REBOSTEIO Nº 2
Revista REBOSTEIO DIGITAL número dois - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.
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Minha respiração<br />
é saudade<br />
pelas mordidas não esquivadas.<br />
Aproximei-me da rosa ainda armado.<br />
Toquei a tela que protegia a rosa e<br />
tomei o choque que me fora prometido<br />
na placa da grade, desta vez uma<br />
pancada no braço. E pensei que era<br />
mesmo mais econômico e inteligente<br />
eletrificar somente a tela em lugar de<br />
toda a grade, assim, somente os mais<br />
que abusados fechariam curto se<br />
eletrocutando.<br />
Os cães percebendo-me desprevinido<br />
tornaram a me rondar esperando uma<br />
oportunidade para nova investida. Eu,<br />
de menino em passeio descontraído<br />
passei a animal obsessivo, tanto quanto<br />
os que me rodeavam.<br />
Que pude fazer, ao perceber que<br />
alguém havia aberto as cortinas de uma<br />
das janelas, foi fungar fortemente o<br />
aroma da rosa junto à tela, como quem<br />
leva o que pode dentro de si por não<br />
caber ou amarrotar demais em malas, e<br />
depois sair correndo em meio a euforia<br />
dos cães; patadas e mordidas que me<br />
tangiam, pular a grade, rasgar mais a<br />
calça e as pernas, manchar com sangue<br />
as mesmas pontas de minha invasão<br />
ensandecida.<br />
A rua era deserta. Não me notava ao<br />
momento em que fiz tudo aquilo ou<br />
talvez tenha considerado uma loucura<br />
que deva acometer todas as pessoas, ao<br />
menos, uma vez na vida. Sei que não<br />
me tinha entusiasmo ou euforia pela<br />
aventura o quanto me pareceu devido<br />
em saber disto tudo depois.<br />
A casa era aparentemente um recanto<br />
de férias. Pudera. Ao lado daquela rosa<br />
era tudo um lazer, tudo pelo que se luta<br />
e onde se descansa após a luta. A casa<br />
era imagem dos sonhos operários.<br />
Outrora não parecia ter caseiro.<br />
Contudo, quem alimentaria os cães? A<br />
hipnose da rosa me era maior. Precisei<br />
correr porque parecia que a ponta de<br />
uma espingarda se anunciava no vão da<br />
porta aberta num “croooc”. Não fiquei<br />
para conferir.<br />
Na corrida medrosa o pensamento já<br />
girava em voltar e ganhar a rosa,<br />
arrancá-la de lá. A idéia estalou. Meti a<br />
mão no bolso ciente de meu último<br />
desejo, mas meu desejo ficou pelo<br />
caminho, esvaído pelo furo do bolso,<br />
junto ao meu sangue nos fincos. O<br />
desejo da fada deu-se ao propósito de<br />
proteção da grade e a transformou num<br />
hermético isolamento da rosa, de tal<br />
forma que, sequer, nem lembranças<br />
mais penetram ou podem ir e vir deste<br />
acontecimento, desta rua que não me<br />
vem o nome, desta cidade perdida.<br />
Acontece apenas alguma coisa em meu<br />
instinto, que em visitar um sensitivo<br />
pude descobrir. Eu o procurei em razão<br />
de que tenho, por meus dias de então<br />
“garoto esquecido”, vício de entrar em<br />
perfumarias e sugar com toda a força<br />
das narinas as fragrâncias. Nenhuma<br />
delas me satisfaz. As vendedoras se<br />
aborrecem comigo e já me conhecem.<br />
Comecei a comprar alguns frascos e<br />
dar de presentes para uns amigos para<br />
tornar-me menos chato aos<br />
comerciantes.<br />
Disse a meu consultante que meu<br />
incômodo na vida é constante desde<br />
que ao ato simples e inevitável de<br />
respirar sinto uma imensa nostalgia,<br />
uma dor angustiante no peito. Ele não<br />
me ofertou a cura, apenas me contou<br />
esta história segurando em minhas<br />
mãos de olhos fechados como se<br />
concentrasse a absorver de mim - como<br />
eu em inspirar o aroma da rosa -<br />
explicação para este fenômeno ou<br />
doença que ainda me perturba, e deume<br />
esta história como versão<br />
explicativa à razão de minha respiração<br />
ser saudade.<br />
RODRIGO MACHADO<br />
FREIRE<br />
eu não / e a que me nego pouco<br />
importa!/ digo de minha áspera<br />
inconstância: eu não / antes de<br />
tudo digo “eu não” - nisto vou<br />
agarrado / porque antes de tudo<br />
já não me perdoam “não ser” /<br />
e me inventam “imperdoável” /<br />
“eu não” é como eu sou /<br />
não principalmente.<br />
http://entimesmado.blogspot.com<br />
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