vírgula,<br />
em uma só linha sequer.<br />
omos em toda a linha os homens da Hierarquia, cujas<br />
prerrogativas defendemos com ardor estrênuo, contra as<br />
doutrinas que pretendem arrancar ao Episcopado e ao<br />
Clero a direção do laicato católico. Não houve equívocos,<br />
nem confusões, nem tempestades que conseguissem deixar<br />
em nosso estandarte a mais leve mácula neste ponto.<br />
Defendemos em toda a linha o espírito de seleção, de formação<br />
interior, de mortificação e de ruptura com as ignomínias<br />
do século. .... Ninguém se ergueu em nenhuma<br />
parte do mundo contra a Igreja de Deus, que o LEGIO-<br />
NÁRIO, dentro do âmbito evidentemente limitado de<br />
suas possibilidades, não protestasse. Ao mesmo tempo,<br />
nunca perdemos de vista a obrigação de alimentar de todos<br />
os modos a devoção a Nossa Senhora, e ao Santíssimo<br />
Sacramento. Não houve uma só iniciativa católica genuína<br />
que não tivesse todo o nosso entusiástico apoio. Nunca a<br />
estas portas bateu quem tivesse em mira apenas a maior<br />
glória de Deus, sem encontrar colunas amigas e acolhedoras.<br />
Há nesta vida um bom combate a combater. Estamos<br />
extenuados, sangramos por todos os membros. oi neste<br />
combate que nos cansamos, que nos ferimos. Em compensação,<br />
não ousamos pedir como prêmio senão o perdão de<br />
tudo quanto inevitavelmente tenha havido de falível e<br />
de humano nesta obra que deveria ser toda para<br />
Deus, só para Deus.<br />
(Extraído do Legionário, nº 616, 28/5/44.<br />
Subtítulos nossos.)<br />
No programa do<br />
“Legionário”, extrema<br />
devoção a Nossa<br />
Senhora, ao Papado<br />
e ao Santíssimo<br />
Sacramento<br />
30
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Onde o Arcanjo um<br />
dia pousou...
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
OTibre, o velho rio Tibre, corre suavemente por<br />
uma das mais pitorescas zonas da Cidade Eterna.<br />
Em suas águas tranqüilas, deixa refletir os<br />
arcos de uma robusta ponte e a silhueta de uma construção<br />
monumental, conferindo particular beleza a esse<br />
cenário romano.<br />
A ponte, de linhas fortes e traçado muito lógico, foi feita<br />
para resistir às vicissitudes e desgastes dos séculos. Nas<br />
margens onde ela toca cresce uma vegetação nascida ao<br />
léu, com um certo espontâneo e desordenado que a tornam<br />
ainda mais atraente. Ao longo de suas balaustradas se erguem,<br />
em intervalos regulares, imagens de santos e de anjos,<br />
diante das quais os fiéis costumam rezar, enquanto se<br />
dirigem para aquele grande edifício que se espelha no<br />
Tibre. Esses peregrinos vão visitar o Castelo Sant’Angelo.<br />
*<br />
Os antigos imperadores romanos, pagãos, tinham o<br />
hábito de preparar monumentos nos quais deveriam ser<br />
enterrados. Por suas características arquitetônicas, esses<br />
mausoléus procuravam imortalizar o César ali sepultado.
Mais que um túmulo, era uma glorificação à memória do<br />
homem que, por tempo maior ou menor, governara os destinos<br />
de Roma e de seus vastos domínios. Um desses perpetuados<br />
foi o imperador Adriano, cujos restos mortais<br />
descansariam para sempre no monumento que ele mandou<br />
construir, próximo às plácidas águas tiberinas.<br />
Na época imperial chamava-se “Mole Adriana”, nome<br />
bastante adequado se considerarmos tratar-se de um edifício<br />
de grandes e sólidas proporções. De diâmetro colossal,<br />
ele impressiona pelo sério, pelo compacto, pelo imenso.<br />
É uma afirmação do poder quantitativo, qualitativo e<br />
ordenativo de Roma, bem como de seu incontestável domínio<br />
sobre extensa parcela do mundo.<br />
Porém, com o passar dos séculos, os ossos desse Adriano<br />
se desfizeram e dele nada sobrou. A história não o celebra,<br />
apenas o registra, porque ainda permaneceu de pé<br />
seu imponente mausoléu. E metida a cidade de Roma nas<br />
contínuas guerrilhas e guerras da Idade Média, esse túmulo<br />
começou a ser utilizado para finalidades diversas,<br />
transformando-se numa importante fortaleza. Seu papel
LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
defensivo pode ser notado até hoje, por quem visita a sede<br />
do Papado e a Basílica de São Pedro. Visto de fora o Palácio<br />
do Vaticano, nota-se em determinado ponto um corredor<br />
todo coberto, construído sobre arcadas que, mais<br />
adiante, atravessam o Tibre e se emendam na antiga Mole<br />
Adriana, agora Castelo Sant’Angelo. De maneira que,<br />
sentindo-se ameaçado, o Sumo Pontífice podia facilmente<br />
escapar por esse corredor e se refugiar entre os robustos<br />
muros do velho monumento. Era a suprema defesa do<br />
Vigário de Cristo.<br />
Cessados os períodos de convulsões e saques a que se<br />
expunha a Cidade Eterna, o Castelo Sant’Angelo passou a<br />
ser outro lugar de descanso e recolhimento, à disposição<br />
do Papa.<br />
E assim, como tantas outras construções de passadas<br />
eras, esse monumento de um imperador pagão foi incorporado<br />
às tradições e aos valores cristãos, tornando-se<br />
mais um símbolo das grandezas da Igreja.<br />
No alto desse gigantesco castelo paira, sobranceira e<br />
protetora, a imagem de São Miguel Arcanjo. Ela é quem<br />
deu o novo nome ao antigo túmulo imperial.<br />
Narram as crônicas que, durante a Idade Média, devastadora<br />
epidemia se alastrou por Roma, ceifando incontáveis<br />
vidas.<br />
Compadecido e angustiado diante de tanta calamidade,<br />
o Soberano Pontífice ordenou que se fizessem procissões<br />
em toda a cidade, a fim de se alcançar dos Céus o fim daquele<br />
inclemente flagelo.<br />
E suas preces foram atendidas. Pouco depois, como<br />
sinal da misericórdia divina, viu-se o gladífero Arcanjo<br />
pairar sobre a Mole Adriana, numa atitude de quem conjurava<br />
a peste.<br />
Roma voltou à vida. E, desde então, a glória de um imperador<br />
em pó transformou-se em escabelo para o Príncipe<br />
da Milícia Celeste...<br />
v<br />
34
A glória de um imperador<br />
em pó é hoje escabelo<br />
para o Príncipe da Milícia Celeste...<br />
35
Salve, luz pura!<br />
Nossa Senhora é Aquela que gerou a luz do mundo: Jesus<br />
Cristo, Senhor nosso. Ela é o foco dessa luz que as trevas não<br />
conseguiram envolver e impedir que fosse vista pelos homens.<br />
Ela é o canal por meio do qual a luz do Salvador chega até nós.<br />
E Maria tanto resplandece da luz de seu Divino ilho que dir-se-ia ser<br />
Ela a mesma luz. Por isso podemos cantar com a Igreja: Salve radix,<br />
salve porta, ex qua mundo lux est orta — “Salve, ó raiz, ó porta,<br />
pela qual jorrou a luz ao mundo” (da antífona Ave Regina Caelorum).<br />
Devemos pedir à Santíssima Virgem que encha nossas almas dessa luz<br />
que fende as trevas e chega até os homens, libertando-os do erro, do vício,<br />
do crime e do mal.