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REBOSTEIO Nº 2

Revista REBOSTEIO DIGITAL número dois - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

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De putas<br />

e deputados<br />

Primeiro veio meu avô, junto com meu<br />

tio mais velho. Sairam de Batatais, interior<br />

do estado e vieram para a capital, São<br />

Paulo, no começo do século 20, em busca<br />

de uma vida melhor.<br />

Meu avô, um excelente sapateiro italiano<br />

acabou se estabelecendo no bairro da Casa<br />

Verde e foi trazendo aos poucos o restante<br />

da família, minha avó e os outros 8 filhos<br />

que lá ficaram.<br />

O segundo a vir, por uma questão<br />

cronológica, foi meu pai, ainda um rapaz<br />

mal saído da adolescência. Tudo foi<br />

combinado através de cartas, o dia em que<br />

ele deveria embarcar, o horário do trem e<br />

meu avô esperando na Estação da Luz.<br />

Mas alguma coisa deu errado, alguma<br />

pequena confusão no que havia sido<br />

decido por intermédio das<br />

correspondências: meu pai chega na Luz e<br />

não tem ninguém a esperá-lo.<br />

Bom, o que poderia fazer um rapaz do<br />

interior, sem conhecer nada daquela já<br />

enorme cidade, sem conhecer ninguém e<br />

sequer um único endereço que pudesse<br />

servir de referência? ficou ali na estação<br />

ferroviária, inseguro e amedrontado à<br />

espera de que alguém pudesse aparecer, ou<br />

mesmo de algum milagre (que é o que se<br />

deseja nessa hora).<br />

O bairro da Luz desde aquela época se<br />

caracterizava por ser uma região de<br />

prostituição. Região do baixo meretrício.<br />

As prostitutas costumavam fazer ponto na<br />

estação, um local óbvio para uma boa e<br />

ampla clientela.<br />

Passados 2 ou 3 dias, chamou-lhes a<br />

atenção ver aquele rapaz ali parado, foram<br />

conversar e ele contou a desventura da<br />

chegada a São Paulo. Como ele não tinha<br />

dinheiro para comer, beber ou fumar, as<br />

mulheres penalizadas e solidárias ao meu<br />

pai passaram a lhe comprar um cafezinho,<br />

um lanche, um cigarro com o pouco<br />

dinheiro que conseguiam.<br />

E assim sob o cuidado, compreensão e<br />

solidariedade das prostitutas, meu pai pode<br />

se aguentar nos dias posteriores até que o<br />

milagre pudesse acontecer.<br />

E o milagre não tardou: um belo dia<br />

alguém chama pelo nome de meu pai. Era<br />

um velho conhecido de Batatais que sabia<br />

onde meu avô estava e lhe passou o<br />

endereço. Chegara ao fim a aventura, ou<br />

como meu pai sempre nos falou, um<br />

aprendizado fundamental na sua formação<br />

como ser humano.<br />

"Seo" Oswaldo, meu pai, sempre nos<br />

contou essa história como exemplo de<br />

respeito que devemos ter para com todos,<br />

independente das condições de vida de<br />

cada um. Mas nunca deixou de contá-la<br />

com certa tristeza e frustração, pois anos<br />

mais tarde, já casado, com filhos e<br />

estabelecido, não pode fazer nada pelas<br />

prostitutas que ele viu sendo presas de<br />

forma violenta e arbitrária, na Estação da<br />

Luz, para serem levadas às zonas de<br />

prostituição nas cidades interior de São<br />

Paulo. Essa provavelmente é a a escola que<br />

o prefeito Kassab teve para a assepsia do<br />

centro de Sampa... aluno bem aplicado.<br />

Dia 25 de dezembro passado, no natal,<br />

meu pai estaria fazendo 96 anos... quanto<br />

tempo se passou!!! as putas continuam lá,<br />

só que em um mundo muito mais cruel e<br />

desumano, menos solidário e artificial,<br />

reflexo de um povo sub moldado à<br />

aparência de todas as autoridades desse<br />

país.<br />

Essas autoridades, sejam do executivo,<br />

legislativo ou judiciário, em qualquer<br />

esfera, municipal, estadual ou federal hoje<br />

tão bem simbolizadas e representadas pela<br />

vergonha dos nossos deputados, nos<br />

cobram caro pelo "programa" de viver.<br />

Não temos mais o referencial da Estação<br />

da Luz, está tudo escuro. Não temos mais a<br />

esperança de um milagre e de alguém que<br />

grite nossos nomes, nem a solidariedade<br />

das putas. Quem faz esse papel nos cobra<br />

caro e não nos permite gozar.<br />

Pai, respeito por essa "gente" não posso<br />

ter... não quero e nem espero nada deles,<br />

afinal você também me ensinou a percorrer<br />

meus próprios caminhos e eu fiz o meu<br />

jeito, a minha maneira. Pra essa "gente"<br />

não dou nem meu voto, preço muito caro<br />

pra esse tipo de michê.<br />

Respeito para e de putas... deputados<br />

NÃO!!!<br />

RUBENS GUILHERME<br />

PESENTI<br />

Desenhista de profissão e editor da<br />

Rebosteio<br />

Escreve no blog Poemastigando:<br />

http://ru666.blogspot.com<br />

página 21

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